quarta-feira, 28 de junho de 2023

Em inglês, os caras até parecem gênios

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Pensamento é linguagem. Quando a gente está a pensar usa palavras e daí a importância de saber o valor exato de cada uma delas. É também uma forma de defesa, porque manipulação das palavras é uma das marcas do capitalismo. Ou seja, é uma estratégia ligada à construção de narrativas que visam proteger e promover os interesses econômicos e comerciais.


A introdução de léxicos estrangeiros, sobretudo do inglês, é uma prática comum no meio empresarial. Já notaram que idiotice dita em inglês fica logo parecendo uma coisa do outro mundo. Mesmo as piores sacanagens ficam parecendo obras de anjinhos. Os gurus da economia, por exemplo, usam e abusam. Duvida? Então vamos ver alguns exemplos de coisas que, em inglês, assumem significados quase inofensivos.


Downsizing – Na língua dos administradores significa uma inocente redução dos níveis hierárquicos de uma empresa. Mas em linguagem de gente quer dizer que algum gestor inepto não soube fazer o seu trabalho e, para salvar o couro, teve que fechar departamentos e demitir uma porrada de gente. Há uma diferença entre dizer “o cara demitiu funcionários” ou “o administrador procedeu a um downsizing na empresa”. Em inglês, o sujeito até parece um Einstein.


Outsourcing – É a tal “terceirização”: uma empresa compra soluções a outra empresa. Ou seja, demite os seus funcionários (que tinham custos laborais e outras coisas mais), perde o know-how acumulado e passa a comprar de outro sujeito que produz com custos menores. E por vezes com os mesmos trabalhadores que foram demitidos.


Team building - É uma estratégia para motivar os trabalhadores e, desta forma, melhorar as performances no trabalho em equipe. O team building pressupõe uma série de atividades em que a colaboração entre trabalhadores e o eixo central. Na realidade são ações que contam com benefícios fiscais e pouco custam às empresas.


Outplacement – Isso acontece depois das demissões do tal downsizing. É quando se tenta recolocar um ex-trabalhador numa outra empresa. Dito em língua de gente simples quer dizer: “Nós te demitimos e estamos nos cagando para ti. Mas somos simpáticos e até indicaremos um consultor para te orientar. Também vamos escrever umas cartinhas para levares a outras empresas. No fim vais achar que nós, que te demos com o pé na bunda, somos mais bonzinhos que a Madre Teresa de Calcutá”.


Empowerment – É empoderamento em português. Significa dividir o poder de decisão com o grupo de trabalho. É uma forma de um superior se livrar de tarefas chatas e passar a batata quente para as mãos dos subordinados. E o chefe sempre tem alguém para pôr a culpa se a coisa sair mal.


Benchmarking – Parece sofisticado, né? É tomar decisões a partir do exemplo de outras empresas. Ou seja, quando um administrador não tem a menor imaginação, ele copia os outros. Copiar é mau. Mas um cara que faz “benchmarking” é capaz de acabar candidato ao Nobel de Economia (que, por sinal, é um equívoco, porque só há Nobel de Física, Química, Medicina, Literatura e Paz).


É a dança da chuva.

Or rephrasing, it's the rain dance.


Foto: Ron Lach


domingo, 25 de junho de 2023

Entender fatos complexos com tweets? Não dá...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma diferença notória entre o jornalismo brasileiro e o europeu. É a atenção que se dá ao noticiário internacional. Todos os dias um cidadão europeu é impactado por muitas horas sobre os fatos do mundo. Tudo  com analistas que vêm do próprio jornalismo, mas também de especialistas nessa área, sejam acadêmicos ou pessoas com autoridade nas áreas em discussão.

Isso não é uma realidade no Brasil. Lembro, por exemplo, que em tempos passados os grandes expoentes da análise internacional eram jornalistas como Newton Carlos, precursor do colunismo internacional na mídia brasileira, ou Clóvis Rossi, que passou a maior parte da carreira na Folha de S. Paulo. O fato é que não há uma tradição nessa área e o Brasil parece mesmo ser “periférico”.

Quando estava no jornalismo diário, houve ocasiões em que ocupei a função de editor internacional, sempre de forma pontual. Foi o suficiente para  perceber a dificuldade do trabalho, uma vez que o acesso à informação era muito limitado. O que um editor de internacional fazia era "baixar" as notícias que chegavam das agências. Não era preciso saber de geopolítica e nem mesmo falar línguas.

