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terça-feira, 4 de setembro de 2018

Bolsonaro não só fuzila a "petralhada", mas também mata a decência

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Uma pergunta hipotética: num segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, em quem você votaria? Não tenho dúvidas de que muita gente, em Santa Catarina e particularmente em Joinville, escolheria votar em Bolsonaro. Ora, qualquer pessoa com dois dedinhos de testa percebe que Bolsonaro não joga com o baralho todo. O homem é um cretino. Mas o ódio ao PT é maior do que a prudência e tem muita gente a mandar os escrúpulos para os diabos.

Quem andou pelas redes sociais nos últimos dias deve ter visto o discurso de Bolsonaro no Acre, quando o candidato, simulando uma arma nas mãos, disparou no alvo: “Vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas pra correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein galera?! Vão ter que comer é capim mesmo”. Sim... esse homem quer ser presidente.

Não é fato único na trajetória do candidato. Mas há linhas vermelhas que não se deve ultrapassar. Um candidato à presidência deve ter um certo recato. É inaceitável essa apologia da violência e incitação ao crime. Há quem durma bem com esse barulho, mas qualquer democrata perde o sono. O discurso foi aplaudido, o que leva a um exercício de imaginação: que tipo de pessoa apoia um homem do baixo calibre de Bolsonaro?

Mas para além da questão da violência do candidato, há pelo menos duas ironias no episódio. A primeira é que, pela manifestação da plateia, é possível ouvir mulheres entre o público. E uma mulher capaz de votar em Bolsonaro deve ter algum problema com a sua condição feminina. A outra ironia é Bolsonaro dizer que as pessoas vão ter que comer capim. Sério? Porque todos sabemos sobre quem recai a imagem de burro.

Haver gente capaz de fechar os olhos para esse tipo de episódio e, mais que isso, estar disposta a votar em Bolsonaro, é motivo de preocupação. Porque mostra o avançado estado de putrefação da democracia (que nunca foi, mas poderia ter sido). O comportamento de Bolsonaro seria inaceitável em sociedades civilizadas, mas no Brasil os números das pesquisas evidenciam uma clara opção pela barbárie. Isso não vai acabar bem.

É a dança da chuva.



quinta-feira, 5 de julho de 2018

O PCC agradece

POR CLÓVIS GRUNER
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em junho, o Projeto de Lei 580/2015, do senador Waldemir Moka (MDB/MS). O texto, que agora segue para o plenário, altera a Lei de Execução Penal e obriga presos a ressarcir o Estado pela sua manutenção no sistema prisional. Para o senador Moka, a principal razão da crise que assola o sistema penitenciário brasileiro é a “falta de recursos para mantê-lo. Se as despesas com a assistência material fossem suportadas pelo preso, sobrariam recursos que poderiam ser aplicados em saúde, educação, em infraestrutura etc.”.

A justificativa é hipócrita, além de mentirosa. Ela surfa no sentimento algo generalizado de insegurança, medo e indignação, na percepção de que estamos fragilizados frente à violência. Afinal, a posição de um energúmeno truculento como Jair Bolsonaro nas pesquisas, serve como prova de que, em um ano eleitoral, a aposta em mais uma medida populista, a sugerir pela enésima vez que a solução para o problema da criminalidade é o recrudescimento de políticas repressivas, pode render um punhado de votos.

Mas no caso do PL 580/15, a hipocrisia é reforçada com o recurso à mentira. Não são os custos com as prisões que impedem investimentos em “saúde, educação, em infraestrutura etc.”. Quem conhece minimamente a realidade de uma instituição penal, sabe que o custo para mantê-las não chega perto dos alegados R$ 2,4 mil mensais por preso. Nas delegacias, muitas delas utilizadas como cárceres provisórios, a situação é ainda mais degradante. E mesmo esse valor mentiroso, é significativamente menor que os R$ 2 milhões anuais que custam aos cofres públicos um único senador, por exemplo.

