sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O dia em que as camisas não estavam no bagageiro do ônibus

POR REGINALDO JORGE 
Desde menino gostava de chegar mais cedo ao Ernestão para acompanhar a chegada dos times adversários que vinham jogar contra o Jec. Os clubes de maior expressão apareciam em vistosos ônibus. Abriam seus bagageiros e tiravam grandes malas com chuteiras, bolas e o uniforme dos atletas. Os times menores chegavam em ônibus acanhados e mesmo assim o bagageiro era aberto e dali muito pouco saía. Uma sacola com algumas bolas velhas, umas garrafas térmicas grandes e o uniforme arrastando dentro de velhas sacolas. Do lado de dentro, a torcida se espremendo nas metálicas para o início do jogo.

O tempo passou e a minha paixão pelo futebol foi crescendo. Antes de completar 20 anos já estava na equipe de reportagem de A Notícia, não sem antes fazer um pit stop como preenchedor de página do Jornal Extra. Comecei na página de polícia do AN e logo depois fui guindado para o esporte. Digamos setor com que tinha mais afinidade do que o anterior. Minha vida de torcedor infantil me permitiu conviver nos campinhos com muitos jogadores que depois viriam fazer parte do time profissional do Jec.

Em uma tarde cinzenta da década de 90 tive o brilho do dia quebrado com a notícia do assassinato do jogador Dido. Um meia atacante cria do Jec, um baixinho habilidoso que tinha despontado nas categorias de base e fora emprestado ao Juventude de Caxias do Sul (RS), com outra promessa do clube o meia Mineiro. Uma torcedora fanática – que era apaixonada por ele e pelo Juventude - não aceitava a possibilidade do seu retorno para Joinville, e lhe tirou a vida a tiros, enquanto ele falava em um orelhão.

Ainda sem digerir a tragédia da morte do jogador e do amigo fui escalado para fazer a reportagem do sepultamento no cemitério municipal de Joinville. Comigo testemunhando o momento o meu editor e irmão Anildo Jorge e o sempre diagramador Paulo Roberto Oliveira, o  Banana, uma mistura de surfista e peladeiro. Não demorou muito para avistarmos nas ruas internas do Cemitério a chegada do ônibus lotado do clube.

De dentro saíram todos os jogadores, comissão técnica e dirigentes. Ficamos a procurar o carro funerário com o corpo. Para a minha surpresa e de todos: o caixão saiu do bagageiro do ônibus. Fico a imaginar a dor dos amigos que viajaram centenas de quilômetros de Caxias a Joinville levando no bagageiro no ônibus que os transportava o corpo do amigo que disputou várias partidas com eles, inclusive na semana anterior ao acontecido.

Naquela tarde vivi o inesperado. Nem bolas, nem camisas e muito menos as surradas bolsas. Do bagageiro saiu o caixão do amigo, atleta, filho, namorado, irmão e promessa que o futebol sepultou momentos depois.





Reginaldo Jorge é jornalista
e torcedor do Flamengo

O desmonte do Brasil e a grande ameaça ao cinema nacional

POR DOMINGOS MIRANDA
O desmonte do Brasil se dá em todos os setores: na economia, na política, no judiciário, na educação, na saúde e na cultura. O cinema é um dos mais poderosos meios de conscientização dos povos, por isso os ditadores sempre tentaram manietá-lo. O Brasil é reconhecido internacionalmente pela qualidade de suas películas e o Cinema Novo se tornou referência mundial. Filmes como "O Pagador de Promessas", "Central do Brasil" e "Cidade de Deus" são críticas ácidas, mas também emotivas, à nossa desigualdade social.

Pois bem, a última afronta ao povo brasileiro praticada pelo nosso usurpador mor do poder aconteceu em agosto, quando Temer vetou a prorrogação  da Lei do Audiovisual, que se encerra dia 31 de dezembro de 2017. Este é um mecanismo que os produtores de cinema usam para captar recursos para a realização de seus filmes e existe desde 1993. Não há nenhum gasto do Tesouro Nacional ou desoneração fiscal. A pessoa ou empresa interessada em participar desta lei destina parte de seu imposto de renda (até 4%) para a produção cinematográfica.

É claro que todo o setor, que emprega 250 mil pessoas, ficou revoltado com este absurdo. Isto é coisa de gente vingativa, pois, durante o Festival de Cannes, no ano passado, toda a equipe de "Aquarius" fez um protesto, antes da apresentação do filme, com cartazes contra Temer, imagem que circulou o mundo todo.

Tal desatino presidencial, se não for derrubado pelos congressistas, poderá afetar também Joinville que está estruturando um polo de cinema em Santa Catarina. Os curtas metragens de diretores da região tem angariado sucesso em festivais. Recentemente foi realizado o 1º Joinville International Short Film Festival, que exibiu 80 curtas de 30 países. Mesmo com todas as dificuldades e falta de incentivos, a sétima arte desabrocha às margens do rio Cachoeira.

Joinville também poderia explorar um outro lado do cinema pouco comentado, o de cidade polo para a produção cinematográfica. Paulínia, no interior de São Paulo, descobriu este filão e deu certo. Lá foram realizados filmes de grande bilheteria. A antiga administração municipal se descuidou do polo, mas que agora está sendo reativado. A nossa cidade oferece as condições adequadas para esta empreitada: tem um bom visual, hotelaria de primeira qualidade, diversidade de paisagens (desde praias até montanhas com araucárias) e a maior diversidade étnica do país.

Ideias não custam caro, mas o importante é colocá-las em prática. Assim como a dança deu um visibilidade nacional e internacional para Joinville, o cinema também poderá fazer o mesmo. Basta ver o exemplo de Gramado, uma pequena cidade gaúcha que soube explorar este filão. Que tal entrar por este caminho? As autoridades municipais poderão dar uma resposta.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Golpe militar não é opção. E os militares sabem disso...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Dizem que um bêbado – e não só – deve tomar muito cuidado ao descer as escadas, porque se erra um degrau acaba por errar todos. O bêbado é o Brasil. E o golpe que apeou Dilma Rousseff do poder (ainda há quem recuse a palavra) foi o primeiro degrau errado. O país começou a rolar escada abaixo até se transformar num bordel onde tudo o que cheire a poder, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, se prostitui.

O Brasil mergulhou num vazio ético. O resultado é que começou a surgir, aqui e acolá, alguma algaravia sobre intervenção militar. A doideira dessa gente é tanta que há militares a lustrar os coturnos e alguns cretinos a fazer eco dessa tontice na sociedade. Desde o escroto senador Magno Malta, para quem 7 em cada 10 brasileiros querem a volta dos militares, até o empresário catarinense daquela loja da breguésima “estátua da liberdade”.

