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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Hora de analisar o resultado

POR JORDI CASTAN

O resultado das eleições é um Brasil dividido. Quem apostou no ódio, no "nós contra eles", ricos contra pobres, brancos contra pretos, norte contra sul, ou nós contra as “zelites” de olhos azuis ganhou. Hoje há que fazer a leitura das urnas. Quem ganhou em que estados?  Como votaram os municípios?  Qual o perfil do eleitor? Tenho certeza que aqui mesmo no Chuva Ácida não faltaram posts e comentários a se aprofundar no tema.

Teve quem defendeu a sandice do voto em branco: a mensagem é que, com brancos, nulos e abstenções somando mais do 27%, o eleitor se omitiu mesmo e foi a abstenção, junto com o voto em branco, o que serviu para eleger Dilma. Os que defenderam o voto crítico, inventaram mais uma bizarrice e também contribuíram para eleger Dilma. O resultado é que a maioria do eleitorado não votou na candidata que ganhou. Quem acredita que se abstendo, votando em branco ou dando um voto crítico deu algum recado, pode ficar com as suas sutilezas. Porque este pessoal não entende de sutilezas.

Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos. Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância - ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética - é muito menos estrito.  

Minhas felicitações aos que desde este espaço manifestaram seu apoio a candidatura do PT. Lamento profundamente o resultado. Vivo numa cidade e num Estado que majoritariamente votou no candidato que não venceu. Aliás, a mesma Santa Catarina que elegeu Raimundo Colombo no primeiro turno votou em peso em Aécio, que não era o candidato do governador. Em Joinville, enquanto o prefeito Udo Dohler declarava abertamente o voto em Dilma, a candidata do prefeito levou um pau bonito de ver. Sinto-me de alma lavada. No segundo turno apoiei o candidato que venceu em Joinville e em Santa Catarina. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Da utilidade dos retrovisores

POR CLÓVIS GRUNER

O tcheco Max Brod, biógrafo de Franz Kafka, perguntou um dia ao escritor e amigo se ele acreditava existir alguma esperança “fora desse mundo de aparências que conhecemos?”. A resposta foi kafkiana: “Há esperança suficiente, esperança infinita. Mas não para nós”. Lembro-me do diálogo a propósito do segundo turno das eleições presidenciais, que encerram domingo próximo. Está a se vender demasiada esperança em troca do voto, tanto Aécio como Dilma. Esta mais diretamente, aquele quase sempre por metáforas que acusam a candidata à reeleição e seus eleitores de “olhar sempre pelo retrovisor” quando, diz ele, é hora de olharmos para frente.

Pois diferente do que prega Aécio, decidi meu voto no segundo turno – no primeiro fui eleitor de Luciana Genro, do PSOL – principalmente porque cultivo o saudável hábito de olhar sempre pelos retrovisores. Se em uma eleição toda escolha implica certo grau de incerteza e risco, porque não há garantias sobre como o candidato, se eleito, se comportará ao longo do mandato, o recurso ao passado pode servir para orientar escolhas no presente, além de nos ajudar a compor aquilo que o historiador alemão Reinhart Koselleck denominou “horizonte de expectativas”, o mais próximo que nos é permitido vislumbrar do que chamamos de futuro.

OLHAR PARA TRÁS UMA VEZ – De um de meus retrovisores eu vejo um país que em 2011 atingiu o menor índice de desigualdade social da história, muito disso em função do Bolsa Família: em 10 anos, o programa tirou cerca de 36 milhões de pessoas da extrema pobreza e contribuiu para a redução da mortalidade infantil em 40%. Também na última década, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%. As políticas sociais implementadas ou ampliadas pelos governos petistas – e que provocam um surto de esquizofrenia em muitos eleitores tucanos – contribuíram para que neste ano o Brasil, pela primeira vez desde que o instrumento foi criado, ficasse fora do Mapa Mundial da Fome, depois de reduzir em 82% a população em situação de subalimentação.

Em outra área que me afeta sensivelmente, a escolaridade média da população de 25 anos ou mais aumentou na década entre 2002 e 2012, passando de 6,1 para 7,6 anos de estudo completos. O incremento foi mais intenso no ensino fundamental e atingiu principalmente os “mais pobres”, graças a programas como o Viver Sem Limite e o Caminho da Escola, destinados respectivamente à crianças portadores de deficiência e moradoras de zonas rurais e ribeirinhas. No ensino superior, entre outras coisas, a política de cotas ajudou a triplicar o número de negros nas universidades; o programa Ciência Sem Fronteiras levou 60 mil universitários para estagiar e estudar em universidades estrangeiras; novas universidades foram construídas, ampliando o número de vagas em instituições públicas federais; e aumentou a oferta de bolsas para estudantes de graduação e pós-graduação.

(Você também pode dar uma olhada no retrovisor do Murilo Cleto, do blog Desafinado, com uma visão bem mais panorâmica que o meu.)

E OLHAR DE NOVO – No segundo retrovisor as imagens são menos agradáveis. Há a corrupção, mas sua presença nos últimos governos não me incomoda mais nem menos que nos anteriores, no que sou diferente de muitos eleitores, inclusive colegas deste blog, cuja indignação é bastante seletiva. Gostaria de ver todos os culpados presos, mas tucanos e aliados estão e provavelmente continuarão todos soltos. O discurso contra a corrupção, aliás, ajudou a alimentar uma indignação dispersa e sem conteúdo e a transformá-la em um ódio quase patológico dirigido principalmente contra o PT mas, não raro, generalizado e direcionado, indiscriminadamente, à esquerda. Na ausência de propostas, a oposição passou os últimos 12 anos batendo na mesma tecla, ciente de que se trata de um discurso de fácil adesão: ao menos em tese, afinal, mesmo o sujeito que estaciona em vaga proibida, pára o carro em cima da faixa de pedestres ou suborna um agente público, é contra a corrupção, não é mesmo?

Dos fragmentos de imagens que chegam do passado, me incomoda muito mais o viés conservador dos últimos governos, notadamente o último; as alianças comprometedoras, que acabaram por tornar figuras como a senadora Kátia Abreu parte da base de apoio de Dilma Rousseff, além de sua aliada nesta eleição; a ausência de uma política efetiva de garantia dos direitos humanos e das minorias, expressa na indiferença ou mesmo na truculência com que foram tratadas as demandas LGBTs e das comunidades indígenas, por exemplo; a subserviência aos grupos de comunicação, que impediu o governo de levar adiante o necessário e urgente marco regulatório, condição fundamental à uma efetiva democratização das mídias; a criminalização dos movimentos sociais e a repressão violenta, junto com os governos estaduais, das manifestações de 2013 e do #NãoVaiTerCopa, nesse ano; e, enfim, uma política de segurança pública equivocada, cujas escolhas nem de longe tocam no que é fundamental: a desmilitarização da polícia e uma nova política penitenciária.

O RISCO DO RETROCESSO – Na hora de decidir meu voto no segundo turno, isso pesou tanto ou mais que o conjunto de realizações sumariamente elencadas acima. Políticas de inclusão social são sempre muitíssimo bem vindas, mas cidadania não se constroi apenas pela inserção de novos consumidores no mercado, e nosso amadurecimento democrático implica, justamente, seguir avançando naqueles pontos onde os governos petistas – os dois de Lula inclusos – avançaram timidamente ou simplesmente não avançaram. A consciência disso ajuda a contabilizar os riscos de minha escolha e a ajustar minhas expectativas a elas: não acredito que iremos avançar muito mais nos próximos anos do que conseguimos nos últimos quatro.

Mas acredito, por outro lado, que as conquistas sociais elencadas acima, entre outras, são importantes demais para as colocarmos em risco com quatro anos de uma aliança historicamente pouco comprometida com elas. E que a candidatura do PT representa, hoje, se não a garantia mas a possibilidade de não retrocedermos ainda mais nas demais pautas, postas sob ameaça maior em um eventual governo tucano. É claro que, não importa quem seja o próximo partido a ocupar o governo, será preciso tensioná-lo para tentar garantir algumas mudanças que, principalmente os grupos e forças conservadores, temem e recusam, o que não será tarefa fácil. Não há certezas em uma eleição, mas olhar atentamente o retrovisor pode ajudar a evitar retrocessos e evita alimentar ilusões. Talvez não haja esperança suficiente para nós. Mas me satisfaz a ideia de que, no domingo, a memória pode vencer o ódio.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

De que lado você samba?

POR CAROLINA PETERS

Em julho do ano passado, um amigo que estava em Londres me envia a imagem ao lado por email. Uma campanha produzida pelo periódico The Economist e veiculada amplamente em espaços como estações de metrô.

Where do you stand? Em bom português: de que lado você samba? Com uma imagem angelical de Angela Merkel, a campanha visava frear o avanço das manifestações que aconteciam na Europa contra a intervenção da União Europeia, protagonizada pela Alemanha, nas economias locais. Vale comentar que, ao mesmo tempo em que essa campanha midiática tomava corpo, as primeiras análises sobre a recessão que rondava a Alemanha já começavam a surgir.

Lembrando disso, não me estranha o apoio do The Economist ao candidato Aécio Neves. Ou antes, a Armínio Fraga e sua trupe.