A utilidade da falência – Costuma-se dizer que as prisões fracassaram. Mas há utilidade nessa suposta falência, entre outras, a de manter segregados os excluídos de sempre. E como as condições prisionais não recuperam nem ressocializam, as prisões funcionam como verdadeiras fábricas de produção e reprodução da delinquência e da criminalidade O custo social desse ciclo vicioso é altíssimo. Ele reforça nosso apartheid social e racial, produzindo inimigos a serem temidos e ameaças a serem contidas por um Estado que, mínimo onde necessário, deve ser forte no exercício de uma violência institucional nem sempre apenas simbólica.

Determinar que presos indenizem o Estado por meio da espoliação de sua força de trabalho – e o acesso ao trabalho é um direito previsto em mais uma lei que o Estado não cumpre –, é outra medida perversa com o selo de qualidade do nosso “liberalismo conservador”: não apenas apela à memória da escravidão, mas vulnerabiliza ainda mais indivíduos já expostos e vulneráveis. Nos últimos anos, essa vulnerabilidade tem sido matizada pela ação de grupos criminosos que disputam, com os governos, o controle das prisões, distribuindo privilégios, impondo a identidade e mantendo, à força, a fidelidade de e entre seus integrantes.

A violência estatal coopera para o fortalecimento das facções, pois na “sociedade dos cativos” elas representam uma forma de “proteção” contra medidas consideradas abusivas. Como, por exemplo, determinar que presos indenizem o Estado pelos custos de seu aprisionamento expropriando  seus bens ou o seu trabalho. Enquete promovida pelo Senado apurou que quase 45 mil eleitores são favoráveis ao projeto, contra ralos 1380 votantes que o desaprovam. Com esses números, não é de espantar que ele seja aprovado no Senado e na Câmara, para gáudio dos parlamentares da bancada BBB. O PCC agradece.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O Rio, a insegurança pública e a irresponsabilidade política


Muito se comentou, nos últimos dias, sobre o temor expresso pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, de que os militares enfrentem uma nova Comissão da Verdade caso atuem no Rio sem nenhum respaldo jurídico excepcional. A preocupação, manifestada durante reunião do Conselho da República e da Defesa Nacional, se soa uma excrescência à primeira vista, deixa de sê-lo se lida com mais vagar.

Para uma instituição que prendeu, estuprou, torturou e assassinou sem nunca ter sido chamada à responsabilidade, mesmo o trabalho de uma Comissão cujos resultados práticos foram próximos ao zero pode constranger de alguma forma sua costumeira impunidade. Mas o comentário de Villas Bôas ganha outro sentido se o colocamos lado a lado à entrevista do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, concedida ao Correio Braziliense.

Ele parece não ter dúvidas quanto a natureza da intervenção, nem tampouco sobre os seus efeitos. De acordo com Torquato Jardim, “não há guerra que não seja letal”, e quando se trava uma guerra tão peculiar, que ele classifica de “assimétrica”, todos são potencialmente inimigos, mesmo uma criança bonitinha, de 12 anos, que ninguém sabe o que faz depois que sai da escola.

A retórica belicista não é nova em se tratando das comunidades periféricas, onde se acumulam cadáveres assassinados em incursões policiais eugênicas. E tampouco é novidade que sua população seja tratada como inimiga: durante a cobertura televisiva dos confrontos entre manifestantes e policiais em junho de 2013, por exemplo, um ex-membro do BOPE, Rodrigo Pimentel, censurou um soldado que descarregou uma metralhadora com tiros para o alto porque “uma arma de guerra, uma arma de operação policial em favelas, não é uma arma pra ser usada no ambiente urbano…”.

No discurso de um ministro que se diz da Justiça, esse tipo de retórica ganha outros significados. O primeiro e mais imediato é que, sob o pretexto de combater o crime, em especial o chamado crime organizado, e diminuir os índices de violência, o Estado está a declarar guerra contra uma parcela de sua população – ou talvez seja mais correto dizer, está a aprofundar uma guerra já declarada há muito tempo.