Intervenção? Difícil acreditar que os militares embarquem nessa furada. É de notar que ainda existem, nas fileiras, quadros que se orientam por uma ultrapassada mentalidade da caserna, quando os cérebros eram simples depósitos de ideias reacionárias. Mas hoje o golpismo militar dos anos 60 parece um exotismo. Aliás, seria o golpe pelo golpe, porque os militares não saberiam o que fazer com o poder. Só reprimir. E isso não é solução.

A ideia da autoridade autoritária, do “prende e arrebenta” e da “ordem” imposta pelas armas ainda tem adeptos por esse Brasilzão afora. Afinal, muitos brasileiros nunca souberam o que fazer com a democracia. Há muita gente que considera a liberdade uma coisa estranha, quase antinatural. E se recusa a entrar no século 21. Mas mesmo que haja muita gente a clamar pelo golpe, não parece que os militares entrem nessa roubada.

O leitor e a leitora lembram do último golpe militar (ou tentativa) ocorrido no mundo? Sem pesquisar muito, é fácil lembrar Tailândia, Egito, Sudão, Costa do Marfim ou Guiné-Bissau. Sem desrespeito pelos povos desses países, fica a pergunta: é nesse ambiente terceiro-mundista que o Brasil quer se situar? Claro que não. O golpe militar é um problema, nunca a solução. Os militares brasileiros sabem disso, apesar de vez por outra entenderem dar prova de vida.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Higienização em Joinville: a incompetência não se cerca com grades







POR JORDI CASTAN
Em Joinville os problemas se gradeiam. Não se resolvem, só se escondem. Em lugar de buscar soluções, o caminho escolhido é o de colocar grades. Grades, muros, cercas elétricas e concertinas é a alternativa dos incompetentes para lidar com os problemas da cidade.

Primeiro foi a marquise do Bradesco no centro. Agora o jardim do MAJ, um dos poucos espaços verdes abertos à população, é o próximo alvo e corre o risco de ser gradeado. Seria aberto apenas em alguns horários. E com isso Joinville pode perder mais um espaço público, com a anuência de parte da sociedade que mora atrás de grades e muros.

É resultado de uma sanha higienizadora, que esconde os problemas em lugar de enfrentá-los e resolvê-los. E que ganha força com o apoio de uma administração inepta, caolha e covarde.
É mais fácil colocar uma grade que exigir mais segurança. É mais fácil excluir as pessoas que integrá-las. É mais fácil empurrar que aproximar.  É mais fácil impor que escutar. As escusas são as mais variadas e esfarrapadas. Faltam policiais, não há câmaras, há consumo de drogas, as pessoas tem medo. As famílias têm se afastado do jardim do MAJ, onde fazem barulho, bebem álcool e por aí afora.

Deixa entender. A Guarda Municipal não foi criada para apoiar e complementar o trabalho da Policia Militar? Ou foi criada só para os agentes ficarem escondidos e multar? Não há uma legislação que estabelece o nível de barulho permitido em áreas residenciais? Por que não se fiscaliza e se faz cumprir? Ah sei, os policiais não tem combustível, veículos, disponibilidade, efetivo ou qualquer outro motivo o escusa que venha a calhar.

Só falta dizer que os policiais são covardes demais para resolver esses problemas menores, que são fruto só da inépcia das autoridades. Aliás, é bom lembrar que o jardim do MAJ está na frente da Cidadela Cultural Antarctica, aquele cortiço cultural em que se converteu o espaço que deveria ser um centro irradiador de cultura.

Joinville é hoje uma cidade acomodada, acovardada e que causa vergonha. Uma sociedade de omissos que não levantam a bunda do sofá para resolver e enfrentar seus problemas. E problemas que se avolumam frente a inércia e o descaso. A proposta de gradear o jardim do MAJ é estúpida, própria de quem encara os problemas desde uma visão parcial e distorcida. O uso dos jardins do MAJ pela sociedade não é um problema de segurança pública, é um problema cultural, social, humano. E de meio ambiente, até paisagístico. Por isso não pode ser tratado só a partir de uma abordagem repressiva e truculenta. Porque gradear um espaço público como aquele é cercear o direito de uso de um dos poucos espaços públicos que a sociedade utiliza.

Há várias tribos e grupos que fazem dos jardins do MAJ seu espaço de lazer, numa cidade que não oferece quase nada para a população. Não há só arruaceiros. Aliás, é o que menos há. Vejo famílias fazendo piquenique, casais tirando fotos, gente celebrando um aniversário, escutando música, passeando ou simplesmente namorando ou conversando.

Em lugar de melhorar o espaço - cuidar do jardim e melhorar a manutenção do vergonhosamente abandonado Parque das Águas - a mobilização é para gradear o espaço. Começo a achar que Joinville merece mesmo esse bando de ineptos que administram a cidade. Uma sociedade que não se mobiliza para defender a liberdade é uma sociedade que merece mesmo viver rodeada por grades, cercas e muros. Uma sociedade cada dia mais fragmentada, desarticulada, desestruturada, gradeada.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Futebol , calcio, football: dos alambrados nas várzeas, aos torcedores de PS

POR EMERSON GONÇALVES
Sou da turma de 1975. Nasci aqui em Jaraguá do Sul e as primeiras lembranças da bola me remetem aos divertidos rachões nos enlameados campos de várzea do bairro Água Verde. Aliás, nome inspirado por ali estarem sediados os primeiros campinhos de bola próximos a áreas alagadiças com muito limo. Naquela época, por influência das rádios cariocas e paulistas, geralmente a piazada ou torcia para times do RJ ou SP e, nesses rachões, você se achava um Sócrates, um Emerson Leão, um Serginho Chulapa ou, quem sabe, um Dinamite. E  os metidos a craque eram Zico.

Meu falecido pai era santista; mas não teve jeito, os dois filhos escolheram ser palmeirenses, mesmo numa época em que o time vivia numa fila e conseguia perder campeonato paulista até para o Internacional de Limeira.

Sou da geração que achava o máximo assistir aos domingos na Band o campeonato italiano e ver por lá desfilarem os maiores craques da época e aprender a ter um segundo time pra torcer, dessa vez na Itália. Já adulto me peguei assistindo aos jogos do espanhol, que se tornou destino para os grandes craques do mundo todo.

Mais recente os torcedores dos times tupiniquins começaram a temer os chineses com suas cifras milionárias, arrancando os jogadores que mal e mal começam a se destacar nos certames regionais. Nos últimos dias, visto a transferência milionária redescobrimos o campeonato francês.

Mas confesso que o que mais me assusta, de repente, seja uma preocupação nostálgica e boba. É ver a geração do meu sobrinho, hoje com seis anos, torcer para o Barcelona, pois é o melhor time do Play Station, e nem sequer se interessar ou esboçar qualquer sentimento de apreço pelo time local do Varzeano, ou o nosso Grêmio Esportivo Juventus e muito menos pelos times nacionais.