Me estranha menos ainda, diante da declaração recente do candidato noticiada pelo Valor Econômico: o Mercosul está ultrapassado, "anacrônico", e é necessário repensar em "áreas de livre comércio". Ora, quer coisa mais anacrônica e furada que a Alca?

A América Latina, por outro lado, compra metade de nossos manufaturados. O Mercosul é responsável por 30%. O BNDES financia diversas obras na região e é assim que aumenta seu lucro. O fortalecimento da economia brasileira, da nossa credibilidade (pra não falar do nosso peso político lá fora), têm muito a ver com o fortalecimento da integração regional. 
Vamos falar de economia?

Criou-se há tempos um mito em torno da política econômica -- e da política, de forma geral -- que afirma que tudo se resolve com gestão, impessoal e mecânica. Economia depende de escolhas, e quem entende e influencia nos rumos da economia mundia sabe bem: de que lado? Há possibilidades diversas de estabilizá-la e fazer crescer. Pode-se investir em produção ou especulação, criar empregos e fortalecer o mercado interno, ou adotar uma política cambial mais maleável. Concentrar os lucros ou distribuir renda. 

Em terra (ou tela?) de comentários truculentos, e acusações de desinformação, é pedir demais que aqueles que pagam de intelectuais repetindo comentários aleatórios sobre o PIB e a inflação alta (alta mesmo?) saibam do que estão falando? 

A economista Leda Paulani, professora da USP e uma intelectual que respeito muito, escreveu essa semana no blog da Boitempo Editorial sobre o Terrorismo Econômico, narrativa que mais uma vez ronda as presidenciais brasileiras. Recomendo profundamente a leitura, junto com o melhor debate deste segundo turno: Guido Mantega e Armínio Fraga no ringue de Mirian Leitão. O link na íntegra está aqui. Aliás, alguém concorda com Fraga que o dinheiro emprestado do FMI foi "barato"? (palavras dele).

A política econômica do governo Dilma está longe dos meus sonhos, mas Armínio Fraga é o bicho papão da minha infância. Eu voto pelo Mercosul.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A Arte da Mentira Política

POR JORDI CASTAN

Na reta final da campanha eleitoral, quando os ânimos estão exacerbados ao extremo e quando a eleição está polarizada entre dois candidatos que tem visões de país e valores diferentes, achei oportuno resgatar um texto publicado em julho de 2010 no jornal A Notícia.

Não lembro de uma campanha de mais baixo nível que a atual. É verdade que a candidata a reeleição ou o ventríloquo que a controla já avisaram que "fariam o diabo" confesso que não esperava tanto. E esse é um erro de avaliação grave, da minha parte, deveria ter imaginado, mas teria ficado curto.

O desespero dos que correm o risco de ser apeados do poder é evidente e os leva a radicalizar isso nunca é bom. Perder o poder é um castigo muito forte para quem durante 12 anos tem tido dificuldade em separar o público do privado. Voltar a ser cidadãos normais pode representar um duro golpe para algumas figuras que sempre têm vivido pendurados nas tetas do dinheiro público.

Igualmente é dura a situação dos que, faz já doze anos, não têm acesso ao Governo Federal. Os ânimos estão acirrados demais, ambos lados radicalizam e na reta final da campanha lembro da cena de um filme de Marx, os irmãos Marx, não o Karl que tantos admiradores tem neste blog. "Mais madeira que é a guerra" é o grito de ordem. Hora de colocar toda a lenha no fogo e de seguir fazendo o diabo.




O Brasil já perdeu o resultado será um país rachado ao meio, entre nós e eles, entre norte e sul, entre ricos e pobres, entre vermelho e azul.

'As pessoas nunca mentem tanto quanto depois de uma caçada, durante uma guerra ou antes de uma eleição.' (Otto Von Bismarck)

A arte da Mentira Política


Recentes estudos comprovam o que todos já estamos carecas de saber. Todos mentimos, a diferencia reside na quantidade de vezes e no tamanho das mentiras. Mark Twain escreveu que “ Ninguém poderia viver com alguém que falasse sempre a verdade.” E é hoje que a sua afirmação se mostra profética.

Especialistas fazem questão de diferenciar as pequenas mentiras, aquelas chamadas caridosas, como por exemplo quando alguém próximo nos pergunta: você acha que engordei? Ou os contadores de historias, Quando todos sabemos que tudo não passa de um exagero ou de uma fabulação, neste grupo é fácil encontrar pescadores e namoradores. Que não podem ser colocadas no mesmo nível que aquelas proferidas pelos mitômanos profissionais, aqueles que tem como objetivo enganar, burlar e se aproveitar da boa fé dos outros.

Neste quesito ninguém consegue um refinamento maior que os nossos políticos. Inclusive já em 1600 o escritor britânico Jonathan Swift escreveu o seu tratado da Arte da Mentira Política, livro de leitura obrigatória em curso de graduação e doutorado, que mostra com todo luxo de detalhes a refinada técnica que deve ser desenvolvida para poder mentir com profissionalismo.

A arte da mentira, requer alem da teoria, a pratica. Só a pratica diária leva a perfeição. Entre as dicas que devem ser seguidas a risca pelos mitômanos profissionais, destacam a de não estabelecer prazos curtos para as promessas que façam, porque podem ser verificados pelos eleitores. Por isto não é recomendável dar datas exatas para inauguração de Parques, praças, PAs (Pronto Atendimentos), ou para asfaltamento de ruas e construção de binários. Sempre é necessário deixar a porta aberta para o imponderável, como desapropriações ou chuvas.

Outro tema que merece ampla discussão é se o povo, tem ou não direito a saber a verdade, a opinião geral é que o povo formado por gente ignara e pouco preparada, deve ser enganado sistematicamente, que não pode e não deve, pelo seu próprio bem, ser confrontado com a verdade.

É verdade, contudo, que frente as mentiras contumazes dos políticos profissionais, o povo responde com as suas. Numa ingênua forma de resposta e equiparação, comentando e fofocando, que fulano engordou no governo, que comprou casa na praia, ou que uma vizinha assegura que a mulher fez uma plástica, paga por um empreiteiro. Tem quem assegura que aquela ex-miss, teria sido a sua amante. Mentiras tolas, que o povo usa para, tentar se equiparar aos verdadeiros gênios do dissimulo e da truanice.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

BRANCO

POR CHARLES HENRIQUE VOOS


No primeiro turno destas eleições, conforme manifesto feito aqui no Chuva Ácida, votei na candidata do PSOL. Os motivos estão todos expostos naquele texto e pretendo segui-los. Sendo assim, creio que seja o momento de dizer o porquê do meu voto em branco no próximo dia 26.

O voto em Luciana no primeiro turno foi também um voto de protesto contra os três grandes da eleição - Dilma, Marina e Aécio, os quais monopolizaram a maioria dos debates nos últimos meses. São, também, candidatos que não representam uma "nova política". Independente de quem chegasse ao segundo turno, daria no mesmo.

Com a ida de Dilma e Aécio para o segundo turno, chegou a hora de tomar uma posição coerente com tudo aquilo que defendo. É evidente que o voto no PSDB de Aécio representa um retrocesso, não somente pelas lembranças de Fernando Henrique Cardoso, mas também por tudo o que este partido vem fazendo na história recente do Brasil em São Paulo, Minas Gerais, no Congresso Nacional e em Joinville, principalmente. 

Votar no PSDB de Aécio é concordar com o mensalão mineiro, com a falta de água em SP, com o cartel do metrô, com a intransigência da polícia nas áreas de ocupações irregulares, e todo o conservadorismo que marca os parlamentares tucanos em Brasília. Não consigo concordar com isto e nem com a filosofia dos seus aliados: Bolsonaro, Malafaia, Marina, e tantos outros. Puxando para a questão urbana, tema no qual me dedico a anos, votar em Aécio representa aceitar todo o esquema montado pelas grandes empreiteiras em prol dos tucanos nos últimos anos. É sabido sim que, quanto mais uma empreiteira injeta dinheiro em campanhas e em diretórios partidários, mais as cidades são formatadas em prol de interesses empresariais. 

E em Joinville tivemos secretário da saúde do PSDB preso por corrupção.

Somado a tudo isto, não podemos esquecer os 27 motivos para não votar em Aécio, link que faz sucesso na internet. 

Sobre a Dilma, preciso reconhecer todos os seus avanços no combate à desigualdade, combate à fome e à miséria. O Brasil tem políticas públicas reconhecidas mundialmente pela ONU e por entidades reconhecidas no estudo da desigualdade, como a Oxfam. Seria burrice de qualquer cidadão brasileiro não reconhecer este avanço. Por outro lado, e voltando à questão urbana brasileira, o governo Dilma representa o mesmo retrocesso que o seu oponente tucano. 

Os recentes incentivos às indústrias automobilísticas rasgam todos os preceitos estabelecidos no Estatuto das Cidades, juntamente com o que mais moderno vem se fazendo nos países desenvolvidos: a abolição do automóvel e o incentivo aos modos coletivos e/ou aos modos não-motorizados. Para dar suporte ao projeto da Copa do Mundo, o governo petista se aliou às grandes empreiteiras, diretamente interessadas na construção de novos estádios e suas respectivas obras de apoio (avenidas, pontes, infraestrutura para o transporte coletivo, etc). Ao mesmo passo que isso acontecia, milhares de famílias foram despejadas de suas casas sem o devido tratamento (segundo a BBC Brasil, mais de 250 mil pessoas foram afetadas). 

