sábado, 31 de janeiro de 2015

Brainstorming

POR MANOELA DO NASCIMENTO


Assim como tantas outras lendas que fazem parte da cultura de São Francisco do Sul, a lenda do Marinebus já assombra os francisquenses.  Mas, precisando ir a Joinville e cansada de enfrentar as frequentes filas da BR 280, resolvi enfrentar outros perigos e tentar encontrar o tal Marinebus.

Primeiro, vou em busca de notícias: “O transporte começou a operar no dia 6 de janeiro. Em seu primeiro dia de viagens, o Marinebus, que tem capacidade para transportar 47 passageiros, realizou o trajeto entre as duas cidades com uma média de 20 pessoas a bordo.”  (ANoticia, 12 de janeiro)

Então, anoto os horários divulgados e os seus locais de aparição.

Saída de São Francisco do Sul para Joinville
06h20
8h20
12h
14h
18h

Saída de Joinville - para São Francisco do Sul
07h30
9h30
13h15
15h30
19h15

Faço um reza e vou ao encontro no trapiche de São Francisco do Sul. Era aproximadamente 7:45h da manhã e sol já refletia na Babitonga.

Enfim, chego ao trapiche de São Francisco do Sul. Respiração já ofegante, penso que deve ser pelo sobe e desce nas já conhecidas ladeiras do Centro Histórico.

Deparo-me com uma simpática senhora que estava a contar outras histórias a outro simpático rapaz. Para não assustá-los, emito um som baixo e agudo, como de costume, e pergunto como faço para comprar a passagem para o horário das 8h20. Torcendo por uma positiva resposta.

A simpática senhora pede então que eu me aproxime e me fala quase que ao pé do ouvido: - Shhhhhhh! Nas segundas ele costuma não aparecer por aqui... Você devia saber destas coisas menina...

Um buraco abre embaixo dos meus pés e meu coração dispara: - Então é verdade! A lenda existe mesmo! Isto é quase que como ter certeza que o Curupira existe, menos nas segundas-feiras.

E lá vou eu, feliz da vida, até a rodoviária pegar o ônibus, pois perdi a carona depois que decidi me aventurar pelos lados obscuros da nossa cultura.

Chego ao ônibus e para minha surpresa não tem mais lugar para sentar. – Que maravilha! Hoje é mesmo meu dia de sorte. Logo penso.

Começo a ver pessoas idosas, pessoas com necessidades especiais, trabalhadores, estudantes, turistas e crianças. Algumas no corredor. Com eles, suas bolsas, malas, travesseiros, livros e garrafinhas de água para amenizar o sufocante calor.
O ônibus começa a andar tranquilamente até que.............. trânsito parado na 280!

Passadas 3 horas, começo a ouvir turistas dizendo que perderam o horário de outros ônibus, que as senhoras perderam o horário da consulta, que os estudantes perderam o horário da prova, que os trabalhadores perderam tempo e que todo mundo perdeu a paciência.
Reflito: Sim! É verdade.... Este Marinebus existe mesmo! Mas deixa rastros e pistas falsas para despistar sua identidade. De acordo com a lenda, é impossível um francisquense alcança-lo. Após encantar os moradores, ele desaparece e ficamos apenas tentando descobrir seus mistérios. Enquanto isto, nos resta a imaginar como seria se ele existisse...


Obs. Lendas fazem parte do imaginário das pessoas. Assim como esta história.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Movimento LGBT, é preciso mesmo tantas letrinhas?

EMANUELLE CARVALHO

Ocorre frequentemente, nas situações mais distintas. Na TV, com uma reportagem  que trata o assunto indevidamente e confunde a população. No rádio, ao trocarem qualquer identidade de gênero ou orientação pela palavra gay. E também quando você está lá, bebendo aquela cerveja com os amigos e de repente alguém toca no assunto: "É como a galera GLS, Manu". Você corrige rapidamente para LGBT, e o logo os questionamentos sobre nomenclaturas, expressões de gênero, orientação sexual começam a surgir, e com eles as dúvidas tão comuns.


Mas será que é preciso tantos nomes diferentes? Será que a gente não pode chamar tudo de homossexualidade pra ficar mais fácil?
Não, a resposta correta é não. 