Saudades da várzea, dos rachões com lama até o pescoço, da bola de borracha e das narrações em rádios em ondas curtas que as melhores jogadas ficavam por conta do nosso imaginário, pois bem nesses momentos o som do sinal da emissora era superado pelas interferências eletromagnéticas.




Emerson Gonçalves vive em Jaraguá do Sul, 
é reporter na Rádio RBN 94,3 FM
e torce pelo Palmeiras.

A corrupção na boca dos hipócritas

POR DOMINGOS MIRANDA
Atualmente a palavra corrupção é uma das  mais usadas pelos hipócritas. Geralmente falam dela, não com o intuito de erradicá-la, mas apenas para obter benefícios políticos ou pessoais com tal postura. O caso mais exemplar é o de Geddel Vieira Lima, que dava declarações a favor da moralização e foi pego com R$ 51 milhões de propinas em malas e caixas. Ao longo da história estes “bucaneiros” da política também levantaram denúncias sobre corrupção, depois comprovadas falsas, para destituir presidentes eleitos, tais como aconteceu com Getúlio Vargas, João Goulart e Dilma Rousseff.

O verdadeiro combatente pela moralidade na política age de forma desinteressada e, muitas vezes, o seu nome cai no esquecimento. Aqui, bem perto de nós, temos um exemplo eloquente, o de Crispim Mira, nascido em Joinville em 13 de setembro de 1880. Pouco se fala deste grande jornalista, advogado e escritor, autor de 14 livros, entre eles Terra Catharinense (obra elogiada por Monteiro Lobato), Os Alemães no Brasil e Acorda Brasil.

Crispim Mira iniciou a sua carreira jornalística em Joinville, aos 19 anos, como redator da Gazeta de Joinville e depois no Jornal do Povo. Em 1908 está trabalhando em Florianópolis, na Gazetha Catharinense, e no ano seguinte funda o jornal Folha de Commercio, onde inicia uma série de artigos falando do abandono do porto da capital. Dezessete anos mais tarde, outras denúncias sobre o porto, desta vez em seu novo jornal, Folha Nova, seriam o pivô de seu assassinato.
Crispim Mira

Em fevereiro de 1927, Mira dá detalhes de nepotismo, fraude e desvio de recursos públicos da Comissão de Melhoramentos dos Portos, órgão encarregado da manutenção dos portos. O diretor da instituição se sentiu ofendido e desafiou Crispim Mira para um duelo. Este foi lacônico e disse que sua arma seria a pena e colocou as páginas de seu jornal à disposição do ofendido para nela defender-se. No dia seguinte, 17 de fevereiro, Aécio Lopes, filho de Tito Lopez, também funcionário da Comissão de Melhoramentos dos Portos, na companhia de outras três pessoas, dirige-se à redação da Folha Nova e dispara dez tiros, um deles atinge Crispim Mira que deixava a redação junto com seu filho de 14 anos.

No dia 5 de março, o jornalista morre, aos 46 anos de idade. Cerca de 10 mil pessoas, numa cidade de 40 mil pessoas, participaram de seu enterro. Houve uma farsa no julgamento e os quatro acusados do crime foram absolvidos. O escritor Enéas Athanásio escreveu que a morte de Crispim Mira “é uma página negra na história catarinense, página que, embora amarga, não pode e não deve ser esquecida para que nunca mais se repita”.

Joinville, a terra natal deste herói, nunca deu o valor devido a este combatente. Em um momento em que tanto se fala em combater a corrupção, ninguém se lembra do exemplo de Crispim Mira, que deu sua vida em prol da moralidade pública. A casa onde ele morou, na rua Visconde de Taunay, hoje funciona uma pizzaria. Mas no local não existe nenhum marco identificando o nome de Mira.

Os hipócritas sempre levantam o nome de um juiz de Curitiba, ligado ao serviço de informações americano, como símbolo da luta pela moralidade pública. Mas nem sabem que o verdadeiro herói viveu na sua cidade e está esquecido. Assim é a nossa sociedade. Enquanto isso, a corrupção continua firme como nunca.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Cuidador


O que está acontecendo com o judiciário brasileiro?


POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Nos últimos meses estou observando o sistema judiciário mais de perto. E é incrível como várias situações acontecem naquele poder que deveria ser a salvaguarda dos cidadãos brasileiros. Talvez por ser um âmbito muito distante do "povão" (ou ser conhecido por processar jornalistas que o questiona), quase nada é falado sobre esta casta praticamente intocável da sociedade. As "excelências" estão operando o direito de uma forma, no mínimo, constrangedora. É claro que nem todos são assim e existem exceções louváveis e dignas de respeito, como o caso do juiz João Marcos Buch, aqui mesmo de Joinville. Porém, são poucos.

De Gilmar Mendes, o todo poderoso ministro do Supremo Tribunal Federal e doutrinador constitucional nas faculdades de Direito, passando por Janot e chegando até o caso mais recente, promovido pelo juiz federal Waldemar Carvalho e que deixou toda a comunidade LGBTQ raivosa (com extrema razão), podemos perceber que o nosso judiciário não vai bem. Casamentos e relações escusas, encontros às escondidas atrás de engradados de cerveja, esposa com relações políticas estranhas, desconhecimento total do que é sociedade, e tantas outras coisas, torna-o um poder questionado, assim como já estamos cansados de fazer com o executivo e o legislativo.

Basta aprofundar um pouco a análise para entendermos como os ocupantes destes postos estão em posições diferenciadas e passam a agir como tal na convivência social. Não é raro encontrar pessoas que ganham acima do teto constitucional (em rápida pesquisa, encontrei juiz em Joinville ganhando R$ 60 mil por mês!) e possuem uma série de vantagens, como duas férias por ano, 14º salário, auxílio-moradia e tantas outras benesses extremamente distantes da maioria dos trabalhadores brasileiros. É impossível, sociologicamente falando, não relacionar a posição social adquirida por eles e sua atuação jurídica. Ou são membros de grupos abastados na sociedade antes mesmo de serem admitidos (considerando o enorme abismo na qualidade da educação brasileira), ou passam a ser após anos estudando. Na mesma linha, quem ganha vários milhares de reais por mês certamente irá absorver hábitos e relações de elites, frequentar lugares totalmente distantes da realidade social dos mais pobres e distorcer a sua visão crítica de mundo (que, por sinal, mal é incentivada nas faculdades de Direito) o que, invariavelmente, distorce também as suas ações. A neutralidade é um mito que precisa ser derrubado.

Rafael Braga: mais um exemplo.