Há os fatos. Os jornalistas europeus têm acesso mais direto às fontes de notícias internacionais devido à proximidade geográfica com os principais centros de poder. Isso permite uma cobertura mais abrangente e detalhada dos acontecimentos globais. Além disso, muitos países europeus têm uma longa tradição de jornalismo investigativo e de qualidade.

No caso do Brasil, em primeiro lugar, a distância geográfica pode dificultar o acesso direto às fontes de notícias internacionais. Além disso, os meios de comunicação brasileiros têm uma realidade política, econômica e social específica, que pode influenciar as prioridades da cobertura jornalística. Tudo isso sem falar que o jornalismo passa por dificuldades financeiras.

Não surpreende que hoje em dia, quando temos um evento mundial como a invasão da Ucrânia, mesmo os cidadãos considerados mais instruídas estejam a patinar na análise. Isso é resultado da falta de tradição, de referências ou de uma cultura jornalística sem foco no internacional. Muitos acham possível entender fenômenos complexos com base em ideias desgarradas das redes sociais. Não dá. Tem que estudar.

Isso torna possível que uma certa “esquerda” brasileira acabe aderindo às teses da propaganda russa, uma máquina poderosíssima. Os sites de “referência” dessa esquerda estão subordinados ao ideário de Putin. Não por noções de geopolítica, mas por uma ideia simplória: "eu sou contra os EUA e vou aderir a tudo o que for contra". Mesmo que o regime de Putin seja uma ditadura. Esquerda?

Para terem uma ideia, hoje, num domingo do verão europeu, já ouvi dois programas de uma hora totalmente dedicados ao internacional. Em debate, a ação humanitária na Europa, a reconstrução e o Erasmus (programa das universidades) na Ucrânia, eleições na Espanha, tensão no Kosovo, o legado de Berlusconi e, claro, os fatos envolvendo o grupo Wagner.

Isto é apenas para deixar a ideia de que um cidadão europeu está exposto a mais horas de noticiário internacional do que os brasileiros. E que análises sérias não podem ser feitas apenas a partir de tweets ou sites que sequer têm jornalistas no exterior e limitam-se a fazer um corte e cola de serviços gratuitos (não há almoços grátis). É preciso mais, muito mais…

É a dança da chuva

Newton Carlos foi um dos expoentes do jornalismo internacional no Brasil


sexta-feira, 23 de junho de 2023

Do Titan ao Kursk, a implosão catastrófica da memória

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO 

A tragédia do Titan emocionou meio mundo. Durante dias as televisões não falaram de outra coisa, o que contribuiu para atiçar o interesse das massas. Mas todas as dúvidas foram dissipadas quando a guarda costeira dos EUA confirmou que os ocupantes do submergível haviam morrido de uma “implosão catastrófica” no fundo do Atlântico.

Sem surpresa, as redes sociais passaram a fazer circular versões, teorias e até foram desenterrar fatos históricos. Em tempos de guerra, com o foco na invasão da Ucrânia, houve quem lembrasse de uma notícia antiga: o submarino usado por James Cameron para filmar “Titanic” era russo, por ser mais seguro. Os adoradores do proto-ditador Putin celebram essa “superioridade” russa.

É apenas um problema de memória. Ninguém parece lembrar do submarino russo Kursk, que afundou no Mar de Barents, em 2000, matando toda a tripulação. Dos 118 tripulantes a bordo, apenas 23 conseguiram sobreviver inicialmente e se refugiar em uma seção danificada do submarino. No entanto, devido à lentidão no resgate, morreram todos por falta de oxigênio.

O presidente Vladimir Putin mostrou relutância em aceitar ajuda externa para o resgate dos tripulantes. Mas à medida que o tempo passava, a pressão aumentou e ele acabou aceitando assistência internacional. No entanto, por causa dessa resistência os mergulhadores europeus só entraram em ação oito dias depois. E já era tarde.

A abordagem de Vladimir Putin em relação ao desastre do Kursk foi alvo de discussões e controvérsias, com questionamentos sobre a resposta russa. Mas hoje isso já não é assunto e a memória do Kursk representa apenas uma implosão catastrófica na memória dos adoradores de Vladimir Putin.

É a dança da chuva.