E não é porque nós somos "tudo bicha pintosa que gosta de frufru, glamour e purpurina" (até por que tem muita sapatão caminhoneira nesse barco, tem muita diversidade  nesse bolo, mas isso é outro papo, ou melhor, outro texto). O fato é que nomear os comportamentos e identidades ajuda a debater sobre elas, cria um ambiente propício a diferenciação dessas identidades, orientações e culturas e a entender um pouco de suas subjetividades e desse conceito tão amplo que é a diversidade.
Quando dividimos os sujeitos LGTBs em letrinhas podemos debater suas demandas uma a uma. Podemos dar atencão a problemas não vistos por outros grupos e por isso, pouco evidenciados. Chamamos isso nos movimentos sociais de visibilidade (guarde bem essa palavra, vou utilizá-las bastante dialogando aqui nesse espaço).
Ao debater as demandas individualmente a gente pode devagarinho, passo a passo, visualizar algumas opressões da sociedade que comumente não veríamos mas que nos afligem e são motivos de muitos traumas. 

Por exemplo, mulheres lésbicas sofrem lesbofobia e dentro disso, problemas como estupros corretivos , onde uma parcelas de homens machistas idiotas acreditam que podem corrigir a sexualidade dessas mulheres estuprando-as.
Já os bissexuais sofrem com as ideias bifóbicas equivocadas de que suas mentes e corpos são indecisos, que querem tão somente a promiscuidade e que não conseguem sustentar relações monogâmicas. Somos na ideia da sociedade atual uma espécie programada para fazer sexo sem se apaixonar independente do outro ser alguém legal ou não, ser inteligente ou não, nos atrair ou não. Algo criado para agradar a homens heterossexuais, já que a bissexualidade masculina é sempre vista como um disfarce e pouco admitida sua existência (sim, é preciso provar que sua sexualidade existe!). Uma grande bobagem do fetichismo e estereótipo televisivo.

Mas será que nomear tanto e trocar frequentemente essas nomenclaturas não piora essa visibilidade? Será que não confunde as pessoas? Será que não era mais fácil falar somente sobre amor?
Claro que sim, mas isso não é de fato um problema. Nesta sociedade plural e pós moderna estamos acostumados a modificar as coisas o tempo todo. Em 1960 a minha mãe teve um lance com meu pai, já minha avó teve um chamego, meu irmão flertou aos 15 e eu fiquei aos 12. Viram só, estamos modificando nossas formas de falar, então por que a nossa sexualidade, sempre tão invisível e agora talvez um pouco mais debatida não pode receber um novo olhar?
Claro que pode.

É preciso atentar que algumas palavrinhas são ressignificadas, ou seja, recebem um novo sentido, uma nova carga simbólica, moral e política e outras podem ser utilizadas pejorativamente. Se você não sabe que termo utilizar com uma determinada pessoa ou determinado grupo, pergunte. Não é feio, não dói, e principalmente, não machuca o outro. 

Além disso, é preciso ter paciência para explicar  (estou trabalhando arduamente nisso gente!), especialmente aos que foram educados para um mundo mais cinza, que essa pluralidade de cores não nos inferioriza enquanto sociedade, pelo contrário, nos fazem sujeitos ainda mais tolerantes, fortes e múltiplos.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Câmara Ostentação de Joinville


A festa do Diabo

POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES

Fonte: Arquivo Histórico de Joinville
Fazia tempo que não me sentia motivada a escrever sobre Carnaval. O último texto foi na época em que semanalmente publicava artigo em um jornal local. Na ocasião fui desafiada por um pensamento que circulava em abundância sobre a preferência cultural dos joinvilenses com foco nas atividades germânicas e, por isso, o carnaval não passava de um capricho de minorias que não tinham o que fazer. Então, fazer o contra ponto a esse pensamento equivocado revisitei alfarrábios de uma pesquisa realizada nos tempo da faculdade sobre o carnaval em Joinville. 

A disposição para pesquisar sobre o carnaval, talvez estivesse na raiz da minha própria história, quem sabe, para expurgar alguns demônios encaracolados na mente de uma menina católica.  No lugar em que nasci e me criei, uma cidadezinha com hábitos medievais, conforme o catequista, o carnaval era “a festa do Diabo”. Por isso, na tarde do domingo que antecedia à quaresma, passávamos de joelhos, na capela, rezando pelas “almas das moças que praticavam a folia”, para que resistissem às tentações diabólicas. Seja lá qual fosse o argumento do catequista a sugerir a imaginação de um ambiente carnavalesco, a menina católica ficava indignada por ter que ficar em contrição pelos pecados alheios. Mas, na educação prussiana era obrigatório o que não fosse proibido. Então não havia muita escolha. Talvez por isso, não aprendi a sambar. 