Ocorre, então, que ao se assumir como elite, um membro do judiciário pode ter que julgar, acusar, ou defender algo que vai contra os seus princípios de classe. As redes sociais são muito mais complexas do que imaginamos, e alguns casamentos de filhos de megaempresários servem apenas para exacerbar isso que defendo. Quantos outros encontros em bares sujos ocorrem por aí e definem o destino de milhões de pessoas? Ou, ainda, uma conversa em particular no clube de golfe local? Sabe aquela vernissage que as elites locais frequentam (e que o MBL não se mete)? E aquele vizinho do seu condomínio fechado que também é do judiciário? E a inauguração daquele prédio do amigo construtor que também é réu na minha vara de justiça? Enfim, as relações são infinitas e ocorrem dentro da própria classe.

Ainda não tenho resposta completa para a pergunta inicial, justo porque pouca coisa se sabe dos nossos representantes no sistema judiciário e merece muita pesquisa detalhada. Posso afirmar com convicção (obrigado, Deltan!) que o descoberto desse labirinto, até agora, infelizmente não nos agrada. As exceções precisam virar regra. Não há como sustentarmos um dos poderes judiciários mais caros do planeta e tolerarmos decisões que desvendam a real intenção da justiça - literalmente. São casos que mostram que o problema está aí, mantendo os privilégios e estruturas desiguais da sociedade, mesmo quando eles deveriam prezar pelo contrário, sobretudo em tempos de crises.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Limpeza


Xoinville tem que ser hixienizada e tirrar as pobres do rua

POR BARON VON EHCSZTEIN
Guten Morgen, minha povo.

Endón, sentirrón o meu falta? Andei meio dessaparrecido porque estou de férrias no Eurropa. Xente, é tuto tão bonito aqui por estes lados. Só povo bonito, xente educada e tudo organissado. Mas o que eu gosto mesmo é do limpeza dos cidades. É coissa que a xente nón vê no Brassil. É como diz o minha prima Eugenia: “Andere Länder, andere Sitten”. Outras paísses, outras costumes.

Mas perra aí... eu disse no Brassil, mas tem um exceção. Porque Xoinville é citade de primeirro mundo. Foceis já perceberram como é tudo limpinho também? A citade é tón hixiênica que as pessoas limpam os pés quando saem de casa e nón quando entram. E tem outra coisa. Em Xoinville não tem aquela pobraiada nos ruas, como nos outros citades do Brassil. Pfui!

Foceis virram o que aconteceu ondem? Nón leram o A Notícia? Entón eu digo qual foi o manchete: “Morradores de rua són obrigadas a deixar marquise de agência bancárria em Xoinville”. A xornal usou a palavra certinha: obrigadas. Foi precisso chamar até o Guarda Municipal. E foceis que nón sabiam parra que servia o Guarda Municipal, seus tolinhos. Besser spät als nie. Antes tarde que nunca, como dizemos aqui no Alemanha.

Depois de expulsar a pobraiada, pusserón uns grades lá, parra nón deixar ninguém voltar. Esdá certo. O nossa citade precissa ser hixienizada e nón pode ter xente feia assim bem na centro. Vón trabalhar, fagabundas. Arbeit adelt. A trabalho enobrece. É por isso que Xoinville é um citade de primeirro mundo. Nón tem pobre. E se tiver a xente dá um xeito de esconder eles. Aus den Augen, aus dem Sinn. Longe do vista, longe da corraçón.

Ach was, depois de tudo o que a nossa querrida prefeito faz pela hixiene do citade, ainda tem xente que reclama. Mas són os mesmos de sempre. O Defensorria Pública repudiou o açón do Prefeitura, mas só lefou bordoada nas comentárrios dos redes sociais. Os xoinvilenses de bem apoión o limpessa. Eu gostei muito da xoinvilense (de xema) que comentou: “por que o pessoal do Defensoria Pública não leva todos eles para casa?”. Xênia.

Isso sim é xeston. É passo a passo que se constrói um citade de primeirro mundo. Auch Rom wurde nicht an einem Tag gebaut! Nem Roma não foi contruída num dia. Xoinville está na caminho certo.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Os legisladores do atraso... em causa própria

POR JORDI CASTAN
Nem faz tanto tempo assim. Os fabricantes de tubos de ferro galvanizado da cidade estavam em pé de guerra com os fabricantes de tubos de PVC. O plástico, mais econômico e fácil de trabalhar, rapidamente ganhou o mercado. O resultado é de todos conhecido: o PVC é hoje o líder de mercado no segmento e os tubos de ferro ficaram restritos a um mercado reduzido e específico.

Há uma história bem conhecida no Brasil. Se Thomas Edison tivesse inventado a lâmpada elétrica aqui, o lobby dos fabricantes de velas não teria permitido a sua comercialização. A vanguarda do atraso viceja e ganha novos adeptos a cada dia. E nunca faltam legisladores dispostos a defender a bandeira da inépcia, da obsolescência ou do atraso.

Os taxistas frente ao Uber. Os hoteleiros frente ao AirBnB. As empresas de TV frente a Netflix. E por aí vai. Em nenhum momento defendem os interesses da população, que, desorganizada e sem políticos que defendam seus interesses, se vê desprotegida e abandonada. E tudo fica nas mãos de legisladores que, quando não legislam abertamente em causa própria, o fazem em defesa dos interesses mais vergonhosos e mais retrógrados.  

O país retrocede. E no caso de Joinville encontramos aqui os máximos expoentes do atraso institucionalizado, os defensores da ineficiência e os mestres do sem-vergonhismos. É só estar atento.

sábado, 16 de setembro de 2017

Futebol ainda é coisa de macho

POR LAERTE FERRAZ
Não é à toa que chamamos o futebol de jogo da paixão e o Brasil país do futebol. O amor por esse esporte, que nem invenção nossa é, começa a ser incutido cedo no nosso meio. Ainda criança era levado ao estádio por meu pai, junto com meus irmãos. Eram ainda os tempos em que futebol era coisa de homem, para homens.

Eis o "pq" (aproveito o espaço para mostrar a minha indignação com nossos quatros porquês, a maior aberração inútil de nossa língua pátria) de nos dias atuais o futebol continuar sendo majoritariamente masculino, na proporção de sete para um. Para cada sete homens que gostam de futebol, existe uma mulher que gosta. O principal motivo para barrar as mulheres é que nesse capo se falava muito palavrão, como se fala até hoje. Não sei "pq" se pensava que mulheres não gostavam de falar palavrão.

Estava eu, com meus sete anos, vendo o Ceará perder por dois gols para o Remo no campeonato que chamávamos de Nordestão, já na metade do segundo tempo, quando precisávamos de apenas um empate. Comecei a gritar: "vamos, Ceará!" Um senhor ao meu lado, com cara de desiludido, falou com a voz triste: "vamos para onde, meu filho, não dá mais tempo não, tem que fazer dois gols".

