POR FELIPE SILVEIRA
Aguardado com expectativa pela população joinvilense, o Parque da Cidade, semana passada, foi notícia nos jornais por ter a pista de skate pichada. Os comentários nas redes sociais, especialmente no twitter, e o título da matéria no jornal A Notícia (“Parque da Cidade sofre vandalismo antes mesmo de inauguração em Joinville”) me chamaram a atenção.
Fiquei um pouco incomodado com a ideia sobre pichação e comecei a questionar se o ato era mesmo um ato de vandalismo. Sem querer discutir o conceito jurídico, quero lançar novos olhares sobre o fenômeno social que é a pichação. Adianto que não sei quase nada sobre o assunto, mas que me senti incomodado com o olhar tão superficial sobre a questão e desejo fazer, junto com vocês, uma reflexão sobre o assunto.
Outra ressalva importante, antes de continuar: eu sei que grafite e pichação são coisas diferentes e que um já é (nem sempre foi) tratado como arte e o outro é considerado vandalismo. Apesar de eu achar que isso simplifica demais a questão e ter minhas desconfianças, gostaria de pedir que não reduzissem o debate a isso.
A pichação, no meu entendimento, é uma resposta dada por excluídos a uma realidade de desigualdades sociais. Pelo que sei, a pichação consiste na assinatura do pichador ou do grupo ao qual pertence. Ou seja, é uma disputa social. Isso ficou mais claro quando vi um trecho do documentário “Luz, câmera, pichação”, de Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno Caetano. Veja o trailer:
Ao ver o vídeo, a gente começa a entender o que significa, para essas pessoas, a cultura da pichação. Ou melhor, começa a entender que é uma cultura (no sentido mais amplo da palavra, que é um conceito que muita gente tem dificuldade pra entender).
Mas clareza mesmo sobre a razão que motiva os pichadores, algo que eu já tinha a impressão, eu tive ao ler uma resenha sobre o documentário com o seguinte trecho: “quando se está confinado à margem, dentro de qualquer coisa que chamamos de classes menos favorecidas, pobres, miseráveis ou favelados, ser um autor pode ser tudo o que se tem. As assinaturas das pichações, que nos últimos 20 anos foram se tornando cada vez mais estilizadas e aprimoradas a ponto de se tornarem ilegíveis ou incompreensíveis para quem não é do meio, ou melhor, da família, são uma forma de registro histórico, de identidade, e auto-estima.”
Para mim, antes de chamar de vândalo, vagabundo, é importante entender o que motiva a pichação. Para algumas pessoas, isso nem faz diferença. Uma conhecida minha, integrante do Coletivo Chá, explicou mais ou menos assim: se alguma coisa está na rua, ela vai sofrer intervenção da rua. Meu amigo Ivan Rocha, ligado ao movimento hip hop, também disse algo parecido no twitter: “Os caras fazem uma pista de skate e não querem que tenha arte urbana? muro unicolor não combina com esportes radicais”. Ou outro, ele diz: “De modo geral eu não curto pichação pq é só divulgação do próprio nome mas numa pista de skate não da pra reclamar”.
Na minha opinião, a pichação torna a cidade mais feia. Eu não gosto, mas me incomodo com o olhar conservador que é o mais comum. Eu percebo que ela é muito mais comum onde a desigualdade é maior, onde a falta de oportunidade é maior, onde falta educação, cultura, esporte e lazer. Esse é um exercício legal para as pessoas que viajam bastante: fazer essa relação entre desigualdade social e quantidade de pichação.
Uma última ressalva: sei que tem muito playboy que gosta de pichar. Para mim, isso não faz diferença. Assim como o hip hop, muitas culturas que nascem nas periferias são incorporadas pela classe média. Às vezes, elas são “estupradas”, outras não. De qualquer forma, esse é o movimento da cultura.
Para finalizar, um momento jabá, mas que também serve ao debate. No primeiro semestre, eu e o amigo Bruno Isidoro, com orientação do professor Léo Diniz, fizemos o documentário “Coletivo Chá: um olhar sobre a arte urbana em Joinville”. Não tem a ver exatamente com pichação, mas já que estamos falando de arte urbana, aí vai mais um olhar.