À época da pesquisa, de acordo com documentos consultados no Arquivo Histórico de Joinville, constatei que no século 19 o Zé Pereira tinha tanta importância quanto o Príncipe, duas figuras lendárias a celebrar a história de Joinville, a primeira, símbolo da diversão e, a segunda, da organização e trabalho. Sim, a manifestação carnavalesca sempre esteve presente em Joinville, embora houvesse distinção social entre os grupos. Enquanto os germânicos mais abastados preferiam o carnaval nos clubes, os bailes de máscaras ao som da polka, o corso (desfile de carroças, substituídas por carros no início do século 20), o restante utilizava a rua como expressão de liberdade para brincar, desde o entrudo, as fantasias de personagens e os blocos carnavalescos (como “As bahianinhas, a canjica pegou fogo”, precursor nesta modalidade, formado por soldados do então 13º Batalhão de Caçadores). Porém, quem quisesse usar máscara como acessório precisava obter licença no departamento de polícia. Essa regra era desnecessária aos associados dos clubes. Os carros alegóricos, com temas locais ou nacionais, também faziam sucesso na época. Enfim, pela quantidade de anúncios de adereços carnavalescos nos jornais da época, os festejam movimentavam o comércio local. 

Assim se desenvolveram as Escolas de Samba, os desfiles de rua, os grandes bailes nos salões da cidade, até que um prefeito, guiado pela razão instrumental, entendeu que, em escala de valor, a infraestrutura dos equipamentos públicos estaria acima da cultura, por isso resolveu extinguir do calendário municipal os festejos carnavalescos. Evidentemente que este corte não valia para outras manifestações culturais da cidade, como as “festas germânicas”.

Hoje, praticamente não se ouve mais comentários sobre a falta de vocação dos joinvilenses para sambar. A duras penas, pressionados por alguns grupos carnavalescos, a prefeitura, nos últimos anos, tem incluído o carnaval em seu calendário de eventos. No entanto, o discurso, como se percebe em redes sociais, inclusive de jovens estudantes, continua sendo moralista e utilitarista. Afirmam que o carnaval, além de trazer os pecados que degradam os bons costumes da sociedade, representa um gasto de dinheiro público que poderia ser aplicado na saúde. Interessante essa dissociação, como se as manifestações culturais não proporcionassem o bem estar, um dos requisitos básicos à promoção da saúde. Por outro lado, não são tão evidentes manifestações contrárias à reforma da Arena Joinville, nem mesmo de gastos públicos aplicados em festas consideradas germânicas. Alguém consegue explicar? 

Acredito que se o meu catequista em vida estivesse certamente não mais diria que o carnaval era a festa do Diabo, mas, uma manifestação que expressa à junção de práticas culturais de diversos povos que celebram a vida. Ignorar o carnaval seria o mesmo que negar a própria existência do Brasil.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

"Casos isolados"




POR PEDRO HENRIQUE LEAL

A história todo mundo já está cansado de ouvir. No dia 19 deste mês, o policial militar Luis Paulo Mota Brentano desferiu dois tiros contra o surfista Ricardo dos Santos, na Guarda do Embaú, após uma discussão. Rapidamente surgiram as tradicionais defesas: “ele não era santo”, “tem que ouvir os dois lados” (onde por ouvir os dois lados, leia: acusar a família da vítima de ocultar evidência e pintar o atirador como a vítima), “ele era um bom policial” (com acusações de abuso de autoridade e de tortura) e a mais importante: “é um incidente isolado”.

A pergunta é: quantos “incidentes isolados” precisa para que se torne um padrão? Neste “incidente isolado”, rapidamente vieram as duas defesas para os “casos isolados”: a que não há comoção quando bandido mata e que não há como saber de antemão se não era “bandido” e que o trabalho das polícias é “vida ou morte”. Na primeira situação é importante ressaltar que sim, existe comoção, e que não, não se espera que criminosos mantenham a lei. Já na segunda defesa, fica evidente que a questão toda não trata-se de “casos isolados”, mas de um problema ideológico das PMs. Peço também que notem um padrão em uma grande parte das vítimas.

Não é o único caso em que essas duas defesas foram usadas. O que se segue são incidentes tanto nacionais, quanto da polícia dos EUA (tomada pelos emissores desse tipo de fala como exemplo) que foram justificados e até elogiados por comentaristas online. E antes de seguir com essa série de “casos isolados”, friso que no Reino Unido, entre 2009 e 2012, a polícia abriu fogo apenas 18 vezes, com nove mortes. Enquanot isso, a polícia brasileira mata cinco pessoas por dia.

16 de março de 2014. A dona de casa Claudia Silvia Ferreira, 38 anos, leva dois tiros em um confronto entre policiais e traficantes na zona norte do Rio. Após o embate, seu corpo é colocado no porta-malas de uma viatura, e arrastado pelo asfalto por cerca de 250 metros. Apesar de motoristas tentarem alertar do que estava acontecendo, os PMs só pararam a viatura quando chegaram a um sinal vermelho. Posteriormente, a polícia carioca alegou que o porta-malas fora aberto por um motoqueiro não identificado. Claudia era negra e favelada.