Foto: Harvey Clements

segunda-feira, 19 de junho de 2023

BRICS: o lado bom e o lado perigoso

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma nova configuração geopolítica a ser formada. A lógica de uma potência hegemônica, no caso os Estados Unidos, está a ser posta em xeque com o crescimento da China. No caso do Brasil, a integração nos BRICS aponta o caminho para um novo rumo de integração econômica. Até aí tudo bem.

Se a aliança dos BRICS é boa na economia, não é possível dizer o mesmo no plano da política. O Brasil é um país que procura a consolidação de democracia, depois de se safar das atrocidades bolsonaristas, e os integrantes do BRICS não são países muito focados no respeito pelas liberdades individuais.

- A Rússia tem muitas restrições no que toca às liberdades civis, incluindo limitações à liberdade de expressão, imprensa e manifestação. Há restrições à atividade política e uma tendência de supressão da dissidência. Tudo isso sem falar que Putin decidiu invadir a Ucrânia.

- A Índia, que vinha mantendo uma democracia vibrante e uma imprensa livre, nos últimos anos tem enfrentado restrições à liberdade de expressão, especialmente em relação a críticas ao governo. Tudo isso sem falar em  questões de intolerância religiosa e censura online.

- A China tem um sistema político autoritário, com restrições significativas no plano das liberdades civis. Há censura estrita na mídia e na internet, controle sobre organizações da sociedade civil e violações dos direitos humanos em áreas como o Tibet e Xinjiang. Tudo isso sem falar nos pesadelos de Hong Kong e Macau.

- A África do Sul tem uma constituição progressista, que protege as liberdades civis. No entanto, o país enfrenta desafios, como altos níveis de criminalidade e desigualdades sociais. Na economia, os problemas no plano energético atrasam o desenvolvimento. O governo de Matamela Ramaphosa não tem conseguido oferecer respostas, apesar do respeito pelo presidente.

Isso quer dizer que o Brasil tem dividendos a tirar no plano econômico, mas é preciso ter muito cuidado no que se relaciona às questões da política. O fato é que o país está em péssimas companhias, sobretudo China, Índia e Rússia, quando o tema é a democracia. Não quer dizer que o contágio político seja uma coisa linear, mas pode causar dissensões no futuro.








sábado, 17 de junho de 2023

Brasileiros em Portugal: o quartinho da empregada

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um jornal português anuncia que “mais de 250 mil brasileiros compraram casa em Portugal”. Mais do que isso, os investidores do patropi continuam a representar o principal filão estrangeiro para o mercado português do setor. E com destaque para um fator,  porque estamos a falar do mercado imobiliário de luxo.

É natural que essa tendência tenha provocado algumas mudanças, mesmo culturais, em Portugal. O dinheiro manda. Para satisfazer os brasileiros endinheirados, algumas construtoras começaram repensar as plantas dos imóveis para introduzir um espaço específico: o quartinho da empregada. A ideia tinha desaparecido em Portugal.

Há poucas expressões mais odiáveis do que “quartinho da empregada”. Porque é a extensão moderna da senzala de Gilberto Freyre. Na época colonial era um espaço de exploração e submissão, onde os escravos viviam em condições precárias. O "quartinho da empregada" parece ser uma repaginação dessa situação.

É cultural. Os escravos de ontem parecem ter sido substituídos pelos pobres e periféricos de hoje. E há que juntar o cheiro do patriarcado, uma vez que é raro (ou mesmo impossível) ouvir a expressão "quartinho do empregado". A casa grande patriarcal sempre aceitou a presença das mulheres, mas não dos homens.

Enfim, o quartinho da empregada é um espaço de segregação social e econômica, como era a senzala. É palco de desigualdades e relações de poder presentes na sociedade brasileira em diferentes momentos históricos. Afinal, para os endinheirados brasileiros a riqueza só faz sentido se houver pobres por perto.

Sociologias à parte, não resisto a um comentário em linguagem mais chã: essa gente vota Bolsonaro e foge para Portugal, um país neste momento governado por socialistas. Aliás, convém dizer que para os portugueses o Partido Socialista é de centro esquerda com algumas decaídas neoliberais. E, mesmo assim, no Brasil seriam considerados malfeitores comunistas do piorio.