Mas há coisas não ditas nas entrelinhas do discurso de Torquato Jardim que merecem nossa atenção. Ela denota, de um lado, a total ausência de planejamento, um conjunto de intenções, alguma coisa que sinalize uma preparação por parte do governo a fundamentar a intervenção. O despreparo pós-decreto caminha pari passu e é o complemento à total opacidade dos governos, federal e carioca, sobre os números que justificam a intervenção.

Uma guerra contra os pobres – É verdade que parte da cidade do Rio de Janeiro vive um cotidiano de violências por vezes extremo, incluindo a violência policial. Mas não se trata de um problema limitado ao Rio, que ocupa o 12º lugar nos índices de homicídio por 100 mil habitantes. Em janeiro, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o governador Pezão, descartaram intervenção do exército durante o carnaval, solicitada pelo prefeito Marcelo Crivella, alegando que o efetivo policial era suficiente para garantir a ordem.

Além disso, não há informação sobre os resultados efetivos de operações anteriores em que as Forças Armadas interviram, ainda que mais pontualmente, na cidade. Especificamente no caso da ocupação do Complexo de Favelas da Maré, entre 2014 e 2015 – no governo Dilma, portanto –, além dos 600 milhões consumidos aos cofres públicos e a chacina que resultou na morte de nove moradores, nada mais sabemos.

Se a intenção era estrangular o tráfico, não funcionou, e tampouco há indícios de que funcionará agora. Antes pelo contrário, mesmo que consiga eventual e provisoriamente fragilizar os traficantes que mandam nos morros e o Comando Vermelho, a intervenção tende a fortalecer o grupo paulista PCC, cuja atuação aparentemente mais organizada e ramificada que o CV, já conseguiu uma vez parar uma cidade do tamanho de São Paulo.

No fim das contas, o que sobra é a motivação política, tomada a expressão aqui no seu pior sentido. De um lado, o governo Temer consegue com ela jogar para a frente a votação da Reforma da Previdência, promessa que fez ao mercado mas que estava a ter dificuldades em cumprir. Além disso, proporciona um espetáculo midiático bem ao gosto de muitos eleitores, alguns sinceramente amedrontados pela percepção que têm de estarem sitiados pela violência, outros simplesmente dispostos a apoiar qualquer medida autoritária e truculenta.

Para um governo que amargava índices abaixo de vergonhosos de aprovação, pode ser a chance de uma sobrevida, principalmente se a intervenção conseguir que o tráfico e os índices de violência recuem temporariamente. Mesmo que eles voltem a subir e que tudo retorne à “normalidade”, as eleições já terão passado, e Temer e seus cúmplices têm a chance de, talvez, manterem seus mandatos. E esse parece ser o único projeto que realmente interessa. Que ele seja pontuado pelo sofrimento de corpos e vidas precárias, não importa, porque nunca importou, a um governo que os considera e trata como inimigos.


segunda-feira, 28 de março de 2016

O radicalismo está fora de controle

POR JORDI CASTAN

Não votei no Lula, nem na Dilma. Temia que viesse a acontecer o que está acontecendo. Não serve de nada, neste momento, descobrir que tinha razão. Tudo isso era previsível. O que surpreende é o aumento do radicalismo. A disparada da agressividade e da violência. O que assusta é o perto que estamos que saia do controle. O assassinato do vereador Leandro Balcone, em Guarulhos, é um indicador de que podemos estar próximos demais de atingir um ponto sem volta. O risco é que este não seja um ato isolado, que haja uma possibilidade real e imediata que outras execuções possam acontecer e se implante um clima de terror.