Sem lembrar o ensinamento de meu pai, de que devemos respeitar os mais velhos, tasquei: "se você não quer torcer que vá tomar no cu!!!" Meu pai, se esforçando para segurar o riso, tentava me chamar a atenção quando o senhor, já com o riso aberto, falava que era coisa de criança, que não tinha problema. E o Ceará fez o primeiro gol. Depois da explosão de alegria, o senhor, que não foi tomar no cu, aderiu ao grito de "vamos, Ceará!". E logo aquele pedaço da arquibancada onde estávamos passou a gritar também. E nosso artilheiro Gildo, com uma cabeçada fulminante, nos levou ao delírio com o segundo gol.

O senhor me jogava para cima numa alegria sem limites. Ao final do jogo me deu um picolé e um forte abraço. O futebol mudou de lá para cá em muitos aspectos. Alguns bons, como a presença de mulher dentro e fora de campo. Outros ruins, como a troca da arte e do talento pela aplicação disciplinada, onde a tática e a obediência do jogador ao técnico é o que mais importa. Outras mudanças virão, como o recurso eletrônico, que sou contra, aliás. Mas o palavrão esse permanece, para tristeza das mães dos juízes, que serão as únicas beneficiadas, de fato, quando adotarem o recurso eletrônico.





Laerte Ferraz é produtor de vídeo
e torce por três times
(mas isto é tema para outra crônica)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Brasil, uma nau sem rumo

POR DOMINGOS MIRANDA
Dirigir um país sem ter um projeto de nação é como navegar em alto mar sem uma bússola ou GPS. O governo federal só tem duas preocupações imediatas: 1) tentar se defender das acusações de corrupção já que a Polícia Federal, em relatório encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, disse que Michel Temer é o chefe da organização criminosa; 2) fazer leilão das empresas estatais o mais rápido possível, sem um estudo mais aprofundado.

Em países com economia diversificada como a nossa não existe notícia sobre um desmonte de tal magnitude, a não ser o que ocorreu no governo de Vichy, na França, durante a segunda guerra mundial. O governo de Vichy correspondia a dois terços da superfície da França e foi capitaneado pelo marechal Pétain e por Pierre Laval, O Estado títere dos alemães surgiu com o armistício feito em julho de 1940, depois da derrota diante das tropas nazistas.

É um período que os franceses gostariam de esquecer porque foi um retrocesso em todas as conquistas do povo desde a revolução de 1789. Para começar, trocaram o famoso lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, usado desde a Revolução Francesa, por “trabalho, família e pátria”. A dor era maior porque a população ainda guardava na mente as conquistas do governo de esquerda, de 1936 a 1938, como aumentos salariais, semana laboral de 40 horas e férias pagas para todos os trabalhadores.

Um pequeno grupo, capitaneado pelo general Charles de Gaulle, criou no exílio a Frente Nacional, que abrangia de comunistas a monarquistas, para liberar o solo francês dos ocupantes e dos traidores. Rapidamente cresceu o movimento da resistência até a destruição do governo de Vichy e a expulsão dos nazistas. Laval e Pétain foram condenados à morte, mas este último teve a pena comutada para prisão perpétua por causa de sua idade avançada.

O fim para os traidores nem sempre é bom. No Brasil vemos uma situação semelhante à França da Vichy. Nossos governantes chegaram ao poder através de um golpe arquitetado pelo serviço de informações americano e agora eles pagam a fatura. Estão entregando a preço de banana as nossas maiores empresas (parte da Petrobras, Eletrobrás), as reservas minerais e implodiram as grandes empresas de engenharia através da Lava Jato.

O economista Delfim Neto disse, em artigo na Carta Capital, que o nosso destino está em nossas mãos. “Para realizá-lo precisamos de um consenso social mínimo em torno de um Projeto Nacional”. Para que consigamos evitar o desmonte de nosso país é necessário criar uma ampla frente em torno de um projeto que preveja nossos destinos para daqui 30 anos. Corremos um sério risco de desmembramento da pátria pois o poder central está em frangalhos e as forças regionais tentam buscar o butim para o seu lado.

Mesmo com todos os males existentes, o Brasil conseguiu chegar unificado ao século 21 e é uma das maiores economias do mundo. Seria burrice perder todos estes avanços. A mudança de rumo depende de nós. Vamos nos unir.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Udo, Acij & Cia e o Jardim da Fátma

POR DAUTO J. DA SILVEIRA
O anúncio feito pela Prefeitura de Joinville de que os processos de licenciamento ambiental da cidade não serão mais realizados pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) revela duas questões perigosas: 1) a mentalidade inocente da atual gestão e 2) o desmantelamento das instituições públicas municipais.

A primeira delas pode ser observada no que era dito, em 2014, durante a reforma administrativa que transformou a Fundação Municipal de Meio Ambiente (FUNDEMA) em secretaria. O prefeito da cidade, no uso das suas prerrogativas de ser um “gestor de novo tipo”, cantava a velha cantilena liberal de que tal transformação agilizaria os processos, reduziria a burocracia e melhoraria a gestão relacionada às atividades da Fundema. (AN, 11/fev/2014). Com base nisso, se desfaz a defesa cínica, de boa parte da elite acijiana, de que a Sema é incapaz de garantir a agilidade dos processos de licenciamento.

Ora, se a Sema é produto da ineficiência da Fundema e se sua função, entre nós, é, por conseguinte, melhorar a gestão, como podemos explicar tal incapacidade atual? O cinismo nunca foi tão débil. A alma das associações empresariais toma o corpo da prefeitura por completo e apresenta os seus dentes e garras: agora o problema passou a ser a morosidade do corpo técnico municipal. 

Segundo Aguiar, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Joinville, a cidade “vinha enfrentando problemas antigos na questão dos licenciamentos feitos pela Sema, que era um processo muito moroso e não tinha como continuar com essa demora (na emissão de licenças)” (AN, 08/set/2017, grifo nosso). Já para Valcanaia, presidente da Associação de Joinville e Região de Pequenas, Micro e Médias Empresas, “a Ajorpeme sempre esteve muito insatisfeita com os prazos de licenciamento em Joinville. Entendemos que toda mudança tem riscos, mas nosso foco é em diminuir os tempos de licenciamento, independente se feito pela Sema ou pela Fatma”. (AN, 08/set/2017). Thomazi, sem vacilar, vocifera “a perspectiva é boa porque quem teve processos de licenciamento tramitando na Sema sabe da morosidade que é, então é provável que a mudança produza efeito positivo com relação a essa demora na tramitação”. (AN, 08/set/2017).

Pois bem, a fabricação de consenso que explique a incapacidade da própria burguesia em administrar os seus próprios negócios se manifesta de forma meridiana. Como explicar essa sucessiva troca de responsabilidades dos serviços ambientais senão pelo viés do desespero dos “donos da cidade”? Diante de tal situação os funcionários do Licenciamento Ambiental da Sema, em um ato de coragem, apresentaram um quadro com dados concretos sobre os trabalhos desenvolvidos no interior da secretaria. 