Em tempo: as expressões "elevador social" e "elevador de serviço" também são abjetas na sua aplicação concreta.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 14 de junho de 2023

Os vereadores de Joinville estão com tempo de sobra?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O melhor lugar do mundo para trabalhar deve ser a Câmara de Vereadores de Joinville. E a melhor função (tenho dúvidas se chamo “trabalho”) deve ser a de vereador. Porque, ao que parece, eles têm tempo de sobra. Afinal, é preciso "estar de varde" (expressão que aprendi em Joinville) para mandar pelo ralo o tempo que, vale lembrar, é pago pelos cidadãos.

Vejam só a utilidade desta ação. Leio, no pouco que resta da imprensa na cidade, que a Câmara de Vereadores aprovou uma moção, dirigida ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para que encaminhe a denúncia que pede a abertura do processo de impeachment do presidente Lula. E pronto. Joinville está salva. Depois desta ação, a qualidade de vida dos joinvilenses está garantida.

O documento, apresentado pelo vereador Willian Tonezi, teve onze votos favoráveis e um previsível voto contra da vereadora Ana Lucia Martins, do Partido dos Trabalhadores. Aliás, o quórum foi tão baixo porque os demais vereadores não estavam por lá. A acusação feita na moção é de ingovernabilidade e também a condenação de algumas falas do presidente.

Gênios. Depois da hecatombe que foi o governo Bolsonaro, nos últimos quatro anos, agora é que eles enxergam “ingovernabilidade”. E foi preciso esperar apenas cinco meses. Ora, as pessoas têm direito às suas opiniões, mas não aos próprios fatos. Porque a realidade está dando o drible da vaca nos sujeitos. O governo Lula acumula resultados positivos. Bola no meio das canetas dos vereadores. Olé!

E já que recorro às metáforas do futebol, tenho uma sugestão para os vereadores. Enviem uma moção para os dirigentes do Brasileirão e peçam o impedimento do Botafogo na liderança do campeonato. Afinal, o técnico Luís Castro anda meio comunista. Olhem só o que ele disse: “Para mim (...) é o trabalho com dignidade e honestidade intelectual que conta”.

Huuummm... má citação. Agora vêm esses portugas com essa conversa de trabalhar.

É a dança da chuva.






segunda-feira, 12 de junho de 2023

Free Assange: Lula e a hipocrisia da democracia dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Em mensagem no Twitter, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse estar preocupado com a ameaça da extradição, para os EUA, do jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Há poucos dias, o Tribunal Superior de Londres rejeitou o recurso do jornalista e a extradição pode estar iminente. A preocupação não deve ser apenas de Lula, mas de todas as pessoas que defendem a democracia e a liberdade de imprensa.

"Vejo com preocupação a possibilidade iminente de extradição do jornalista Julian Assange. Assange fez um importante trabalho de denúncia de ações ilegítimas de um Estado contra outro. Sua prisão vai contra a defesa da democracia e da liberdade de imprensa. É importante que todos nos mobilizemos em sua defesa", diz a nota do presidente brasileiro.

Que imputações pesam sobre o jornalista e ativista australiano nos EUA? Assange deve responder por 18 acusações de espionagem, o que inclui a violação das leis de segurança, divulgação de informações confidenciais, cumplicidade em hacking e violação de acordos diplomáticos. As condenações podem levar a uma pena de até 175 anos. As acusações são muitas, mas Assange fez o que qualquer jornalista deveria fazer: divulgar de informações de interesse público.

Convém lembrar que o historial de espionagem dos EUA não é dos mais abonatórios. É só lembrar o caso Edward Snowden e as denúncias de interceptação de comunicações da ex-presidente Dilma Rousseff e membros do governo do Brasil. A informação não teve grande impacto na opinião pública brasileira, porque o país estava a mergulhar no período de instabilidades que resultou no impeachment da presidente.

O fato é que está em jogo mais do que a liberdade de um homem. A extradição e consequente julgamento de Julian Assange é um duro golpe contra a liberdade de imprensa. Afinal, revelar abusos governamentais, como o desrespeito pelos direitos humanos e violações das leis internacionais, é obrigação de qualquer jornalista. E o caso Assange não se coaduna com a pretensão dos EUA de serem os líderes da democracia mundial.

Não é a primeira vez que Luiz Inácio Lula da Silva é duro ao falar no caso do jornalista. Há poucas semanas, na Inglaterra - país onde Assange permanece preso - durante uma coletiva, o presidente lembrou o tema. "É uma vergonha que um jornalista que denunciou a falcatrua de um Estado contra outro esteja preso e condenado a morrer em uma cadeia", atacou Luiz Inácio Lula da Silva.