Ninguém detém o monopólio da violência, tampouco há uma exclusividade da corrupção. A quantidade de políticos de todas as siglas, estados e níveis envolvidos em corrupção é escandalosa. Só é mais escandalosa a naturalidade com que isso é recebido por parcelas significativas da sociedade ou a idiotia dos partidários de um ou outro grupo, que insistem em querer convencer que os corruptos dos outros são mais corruptos que os seus. Como se a corrupção dos outros justificasse a sua. Há até uma disputa para provar que o Mensalão é maior que o Banestado, ou que o escândalo do BNDES é maior ainda que o do Petrolão, buscando justificar o injustificável. A insistência em querer nos fazer de corruptos a todos é a estratégia do momento, é do ex-Ministro da Justiça a frase: "Até síndico de prédio superfatura capacho". A beatificação da corrupção, a sua universalização.

A quem interessa esta radicalização? Quem a estimula? Quem ganha com ela? A resposta não é simples. Mas com certeza quem tem a sua disposição um “exercito” de militantes dispostos a partir para a violência ganhará com o discurso violento e verborrágico. O ex-presidente Lula declarou nestes dias: “É guerra, é guerra e quem tiver artilharia mais forte ganha". Quem pode contar com hostes agressivas dispostas a partir para o confronto é quem mais interesse tem em estimular a violência radical. O discurso do ódio não tem um único protagonista, mas evidente em quem esta sob fogo cruzado. Frente ao risco de ser presos, a única saída é o ataque raivoso, a busca feroz de nos e eles. Os corruptos acuados partem para o tudo ou nada. Têm pouco a perder. Sun Tsu, o estrategista chinês, escreveu no seu livro “A arte da Guerra” que deve-se evitar deixar o inimigo sem uma via de escape, porque nesse caso lutara até a morte.

Não restam muitas saídas. Todas elas implicam dor e sacrifício. O projeto de poder do PT e dos seus partidos aliados está seriamente ameaçado. A corrupção tem contaminado todos os avanços sociais. O governo passou de uma cleptocracia reconhecida, até o ponto que ex-ministro de Lula descreveu o governo como um “sindicato de ladrões”, o próximo estágio de degradação é a oclocracia, o puro esgoto. Em janeiro o Ministro Chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, em um repentino e pouco frequente, ataque de sinceridade, reconheceu que “Quem nunca comeu melado quando come se lambuza”, evidenciando o nível de lambuzagem a que chegamos. A resposta das manifestações do dia 13 foi a opera bufa da nomeação de Lula como ministro. 

A escalada de lado e lado não pressagia nada bom. Quando o povo vai para a rua é como abrir a caixa de Pandora, o resultado é imprevisível. É perigosíssimo que parlamentares aliados do governo afirmem que: "Estamos nessa guerra também, não tenho nada a perder." Pessoas e governos desesperados são levados a cometer erros irreversíveis.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Impressões sobre violência


A frase na real é de Salmor Hardin, um personagem de Asimov.
Mas é talvez o melhor conselho a se dar para os defensores
da agressão como solução. 
POR PEDRO LEAL

Isso pode ser só uma impressão minha. Talvez seja fruto de uma amostragem viciada, composta pelo tipo de pessoa que tende a comentar fervorosamente na internet e que se dispõe a pagar micos homéricos em vídeos do Youtube. No entanto, não me sai de forma alguma uma estranha impressão. Na verdade duas impressões.

A primeira é de que banalizamos a violência. Não falo aqui do nosso (assombroso e preocupante) indíce de homicídios, embora muito dele se deva a esse fenômeno. Qualquer ofensa, real ou imaginária, se torna justificativa para retribuir com toda a força imaginável. Ontem, um homem em Esteio (RS) abriu fogo contra seis pessoas por causa do barulho de um carro de som. O ato por si só já é um absurdo, mas os primeiros comentários na página do Zero Hora foram em apoio ao atirador.