Os dados reais desmascaram a farsa apresentada pelos dois corpos que possuem o mesmo espírito: de um lado a retórica de políticos pusilânimes e de outro o cinismo dos empresários da cidade. Os técnicos trazem dados pormenorizados e demonstram, por exemplo, que o tempo médio dos processos apresentados de 01 a 31 de agosto de 2017, no tocante à análise interna de Meio Ambiente foi de 9 dias e no tocante aos Licenciamentos e Serviços de Meio Ambiente, foi de 15 dias, 23 horas, 57 minutos e 24 segundos. Como se não bastasse, sublinham que “no mês de agosto de 2017, o setor de licenciamento ambiental da Sema emitiu 4 Licenças Ambientais Prévias com dispensa de Licença de Instalação, 3 Licenças Ambientais de Instalação e 26 Licenças Ambientais de Operação e Corretivas. No mesmo período, a FATMA – CODAM [Coordenação de Desenvolvimento Ambiental] Joinville emitiu apenas 08 Licenças Ambientais, sendo 04 ampliações de Licença Ambiental de Operação, 01 renovação de Licença Ambiental de Operação, 01 Licença Ambiental Prévia, 01 Licença Ambiental de Operação e 01 Licença Ambiental de Operação Corretiva” (Fonte: http://www.fatma.sc.gov.br/).

Ainda que a Sema seja a versão empobrecida da Fundema, isso aponta, em primeiro plano, que de algum modo o andamento dos trabalhos não satisfazia os interesses, cada vez mais vorazes, dos empresários da cidade. Nada nos garante que a Fatma conseguirá resolver esses mesmos problemas, uma vez que eles brotam da “tara” incontrolável dos burgueses da Acij & Cia em ampliar os seus negócios, sem que ocorra o mínimo controle dos órgãos ambientais.

Na segunda questão supracitada, estamos a perceber o desmonte das instituições públicas municipais que, não obstante as profundas dificuldades, ainda guardam expressiva funcionalidade para a maioria da população. Depois de três contrarreformas, que transformaram a cara da administração pública, assistimos mais uma medida que visa suprimir qualquer tipo de impedimento aos negócios burgueses em crise estrutural. Não significa, ao mesmo tempo, pôr em relevo as limitações subjetivas do corpo técnico da Fatma ou indicar (a priori) uma certa fragilidade ética que, no horizonte, responderia ao desejo incansável de mudança dos processos de licenciamento da prefeitura e da Acij & Cia.

O busílis aqui é outro, ou seja, afastar os licenciamentos de Sema (órgão arraigado à estrutura municipal) e levá-lo a um espaço estadual, com outro ordenamento político e cultural, submetido a práticas administrativas de natureza distinta pode ser um grande negócio. “E, se não der certo, o próprio prefeito Udo Döhler sinalizou que volta a estaca zero”, adiantou o acijiano Thomazi (AN, 08/set/2017). Diante do acirramento das contradições dos dias correntes, isso não é pouca coisa.

Aos poucos, mas de modo peremptório, o comitê executivo da classe dominante da cidade, engendra as condições necessárias para um novo padrão de acumulação. Para que alcance tal desígnio é necessário muito mais. O segundo mandato, as três contrarreformas e medidas pontuais como essa, são insuficientes. A médio prazo teremos novas medidas, ainda mais rapinantes. 

Dauto J. da Silveira é professor e doutor em Sociologia

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Não discuto com fascistas. Limito-me a zoá-los...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Não discuto com fascistas. Limito-me a zoá-los. É uma espécie de lema que sigo há muito tempo, em especial desde que comecei a escrever artigos de opinião para jornais. Mas se no passado era difícil dar de cara com um “facho” (a maioria tinha vergonha de assumir o fascismo abertamente), hoje em dia eles pululam por aí. A terra sem lei das redes sociais é o ambiente ideal para a proliferação desse entulho.

E foi no Facebook que o MBL-Joinville fez um desafio nominal a alguns integrantes do Chuva Ácida, atuais e de outros tempos (imagem abaixo). Parece que queriam discutir a “mentalidade esquerdista” a partir do episódio da Exposição Queermuseu. Discutir? Não, obrigado. Afinal, os caras pensam que o mundo é um imenso Facebook e que memes mal amanhados são argumentos.

Os fachos do MBL parecem achar que a burrice virou uma ciência. Aliás, se houvesse um vestibular para entrar no Facebook, esse pessoal ainda estava todo lá no Orkut. O desafio tentava ser engraçadinho (não dá, a direita não sabe fazer humor) e acabou gerando uma expressão interessante. “Rufem os tambores”, exaltava o post. Faz sentido. Porque o MBL é exatamente como um tambor: faz muito barulho, mas é vazio por dentro.

É claro que recuso o “desafio”. Afinal, qualquer pessoa sensata sabe que não deve se aproximar de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota do MBL por qualquer dos lados. Facebook incluído. Aliás, como debater a “mentalidade esquerdista” se eles acham que todo mundo é de esquerda? O Jordi Castan, por exemplo, foi ao post e reagiu à citação: “Eu esquerdista? Alguém andou bebendo água da privada”.

Mas um coisa é certa: os caras não têm problemas de auto-estima. Têm alta estima. Para eles um debate livros versus memes parece natural. Mas que pessoa com dois dedinhos de testa entra numa discussão que já sabe como vai terminar? Afinal, como já disse alguém, as opiniões dos tontos são como os pregos: quanto mais se martelam, mais se enterram. E a melhor maneira de ganhar uma discussão com idiotas é deixá-los falar. Sozinhos, claro.

É a dança da chuva.


Saneamento. Não nos interessa!

POR HENRIQUE CHISTE NETO
O Governo Federal lançou, no ano passado, o projeto PPI – Programa de Parcerias de Investimentos, com o objetivo de alavancar investimentos em infraestrutura. O setor de saneamento foi priorizado e em novembro de 2016 o BNDES lançou edital de pré-qualificação para selecionar consórcios para participação em licitações futuras, destinadas à contratação de serviços técnicos especializados em processos de desestatização do setor de saneamento básico, tais como concessões, subconcessões e PPP’s – Parcerias Público Privadas. O termo privatização não foi colocado, pois esta não é a prioridade, e só aconteceria se fosse o desejo dos Estados que aderissem ao projeto.

Iniciado o processo, 24 consórcios de empresas especializadas foram pré-qualificadas e aguardaram os editais de leilão, que seriam publicados pelo BNDES para os Estados interessados no programa e, no apoio oferecido pelo banco, para estudar os modelos mais adequados às particularidades de cada situação/região.