Por manter uma linha de coerência, creio que o ideal para quem defende a questão urbana brasileira seja, sim, o voto em branco. Antes que o leitor mais desavisado possa pensar que esta posição caminha rumo a uma neutralidade, antecipo o engano: é um posicionamento claro de que nem Dilma e nem Aécio me representam. Creio, por fim, que os dois também não representem as verdadeiras necessidades da política urbana brasileira. Independente de quem ganhar, as cidades serão as principais prejudicadas e, em consequência, os seus moradores. 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sul e o Norte

POR CAROLINA PETERS

O ódio é, acima de tudo, burro.
Quando mudei para São Paulo, aos 15 anos, conseguir uma informação para chegar do ponto A ao B era quase impossível. Começa que já sou meio desorientada mesmo; que não conhecia nadica de nada da cidade; que minha cartografia catarinense não conseguia ainda dimensionar as distâncias paulistanas. E acaba que eu falava cantadinho. Antes que eu terminasse o pedido, vinha a pergunta:

-- Mas você não é daqui, né?

Eu respondia que não. E como o olhar insistia em mais informações, dizia que vinha de Santa Catarina. Floripa? Não, Joinville. Ah, mas você não fala como gaúcho.. Claro que não.

Depois da mostra de ignorância geográfica, vinha uma enxurrada de elogios às belas praias, às gentes bonitas e educadas, a qualidade de vida. Ao pedacinho de Europa, surrada e maltrapilha, mas Europa, que cultivamos como se existisse no sul do país. Mas por que razão? Por que deixar Santa Catarina?

O bom de São Paulo é que as placas são várias e não sabem ainda falar.

Por vezes, um mesmo que elogiava o meu estado vinha confessar que os migrantes do Norte eram a grande mazela de São Paulo. Aprendi que em SP, ser nordestino é xingamento, daqueles mais variados. “Baiano”, por exemplo, pode querer dizer tanto cafona quanto sujo ou mal educado. A xenofobia nunca é arbitrária ou incondicional. Alguns de fora valem menos, outros, valem mais.

Na minha primeira semana em Fortaleza, folheando o jornal, me deparo com o comentário de uma leitora sobre a sondagem eleitoral no estado do Ceará, que dava à presidenta Dilma ampla vantagem sobre Aécio e Campos - era maio: “Depois há quem reclame de ouvir dos habitantes do Sul e Sudeste que nós, nordestinos, não sabemos votar.”

Gosto muito de uma gravura feita pelo pintor uruguaio Joaquín Torres García em 1943, um mapa invertido da América do Sul. “El Sur es el Norte” é um manifesto de independência artística das escolas europeias e uma afirmação de humanidade dos habitantes do sul do globo. Meu Norte é o Sul: Uma noção que me orienta, um nacionalismo que é libertador, que busca romper com os padrões hegemônicos e produzir seus próprios paradigmas. Que não é xenófobo ou excludente. O oposto do sentimento separatista com o qual convivi em Santa Catarina e São Paulo.

Pensei em um livro que li no início desse ano, relatos de uma jornalista portuguesa que cobriu os dias que antecederam a queda do ditador Hosni Mubarak no Egito em janeiro de 2011. Lá pelas tantas, ao comentar o tratamento que a imprensa internacional dispensava ao levante popular e os posicionamentos de diversos chefes de Estado, ela escreve “para o ocidente, a vida dos outros povos pode sempre esperar”.

O Nordeste cresceu nos governos do PT. Os programas de distribuição de renda movimentaram a economia em pequenas e grandes cidades; o aumento do salário aumento o poder de compra. A economia nordestina cresce mais que a média do Brasil. O nordestino que reelege Dilma o faz por convicção e reflexão, não por ignorância.

O ódio aos homossexuais, aos negros, a misoginia, marcaram o primeiro turno nos debates. Proferidos de maneira explícita por dois candidatos menores que não valem citação, encheram a bola de Aécio, para quem fizeram linha auxiliar, colaborando para levar o tucano ao segundo turno. Apesar do desempenho pífio presidencial, o ódio mais caricato mostrou força nas disputas proporcionais e na disputa pela vaga do senado nos estados.

Na segunda volta, toma conta o ódio de classe que separa o Norte e Nordeste explorados do Sul e Sudeste beneficiários.

Este, ao menos, tem sofrido consecutivas derrotas. Pesquisas recentes e conversas entreouvidas no transporte público indicam que a percepção de que a pobreza é resultado da falta de oportunidade e da desigualdade social, não da preguiça e da vadiagem, como se dizia, tem crescido. Espero que a tendência siga.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Um debate polarizado, de novo

POR CLÓVIS GRUNER

Encerrado o primeiro turno, poucas surpresas ‒ a vitória de Aécio Neves sobre Marina Silva é uma “meia surpresa” ‒ e uma certeza: a política brasileira tem dificuldade de se desvencilhar da polarização PT x PSDB. Desde o retorno das eleições diretas para presidente, em 1989, já foram sete campanhas; petistas e tucanos se enfrentaram em seis delas, com a vitória do PSDB em duas (com FHC em 1994 e 1998, no primeiro turno) e do PT em outras três (2002 e 2006 com Lula; e 2010 com Dilma, todas no segundo turno). Fora do governo há mais de uma década, tucanos e aliados tem sede de voltar a ele e farão literalmente qualquer coisa para isso. Os petistas, por sua vez, sabem que enfrentam seu pleito mais difícil, e que pela primeira vez desde a vitória de Lula há o risco real de saírem derrotados no dia 26 de outubro.

Não será uma disputa fácil, portanto. E embora seja uma espécie de mantra afirmar que o segundo turno é uma “nova eleição”, penso que algumas possibilidades podem ser aventadas com base nos resultados do primeiro. A começar pelo destino dos votos de Marina Silva. Desde o começo da semana, a candidata sinalizava o apoio à candidatura de Aécio Neves, confirmado ontem, no mesmo dia em que Aécio recebeu também o apoio do PV de Eduardo Jorge o PSOL de Luciana Genro declinou de apoiar um dos candidatos, embora desaconselhe o voto no tucano. De todos, certamente o de Marina foi o golpe mais duro para o PT, que provavelmente esperava uma posição neutra, a repetir a posição tomada em 2010. Por outro lado, o apoio a Aécio Neves, se confirmado, pode repercutir a médio prazo nas pretensões de Marina, que corre o risco de perder definitivamente a credibilidade adquirida entre aqueles setores mais à esquerda que, descontentes com os seguidos governos do petistas, depositaram nela alguma expectativa de renovação.

Não acredito, como parte da militância marinista, que sua derrota se deva aos ataques desferidos contra ela pela campanha de Dilma. Primeiro, porque Marina não foi exposta nestes dois meses de campanha mais do que o PT nos últimos 12 anos e de Dilma nos últimos quatro. Ambos sobreviveram, e com chances reais de emplacar o quarto mandato. Seu discurso careceu de solidez e pecou por excesso de ambiguidade. Se é verdade que Marina foi exposta pelo programa e pela militância petistas, sua derrocada se deveu também e, penso, principalmente, ao fato dela mesmo ter se exposto, revelando suas muitas contradições. E isso, me parece, contribuiu mais para a perda de votos que o confronto com a candidata petista.

Junto aos eleitores mais à esquerda, Marina perdeu votos em função de seus flertes com as políticas econômicas neoliberais ou sua capitulação frente às pressões de setores conservadores; à direita, porque tentou aproximar sua candidatura justamente daquelas políticas que estes setores rejeitam, como ficou claro no último debate, quando insinuou que seu programa era mais parecido com o de Luciana Genro do que com o dos tucanos. Pretendendo não ser de esquerda, mas também não de direita, defendendo um princípio vago de governar com “os bons” de todos os lados e matizes, Marina não só perdeu votos ao ponto de nem figurar no segundo turno. Mas turbinou a campanha de seus adversários, principalmente a de Aécio Neves, para onde parece ter migrado boa parte deles.

UMA CAMPANHA DE MEDO E ÓDIO – A meu ver, o pior de Marina Silva ter ficado de fora foi, justamente, o retorno à polarização PT x PSDB que a candidata, por um breve momento, chegou perto de dissolver. Particularmente, eu a preferia em uma disputa com Dilma Rousseff, mas certamente as lideranças e os marqueteiros petistas não concordariam comigo. Tanto que investiram parte de seu tempo e energia para forçar um segundo turno com Aécio e os tucanos, e não é difícil entender as razões. Sob certa perspectiva, Marina representava um risco maior à reeleição de Dilma, inclusive porque suas trajetórias e perfis são, em alguns aspectos, bastante próximos, o que dificultaria o discurso polarizado.

