 |
Crianças de escola em Malmö saem para passear na cidade em companhia das professoras |
POR SONIA MARIA DE CARVALHO
Suecos e suecas não são perfeitos. Nem o
são sua sociedade, apesar da gente fantasiar que sim. É só dar uma olhada no
número enorme de imigrantes, vindos de todas as partes do mundo, sobretudo da
Ásia (e não pensemos apenas na Ásia Oriental, japoneses, chineses, coreanos
etc, mas também a Meridional e no Oriente Médio) e de todo o leste euroupeu o
qual executam grande parte dos trabalhos braçais ofertados no país. Suecos
dificilmente aceitam trabalhos muito pesados ou de salário muito baixo e não é
raro que se coloquem sob a guarda dos seguros desempregos até conseguirem o
emprego desejado.
É bom lembrar o seguinte: a maior parte dos
trabalhos braçais existentes no Brasil não existem ou normalmente ninguém paga
para que outra pessoa os execute na Suécia. Alguns fatores são o alto
desenvolvimento tecnológico do país, a super organização em quase todos as
esferas sociais, o custo elevado para manter o salário, as taxas de contratação
desses trabalhadores e a escassez deste tipo de serviço, já que podendo quase
todo mundo optar* por estudar gratuitamente até a universidade há uma maior
distribuição e arranjo para os mais variados tipos de empregos.
Isso quer dizer que não há uma massa enorme
de pessoas trabalhando em serviços ditos braçais na Suécia porque não tiveram
escolha. Há sim, mas a distribuição é equivalente a outros tipos de trabalhos. Dito tudo isso de forma bem geral espero
ser um melhor compreendida com o tema, cujo título deste post incita.
Mesmo tendo nascido e vivido no Brasil
quase a vida toda, dos quais cinco haviam sido na cidade de São Paulo, antes de
me mudar para Malmö no sul da Suécia, ainda há um (sem exagero) espanto quando
olho pela janela da sacada do meu prédio e vejo tantas babás cuidando das
crianças todos os dias. Incluindo os fins de semana.
No Brasil, sobretudo em São Paulo e outras
cidades grandes onde a vida é muito corrida, nos acostumamos a viver com o
ritmo enlouquecido e exigente de trabalho. Além disso, o trânsito caótico não
deixa que as famílias estejam em casa antes das oito, nove, dez da noite, então
a saída tem sido sempre e cada vez mais (apesar das reclamações dos preços e
escassez das empregadas domésticas e babás) contar com a ajuda de terceiros
para o cuidado da casa e das crianças.
Isso você já sabia não é? Todo mundo sabe,
todo mundo vê. É nossa realidade e não dá para mudar, diria alguém conformado
com a situação. Sem contar que as empregadas agora tem situação que nem gente
com faculdade tem! Diriam outros!
De fato parece-me mesmo que nós brasileiros
não conseguimos enxergar outro modo de viver a vida senão assim. Somos tão
fechados nessa única maneira de ter filhos, casa e trabalho que acreditamos
viver o restante do mundo do mesmo jeito.
Na Suécia não tem babá? Não tem empregada
doméstica? Então impossível! Como você conseguiu? Já me perguntaram muitas
vezes.
Isso porque temos uma cultura do trabalhar
é ser mais, trabalhar é ter mais. Temos também um desejo muito forte de
"aproveitar a vida" por mais duro que isso possa parecer. Então
sacrificamos os poucos anos da infância e da relação com os filhos em troca de
uma vida social mais agitada.
Não à toa tenho encontrado babás (de
branco) brincando com crianças em meu condomínio dia e noite. As babás da
semana dão lugar para as babás do fim de semana. São folguistas as quais
assumem os filhos dos meus vizinhos durante o tempo em que os pais querem
descansar da árdua jornada da semana. Então eles entregam de novo os filhos
para outras pessoas cuidarem.
Andando por cidades na Suécia, assim como
em Malmö, você notará milhares de crianças pelas ruas. Não! Eles não são mais
um país de velhos. Há uns vinte anos, diversas campanhas tem incentivado os
casais a procriarem, o que incluiu nos últimos tempos licença parental (1 ano e 4 meses de licença para o casal, da qual cada um deve tirar no mínimo 3 meses),
remunerada quase integralmte. Então, o "boom" de bebês que ainda está
em alta tem colocado nas ruas bebês, crianças e... pais e mães com eles.
Em quatro anos vivendo na Suécia eu só
encontrei, numa loja, uma mãe acompanhada da babá de suas crianças e elas (mãe
e babá) eram brasileiras. Como eu a conhecia ela começou a falar comigo,
enquanto deu ordem para a babá ir cuidar das meninas que tentava fugir. Assim,
como se estivesse no Brasil.
A verdade é que se você pensar em contratar
uma babá na Suécia precisará procurar muito por talvez uma estudante querendo
algum dinheiro em horas vagas. Se conseguir essa maneira informal, no fundo
proibida pelo governo, ainda assim você deverá pagar a ela por hora o que
equivaleria a um salário de uns 5.000 reais por mês, ou seja, uns 40 reais por
hora.Seguindo à risca o que manda o figurino do
Estado Sueco é preciso contratar uma empresa de babás e elas lhe custarão pelo
menos o dobro da primeira alternativa.
Sendo assim, babás são raridade. As
crianças, depois de completado um ano de idade (antes disso praticamente não há
outra saída a não ser estar em casa com pai ou mãe) vão diretamente para as
escolinhas (as Förskola). Estas são quase 100% públicas e não deixam nada a desejar para a escolinha particular boa que tenho pago aqui em São Paulo
para o Ângelo. A criança deve estar na escola se e somente se o pai e mãe
estiverem trabalhando ou estudando. Caso contrário, deve
estar com eles em casa.