É a dança da chuva



Multar é um bom negócio

POR JORDI CASTAN

A indústria da multa voltou com toda a sanha arrecadatória. Os famosos “pardais” estão sendo instalados por toda a cidade, a maioria nos pontos de “sempre”. O objetivo é um só: multar, multar e arrecadar.

Já sei que vou escutar que “é só andar na velocidade certa que não serei multado”. Que “não há indústria da multa”, que “o bolso é o órgão mais sensível do brasileiro”. Minha resposta será sempre a mesma: “Tolos, tolos, como vocês são tolos”.  Durante anos, por incompetência supina do poder público, Joinville ficou sem radares. Licitações malfeitas, até com suspeitas de direcionamento, não permitiram que o serviço continuasse funcionando.

Resultado: o número de acidentes fatais nos pontos em que os radares foram desabilitados aumentou assustadoramente. Será? Onde estão os dados? O poder público não apresentou nenhum dado, nenhum estudo, nenhuma prova que mostre que houve aumento do número de acidentes nos pontos em que os radares foram retirados. 

Será que foi porque não houve? E essa falta de provas derrubaria a narrativa em favor dos radares. O edital de fiscalização eletrônica prevê a instalação de um total de 222 pontos de fiscalização eletrônica de trânsito. Dessas, 110 são radares de 60 km/h, 60 lombadas 40 km/h e 62 semáforos com radar 60 km/h.

O poder público teria outro argumento que tampouco apresentou: a relação de acidentes graves ou fatais por bairro, rua, ponto, para justificar a localização dos novos pontos de radar. Tampouco estes dados foram apresentados, ou não estão disponíveis ou não interessa que sejam divulgados.

Vai que alguém faz o cruzamento entre acidentes e radares e verifica que uma coisa não fecha com a outra. A única divulgação feita pelo poder público foi a localização dos radares. Sem estudos, sem provas, sem outro critério técnico que o de multar. Tanto é assim que na gestão anterior alguns radares foram desligados porque multavam pouco e não eram rentáveis.

Ora, o objetivo dos radares deve ser o de aumentar a segurança, reduzir o número de acidentes graves e fatais. É essa informação a única que derrubará o discurso de que há em Joinville uma indústria da multa.

Vamos aos fatos. Joinville precisa instrumentos para gerenciar o trânsito com mais eficiência? Precisa. É sustentável um modelo de cidade em que o uso do veículo individual cresce a taxas maiores que o crescimento populacional? Evidente que não. Há uma política pública que priorize o pedestre e o ciclista? Por enquanto, há só um discurso, que não se sustenta com ações concretas.


Mas não é só andar na linha que não haverá multas e esta logica cairá por terra? Pois veja você que não é bem assim. A instalação de radares em pontos com descidas retas, sem cruzamentos, nem passagens de pedestres próximos, lugares em que de forma natural os carros aumentam ligeiramente a velocidade, não parece que tenha outro objetivo que o de multar mais.

Até poderia discorrer sobre o papel vergonhoso e covarde dos guardas de trânsito que se escondem para multar e como o cidadão a pé, como você e como eu não temos defesa. Como provar que não estava com o celular ou sem o cinto de segurança? Seria, no melhor dos casos, a minha palavra, contra a do agente. Perdeu Playboy! Sem chance de defesa para o cidadão, a indústria da multa viceja.



domingo, 11 de junho de 2023

A “esquerda” brasileira e a nostalgia da URSS

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A invasão da Ucrânia trouxe à discussão um sentimento que andava meio adormecido: a nostalgia da URSS. É um sentimento compreensível quando estamos a falar de pessoas que viveram nos antigos países soviéticos. Mas vira um elefante atrás da orelha quando esse sentimento afeta uma certa “esquerda” brasileira. Afinal, é possível sentir nostalgia de uma coisa que não se viveu?

É uma matriosca de estupidezes. Há brasileiros a acreditar que o autocrata Putin é comunista. Tolice. Desde que assumiu, ele implementou políticas econômicas liberais que promovem o capitalismo de Estado e a consolidação do poder estatal. O surgimento de uma casta de oligarcas russos, que açambarca fortunas ultrajantes, é a demonstração de que o regime pode ser tudo menos comunista.