A polarização entre petistas e tucanos interessa ao PT, que poderá afrontar seu adversário ao longo dos próximos dias recorrendo a um discurso baseado principalmente no medo de um passado que muitos eleitores não querem de volta e, contra o qual, o PT se apresenta como o único antídoto. Com Marina, este discurso era mais difícil, porque seu passado e de sua legenda provisória, o PSB, incluía uma passagem pelo governo petista. Tendo ela como adversária, a candidatura petista precisaria deslocar o temor do passado para o futuro. Mas este, como sabemos, é um horizonte de expectativas e pode ser tanto lugar de receio como de esperança. Será preciso esperar o resultado do segundo turno para saber se os estrategistas de campanha acertaram. Tenho dúvidas.

Particularmente, penso que o PT terá de investir mais na tentativa de mostrar aos eleitores que tem capacidade de se reinventar, mesmo depois de 12 anos de governo. E isso me parece fundamental por pelo menos duas razões. Primeiro, porque a quantidade de votos dados aos candidatos de oposição, incluindo os chamados nanicos, sinaliza um claro desejo de renovação. Cabe à candidatura petista mostrar que é capaz de fazê-lo, preservando as conquistas que apresentou ao longo do primeiro turno como seus principais trunfos políticos. Além disso, a quantidade expressiva de votos nulos e brancos, somada a um alto índice de abstenção, deixa claro um outro tipo de descontentamento, não apenas com este governo, mas com o debate político tal como posto hoje, polarizado e pouco criativo. Conquistar parte deste eleitorado é tarefa ainda mais difícil.

Por outro lado, se Aécio Neves tem, a favor dele, o consenso narrativo forjado ao longo dos últimos anos, segundo o qual o PT é a matriz de todos os males, ainda não deixou claro quais são suas propostas e suas soluções para os problemas que acusa no governo petista. Com sua dupla derrota em Minas Gerais, fica mais difícil simplesmente dizer que pretende fazer pelo Brasil o que fez pelo seu estado depois de ter sido rejeitado pela maioria dos mineiros. Sua campanha, fundamentalmente, se alimentou do e repercutiu o ódio contra o PT, e seus eleitores parecem mais odiar o governo petista que, necessariamente, aprová-lo – e a onda de violência contra os votos de nordestinos e pobres nas redes sociais, desqualificando-os, são um indicativo disso. E num ambiente político de paixões exacerbadas e onde, historicamente, poucos são os eleitores que escolhem candidatos baseados em propostas e programas, há o risco que a polarização partidária reverbere em outra, ainda mais nociva à democracia: a que opõem o medo ao ódio. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Papa Francisco e a ACIJ

Por JORDI CASTAN

Escrevi neste mesmo espaço faz poucas semanas que o resultado das eleições seria um suicídio para Joinville - Suicidio eleitoral 1 e Suicidio eleitoral 2 . Se você é leitor do Chuva, já estava sabendo o que vinha pela frente. Não era preciso ter uma bola de cristal para antever que com tantos candidatos locais e com tantos candidatos de fora garimpando votos em Joinville, o resultado não seria bom para a representatividade política da “maior” cidade do estado.

Sem surpresas. A campanha que a ACIJ capitaneou em prol de candidatos que defendessem os interesses de Joinville foi de uma estultice supina. Metade por pura desídia, e a outra por entender que a força da ACIJ nestes temas é equivalente a do Papa Francisco assomado ao seu balcão na Praça de São Pedro, conclamando palestinos e israelenses a buscar a paz, ou instando Putin a que cesse com suas agressões contra as ex- repúblicas soviéticas, ou a reduzir  as guerras e a violência em prol da paz mundial. O Papa faz o seu papel sabendo que nada mudará. A ACIJ fez o dela, e depois convidou aos eleitos para ocupar espaço na mídia e emplacar a imagem do tigre de papel que a entidade empresarial é em temas político-partidários.  

O resultado das eleições estava previsto: brancos e nulos aumentaram, em Santa Catarina 30%; em Joinville 35%,  bem maior que os 28% de votos perdidos na eleição passada. É bom lembrar que a mais alta de história. Depois ainda batem no peito dizendo que somos um povo politizado.  Candidatos de fora levaram mais votos que nas eleições anteriores, 19% frente aos 15% da eleição anterior, quando é preciso que se diga que  a entidade  se empenhou mais em defender o voto por Joinville. Assim se juntamos os votos brancos e nulos, os votos em candidatos de fora, e o excesso de candidatos sem expressão e sem possibilidades de ser eleitos, temos um quadro bastante claro de porque o resultado desta eleição foi um suicídio anunciado. A quem interessa? Essa é a primeira pergunta. Quem se beneficia? É a segunda.




Sobre as eleições presidenciais e o resultado do primeiro turno, ficou provado que não há nenhuma relação entre o resultado das urnas e o mapa do Bolsa Família. Que os estados em que há um maior numero de beneficiários do bolsa família sejam aqueles em que Dilma tenha tido melhores resultados, é pura casualidade. Todos aqueles que insistem em ver no Bolsa Família uma poderosa ferramenta para manter milhões de brasileiros dependentes de um beneficio público que não prevê a redução do numero de beneficiários, tampouco estimula sua inserção no mercado de trabalho e que estoura foguetes cada vez que aumenta o numero de beneficiados, estão errados. Não há nenhuma relação entre uma coisa e outra. Mesmo que os resultados das eleições insistam em querer mostrar que há. Por isso se alguém identificar alguma relação entre uma coisa e outra, deve ser porque os mapas dos resultados eleitorais foram elaborados  por algum instituto aparelhado para distorcer dados e informações e levar os eleitores a conclusões erradas.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O Horário Eleitoral está ultrapassado

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

É um fato que cada vez menos pessoas assistem ao Horário Eleitoral Gratuito. Mas, nos últimos anos, cada vez menos se comenta sobre o que acontece neste tempo das rádios e TVs dedicados ao processo eleitoral. Quanto o Tiririca aparece mais na mídia do que as propostas, é sinal de que alguma coisa está errada, e o erro, neste caso, está no próprio Horário Eleitoral.

Desde a abertura democrática vivida pelo Brasil nos anos 1980 nós temos o mesmo perfil de campanha eleitoral: candidato bonzinho, que mostra a família e as suas origens, fala que quer colocar sua prioridade nas políticas sociais, e deseja o melhor para todo mundo. Soma-se a isto a caricatura das propagandas. Maquiagem, estúdio perfeito, pessoas cooptadas que nem sempre falam a realidade, e desvio de informações são realidades nas mensagens dos candidatos. Parece comercial de margarina.Propostas genéricas dominam o tom de quem está ganhando nas pesquisas, e ataques daqueles que estão atrás desesperados por mais pontos percentuais nos levantamentos de intenção de voto. Para os partidos menores, sobram aberrações eleitorais e uma pífia qualidade de propostas, com raras exceções. A sensação que passa é a de repetição, independente dos nomes. Todos nós já sabemos o que será falado, fazendo com que o Horário Eleitoral fique ultrapassado por outras formas de atingir o eleitor. É aí que entra o poder da internet.

Como o eleitor está cada vez mais conectado à internet, é natural que a TV perca sua função como principal ou única fonte de acesso à informação. É uma premissa consolidada. Sendo assim, a internet cresce como principal ferramenta de pesquisa sobre a vida e proposta dos candidatos; seu passado como cidadão e seus aliados políticos. Por exemplo: a internet foi o principal palanque das propostas dos últimos prefeituráveis em Joinville para as eleições de 2012 e o Chuva Ácida, inclusive, foi decisivo para isso. Neste ano, a internet revelou que certos candidatos não estavam enquadrados na lei da ficha limpa, mesmo sendo condenados pela justiça. E todos os debates originados na internet repercutem no Horário Eleitoral Gratuito.

Quando a gente olha para o Tiririca fazendo paródias em pleno Horário Eleitoral, percebemos que ele está zombando deste, e com razão. É um meio ultrapassado pelas outras formas de comunicação, e seu conteúdo não atende mais as expectativas das pessoas, as quais se utilizam de outras formas para escolherem seus candidatos, nem que para isso usem da compra de votos ou a troca de favores pessoais para quando o candidato se eleger o seu principal método. A campanha acontece em todos os lugares, menos no Horário Eleitoral Gratuito.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O horror à política

POR CLÓVIS GRUNER

Em um texto escrito em 1950, “O que é política?”, a filósofa Hannah Arendt define a política como um lugar de aparecimento de rostos, multiplicidades, diferenças e intervalos. Rostos porque a política não é feita de abstrações, mas de corpos que falam e agem. Multiplicidades porque não se trata de homogeneizar os sujeitos políticos, mas de fazer explodir singularidades. A multiplicidade faz aparecer as diferenças e os intervalos: a política faz-se também na reciprocidade entre os diversos, que constituem relações naqueles interstícios e intervalos que os aproximam sem, por isso, anular-lhes a diferença. “A política”, diz ela, baseia-se na “pluralidade dos homens”; ela deve organizar e regular o convívio de e entre diferentes, não de iguais. Razão porque, para Arendt, o “sentido da política é a liberdade”.