Sim, ao atirador. Certo que são só os malucos de sempre online, prontos a apoiar qualquer insanidade que encontrem, mas... Há algo de profundamente errado quando o apoio a violência é cada dia mais comum. Seja qual a forma de violência, seja qual o motivo, sempre há quem diga que a vítima “mereceu”. “Não respeitou”. “Tava no lugar errado”. “Algo de errado fez”. Semana passada houve uma quantidade assustadora de comentários culpando uma menina de 15 anos por ter sido estuprada em uma rua em Joinville. Comentários que variavam do “o que fazia na rua a essa hora” ao “merecia ter sofrido mais pra aprender”. O mesmo ocorreu com uma das vítimas fatais da chacina de Osasco, uma adolescente de 15 anos. Não faltou quem dissesse que a menina era “bandida” e “merecia” morrer com base na frase pronta “o que fazia na rua de madrugada”. Ela foi baleada por volta das 21h30. Isso é madrugada?

Hannah Arendt falava da banalidade do mal. De como o “mal” não é monstruoso ou cruel, mas banal. Tudo que ele precisa é que ações horríveis sejam justificadas com “estou seguindo ordens” ou “não era alguém de verdade”. No presente vivemos a banalidade da violência: tudo que é necessário é um “ele fez por merecer”. “Era um bandido”. “Era um vagabundo”. “Ela começou”. “Ele deveria ter respeitado”. “Eles fizeram baderna”... Qualquer coisa pode servir como desculpa para agressões, tiros, estupros - basta ver os comentários de qualquer notícia, para ver como tudo é justificável para os comentaristas online. Especialmente para os que se sentem no direito de exercer a violência como “vingança” por crimes do qual foram vítimas*. A manifestação mais clara disso está na frequência dos linchamentos no país - baseados em acusações vagas e especulação.

A segunda é de que viramos uma nação de fanáticos (e este fanatismo tem tudo a ver com a primeira impressão). Desumanizamos o “outro” de forma sistemática. Por quaisquer discordâncias. Gostar do time, do filme ou da série errada já é o bastante para justificar desdém e ostracismo. Em se tratando de política e questões sociais então...Qualquer ação contra quem discorda se torna aceitável na perspectiva de algumas pessoas. Por menor que seja a discordância. Não há mais espaço para debate deste jeito.

Para algumas pessoas, o país só “irá pra frente” se eliminarmos os coxinhas/petralhas. Apenas através da destruição dos comunistas/capitalistas é que há chance para o Brasil. Se não acabarmos com o PT/PSDB, está tudo perdido. Temos que matar os Bandidos/A Elite/A Polícia/Os Comunas/Os “gayzistas” ou o país não terá salvação. Tudo muito "lógico". De alguma maneira, a violência se tornou a solução padrão para tudo - desde infrações de trânsito até o mal funcionamento do sistema público de saúde, a solução passa por matar, espancar ou torturar ALGUÉM. Só basta achar quem.

Enquanto essa mentalidade imperar - uma mentalidade que tem se espalhado como um vírus e corrompendo até alguns daqueles que lutavam contra ela - de fato o país está perdido. Afinal, não há esperança onde impera o ódio. Mas isso é apenas uma impressão. Mas os casos de ódio abundam

Um caso notável foi o do advogado Matheus Sathler - que com a mesma naturalidade de quem diz que vai buscar um lanche, por três vezes ameaçou decapitar a presidente da república. Sathler foi alvo de uma medida cautelar - e zombou da sentença. Seus apoiadores acusam o judiciário de censura, após três ameaças claras. Em um país são, Sathler estaria preso. Mas no Brasil que vê a violência como justa com uma frequência alarmante, ele é pintado como vítima.

Talvez sejam apenas impressões. E eu espero que sejam. Mas se essas impressões estiverem certas, o país está a beira de uma onda de violência, que será tratada como “justa” e “merecida” até a hora que atingir seus perpetradores - e que então será vista com justa por aqueles que odeiam o novo alvo da violência. Não é espumando pela boca e agredindo verbal e fisicamente que se constroem nações.