22 de Janeiro de 2015. Kristiana Cognard, uma adolescente de 17 anos de Longview, Texas, é baleada quatro vezes no interior de uma delegacia de polícia. Bipolar, Cognard teria “ameaçado os policiais” com uma arma branca (não identificada e não apresentada pela polícia”, o que justificaria a ação). Não houve tentativa de detê-la através de métodos não letais.

19 de Julho de 2014. Eric Garner, 43 anos, morador de Statten Island, morre após ser estrangulado por um policial. Suas últimas palavras eram “eu não consigo respirar”. O crime de Garner: vender cigarros. O confronto fatal foi filmado por um transeunte - para o qual foi emitido um mandado de prisão. No vídeo, não se vê comportamento agressivo por parte do falecido (que teria “violentamente resistido a prisão”). Garner era negro.

2 de agosto de 2014. Haíssa Vargas Motta é baleada fatalmente em uma perseguição no Rio de Janeiro. Motta e três amigos estavam de carro quando passaram em frente a uma viatura que procurava um veículo suspeito. Foram dados dez disparos; normas operacionais da PM não autorizam que se abra fogo contra um veículo por este não obedecer ordem de parada. Haíssa era negra.

22 de janeiro de 2014. Vinícius de Souza Ruiz tem R$ 984 apreendidos pela PM ao ser detido em protesto contra a Copa do Mundo. O dinheiro era parte do seu salário, tomado pela polícia como evidência do pagamento de manifestantes. Ruiz foi um dos 262 manifestantes presos somente naquela manifestação.

15 de maio de 2014. Patrícia Rodsenko é atingida no olho por estilhaços de uma bomba de gás lacrimogênio enquanto voltava de um protesto na capital paulista. A manifestação contra o mundial durou apenas 20 minutos antes de ser violentamente reprimida pela PMSP.

14 de setembro de 2013. O servente de pedreiro, José Guilherme da Silva, 20 anos, é encontrado morto, algemado, com um tiro na cabeça, por sua mãe dentro de um camburão da PM, no interior de São Paulo. A polícia alega suicídio, mas a família contesta a versão, dizendo que “foi executado pelos policiais que prenderam”. Da Silva estava algemado quando “atirou na própria cabeça”.

22 de novembro de 2014. Tamir Rice, um menino de 12 anos de Cleveland, é baleado fatalmente por dois policiais que atendiam uma chamada de emergência. Rice carregava uma arma de brinquedo, e o porte de armas é legalizado no estado. Enquanto defensores da ação alegavam que o menino “era uma ameaça” e “devia ter acatado as ordens da polícia”, vídeos demonstram que os oficiais dispararam dois segundos após chegar ao local. Rice era negro.

6 de agosto de 2014. John Crawford, 22 anos, é morto a tiros no interior de um Walmart em Beavercreek, Ohio. Crawford carregava uma arma de ar comprimido das prateleiras da loja quando foi alvejado pela polícia. Segundo sua esposa, com quem falava ao celular antes de ser baleado, suas últimas palavras eram “não é de verdade”. Crawford era negro.

Janeiro de 2015. Um morador de rua esquizofrênico em Blumenau é agredido por policiais. O vídeo da agressão foi postado em redes sociais por parentes da vítima. A PM-SC tentou justificar o caso alegando que o homem, que aparenta desarmado e desorientado, estava tentando cometer um homicídio.

Julho de 2012. Milton Hall, um morador de rua de 49 de Saginaw, Michigan, é morto com 48 tiros por oito policiais após uma discussão. Hall portava um abridor de cartas. 14 dos tiros o atingiram. Após o tiroteio, os policiais algemaram o cadáver. A justiça local se recusou a fazer uma investigação, alegando que Hall era uma grave ameaça para oito policiais armados. Hall era negro.

26 de dezembro de 2014. o entregador de pizza Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos, é morto com um tiro na boca e um no peito por um policial militar, no ABC Paulista. Ruzivel sonhava ser policial. O PM que o matou atendia uma chamada de “perturbação da ordem pública”: um grupo de jovens ouvia som alto demais em um carro. O policial se defendeu alegando que achou que o rapaz estava sacando uma arma. O corpo e o local do crime não foram periciados, e a delegada responsável pela apuração ouviu apenas os policiais envolvidos.