Outro alemão, Jürgen Habermas, criticou em Arendt o que considerava uma concepção idealizada de política. De acordo com ele, Arendt a concebia tomando como modelo uma experiência, a da polis grega, impraticável nas sociedades contemporâneas, não apenas mais populosas como também mais complexas. A filósofa temia o que ele chamou de “midiatização da população” pelas instituições políticas, preferindo a estas a democracia direta e imediata. Diferentemente, Habermas reafirma a pertinência das democracias modernas e representativas, criticando em sua interlocutora a “estilização da polis grega” que está no cerne de suas formulações.

Pois penso que equivocado estava Habermas. Primeiro, acerca de Hannah Arendt, que tinha suficiente sensibilidade histórica para não usar o passado senão como meio para afirmar a possibilidade de pensar diferentemente a política no presente. Nela, a polis não é um lugar ideal ao qual se pretende retornar, mas uma referência necessária para compreender a historicidade da própria política, bem como denunciar os riscos e os limites do modelo representativo. Riscos e limites aos quais Habermas parece, afinal, pouco atento. Sem tensionar a democracia representativa, questionando por outros meios a eficácia da representatividade, sem construirmos outras vias de participação na vida pública além da mediação institucional e burocrática, talvez o que sobre seja, justamente, a despolitização da política.

O QUE RESTA DA POLÍTICA – As eleições deste ano encerram de maneira exemplar este risco. Ao longo dos últimos meses assistimos principalmente o ódio e o medo pautarem os discursos, as ações e as escolhas eleitorais. Nada de novo, a rigor: uma coisa e outra são a tônica do debate público – ou a ausência dele, enfim – desde há algum tempo. Mas era fundamental que fosse diferente em uma eleição presidencial. Não foi. O resultado foi a quase total ausência de uma interlocução efetiva entre partidos, seus candidatos e os eleitores.

Principalmente no chamado G-3, reproduziu-se a velha estratégia de destruir inimigos ao invés de confrontar adversários. E como o objetivo da oposição é vencer Dilma, ela apostou principalmente no velho roteiro denuncista, já bastante desgastado. Marina ainda tentou emplacar o discurso da “nova política”, valendo-se de maneira oportunista das manifestações de junho de 2013. Mas suas alianças com Bornhausen em Santa Catarina e Alckmin em São Paulo, além das mudanças recorrentes no discurso sempre que sentia alguma pressão vinda, ora do agronegócio, ora do pastor Malafaia, comprometeram tal pretensão. Pior fizeram os tucanos: tiveram 12 anos para apresentar um projeto alternativo para o país, e o máximo que conseguiram foi lançar Aécio Neves. E não faltaram previsões catastróficas e gente a defender um “corpo a corpo encarniçado e sangrento” passadas as eleições. Tudo muito patético.

A presidenta Dilma Rousseff teve de enfrentar, e nem sempre o fez bem, o desgaste natural depois de mais de uma década do PT à frente do governo. Embora líder nas pesquisas, ela não conseguiu superar uma contradição que atravessa as gestões petistas: os indicativos sociais positivos, a meu ver a principal conquista dos últimos três governos, não produziram um amadurecimento político mais significativo. Parece ter ocorrido justamente o contrário, e é difícil ao PT escapar ao seu quinhão de responsabilidade. Além de se afastaram dos movimentos sociais, contribuindo inclusive para sua criminalização, os governos Lula e Dilma valeram-se de políticas distributivas bem sucedidas para diluir outros temas e travar pautas fundamentais ao avanço da democracia. A capitulação diante da pressão de segmentos religiosos fundamentalistas e as alianças com setores conservadores, ajuda a entender a indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais a uma política de esquerda.

O ESPETÁCULO DO HORROR – Pois é esta indiferença, justificada pela necessidade de assegurar a governabilidade, uma das responsáveis pela reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da sociedade brasileira. Danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais, reforçada por uma investida midiática que não poupou esforços para estigmatizar toda forma de política, com ela chegamos a uma eleição onde a política cedeu espaço a um espetáculo onde o protagonista é, justa e ironicamente, o horror à política.

E ele se manifestou de maneira brutal no debate entre os candidatos à presidente, na noite de domingo, na rede Record. A resposta do candidato Levy Fidelix a uma pergunta de Luciana Genro sobre o casamento homossexual, é o retrato do quão baixo chegamos depois de anos alimentando o ódio, o ressentimento e a intolerância. Ao afirmar que “aparelho excretor não reproduz”; associar a homossexualidade à pedofilia; sugerir que quem é “portador deste problema” deverá receber tratamento médico e psicológico para curar-se, mas “longe de nós” – onde? Internados em um asilo ou hospício; confinados em um gueto ou em campo de concentração, um triângulo rosa costurado na roupa? –; e conclamar a “maioria” a “enfrentar” a “minoria”, Fidelix não apenas vomitou sua monumental ignorância, mas incentivou a violência.

Mas sua barbárie verbal foi potencializada com o silêncio constrangedor dos demais. Nenhum entre os principais candidatos repudiou o posicionamento do “nanico”. Para não perderem um punhado de votos, perderam a oportunidade de fazer a diferença, enfrentando e denunciando a intolerância e a violência que ela estimula e legitima. A movimentação nos dias seguintes foi uma pálida e envergonhada resposta à repercussão nas redes sociais, e uma tentativa de disfarçar o indisfarçável: para o G-3 a política deixou de ter como função organizar e regular a convivência entre os diferentes, assegurando a todos os direitos civis mais básicos, independente da fé que professem, da cor de sua pele, de sua posição social ou de seu gênero. Tornada técnica, distante das e indiferente às vidas comuns, a política foi desinvestida de seu caráter político. Hoje, nenhuma das três alianças e candidatos que aspiram à presidência reúne as condições de reverter isso. E possivelmente tampouco desejam fazê-lo. 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Essa Gente de Bem.

POR CAROLINA PETERS

Uma revoada de homofóbicos.
Vamos fazer as contas das últimas semanas. Um incêndio criminoso num CTG (Centro de Tradições Gaúchas) no Rio Grande do Sul, dias antes do local sediar a celebração da união de um casal de lésbicas. Uma travesti é espancada e atirada do alto de um caminhão em movimento em Caçapava, São Paulo. A notícia do caso, absolutamente desrespeitosa, a trata por o travesti*, anônimo -- mais uma mostra do péssimo jornalismo que acomete o país.

O caso que possivelmente contou com maior repercussão pela brutalidade e pelo desenrolar, é do assassinado do jovem goiano João Donati. Crime de brutalidade sem tamanho, João foi esquartejado e, para não deixar dúvidas da motivação do crime, o assassino deixou em sua boca um bilhete: vamos acabar com essa raça. Alguns -- os que certamente iam mal nas aulas de interpretação de texto na escola -- podem afirmar que o pronome poderia indicar muitas outras características. Mas os mais espertinhos sabem que "essa raça" se refere aos homossexuais. Os gays. Vi-a-do. B-I-C-H-A.

Parecia que diante de tamanho horror, uma ficha caiu. O termo homofobia virou palavra popular na pauta jornalística. Até que o assassino confessou. E de repente, tudo não passou mais de uma briguinha de amor. Como se um homem que admite ter sentido atração por outro homem, e depois assassina o menino de forma cruel, buscando apagar sua existência desmantelando seu corpo, e deixa tão clara mensagem, talvez até como forma de exorcizar os próprios fantasmas, não pudesse ser taxado de homofóbico.

E o caminho continua livre para a "gente de bem" que defende publicamente no horário gratuito "a vida e os valores da família", mas só da família que garanta o controle social, a propriedade. E a vida de quem interessa.

Fobia: aversão irracional, desproporcional.

Mas a homofobia não é somente a que choca os distraídos. Ao rés-do-chão e em doses mais homeopáticas ela também agride e mata. A revoada de homofobia das "gaivotas" da torcida são-paulina, uma forma de escárnio contra os rivais corintianos, é mais um sintoma. A forma como a homo-afetividade é usada para diminuir um adversário ou antagonista escancara o quanto na nossa sociedade existem pessoas cuja vida vale menos. Cuja vida é descartável.

Há algumas semanas, o próprio Corinthians manifestou seu repúdio aos gritos homofóbicos por seus torcedores. Ainda é pouco, mas quando um dos maiores times do país adota essa postura, é um respiro para quem espera um futebol mais inclusivo, dentro de campo e nas arquibancadas. E também dos portões pra fora. Afinal, o futebol é extensão da vida dos brasileiros. Eu já entrei na campanha para que o meu Flamengo assuma a mesma postura.



*Uma breve nota de gramática: Travesti é uma palavra de gênero neutro. O artigo concordará com o gênero com o qual a pessoa travesti se identifica para si e para o mundo através de diversas linguagens, entre as quais a vestimenta. Dizemos A travesti para as travestis de identidade feminina (sexo biológico masculino, mas identidade de gênero feminina). Dizemos O travesti quando se trata de pessoa de identidade de gênero masculina, nascida com sexo biológico feminino.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Em quem não votar?


POR JORDI CASTAN


Se está esperando uma lista com os nomes e os números dos candidatos em quem seria melhor não votar, pode parar por aqui. Não encontrará essa informação nesse post. Pior ainda se você precisa passar pelo Chuva Ácida para saber em quem não votar. Então você tem um problema grave. Você não é um eleitor informado, você é um eleitor opinionado e isso é perigoso. É perigoso para sua saúde, é perigoso para sua educação, é perigoso para sua segurança e, pior, é muito ruim para o Brasil.