Em dezembro de 2016, após publicada a relação dos consórcios pré-qualificados, teve início o processo de elaboração dos editais, orçamentos e particularidades para a realização dos leilões.
Os primeiros Estados a aderirem ao PPI foram Pará, Amapá, Maranhão, Alagoas e Sergipe. Na segunda rodada, em abril de 2017, Santa Catarina, juntamente com os Estados do Acre, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte iniciaram a rodada dos leilões.

Santa Catarina foi contemplada com R$ 8,5 milhões para execução de estudo no sentido de universalização dos serviços de água e esgoto para cada região/município, não só os operados pela CASAN, via concessão, sub-concessão e PPP’s.

Os trabalhos deverão ser realizados em parceria com o Estado, CASAN e municípios, e os modelos selecionados serão objetos de consultas e audiências públicas para futuramente serem licitados. O contrato era para ser assinado em junho e até agora não o foi, porque o Estado não se definiu. Percebe-se que o atraso e, agora, a possibilidade de desistência, é meramente política.

Cabe ressaltar que politicagem e interesses particulares estão jogando fora uma oportunidade única para o estudo da universalização dos serviços de saneamento de Santa Catarina e ainda, seremos um dos poucos Estados a não participar do PPI.

Enfim, assim como o Estado, Joinville anda na contramão dos programas mais atualizados que se apresentam no setor de saneamento. Lá, ainda sob o jugo da empresa estatal comandada por um corporativismo tacanho e com forte influência política, se arrasta e se trava dentro do universo do saneamento.

Aqui, estamos à mercê de um governo municipal, diga-se, Executivo e Legislativo, num processo gradativo de desmonte da “intelligentsia” construída e desenvolvida nos últimos 10 anos. Primeiro, com a extinção da AMAE, se entregando à uma agência estadual caduca e inoperante, segundo, num processo crescente de desmantelamento da CAJ, empresa que outrora fora referência em avanços no difícil caminhar para a universalização do saneamento municipal.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

As 7 classes de joinvilenses



POR JORDI CASTAN

Dizem que os joinvilenses são todos iguais. Não há nada menos verdadeiro. Há entre os habitantes destas terras e dos seus brejos e lodaçais no mínimo sete tipos de joinvilenses. Assim como há sete pecados capitais, alguns acham que há uma classe a mais, mas disso vamos a falar mais adiante.

1. Os primeiros são os que não sabem. Estes são os mais numerosos. Nunca ficam sabendo de nada e quando alguém lhes conta nunca acreditam.

2. Os segundos são aqueles que não querem saber. Duvidam, não acreditam e, quando confrontados com a verdade, escolhem não aceitá-la.

3. Há ainda um terceiro grupo que são os que odeiam saber. Em outras palavras, não sabem, não querem saber e tem raiva de quem sabe.

4. O quarto grupo está formado pelos que sofrem por não saber. Até gostariam de saber, perguntam às pessoas esperando as respostas que nunca chegam. Mas estão sempre meio perdidos, escutaram até badaladas mas seguem sem achar seu caminho.

5. Há ainda um quinto grupo de pessoas que faz de conta que sabe. Imaginam que sabem, sem que isso seja verdadeiramente real. Como não sabem a cada nova pergunta, sua falta de conhecimento é mais real e sua ignorância aumenta ano a ano.

6. No sexto grupo em que a sociedade local está dividida, estão os que triunfam sem saber. E entre estes há muitos mais dos que imaginamos num primeiro momento, porque seu habitat não se restringe só aos espaços públicos. Estão aumentando cotidianamente e a seguir no ritmo que vamos, não devemos nos surpreender se como cogumelos pipocam em todas as secretarias e ambientes privados, pois não há sector que esteja livre desta praga.

7. O último grupo é o que formam todos aqueles que vivem graças ao que os demais não sabem. Os membros deste último grupo e todos seus assemelhados  adquirem diversas imagens e modelos e se denominam a si mesmos “políticos” ou até há os que se denominam “intelectuais”.

Pessoalmente incluiria aqui mesmo, e na ordem correspondente, um grupo adicional, que é mais comum do que imaginamos. Aliás, o bom senso nos diz que não deveria haver esse peso morto. Este último, que inclui o dos políticos e dos intelectuais, é o grupo dos “gestores”. Estes são os mais perigosos e perniciosos para as estruturas e para a sociedade em geral.

Que podemos fazer? Devemos expô-los, mostrar a inconsistência dos seus argumentos e dos seus relatos. Fragilizar sua imagem fraudulenta de bom gestor. Fazer mais transparente seu papel na sociedade em que este inserido e compartilhá-lo com os outros amigos. Sua arrogância, sua grosseria e sua empáfia os faz ainda mais insuportáveis e perniciosos para a sociedade a quem deveriam servir.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O tio Firmo

POR JOSÉ ROBERTO PETERS
O pai contava que o tio Firmo jogava no gol. Pegava bola igual ao Higuita — aquela jogada apelidada de escorpião: jogava o corpo pra frente e defendia com os calcanhares. Não é de se duvidar, uma vez que viu isso quando criança. Criança não mente. O pai aumentava um pouco, mas nunca mentia. E o tio Lizandro confirmou. Então era: o tio Firmo jogava como o ídolo colombiano dos anos 90.

O tio Firmo era irmão da vó Justina, que era casada com o vô Matias. Lá também estavam a tia Ágata — irmã da vó, casada com um primo do vô — e a vó Deolinda, mãe das duas. Eram cafusas. Aquela mistura de negras e índias trouxe um charme àquela família de poloneses e alemães.

O tio Firmo foi o último a chegar. Veio fugido. Havia dado um tiro num sujeito lá em Jaraguá. Errou e teve que cair fora. Depois do tiro se embrenhou no mato e foi sair em Schroeder. Daí pra Serra Dona Francisca, São Bento e foi bater com os costados lá na Bela Vista. Foi acolhido pela mãe, pelas irmãs e cunhados.

Virou um factótum. Roçava, tratava de animais, fazia carreto e levava gente pra Mafra — numa carroça de quatro rodas e toldo, que era do meu avô. E jogava no gol aos domingos. O tio Alziro, irmão do vô — que serviu no Rio durante a Guerra — trouxe pra ele uma camisa do Vasco. Pronto. Defendia o time cruzmaltino como se tivesse nascido em São Januário.
Morava numa pequena casinha perto do São Lourenço num terreno do Vô Matias. Nunca se preocupou com dinheiro, ganhava uns pilas aqui, outros acolá. Plantava o que comia e sempre que alguém ia colher ou carnear um animal vinha pra ajudar n´alguma necessidade. Assim ia vivendo.

Nos domingos era o goleiro time. O campo — meio grama, meio terra — ficava perto da igreja e o povo se reunia pra ver futebol, tomar cerveja e algum refrigerante. Dizem que a tia Tuia, do tio Lizandro, vendia pros botequeiros uns canudos de palha de trigo, cortados com esmero, pras crianças tomarem refrigerante, mas isso já é outra história.