Isso tudo é só um pequeno recorte de casos que foram defendidos (a unhas e dentes) como “ser duro com o crime”, e até parabenizados. Em todas as situações, culpou-se a vítima, e tentou-se reescrever o que aconteceu como algo “normal”. Talvez seja “normal”, porque aceitamos isso rotineiramente. Mas há de haver uma raiz por trás disso, e talvez tenhamos um Ouroboros (a serpente circular, comendo seu próprio rabo) de violência em mãos.

A mentalidade de “matar ou morrer”, algo que deveria ser inaceitável por parte dos agentes da lei, é uma constante em grande parte das forças policiais do país (e o mesmo ocorre nos EUA). De fato os policiais estão sujeitos a uma grande dose de violência, e um grau elevado de risco. No entanto, ao agir com base em temor (como expôs o artigo do El País linkado mais acima) tem levado agentes de “segurança” pública freqüentemente a agirem como agentes de violência pública.

Isso para não mencionar os grupos (com e sem ligação com a polícia) que promovem esse tipo de mentalidade de “atire primeiro, pergunte depois”. Não são poucos os grupos, políticos e partidos que promovem a mentalidade do “bandido bom é bandido morto” e “se morreu algo de errado fez”. Nenhum para e pensa a polícia possa por vezes estar errada. Ao invés disso, veem os policiais como super-humanos infalíveis e prescientes. E menos ainda que ao defender incondicionalmente a polícia em seus erros mais brutos, esteja promovendo ainda mais violência.



Você tem de entender meu mundo. A todo momento eu acho que vou morrer. Não posso falar um ‘por favor’ ou um ‘muito obrigado’ para uma pessoa que pode estar querendo me matar” - PM entrevistado pelo El País




terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Bloco dos sujos.


Uma vitória da extrema esquerda?

POR MURILO CLETO
A vitória da "extrema esquerda" na Grécia não é exatamente uma vitória da extrema esquerda. Explico: nas eleições parlamentares de domingo, três forças estavam em jogo: a Nova Democracia, representada pelo atual primeiro-ministro, Andonis Samarás; a Aurora Dourada, composta fundamentalmente por neonazistas; e o Syriza, que, aliado ao espanhol Podemos, virou a grande sigla da esquerda nas urnas.
O que aconteceu ontem no berço da democracia é menos uma aposta dos eleitores nas pautas históricas da esquerda marxista e mais um basta na política econômica que mergulhou o país na mais grave crise de sua história, especialmente de 2010 para cá. Fadada ao desespero pela quebradeira geral que tomou conta do mundo desde a falência do Lehman Brothers, a Grécia escolheu o remédio receitado pela União Europeia e os desdobramentos foram catastróficos: mais empréstimos dos bancos internacionais, menos direitos sociais, maior arrecadação tributária, menos gastos públicos. Milhares de servidores públicos foram simplesmente desligados da folha estatal.
Com a opção pelo modelo neoliberal, a soberania nacional deu lugar a uma porção de concessões que fizeram da Troika a verdadeira dona da Grécia. Banco Central Europeu, FMI e Parlamento Europeu deram todas as cartas, com o aval do parlamento nacional, de mãos confortavelmente atadas em favor das instituições financeiras. E tudo isso funcionou? Bem, o crescimento econômico permanece congelado; o número de desempregados beira a margem de 30%; e a dívida pública do país aumentou de 146% para 177,2% do PIB nos últimos 5 anos!
Isso significa que, para pagar tudo o que deve, a Grécia precisaria cortar absolutamente todos os gastos públicos por quase dois anos enquanto arrecadaria todos os tributos - algo que é, evidentemente, impossível. Quem prenuncia para agora o fundo do poço pra Grécia ou é muito desonesto ou sofre de uma miopia incurável, pois não acompanhou nem de longe o caos que o país tem vivido por uma canetada desastrada atrás da outra.
A maior evidência de que a vitória do Syriza não é exatamente uma vitória da esquerda foi anunciada hoje: para conseguir maioria absoluta no parlamento, o partido deu sinais de que vai se unir à direita nacionalista. E não é de se assustar: a Grécia deve rever imediatamente os títulos da dívida pública e as condições de empréstimo impostas outrora pela Troika. É por isso que nos últimos meses se fez tenta pressão contra a esquerda nas eleições, de ameaças de expulsão da União Europeia para baixo. Essa foi fundamentalmente a única pauta eleitoral do Syriza, e também pudera.
E O BRASIL?  O que o Brasil tem a ver com isso? Aparentemente nada, pois, apesar da retração econômica dos últimos meses - e que deve se estender ainda por algum tempo -, aqui a dívida pública não ultrapassa os 34%. Mas o caminho apontado pela nova equipe do Ministério da Fazenda é preocupante. Não há eufemismo: o que o governo federal promoveu nos primeiros dias de mandato é corte: corte em benefícios previdenciários/trabalhistas para socorrer o desequilíbrio das contas, que nada tem a ver com a corrupção na Petrobras, como creem analfabetos políticos de toda ordem, mas com o excesso de gastos do Estado associado ao baixo crescimento e à imensa dívida pública que hoje está acumulada em mais de R$ 2 trilhões.
Para quem pergunta onde estão os eleitores de Dilma, eu respondo: aqui. Nunca foi e não será agora meu costume aparecer apenas de quatro em quatro anos. E, verdade seja dita, boa parte dos "analistas políticos" de plantão está se expondo ao ridículo ao criticar as medidas tomadas por Joaquim Levy: esse era exatamente o programa de governo de Aécio Neves, cujas pautas, infelizmente, ninguém leu.