Nesta altura, você já deveria conhecer os nomes dos deputados que enriqueceram depois que entraram na política. Você sabe que esse patrimônio todo não veio do seu trabalho, nem de seu esforço e eles também sabem. Tanto sabem que a maioria esta em nome de laranjas. Que você não sabe? Viu como já intuí que você tem um problema grave? Esses caras são tão caras de pau, os deputados, que nem tem mais vergonha de fazer declarações de bens em que informam patrimônios médios e moderados, carros velhos, imóveis de pouco valor. Em outras palavras, patrimônio de classe média- média.

Eles fazem isso por dois motivos. Primeiro, porque se declarassem todo o seu patrimônio, poderiam ter algum problema com as suas declarações do imposto de renda. O segundo é porque no fundo acham que você eleitor é um trouxa e vai acreditar que eles não tem outro patrimônio que aquele. É uma forma de dizer que eles são iguais a você. Cuidado. Não se deixe iludir, eles não são. Não deixe que se comparem a você. Ainda que se você vai votar neles, pode ser mesmo que eles tenham razão é você tenha muito mais em comum com eles do que imaginava.

Você não sabe quando custa um apartamento naquele prédio da Rua Orestes Guimarães ou na Otto Bohem? Ou quanto custa uma chácara em Campo Alegre ou na Estrada da Ilha? Ou quanto custa um apartamento em Balneário Camboriú ou em Itapema na frente para o mar? Quanto custa um carro é mais fácil, é só dar uma olhada nas revistas especializadas. Mas gostamos de ser enganados. E fechamos primeiro um olho e depois os dois para estes patrimônios milionários, para as festas frequentes com bebidas e comidas importadas e garçons engravatados. Afinal, vemos o candidato comendo pastel ou pão com margarina uma vez a cada quatro anos.

Eleitor, deixe de ser trouxa. Pare de ser cúmplice desses caras, eles não merecem seu voto. Eles estão enganando você.



Outro grupo de candidatos surge entre os atuais vereadores, que aproveitam as verbas partidárias e tiram umas férias legislativas para sair a fazer campanha. A maioria deles não tem nenhuma chance de se eleger, mas topam servir de escada, inclusive a candidatos de fora, com o único objetivo de reforçar o seu nome entre o eleitorado. O objetivo real é unicamente fazer que seja mais fácil a sua reeleição daqui a dois anos. Assim podem esvaziar as sessões do Legislativo Municipal. Ao final das contas, não há em Joinville qualquer tema urgente ou importante que requeira sua presença na Câmara de Vereadores. Analise cada um destes candidatos e diga seriamente qual você acha que de verdade esta em campanha para deputado estadual e qual esta só fazendo de conta que concorre?

Aqui neste mesmo post, você pode dar os nomes deles. Em quem você acha que não devemos votar?
Nem vou dedicar mais de três ou quatro linhas aos candidatos que, tendo participado na última eleição como candidatos à Camara de Vereadores e tendo feito menos votos que na eleição a síndico de prédio, se lançam agora a uma aventura, com pouquíssimas possibilidades de sucesso. Você deveria saber que eles são só comparsas de uma encenação. Não desperdice seu voto com eles. Vote com responsabilidade. Seu voto é a única possibilidade de mudar este país. Comece com aqueles que estão mais perto de você. Conheça-os.

Fica a sugestão. Poste, como comentário, quem você acha que não deveria merecer o nosso voto. Ajude a desmascarar os políticos que devem ser erradicados da vida pública. Vamos ver como anda nosso conhecimento da política estadual. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Marinando

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Reservei-me de comentar as eleições deste ano aqui no blog, pois considerava que a morte de Eduardo Campos não geraria cenários sólidos, e a espera seria necessária. Por um lado, a comoção nacional em torno do ocorrido geraria um cenário favorável para a ecocapitalista Marina (com seu natural crescimento nas pesquisas) e, por outro, um ataque direto de Dilma e Aécio, temendo perder espaço.

Quando um candidato ganha notoriedade, sua vida é revirada por partidos, imprensa e população. Foi isto que aconteceu com a socialista. Sua atuação como Ministra foi posta em xeque juntamente com suas relações com os banqueiros e mega empresários do país. O vice escolhido, Beto Albuquerque, tem estreitas ligações com o agronegócio e contraria tudo aquilo que Marina fala. Contrariedade, digamos, é a marca registrada dela: o escândalo sobre as políticas LGBT no plano de governo fala por si só.

Em um trocadilho tosco, sempre pensei que as intenções de voto para Marina estavam "marinando" em torno do que aconteceu com o jatinho lá em Santos. E a tendência, após as semanas passarem, seria a acomodação para perto do cenário "normal", com Aécio e Marina se aproximando, e Dilma mantendo a ponta, principalmente pela força da máquina estatal e as alianças que ela possibilita. As últimas pesquisas mostram isto. Até a tão badalada vantagem de Marina no segundo turno vem diminuindo.

Quanto aos demais candidatos, outro cenário de acomodação em direção ao natural: Pastor Everaldo desce de seu posto de surpresa, e dá lugar para candidatos com propostas mais densas, como Luciana Genro e Eduardo Jorge. E o resto vira meme na internet ou é motivo de piada.

No segundo turno o jogo é outro, claro, mas a comoção acabou e a fidelidade em torno de Marina está chegando ao fim. É consenso que candidato que sobe rápido demais nas pesquisas e na hora errada, não leva. É esperar para ver.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O Estrangeiro e as Clandestinas


POR CAROLINA PETERS


A “Menina Zero” (M.O.).

Por esses dias eu lembrei uma história triste na qual há muito não pensava.

Era adolescente, época em que explodiu a onda dos Fotologs – uma espécie de instagram rudimentar, um tanto mais próxima dos blogs, que se iniciavam no mesmo período. Estudava em um colégio católico bastante tradicional, líamos Capricho, namorávamos “sério” e nunca falávamos sobre sexo. Começamos uma semana chuvosa com a notícia da morte de uma menina um ano mais velha que eu. Não a conheci pessoalmente nem lembro seu nome, mas era muito amiga de amigas minhas, o que tornou a morte mais próxima. O laudo oficial falava em “infecção generalizada”.

Foi uma história conturbada, daquelas que com o passar dos anos se tornam quase lendas urbanas e que nos dias que seguiram o velório levantou inúmeras conspirações pelos corredores. Diziam as amigas que ela tinha um namorado problemático, falavam em drogadição. Não sei quem era, se era mal sujeito, ou se não gostavam dele porque não fazia parte dos nossos círculos. O pai da menina morrera dias antes, um ataque cardíaco fulminante. Era jovem ainda, não devia ter cinquenta anos. No dia do enterro, o ex-namorado invadiu seu fotolog da menina e postou uma imagem de sapatinhos de tricô, daqueles de bebê. Os menos chegados e mais fofoqueiros que estiveram presentes no velório relataram um corpo inchado, sobretudo no abdome. E logo se espalhou da forma mais desonesta possível o rumor de que M.O. fizera um aborto.

Lembro da reação de minhas amigas – nossas amigas – negando a história, e achando o mais absurdo do mundo a difamação que sofria a morta. Para mim, ambos buscavam anular a existência daquela menina: os que a condenavam – e que foram cúmplices desse assassinato; e as que julgavam proteger, quando negavam a essa jovem mulher o direito da escolha e arbítrio sobre seu corpo. Mais uma camuflada na cifra dos abortos clandestinos no país.

Das poucas menções ao debate do aborto que me lembro nos tempos de colégio, nenhuma trazia dados, posições distintas, textos de apoio. Foram homens, párocos, professores de Ensino Religioso, que de maneira cretina passavam de raspão sobre o tema evitando polêmica; mas ideologicamente certeiros para carimbar a posição: o aborto é um crime contra a vida. No limite, ela(s) merecia(m) morrer?

E o que mais me instiga, já longe de Santa Catarina física e moralmente, era saber que essa menina, a amiga da minha amiga que estudava ali, na sala ao lado, é o ponto fora da curva na estatística alta de mortes decorrentes de abortamento no Brasil. Ela tinha todas as condições financeiras e acesso a equipamento hospitalar para recorrer a um procedimento seguro e anônimo. Quem sabe hoje estaria se formando na faculdade, aceitando um pedido de casamento. Planejando, agora sim, engravidar.

Quantas naquele colégios – nesses colégios tradicionais catarinenses – não deveriam ter feito um aborto? Ou pensado sobre isso num eventual atraso da menstruação? Distante, a morte me parece a consequência lógica de outra história do mesmo período, da menina que esperou o oitavo mês de gestação e uma consulta ginecológica forçada pela mãe – preocupada com a interrupção abrupta no ciclo menstrual da filha – para se declarar grávida.

Se o sexo deixa de existir quando não falamos dele, a vida não pode existir tampouco.

A “Mulher Zero”.
Jandira Magdalena dos Santos talvez agora seja não mais que um corpo carbonizado. Ela tinha o dinheiro (quase R$5mil) para abortar, mas esbarrou na clandestinidade e agora seu rosto estampa jornais e portais de notícia.