*Antes que me digam que só sou contra o desejo de vingança porque “nunca fui assaltado”, já fui assaltado dezesseis vezes. Cinco delas no exterior.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Em nome de Aylan


Impossível não sentir um aperto no peito ao ver a imagem daquele pequenino ser humano, inerte, de bruços, morto, nas areias da praia de Ali Hoca, Turquia. Choca ver uma vida toda pela frente ser afogada pela infâmia da guerra, da fome, das perseguições, das ditaduras. Dói constatar que a humanidade regride em meio à “modernidade”.

Aylan Kurdi de apenas três anos, aquela pequena alma atirada com o rosto nas areias, morreu afogado junto seu irmão e sua mãe, após o naufrágio do bote no qual tentavam chegar a um local de paz. O que eles queriam? Apenas viver em paz.


Mas e amanhã, o que será? Todos despertarão em nossas casas, lares, reunidos com familiares, vamos ao trabalho, à escola, à universidade, aos namoros, baladas, viagens. Em algum lugar do mundo o pai sofrerá a dor das perdas, das vidas que lhe fugiram das mãos. E nós, faremos o que?
Até quando seremos hipócritas, cínicos, em chorar por Aylan e tantos outros mortos e que ainda morrerão, quando apontamos culpa para meninas estupradas porque estavam em uma festa – “mulheres de bem não andam nestes lugares” -, ou olharemos para os haitianos que andam por nossas ruas a buscar o sustento para sua gente, que está distante sofrendo a fome, a falta do marido, do filho, da mulher, da companhia que nos faz humanos.
Sim, somos indignados contra a violência das ruas, pelos refugiados que vivem na miséria em acampamentos, mas não queremos os haitianos em nossa cidade, nosso país. Eles nos tiram empregos, podem vir a formar um exército revolucionário que vai tomar as nossas casas, propriedades, comer nossas criancinhas...


A imagem do menino morto na praia mostra que o algo que não queremos ver, assumir: o capitalismo, as religiões e a ignorância privaram as pessoas de viver num mundo livre e igualitário.

Nós, que nos autodenominamos seres humanos, nos comovemos, nos indignamos, até choramos por ele e mais dezenas de milhares de imigrantes, populações inteiras que abandonam seus lares por opressão política, religiosa, fanatismos que buscam pela violência da guerra, o poder. A vida de Aylan choca hoje, milhões.

Aguardaremos a próxima criança morta em uma praia, em uma praça, em um conflito qualquer? Sofreremos via redes sociais, bradaremos por poucos dias, denunciaremos “aqueles povos” que vivem guerreando, fugindo para a Europa, para a América do Norte, América Latina, para... o Brasil.

Nas redes sociais, hoje a seara onde vertem preconceitos, ofensas, falsos profetas, promotores da paz via ditadura militar, golpes para acabar com a corrupção (?!), líderes religiosos falsos que em nome de deus criminalizam a união de pessoas que só querem se amar e viver em harmonia, vemos também a falsa indignação.

Por isso, em nome de Aylan, morto na praia há quilômetros do seu lar, símbolo da ignorância e hipocrisia do mundo “moderno” em que vivemos, deixo aqui afirmações, provocações para mexer com você, indignado. Com você, homem e mulher de bem. Com você empresário do lucro acima de qualquer coisa. Com você, político e religioso (às vezes os dois em um) que move multidões em nome de deus e da verdade (?!). Com você mãe e pai, que veem nos filhos dos outros o erro, a perversão, a desonra. Pense se você não é um daqueles que:

- defende a paz, mas deseja ver um ser humano apodrecer na cadeia, inclusive crianças e adolescentes

- denuncia a prostituição, os maus costumes dos jovens, principalmente meninas, mas gosta muito das casas que oferecem noites de prazer

- está todos os domingos, ou qualquer dia, em uma igreja ou comunidade religiosa buscando a palavra de deus que prega o amor ao próximo, mas sai dali falando de alguém, agredindo filhos, mulher, marido

- vê um vagabundo em cada pessoa que usa drogas, lícitas ou não lícitas (afinal o que é isso?), mas tem amigos traficantes, usa só por diversão, às vezes...