A escola, na compreensão sueca, é o lugar, depois da família, mais adequado à educação infantil. Educação é um dos pilares
de sua sociedade, sem ela eles simplesmente não se entendem como gente. E
educação vem, primeiro, de uma família bem estruturada emocional, psicologica e
financeiramente. Depois vem de uma educação formal na qual se aprende a
conhecer-se a si mesmo através do mundo.
Então é muito compreensível que no Brasil
tenhamos as babás para ajudar se a escola não é a melhor saída encontrada pela
família. Talvez o que soe muito mal, coisa não entendida por tantos, é entregar
a educação dos filhos quase total a outra pessoa que não quem a gerou.
Se alguém tiver babá na Suécia eu estou
certíssima, como 1+1 são 2 de que você nunca deveria carregá-la a tira colo
vestida de branco, como ontem eu cruzei com uma mãe na rua de casa. Como num déjà-vú de algo ao qual nunca vivenciei,
mas li, ela ia ao lado da babá (de branco) a qual empurrava o carrinho do filho
da madame.
 |
Domingo de praia na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro e os bebês são amamentados pelas... babás de branco |
Talvez branco na babá, na Suécia, até
passasse despercebido no começo, porque, branco é a cor da luz
que invade os meses mais quentes. Entretanto, uniformes, marcas claras de que
alguém que pertence a este grupo e não aquele são muito mal vistos pela sociedade
sueca.
Ah! você ouviu dizer que os suecos são um
povo preconceituoso também? Sim, há muitos. A enorme diferença é que se alguém
se julgar superior a outro ele nunca, jamais em tempo algum poderá externar
isso ao outro. Nem com gestos, nem com fala, nem com piadas (em casa, na rua ou
em programinhas de TV). Nunca! Preconceito é crime e tentar ter uma sociedade
igualitária é obrigação de todos.
Essas eram algumas das razões pelas quais
os amigos e amigas suecos (e também outros europeus) não entendiam, não
acreditavam quando eu narrava nossa realidade. E não compreendiam como nós
brasileiros, nós paulistas podíamos viver uma vida a qual na verdade não
vivíamos.
-
Como? Mas eles não cuidam dos próprios filhos?
- O
quê? As mães voltam ao trabalho depois de quatro meses?
-
Como assim eles pagam babás nos fins de semana?
Essas eram perguntas não conformadas feitas
por amigas minhas durante nossas conversas. Lá ninguém imagina que algo assim
seja possível porque as mulheres com quem fiz amizade são filhas da nova
geração sueca: elas aprenderam a conviver não só com o "babyboon" do
país iniciado em meados dos anos 80 com as políticas às quais me referi de
incentivo à paternidade e maternidade, mas também a viver numa sociedade cuja
herança é senão a igualdade em todas as esferas ao menos o desejo dela e
esforço cotidiano para que o seja.
Eu não diria que ter ou não babás seja um
mal por excelência no Brasil. As realidades ainda são heterogêneas e não posso
simplesmente querer a Suécia aqui, embora em tantos aspectos eu desejasse isso.
Vejo, no entanto, um exagero tal como José Martins Filho, pediatra e professor
da Unicamp, chama de terceirização das crianças brasileiras e uma inversão de
valores que gera uma contradição entre pensamento e prática familiares muito
grande: somos super partidários de compor famílias no esquema tradicional mãe,
pai e filhos, mas tem-se a impressão de que muitas vezes desejamos tudo isso
para ter o que expor no porta retrato, para não ficar para trás naquilo que
esperam de nós.
Falta a uma massa gigante de mulheres e
homens brasileiros compreender interiormente que ser pais e mães é mais do que
conseguir um emprego para pagar-lhes a babá, a escola e brinquedos no final do
mês. Ter filhos é comprometer-se não só com o futuro deles, mas também com o
seu presente. E não se faz filhos saudáveis (em todos os sentidos do termo) sem
dedicação.
Ao colocar filhos no mundo temos um
compromisso com o próprio mundo, com a forma como nossos filhos lidarão com ele
e com as pessoas. Ter filhos é uma questão ética e ter um país de primeiro
mundo inclui muito mais do que ter garantidos direitos. Falta a nós brasileiros
invejar da Suécia não os cabelos, os olhos loiros do povo sueco e entender como
para estar no topo da lista dos países desenvolvidos é preciso deixar certas
regalias e confortos de lado, é preciso acima de tudo saber cuidar das próximas
gerações com zelo, educação e TEMPO.
* Cursar escola e universidade na Suécia é gratuito, não há concursos e
a concorrência é tranquila. A dificuldade é na prova de proficiência da língua
sueca, exigida para qualquer curso almejado. Essa é uma entrave à chegada de
alguns imigrantes até a universidade. Para isso o governo sueco oferece cursos
da língua gratuitamente em todas as cidades do país para quem estiver
legalmente registrado.
Sônia Maria de Carvalho Pinto é doutora em Filosofia/Estética (2007) pela USP, com tese sobre Anita Malfatti. Estudou Filosofia na UNICAMP, onde também concluiu um mestrado em Sociologia da Cultura com tese sobre a crítica de Theodor W. Adorno à cultura moderna. É professora de Filosofia e Sociologia no Ensino Médio e lecionou Técnicas de Redação por 15 anos em Cursinhos.