Há também quem o considere herdeiro da antiga URSS. Mas até uma criança de seis anos sabe que as ações de política externa de Putin têm muito de imperialismo. É só lembrar a segunda guerra da Chechênia, o conflito da Ossétia do Sul, a anexação da Crimeia ou mesmo guerra na Ucrânia. Tudo isso sem falar na intervenção militar na Síria, que ainda persiste.

Enfim, essa nostalgia é apenas um samba do crioulo doido (reproduzindo expressão da música de Sérgio Porto). É preciso olhar para a etimologia da palavra. Nostalgia vem do grego “nóstos” (reencontro) e “álgos” (dor, sofrimento). Não há reencontro ou qualquer experiência pessoal de sofrimento. E ter saudades de um regime que não se viveu é apenas esquizofrenia ideológica.

É a dança da chuva.

terça-feira, 6 de junho de 2023

O Efeito Flynn Reverso explica a burrice dos bolsonaristas


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
 
Como foi que o Brasil elegeu e suportou, por quatro anos, um presidente que, em português suave, era uma perfeita mula? Pior. Como se explica que, ainda hoje, haja gente a seguir esse muar? É possível encontrar muitas explicações e uma delas pode ser aquilo que muita gente chama “Efeito Flynn Reverso”. O que é?
Tendo estudos de QI como referência, alguns resultados sugerem que, em certos lugares, as pontuações começaram a diminuir nas últimas décadas. Ou seja, as pessoas estariam ficando mais burras do que as gerações anteriores. A teoria não tem consenso, mas não resisto a dizer que é uma explicação bastante razoável para o bolsonarismo.
O Efeito Flynn, uma homenagem ao psicólogo James Flynn, fala do fenômeno observado em muitos países de aumento constante nos resultados de testes de QI, ao longo dos tempos. Ou seja, havia um aumento na capacidade cognitiva da população. O efeito foi observado desde a década de 1930 até quase ao final do século XX.
O chamado “Efeito Flynn Reverso”, uma ideia controversa, defende que alguns estudos apontam para a diminuição das pontuações de QI em alguns países. Isso quer dizer que as pessoas estariam a ficar mais burras. Mas é importante destacar que esses estudos são limitados a certas populações ou contextos específicos.
Existem várias teorias e hipóteses propostas para explicar o possível “Efeito Flynn Reverso”, como mudanças ambientais, fatores educacionais, impacto da tecnologia, desnutrição ou até mesmo a seleção genética. É claro que é preciso mais pesquisas para saber se esse efeito é real. E, caso seja, quais são as suas causas e implicações.
Sem tomar lado sobre a validade do “Efeito Flynn Reverso”, acho que o bolsonarismo e os idiotas que seguem Bolsonaro de forma quase canina podiam ser alvo desse estudo. Só a queda do quociente de inteligência explica que, por exemplo, 76,6% dos eleitores de Joinville tenham votado nele. É toupeirice demais para ser verdade.
É a dança da chuva.

Joinville é uma cidade que deu 268.079 votos a Bolsonaro e 71.140 ao atual deputado Zé Coiso.






segunda-feira, 5 de junho de 2023

E o PT, hein? O whataboutism é a tática dos malas



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O whataboutism é uma das coisas mais irritantes nestes tempos de redes sociais. E o pior é ser uma tática usada tanto pelo pessoal de esquerda quanto de direita (porque, afinal, a chatice não tem lado).

Não sabe o que é? Ora, o whataboutism é uma técnica de “argumentação” usada para desviar a atenção de um assunto em discussão. Ou seja, a ideia é mudar o foco da conversa, tentando apontar uma hipocrisia do interlocutor.

Como funciona? Através da introdução de um contra-argumento relacionado a outro tópico, com o objetivo de descreditar ou desviar a crítica original. Para trazer o tema mais para perto da nossa realidade, podemos lembrar o célebre “e o PT?”.

A expressão tornou-se um meme popular no Brasil durante o período eleitoral de 2018 e ainda persiste. Os opositores do Partido dos Trabalhadores (PT) respondiam a críticas usando essa caricatura de argumento.

O problema é maior. Se o “e o PT?” é uma expressão ligada à direita brasileira, também a esquerda tem a sua quota-parte na difusão do whataboutism. É só ver o caso da guerra na Ucrânia. Você diz:

- A Rússia de Putin é o estado invasor.

Ao que os defensores do ditador russo respondem:

- E a OTAN, hein?