Jandira é uma das cerca de um milhão de mulheres brasileiras que decidem interromper a gestação. O número é impreciso devido à ilegalidade que impede uma pequisa mais aprofundada, mas há uns anos, pesquisadoras da UnB divulgaram um estudo interessante sobre o perfil dessas mulheres que optam por realizar um aborto são em sua maioria casadas, cristãs, têm mais de trinta anos. As cerca de um milhão de mulheres que abortamos no Brasil podemos ser eu, sua irmã, mãe, tia. Você.

Pode ser inclusive a vovó. E de quantas avós já ouvi histórias... Não há quem não conheça uma mulher que já fez um aborto. Mas acima da idade; das crenças pessoais; do relacionamento estável ou não; de já terem filhos ou não; das condições financeiras, o ponto em comum entre todas elas é a convicção de que têm o direito de ser mães. E como direito, essa é uma escolha delas, não do Estado ou de qualquer religião. A maternidade não é um karma, uma sina, mas uma escolha consciente que as mulheres tomamos. Porque somos sujeitos de nossa própria história. Porque somos gente.

O Estrangeiro.

Assistindo aos debates e ao horário eleitoral, me senti relendo O estrangeiro, de Albert Camus, em uma versão esteticamente pobre. Aos que nunca leram, ou que por ventura não tenham entendido o texto, se trata da história de um homem condenado à morte por não enlutar a mãe. O homem se torna réu pelo assassinato de um árabe, mas este não passa de um episódio secundário que dá corda à trama. A ação principal não é senão a sobreposição do código moral individual sobre o plano público, o qual deveria ser regido por um código autônomo de forma a garantir igualdade de julgamento a todos os indivíduos, independente de suas convicções íntimas – ou antes, as convicções de seus juízes.

O discurso obscurantista que criminaliza e demoniza a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) é um discurso que criminaliza unicamente as mulheres, como se sua gestação fosse fruto de autogênese. Que submete mesmo aquelas que passam por abortamentos espontâneos, em hospitais públicos e privados de primeira linha, a um atendimento vexatório, negligente. Humilhante. É o discurso que coage famílias simples de crianças estupradas a obrigar essas meninas a seguir com uma gravidez que seus pequenos corpos e mentes infantis não têm condições de gestar. Que dificulta o acesso de uma gestante ao aborto legal – previsto por lei – para que possa dar sequência a um tratamento de saúde emergencial. É um discurso de ódio, que faz das mulheres cidadãs de segunda categoria. O discurso que diz defender a “vida”, defende que nossa vida, a vida das mulheres, valha menos ou quase nada.

Que fique claro aos que se chocam com os vídeos enganosos que circulam pela rede: um feto formado vai nascer. Nossa defesa do aborto considera as semanas iniciais da gestação, entre 12ª e 14ª, conforme exemplos que temos pelo mundo. Enquanto o embrião ainda é dependente do corpo da mulher para sobreviver, ou seja, não tem existência autônoma. Aos curiosos em saber como se parece, sugiro esse link aqui.

Legalizar o aborto não é forçar ninguém a violar suas crenças pessoais. É tratar um grave problema de saúde pública que mata e mutila centenas de mulheres todos os anos, e assegurar dignidade e direito de escolha a todas nós.

"A fazedora de anjos", 1908: tríptico de Pedro Weingärtner, do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, retrata o aborto na virada do século XX. De perto é impressionante.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Marina e a letargia democrática

POR CLÓVIS GRUNER

A semana foi de Marina Silva, e não por menos: fato único na nossa história política recente, a candidata do PSB conseguiu, em apenas duas semanas, mudar radicalmente o roteiro eleitoral, que até sua entrada em cena repetia a mesma polarização PT x PSDB das últimas duas décadas e cinco eleições. A acreditarmos nas pesquisas, o “fator Marina” não apenas conduz a candidatura de Aécio Neves a um fim bíblico (“do pó vieste, ao pó retornarás”), como acendeu todos os sinais de alerta na de Dilma Rousseff, que pela primeira vez vislumbra no horizonte o risco de ver comprometido, em um eventual segundo turno, o projeto da reeleição.

Mas não foi apenas sua ascensão meteórica nas pesquisas que tornou Marina Silva a principal protagonista nos debates políticos e redes sociais. Porque suas intenções de voto crescem na mesma proporção em que se tornam visíveis as muitas fragilidades de seu discurso. Nos dois debates de que participou, por exemplo, a candidata socialista tergiversou sobre todas – e não exagero – as questões controversas e urgentes que lhe foram propostas. Tudo parece se resumir a esta coisa algo vaga que ela define como a “nova política”, ainda que o preço para eventualmente implementá-la no futuro seja firmar, no presente, alianças com alguns velhos políticos.

Ao longo da última semana, à medida que seu protagonismo fez crescer o interesse especialmente midiático por suas ideias e projetos, Marina Silva mergulhou em um sem número de contradições. Entre elas, a mais lamentável foi o episódio envolvendo Silas Malafaia, o pastor que por razões e fantasias insondáveis, lidera uma raivosa campanha contra os direitos LGBTs. Bastou Malafaia falar mais alto, e ela retirou rapidamente do seu Programa de Governo aquilo que poderia comprometer o seu apoio e o voto evangélico e conservador. O episódio traz algo de didático, é verdade: ao recuar diante da pressão de um fundamentalista cristão, Marina sinaliza mais claramente não apenas com quem e para quem pretende governar. Implícita em sua atitude está o risco de retrocedermos ainda mais justamente onde o Estado brasileiro pouco avançou nos últimos anos: a laicidade, condição fundamental para se consolidar uma política de direitos civis efetivamente republicana.

CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ – Ao menos parcialmente, a ascensão de Marina Silva pode ser explicada pelo descontentamento, algo generalizado, com os esquemas políticos que vigoraram nos últimos 20 anos. Como disse anteriormente, ela encarna melhor, para o eleitor médio – aquele não deseja nem a reeleição de Dilma, nem o retorno tucano, mas que pretende escolher seu candidato dentro de limites ideológicos e programáticos mais convencionais –, a “terceira via”. Além disso, sua biografia política é, como a de Lula, singular – o que tornam equivocadas, a meu ver, as inúmeras comparações feitas nos últimos dias entre ela e Fernando Collor.

Uma coisa e outra, e Marina atraiu muitos dos eleitores sem uma candidatura definida e mesmo desinteressados do debate eleitoral, e é significativo que o número de indecisos e de votos brancos e nulos tenha diminuído sensivelmente, também de acordo com as últimas pesquisas. Para muitos eleitores, ela representa efetivamente a promessa de renovação. O que pode significar, entre outras coisas, que para eles as contradições de seu discurso, as incongruências de seu programa de governo e a fragilidade de sua aliança partidária não são importantes ou, talvez, sequer percebidas. As tentativas de dilmistas e aecistas de jogar com o medo do eleitor tão pouco funcionaram até aqui: Marina agrega votos porque conseguiu se posicionar, no imaginário de muitos brasileiros, naquele lugar intermediário entre a continuidade do que é e a reedição do que já foi.

De certa forma ela deu voz e forma aquele sentimento difuso que é “contra tudo o que está aí”, tão presente nas redes sociais e em pelo menos duas ocasiões – as “Jornadas de Junho” de 2013 e, mais recentemente, nas manifestações contra a Copa –, também nas ruas. As outras duas candidaturas que poderiam assumir esse papel – Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV) – não lograram êxito em parte porque abrigadas em legendas “nanicas”, extremamente desfavorecidas pelas regras do jogo eleitoral. Mas também porque a opção por um ou outro implica um posicionamento político e ideológico claro, inexistente quando se trata da candidata socialista. A despolitização é um dos traços da candidatura de Marina Silva e, neste sentido, ela caminha na contramão do legado das manifestações do ano passado.

POLITIZAR A POLÍTICA – Quando milhares de brasileiros, principalmente jovens, saíram às ruas, me misturei à multidão, mesmo não sendo mais jovem, e vi com entusiasmo o que era o retorno da política às ruas, depois de um longo hiato. De certa forma uma resposta ao desgaste, depois de três décadas, do modelo político surgido com a redemocratização, as “Jornadas de Junho” alertavam, entre outras coisas, para a necessidade de fazer avançar a democracia. Num momento em que a maioria dos partidos, o PT inclusive, se distanciava dos segmentos e movimentos sociais, e que o enfrentamento com o discurso conservador ganhava contornos mais claros e críticos, as manifestações de junho nos lembraram da necessidade de inventarmos outras formas de pensar e fazer política.

Nos últimos dias aqui e ali apareceram textos a sugerir uma ligação – mais ou menos tênue, a depender do autor – entre as “Jornadas” de 2013 e a candidatura de Marina Silva. O argumento central é de que, ao colocar fim à polarização partidária, ela reúne as condições para organizar os fluxos dispersos e fragmentados que circularam pelas ruas durante as mobilizações. Em um outro nível, institucional, Marina representaria parte daquilo que estava na ordem do dia das passeatas em função de sua independência frente aos esquemas políticos cristalizados nas candidaturas petista e tucana.