Mas essa é outra e, espero, nem tão distante conversa.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O índice Big Mac

POR JORDI CASTAN




2015 será o ano em que falaremos muito de crise. Aqui mesmo no Chuva Ácida o debate já começou. Valdete Daufemback Niehues publicou o post Crise! Qual crise com a sua visão da crise. Assim, enquanto há quem pergunte onde está a crise, também há quem ache que já estamos nela. Há opiniões para todos os gostos e especialistas de todas as tendências, prontos a defender com argumentos abalizados os seus argumentos. Começo avisando que não sou especialista no tema e que aguardo com interesse os comentários a favor e contra.

O Brasil vive um momento ímpar. Nunca se consumiu tanto e nunca se pagou tão caro por produtos de qualidade equivalente aos disponíveis em mercados de outros países. Vez por outra aparecem informações e estudos mostrando que o mesmo carro que aqui custa X  em outro país custa Y. Tênis, roupas, perfumes, cosméticos e as bugigangas eletrônicas mais comuns são outros produtos que permitem fazer rápidas comparações de preços e tirar conclusões. O brasileiro, quando viaja ao exterior, rapidamente faz a mesma descoberta que qualquer turista que aqui chegue. No mesmo momento em que desça do avião e tenha contato com a nossa realidade econômica, vai perceber que o Brasil está muito caro. Na verdade, os preços por estes lados estão cada vez mais fora da realidade internacional. O que se tem como resultado é que a maioria de destinos turísticos frequentados por brasileiros se regozijem com a chegada de milhares de ávidos consumidores com dinheiro e com um prazer quase compulsivo por consumir. O bom e velho "tá barato, me dá dois”, em alguns casos chega ao ponto de “tá barato, me dá três”. 

Em 1986, a revista The Economist criou o Índice Big Mac, com o objetivo inicial de servir de referência para acompanhar o valor real das diferentes moedas. O popular hambúrguer da Mc Donalds se converteu assim em um indicador fiável de valor e permite avaliar se uma moeda esta mais o menos valorizada. A lógica é que os preços do Big Mac tenderiam ser parecidos em diversos países e mostrariam o valor “correto” de cada moeda. A base é a chamada Paridade do Poder de Compra (PPP, por sua sigla em inglês) comparando preços de produtos e serviços idênticos, neste caso um hambúrguer. Como exemplo, o preço médio em 2015 de um Big Mac nos Estados Unidos é de 4,75 dólares, na China é de 2,77 dólares, ao câmbio oficial, o que, grosso modo, mostra que o Yuan esta abaixo do seu valor em 42%.

Claro que a ideia não é usar o hambúrguer como um indicador veraz. Mas é uma referência interessante, tanto que há vários livros que o citam e tem sido objeto de mais de 20 estudos acadêmicos. Para o brasileiro que sofre na pele o impacto das primeiras medidas do pacote de maldades que o governo lançou semana passada, é interessante poder utilizar indicadores fáceis de entender, fora a sua própria percepção na hora de fazer a compra do supermercado.

Para aumentar a credibilidade do índice e evitar que se crie a imagem que em países pobres o preço é menor porque os salários são mais baixos, o índice incorpora o cálculo da correção entre o preço do hambúrguer é a renda per capita para 48 países, entre eles o Brasil, o que permite avaliar melhor se uma moeda esta sobre o subvalorizada.


Para os otimistas de plantão, o Brasil vai muito bem porque o nosso Big Mac é o 4º mais caro do mundo, só superado por Suíça, Noruega e Dinamarca e na frente de Suécia, Estados Unidos, Canadá e toda a zona do Euro. Os países em que o Big Mac é mais barato são Ucrânia, Rússia e Índia. Tirem suas conclusões.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Para mergulhar no lixo...