Aliás, isso remete para a etimologia da palavra. Ao contrário do que muita gente pensa, o termo é antigo e não surgiu com as redes sociais. Apenas foi intensificado. O whataboutism surgiu durante a Guerra Fria como uma crítica aos argumentos da União Soviética que consistiam em responder às acusações ocidentais com perguntas como “e sobre...?" ou “e quanto a...?".

O fato é que essa tática tem o poder de matar o debate logo à partida. É a ferramenta dos intelectualmente despreparados. O mais trágico é que, pela baixa qualidade de pensamento nas redes sociais, é impossível escapar ao whataboutism.

É a dança da chuva.




sábado, 3 de junho de 2023

Idolatrado pela esquerda brasileira, Putin persegue o público LGBTQIA+

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há quem defenda regimes autocráticos, como é o caso de muitos brasileiros que estão do lado de Vladimir Putin, na invasão da Ucrânia. É sempre um risco estar do lado de um proto-ditador, porque os ditaduras nada trazem de positivo no plano das liberdades e dos direitos civis.

É interessante, por exemplo, que esses brasileiros apoiem um regime alicerçado, entre outras coisas, na negação e criminialização dos públicos LGBTQIA+. A liderança de Vladimir Putin tem sido problemática. Nos últimos anos, houve um aumento significativo da discriminação e da repressão contra a comunidade LGBTQIA+ no país.

Em 2013, o governo russo aprovou uma lei conhecida como "lei da propaganda gay" ou "lei da propaganda homossexual", que proíbe a promoção de "relações sexuais não tradicionais" para menores de idade. Essa lei tem sido amplamente utilizada para restringir a liberdade de expressão e os direitos dos indivíduos LGBTQIA+.

A lei tem sido o vetor para censurar eventos públicos, paradas do orgulho e para justificar ações contra ativistas e defensores dos direitos LGBTQIA+. Além disso, tem havido relatos de violência, agressões e discriminação, muitas vezes sem a devida proteção e punição das autoridades. Isso cria um ambiente hostil e perigoso para a comunidade LGBTQIA+ no país.

As restrições e a discriminação também afetam a liberdade de expressão e a disponibilidade de recursos e apoio para a comunidade LGBTQIA+. Organizações e grupos de direitos civis enfrentam dificuldades para operar e são frequentemente alvo de assédio por parte das autoridades.

No geral, a situação dos públicos LGBTQIA+ na Rússia sob a liderança de Vladimir Putin é preocupante, com uma crescente onda de discriminação e repressão. No entanto, é importante notar que existem indivíduos e organizações dentro e fora da Rússia que continuam lutando pelos direitos e pela igualdade da comunidade LGBTQIA+.

Enquanto isso, no Brasil tem gente que idolatra Putin. Porque, afinal, ditadura no fiofó dos outros é refresco.

É a dança da chuva.



sexta-feira, 2 de junho de 2023

Plástico no meio ambiente: você não ouviu falar, mas há gente a discutir

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A mídia não deu muita importância, mas nos últimos dias a cidade de Paris recebeu representantes de 175 países para deliberar sobre a redução da produção de plásticos no planeta. As metas, lançadas pelas Nações Unidas, são ambiciosas: reduzir em 80% a produção de plástico até 2040. É difícil que isso venha a acontecer, uma vez que a proposta contraria os interesses de grupos econômicos, mas o fato de haver uma discussão sobre o tema é por si muito relevante.

É importante a pretensão de lançar um tratado global para atuar contra a poluição causada pelo plástico. Mas qual é a razão para a preocupação? Nunca é demais lembrar que o plástico, pela sua degradação lenta,  apresenta enormer problemas ambientais. A começar pela poluição dos oceanos, uma vez que o descarte inadequado de plásticos, especialmente de produtos de uso único, resulta em uma grande quantidade de resíduos plásticos nos oceanos.

Esses resíduos causam danos à vida marinha, como tartarugas, pássaros, peixes e mamíferos marinhos, que podem ficar emaranhados em fragmentos de plástico ou ingerir pedaços de plástico, levando à asfixia, ferimentos e morte. Enfim, o impacto na vida selvagem é sério, uma vez que ingestão de plástico por animais terrestres também representa uma ameaça para a fauna selvagem. Muitos animais confundem o plástico com alimentos e acabam sofrendo danos internos ou morrendo devido à obstrução do trato digestivo ou à liberação de substâncias tóxicas dos plásticos.