Entendo as razões pelas quais muita gente apostou nisso – e alguns parecem ainda apostar –; mas não consigo concordar com a aproximação. E não apenas porque a candidatura de Marina Silva é a parada do velho novo: seu ingresso oportunista no PSB; sua subserviência aos grupos religiosos e conservadores; as alianças já firmadas e as promessas de apoio futuro, tudo ali é mais do mesmo. Seu discurso calculadamente descompromissado com a “velha política” pode mobilizar votos, mas desmobiliza na política sua capacidade de organizar e regular as multiplicidades e o convívio de e entre diferentes: ao recusar o confronto pela conciliação, sustentada em compromissos vagos, abstratos e contraditórios de futuro, Marina Silva despolitiza a política. Presta um desserviço à nossa ainda frágil democracia, e erra onde as “Jornadas de Junho” acertaram: é preciso fazê-la avançar. Com Marina, na melhor das hipóteses, serão mais quatro anos de letargia.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os plebiscitos e o Estado Laico


POR CAROLINA PETERS

Lembrou bem o Zé Baço: essa história de recomeço das eleições presidenciais não passa do desejo de alguns. “Com o andar do caminhão, as melancias se ajeitam” ele disse e, no limite, acrescento que desde o pleito passado esse desorganizar e reordenar das melancias se dá na boleia brasileira.

Nessa semana, até o 7 de setembro, movimentos sociais e organizações políticas colocarão na rua, nas escolas, universidades e bairros as urnas para o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva da Reforma Política. Essa mobilização que vem tomando corpo desde o ano passado visa dialogar com a população sobre as deficiências do nosso sistema político e apresentar um conjunto de propostas capazes de ampliar a democracia institucional, proporcionando mais espaços de participação popular e privilegiando o debate político-ideológico ao levantar, entre outras bandeiras, a proposta de fim do financiamento privado de campanhas; e colocando o dedo na ferida do fisiologismo questionando as coligações proporcionais.

É uma leitura com a qual eu concordo que a alta influência do poder econômico e a forma de distribuição do horário político gratuito têm cada vez mais esvaziado de política as disputas eleitorais, atribuindo sobretudo ao marketing o papel de consolidar a imagem de tal ou qual candidata (ou candidato) como o melhor gestor para a máquina pública.

No geral, entre as maiores candidaturas, que a mídia carinhosamente chama “principais” e às quais destina privilégios na cobertura jornalística – aquelas candidaturas que contam com maiores recursos financeiros e amplas coligações absolutamente heterogêneas – não há muita diferença. Nuances, talvez. Mas nem bem assumiram as candidaturas, Dilma, Aécio e então Campos reafirmaram seu compromisso sacrossanto com a manutenção do tripé macro-econômico. Em bom português: no limite, tudo fica como está. E a temerosa inflação continua a ser (des)controlada através da alta da taxa de juros, para alegria do capital especulativo, e a pequena produção agrícola familiar, que alimenta os brasileiros, continua sendo escanteada pelos latifúndios de soja e gado para exportação.

Ao mesmo tempo, enxergo outro movimento simultâneo no tabuleiro eleitoral: a volta de um debate mais ideológico à agenda política do país, protagonizado pela direita. A caricata figura do pastor Everaldo cumpre esse papel trazendo às claras uma linha que interessaria, por exemplo, ao PSDB, mas que os tucanos para buscar viabilizar a natimorta candidatura de Aécio não puderam assumir. Pautas que uma Marina Silva, com menor rejeição e inesperadamente recolocada no tabuleiro político pode abraçar sem pudor.

Os direitos das pessoas, de amar, de se relacionar e de crer, são dependentes do seu peso no jogo político. Um tuíde de Malafaia vale mais no jogo da vida do que eu e você. É a defesa de um Estado tão mínimo e privativo que atua somente no campo do privado, com preferência sobre os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas.

É certo que o pleito não se dá em esfera única, e por vezes nos atemos em demasiado à corrida presidencial e deixamos livres de reflexão os concorrentes ao legislativo. O que representa o aumento de 70% no número de pastores concorrentes ao cargo? A liberdade religiosa e de culto deve ser irrestrita, mas qual o limite entre o foro íntimo e a intervenção de determinada crença (com maior poder financeiro, não esqueçamos, pois as mães de santo não tem nem representação no Congresso Nacional e sequer o direito de crença respeitado, sofrendo com recorrente ações arbitrárias policiais em seus terreiros) na esfera politica? Qual o limite entre o direito legítimo e fundamental de expressão e solapar as indualidades por uma crença hegemônica, que conta com vergonhosas isenções fiscais e insumos financeiros do governo para a construção de empreendimentos de negócios – de fé, mas ainda assim, e mais absurdo, negócios? Aproveito e pontuo que a que chamamos Bancada Fundamentalista não atua somente no campo dos costumes, mas mantém relação orgânica com o setor do agronegócio.

Como eu falava no começo: o Plebiscito. Eu voto SIM pela reforma política.

Em tempo, antes que me julguem principista ou contraditória, não se leva a voto direitos individuais. Não se vota pela descriminalização do aborto ou pelo casamento civil igualitário. Se vota pela permissão ou não de doações de pessoas jurídicas a campanhas políticas. Se leva a plebiscito a proposta de desarmamento versus porte de armas. Se leva a plebiscito a reeleição (que aliás voltou recentemente a ser comentada como votação comprada no Congresso...).

É preciso voltar o debate às claras, dar espaço pras opiniões. Permitir espaço para o confronto público. Votar em ideias, não em figuras. Isso faz bem pra democracia.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Suicídio eleitoral [2]

POR JORDI CASTAN


Há 40 candidatos a deputado estadual, com domicílio eleitoral em Joinville, mais outros 8 concorrendo pela região. A maioria nem se elegeria vereador se a eleição fosse hoje. Uma parte não conseguiria sequer se eleger representantes de turma. E há ainda os que não devem receber os votos necessários para ser eleitos síndicos num condomínio com seis pavimentos e dois apartamentos por andar.

A estes há ainda que somar os candidatos à Assembleia Legislativa pela região. São quatro candidatos por São Francisco do Sul, um por Itapoá, outros por Garuva, Araquari, Barra Velha e ainda deve ter um candidato por Barra do Sul. Ao todo oito candidatos a deputado estadual pela região. Quantos destes candidatos acreditam sinceramente que tem alguma chance de se eleger?

O quadro entre os candidatos à Câmara dos Deputados não é muito diferente. Só Joinville tem 21 candidatos, a maioria sem nunca ter sido eleita para outros cargos ou mesmo tendo disputado cargos eletivos para valer. Mesmo assim, não têm o menor problema em se lançar candidatos ao Legislativo, convertendo a campanha num bando de lemures, correndo aloucadamente em direção a um suicídio eleitoral. Sem ter a menor possibilidade, poluem a campanha, impedem um debate consistente e servem de escadinha a os candidatos de sempre, que se usam destes “tontos úteis” para continuar se elegendo. O que leva estes candidatos a lançar-se, mesmo sabendo que não tem a menor chance? É uma boa pergunta e com múltiplas respostas. Cada candidato tem a sua.

Porque é um suicídio eleitoral lançar tantos candidatos? Desde o ponto de vista dos partidos não há nada mais lógico, quantos mais candidatos, mais chances de eleger alguém. Por isso os partidos formam nominatas enormes, mesmo sabendo que a maioria dos candidatos está, na realidade, pleiteando só um emprego ou um cargo comissionado no futuro próximo e não cogita ou não tem a menor possibilidade de realmente se eleger. Os partidos se lançam na disputa pelo eleitor e novos partidos representam também  mais candidatos. Como exemplo, desde as últimas eleições surgiram cinco partidos novos: PSD, SDB, PPL, PEN e o PROS. E nenhum quer ficar sem lançar no mínimo um candidato no maior colégio eleitoral do estado. Resultado, uma enxurrada de candidatos.


Mas esse pessoal não sabe fazer contas? Ou não percebe que quantos mais candidatos menor a chance de eleger mais representantes de Joinville?  E a campanha "Vote por Joinville" não tinha como objetivo melhorar a nossa representatividade e para isso os partidos deveriam concordar em reduzir o número de candidatos? O papel da ACIJ nesta edição da campanha foi semelhante ao do Papa Francisco pedindo o fim da violência em Gaza e Israel. Totalmente inútil. Fez uma declaração,e nada mais. Achando que os partidos imediatamente reduziriam por própria iniciativa o numero de candidatos.

Achou a ACIJ que a política se rege pelos critérios da racionalidade e do bom senso. Sobrou estultice e faltou sair a campo e falar com os partidos e com os seus líderes. Cada partido - e principalmente cada cacique dentro de cada partido - tem os seu próprios interesses pessoais e são eles os que de verdade decidem todo o processo. Cada um faz as suas contas. E numa campanha curta, sem debates entre os candidatos a deputado e dependendo basicamente do tempo de televisão, no horário eleitoral gratuito os atuais deputados têm uma grande vantagem frente aos demais candidatos. Assim, na sua maioria os 40 candidatos por Joinville são meros coadjuvantes, numa grande peça de teatro em que o povo paga a conta e sofre as consequências.