Adaptação de um post que circula no Facebook
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Woody Allen tem uma frase engraçada. Diz que na Califórnia o lixo não é jogado fora, mas reciclado na forma de programas de televisão. Só que quando ele disse isso não havia internet e ainda menos as redes sociais. Porque em países como o Brasil, hoje o lixo é reciclado na forma de aberrações como o tal Revoltados Online.

Mas o que querem esses revoltados? Os caras são contra Dilma. Isso é legítimo numa democracia. E pedem o impeachment da presidente. Aí já entramos no plano da toupeirice, pois não há bases legais (eles querem “porque sim” e isso, bem sabemos, não é suficiente). Mas o pior é que os caras distorcem os fatos e mentem na cara dura. E aí é pura canalhice.

De qualquer forma, a existência dessa paranóia online é legítima. Tanto que a coisa tem mais de 400 mil seguidores. Inclusive há sete ou oito “amigos” da minha timeline lá na rede do Mark Zuckerberg. O que não me tira o sono, uma vez que são pessoas que não conheço e muito provavelmente nunca verei pessoalmente. Mas distorcer fatos não é legítimo.

Há um aspecto que me toca pessoalmente, enquanto pessoa ligada ao design. O grafismo dos posts é tão ruim que parece feito com os pés. O que nem chega a ser surpreendente. Sendo feito para analfabetos políticos, é perfeitamente natural que o Revoltados Online também esteja em sintonia com os analfabetos visuais.

Enfim, se você quiser mergulhar no lixo online da política, os revoltados são a resposta. Porque lá tudo é distorção. A começar pelo dono da coisa. Um cara que, segundo li, não é exatamente alguém de quem você gostaria de comprar um carro em segunda mão. Mas a medida exata das coisas pode ser dada por um exemplo: enquanto o ex-presidente Lula é chamado “vagabundo”, o execrável Jair Bolsonaro é tratado como herói.

E há mais. Vez por outra tem um vídeo de Sheherazade que, nesta fase da Jovem Pan, parece disposta a detonar todas as regras do jornalismo. E do bom senso. O rola-bosta Reinaldo Azevedo é outro queridinho. Os pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano são referências morais. E, claro, o derrotado Aécio Neves é tratado como se fosse a consciência da nação.


Enfim, só gente boa. Ah... e tem aquela coisa que eles não param de repetir: “povo vem para a rua”. Eu não iria tão longe. Bastava que esse povo fosse para a escola ler livros e que deixasse de se informar apenas através de posts do Facebook.

É como diz o velho deitado: "Gente que se alimenta de lixo moral tem mau hálito político".


O post original

E a maluqueira nunca acaba...



As redes sociais têm a virtude de democratizar a opinião. Esse é o lado bom. O lado mau é que isso permite que as pessoas exponham o quanto podem ser patuscas, como esse senhor aí no post. Onde essa gente quando queria passar vergonha antes das redes sociais?




sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Estelionatos eleitorais

POR SALVADOR NETO

Mais conhecido entre o povão como “171”, que vem a ser tipificado no código penal brasileiro como estelionato. Ou, esclarecendo melhor, o que vem a significar tudo isso, como dizem os dicionários Aurélio e Barsa, é a “obtenção de lucro ilícito, para si ou para outrem, em prejuízo de outra pessoa, que é induzida ou mantida em erro por qualquer meio fraudulento”. Para além do estelionato conhecido, temos algo que cresce a cada eleição no Brasil: o estelionato eleitoral, ou o 171 do voto.

É importante trazer ao debate este tema. Vivemos em nível nacional, e também local, dois estelionatos eleitorais em fases distintas. Dilma Rousseff a partir de Brasília dá uma guinada do discurso para a prática que deixou tontos até os mais ferrenhos petistas e sindicalistas. Começou mexendo nos benefícios trabalhistas e previdenciários, arrochou financiamentos, aumentou juros, aperta firmemente a classe média, e faz de conta que não é com ela. Um caprichado 171 eleitoral. Mas é início de mandato, o segundo da durona petista. Não se sabe ainda os efeitos. Veremos mais à frente os resultados do rasga discurso.

Já na maior cidade catarinense, o 171 eleitoral já vai para o terceiro ano. Eleito com fama de gestor competente, comandante da associação empresarial em vários mandatos, nome forte de empresa centenária do ramo têxtil, figura conhecida dos bastidores econômicos e políticos de Joinville, o prefeito Udo Döhler anunciou à época em 2012 que não faltava dinheiro na Prefeitura, mas sim gestão. Pois bem. Ao que vemos hoje estão faltando no mínimo ambas. Nada anda, a não ser os buracos, o mato tomando conta de ruas e praças, as carências da saúde que tanto ele prometeu resolver. No caso provinciano, o tempo já passou, e muito. Aqui temos um 171 eleitoral continuado, uma espécie de 171 governamental, parcialmente encoberto pela mídia compreensiva.