Mas talvez um dos maiores problemas sejam os microplásticos, fragmentos menores que cinco milímetros encontrados em diversos produtos. Os microplásticos podem entrar na cadeia alimentar humana e animal, representando riscos para a saúde. As pessoas não estão atentas, mas é possível que os microplásticos, pela dificuldade de serem identificados, já façam parte da dieta e muita gente avisada e desavisada.

Pouca gente dá atenção. Mas o fato é que a produção anual de plástico duplicou nas duas últimas décadas, atingindo um nível de 460 milhões de toneladas. A projeção é de que poderá triplicar até 2060. O problema é complexo, mas está a passar batido em muitas regiões do planeta. Enquanto nos países desenvolvidos há um maior controle, há outros onde o uso de plástico ainda não tem sido enfrentado de frente.

Para dar um exemplo, na União Europeia há anos estão a ser implementadas regras severas para reduzir o consumo de plástico descartável, incluindo a proibição de produtos de plástico de uso único, como talheres, pratos, canudos e cotonetes. Além disso, há metas ambiciosas de reciclagem e estão incentivando a transição para alternativas mais sustentáveis.

Mas ainda é pouco. Muito pouco. E em poucos lugares.

É a dança da chuva.

Foto: Magda Ehlers



quinta-feira, 1 de junho de 2023

Será a Moldávia uma nova Ucrânia?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há pouco mais de uma semana, milhares de moldavos se concentraram na Praça da Grande Assembleia Nacional, na capital Chisinau, para a manifestação "Moldávia Europeia". O ato foi convocado pela presidente europeísta Maia Sandu, a favor da integração na União Europeia. Há mais de duas décadas o país está à espera de uma adesão, que agora começa a ganhar forma. É claro que isso pôs a Moldávia na mira de Putin.

Há quem aponte um risco real de um ataque e fale de uma nova Ucrânia. Afinal, os ucranianos também queriam integrar a União Europeia, mas acabaram levando uma chuva de mísseis do autocrata russo. Todos sabem, menos alguns brasileiros, que Putin tem motivações imperialistas e os vizinhos não podem dormir descansados, sob o risco de serem invadidos.

É bom lembrar. No Brasil, há um segmento da esquerda - nostálgicos de uma URSS que não viveram - que considerava a Ucrânia um perigo para a Rússia, razão pela qual a invasão era justificada. E a Moldávia? Muitos sequer sabem onde fica o país no mapa e por isso aqui vão algumas informações:

1. A Moldávia tem uma população multiétnica, composta sobretudo por moldavos, ucranianos e russos.

2. A Moldávia é uma república parlamentar, com um sistema político democrático.

3. A Moldávia possui uma economia baseada principalmente na agricultura, em especial frutas, vegetais, grãos e vinho.

4. A Moldávia enfrenta desafios econômicos, incluindo elevados índices de pobreza, emigração e corrupção.

5. A Moldávia enfrenta problemas de integridade territorial por causa da Transnístria, uma região autoproclamada que busca independência.

6. A Moldávia é afetada pela corrupção em vários setores, o que representa um desafio para o desenvolvimento econômico e a estabilidade.

7. A Moldávia tem 2,6 milhões de habitantes. Devido às dificuldades econômicas, muitos moldavos emigram em busca de melhores oportunidades de emprego em outros países.

8. A Moldávia tem o moldavo (muito semelhante ao romeno) como língua oficial, mas o russo também é falado e tem uma forte influência na sociedade local.

9. A Moldávia é um país em tensão, que vive uma encruzilhada geopolítica entre a União Europeia e a Rússia. 

10. A Moldávia busca uma maior integração com a União Europeia, buscando reformas políticas e econômicas para fortalecer seus laços com o bloco.

Enfim, os moldavos querem os padrões de vida da União Europeia e não os russos. Há uma tensão com a Rússia, como já havia acontecido no caso da Ucrânia. Aliás, a região da Transnistria, onde há forte presença russa, pode ser um cavalo de tróia. Enfim, a curiosidade é sobre a posição que essa "esquerda" brasileira, alimentada pela propaganda russa, vai tomar neste episódio. Porque no caso da Ucrânia, a vontade dos ucranianos (que queriam integrar a Europa) nunca interessou. É gente que prefere adorador de tiranos.

É a dança da chuva.

FOTO: Anaghan Km