Os jogos eram contra os times da região: Saltinho do Canivete, Avencal e até uns vindos de Mafra. Uma vez perguntei se não dava muita briga. O pai estranhou a pergunta. Não, respondeu, era diversão. Iam pra se distrair da lida diária e ver o show do tio Firmo. Gente rude dando exemplo. Pensei no Galeano: Gañamos, perdimos; igual nos divertimos”.




José Roberto Peters é matemático,
professor universitário
e torcedor do Flamengo

Pacto


País sob o domínio do medo: únicos organizados são os delinquentes

POR DOMINGOS MIRANDA
Mais uma vez o crime organizado leva o pânico a Santa Catarina. Isso acontece metodicamente desde 2011 e já pode ser colocado no calendário oficial. Em uma semana ocorreram mais de 50 ataques dos bandidos. Policiais morreram, sedes de órgãos de segurança foram atacadas, ônibus incendiados etc. Muitos discursos foram feitos, mas, efetivamente,  nada de prático para solucionar o mal. É claro que este é um problema mais amplo, que não dá para ser resolvido sem uma maior intervenção do Governo Federal, que está imobilizado diante de suas ilicitudes e incompetências.

O narcotráfico é o pior problema para os países da América Latina nos últimos 30 anos. Hoje, o Brasil transformou-se na principal rota do tráfico para o mundo. Somente no primeiro semestre deste ano a venda de drogas rendeu cerca de R$ 20 bilhões aos traficantes. Estes tem muito dinheiro e podem corromper policiais, políticos, juízes e até mesmo membros das Forças Armadas. A série Narcos, mostrada pela Netflix, põe a nu esta realidade na Colômbia, nas décadas de 80 e 90. Agora somos nós que estamos sentindo o mesmo problema.

Se não houver uma ação coordenada dos três poderes não é possível encontrar uma saída para este grave problema. O coronel reformado da PM do Rio de Janeiro, Íbis Pereira, explica: “Para a gente reduzir violência tem que ter três coisas: vontade política, engajamento da sociedade e visão de longo prazo. Você só consegue visão de longo prazo se tem plano e se consegue institucionalizar o plano”. No Brasil não temos nada disso. Hugo Acero, que foi um dos coordenadores da luta contra o narcotráfico na Colômbia, em 2008 deu palestra em Joinville e disse: “Os únicos que estão organizados no Brasil são os delinquentes”.

Marcola, o líder da maior organização criminosa do país, está preso há vários anos em uma prisão de segurança máxima. Pessoa de uma inteligência incrível, leitor voraz de clássicos da literatura, comanda o crime de dentro da cadeia e tem planos de longo prazo. O seu ex-advogado já foi secretário da Segurança Pública de São Paulo, Ministro da Justiça e agora está no Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma entrevista ao jornal O Globo, desafiava: “Estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês morrendo de medo”.

Se a corrupção se alastrou por todo o andar superior do poder, o que esperar? O coronel Íbis Pereira confirma que “a violência e a corrupção andam juntas”. Virou coisa comum no noticiário ouvirmos que tal juiz ou desembargador vendeu sentença. Há pouco tempo, um traficante condenado a 65 anos de prisão foi colocado em liberdade. A polícia encontrou meia tonelada de pasta de cocaína em helicóptero de senador e nada foi apurado. Ou melhor, uma juíza determinou que a imprensa não pode usar o termo “helicoca”.

Portanto leitores, o futuro não é muito promissor. Aliás, Marcola usa uma frase de Dante que define bem o momento atual: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate! Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno”.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

No dicionário de Udo, “cimento” vem antes de “ambiente”

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Às vezes pergunto se Udo Dohler gosta de Joinville. Ou dos joinvilenses. Ok... muita gente fica ofendida com este tipo de questionamento – os chauvinismos são sempre bacocos – mas o fato é que quem gosta cuida. Repito: cuida. No entanto, não parece que o atual prefeito esteja particularmente empenhado em cuidar do futuro da cidade e dos seus cidadãos. Afinal, parece não haver ações de fundo nesse sentido.

Exagero? Udo Dohler está a lavar as mãos na questão do licenciamento ambiental. É grave. A propósito, memórias recentes permitem dizer que está a lavar as mãos nas águas vermelhas do Cachoeira. Mas o ambiente é razão para tanto barulho? O cidadão comum pode pensar de forma objetivista: “a gente tem que fechar os olhos para certas agressões à natureza porque o importante é ter empresas, progresso, emprego”. Nada mais errado.

O processo civilizacional aponta no sentido contrário. O ambiente é essencial para acautelar o futuro da cidade e a qualidade de vida dos cidadãos. O tempo é de construir cidades modernas, inteligentes e inclusivas. E, ainda melhor, ganhar com a nova economia (já não tão nova assim). Mas o atual prefeito é um homem com o mindset no século 19 e, no seu dicionário, as palavras “chaminé” e “cimento” vêm antes de “ambiente”.

Há perguntas a fazer. Por que Udo Dohler está a se demitir da defesa do ambiente? Por que está a rejeitar a obrigação de, enquanto prefeito, defender as atuais e futuras gerações de joinvilenses. Deixemos de barato. Afinal, seria impensável ver confirmado o que escreveu o co-blogger Jordi Castan esta semana: “uma decisão tão desatinada que leva a pensar que esteja a atender outros interesses que não os da sociedade joinvilense”.

Eis a tragédia histórica. Ao longo dos tempos, os prefeitos de Joinville têm mantido a cidade amarrada ao passado, com modelos clientelistas e métodos ultrapassados. O leitor eleitor pode questionar as prioridades e pensar: isso de meio ambiente é frescura dos ecochatos, porque tem é que cuidar da saúde, da educação e dos transportes. Claro que sim. O problema é que uma coisa não exclui a outra. Pelo contrário.

Fica a dúvida. Talvez o atual prefeito esteja mais preocupado com o seu próprio projeto político – esqueçam lá a conversa do gestor, porque as decisões são sempre políticas – do que com a modernização da cidade e o bem-estar dos joinvilenses. Afinal, quem só olha para a árvore acaba por não ver a floresta. Ops! Péssima metáfora. Porque, como ficou evidente, árvores e florestas não interessam muito lá pelas bandas da Prefeitura.

Ah... e não duvido que a esta hora os chiens de garde do prefeito já estejam a arreganhar os dentes:
- Quem não vive na cidade não pode falar. Porque fala de uma cidade virtual, vista pela internet, e não sabe sobre a cidade real.
E eu responderei:
- É só uma questão de quilômetros. A entourage de Udo Dohler vive acantonada na torre de marfim do poder na Hermann Lepper e, por não praticar a democracia e não dialogar com o exterior, também só vê uma Joinville virtual.

É a dança da chuva.