Tanto no planalto quanto na província, o uso da promessa eleitoral não cumprida é praxe nas últimas décadas. José Sarney (1986) quando desvalorizou o cruzado após as eleições estaduais. Collor, que arrestou as poupanças do povo; FHC em 1998 quando depois de se reeleger desvalorizou o real, até então supervalorizado. Por aqui, temos o ex-prefeito Lula (1988) com as chalulas (lembram?) ele iria acabar com a falta de casas. LHS com as pontes ligando o bairro Adhemar Garcia ao bairro Boa Vista, entre outras promessas que os leitores certamente relembrarão.

Marco Tebaldi também produziu das suas com a limpeza do rio Cachoeira, ou o reclamou vai pro final da fila. Carlito Merss nem prometeu tanto, mas falhou na gestão em setores chave, e a mídia não perdoou. Ou seja, o uso corriqueiro da promessa fácil sem qualquer comprometimento mais firme com a realização de fato da obra, ou projeto de governo vendido ao eleitor, tem se intensificado. E por favor, não são só políticos de carreira os prometedores do paraíso, não os achincalhem sozinhos, hoje há também empresário na política produzindo o mesmo. E isso é péssimo para a democracia.

Agora, diferentemente do 171 do Código Penal, que pune na letra da lei a quem produz o estelionato, o 171 eleitoral não tem uma punição mais dura a quem usa do verbo fácil para vencer, e depois deixa os eleitores a ver navios, ou seriam buracos, mato, juros altos, corrupção crescente? Ah, sim, dirão alguns, há a punição do eleitor no pleito seguinte. Mas isso é pouco, e a duração e o alcance dos prejuízos são muito difíceis de recuperar. Sem contar que o eleitor, induzido, recoloca muitos novamente no cargo.


O vale tudo eleitoral não pode continuar, sob pena de levarmos a um descrédito total da atividade política, da gestão pública e até da democracia. Ou nos elevamos a um patamar civilizado e coerente, ou viramos todos estelionatários, até como forma de sobrevivência. Como dizia um velho militante da política que não chegou a vencer eleição a Prefeito: ou mudamos a forma, e os ingredientes, ou teremos sempre o mesmo pão.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

África, economia e violência

POR BELINI MEURER
A relação da África com o restante do mundo acontece a partir de dois pontos dicotômicos: o continente tem uma importância histórica para a humanidade, por um lado, mas vive um abandono cruel na história recente, por outro. Informações esparsas mostram que, ao longo do continente, milhares de pessoas morrem vitimadas pela fome, por doenças, por guerras, por desmandos políticos e por fundamentalismos religiosos.

Se na França, a morte de doze pessoas causou uma comoção internacional, reunindo chefes de estado do mundo inteiro, o mesmo não aconteceu quando, na Nigéria, o Boko Haran usou meninas de onze ou doze anos para detonar bombas e matarem dezenas de pessoas. Mas o mais estranho é que essa mesma Europa, assim como a América, sabe que a situação que o homem africano vive hoje se deve a uma escravocracia e uma era de sua história chamada de Partilha da África, período de expropriação das riquezas do continente.

A história dos povos africanos remonta à origem da humanidade; arqueólogos, antropólogos e pré-historiadores mostram que em regiões sub-saarianas teriam surgido os primeiros homens e mulheres modernos. Pesquisas em restos encontrados no Chifre da África e na Península Arábica, bem como resultados de análises em situações geológicas, mostram que nos primórdios da humanidade, os povos saíram da África e espalharam-se pelo mundo cruzando o estreito Bab-el-Mandeb.


Mas a história dos povos africanos também está relacionada diretamente com a opulência européia e americana, suas histórias de colonizações, com escravismo, desmandos e imposição cultural. No século 19, a Europa ocidental, munida de réguas, compassos e transferidores, dividiu a África de acordo com seus interesses econômicos. O episódio ficara conhecido como Partilha da Africa: uma parte para os Ingleses, uma parte para os franceses, outra para os holandeses e assim por diante.


Hoje, do alto do idealismo alemão, do empirismo inglês, da religiosidade italiana ou do requinte francês, fecham-se os olhos diante da situação da Mama África. Não mais lhe interessa; o parasita não vê mais o que tirar do hospedeiro. E só assim, é possível entender o por quê de os mortos franceses causarem tanta comoção internacional e as meninas-bombas da Nigéria ocuparem nos jornais, espaços tão pequenos que mais pareceram notas de roda-pé.