- fala em liberdade como bem comum, mas pretende impor suas visões e crenças à força, seguindo os Kim Kataguiri e furiosos de movimentos vazios, ofendendo e agredindo quem não pensa como você...

- quer acabar com a violência, mas apoia linchamentos públicos, agressões policiais a quem quer que seja, tudo em nome da paz...?

Pense que naquela praia distante, de onde nos chegou apenas a foto do menino Aylan, uma criança indefesa, cheia de vida para correr pelas ruas, praças, realizar sonhos, ser feliz por longos anos, morreu também um mundo inteiro. Com ele morreu mais um pouca da nossa capacidade de sentir o outro de verdade, de desejar ao outro a felicidade, a liberdade, o direito de viver em qualquer lugar que se queira, sem opressões, preconceitos, violência.

Não deixe que a morte de uma vida seja apenas uma dor passageira. Indigne-se de fato, combata o que faz este mundo ficar pior, e parecido com o tempo das cavernas, da ignorância total. Em nome de Aylan, lute pela humanidade, faça a sua parte. Hoje foi ele, amanha pode ser você, seu filho, filha, pai, mãe, amigo, irmão... reflita e lute por um mundo melhor.

É assim, nas teias do poder...

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Aos professores, o meu abraço e solidariedade

POR SALVADOR NETO

Não há como deixar de se indignar com tamanha violência da polícia militar do Paraná na repressão ao movimento democrático dos professores daquele estado, cenas que vimos mais em redes sociais, sites e blogs noticiosos alternativos. 

Mais do que se indignar, é preciso repudiar, denunciar, cobrar providências imediatas de autoridades competentes contra essa vergonha que lembra os tempos da ditadura militar no Brasil! Senhor governador Beto Richa (PSDB), deputados estaduais do Paraná, vocês envergonham o país!

Será que o “jeito de governar” do senhor Beto Richa advém dos conhecimentos que aprendeu nos bancos escolares nas escolas paranaenses? Os professores incutiram em sua mente que bater é melhor que educar? Espancar é melhor que ensinar? Tocar cachorros ferozes e atirar em pessoas indefesas fez parte do seu currículo escolar? Todos os deputados estaduais paranaenses foram “formados” por professores para enganar o povo e votar contra seus interesses?

Outra questão: será que na escola que Beto Richa e seus deputados estaduais, secretários, assessores, puxadores de saco estudaram o mantra foi “mentir é melhor que assumir?” A sociedade paranaense aprova e dá apoio à repressão militar violenta quando há um manifesto descontentamento contra atos e ações de governo que desejam, à base de cassetete, bala de borracha, gás lacrimogênio, cães raivosos, calar reivindicações justas contra retirada de direitos de uma categoria fundamental para essa mesma sociedade?

E o que dizer da mídia nativa, defensora da casa grande e senzala, que insiste em esconder descaradamente os atos violentos, ditatoriais e ilegais do governador Beto Richa, seus secretários e deputados estaduais, buscando manobrar a massa e opinião pública contra os “perigosos” professores que educam, orientam, formam e amam seus alunos? Outra vergonha que necessita ser denunciada permanentemente. Nossa mídia casa grande e senzala é também outra vergonha, pois omite, manipula e esconde fatos, criando outros fatos para o consumo dos incautos cidadãos.

Só para lembrar os digníssimos leitores do Chuva Ácida: enquanto se preenchem horas e horas, centímetros e centímetros de jornais, espaços digitais importantíssimos para a boa informação dos cidadãos, outros temas correm livremente sem a devida cobertura e denúncia. Que interesses movem grandes mídias a “não olhar” para tais temas com o vigor que merecem? A quais objetivos essas medidas atendem?

Vejam: matérias como a terceirização que acaba com os direitos dos trabalhadores duramente conquistados com a CLT; o fim da marcação obrigatória nos rótulos de produtos transgênicos; o aumento de verbas dos parlamentares, os desvios de função de recursos públicos entre outros temas fundamentais, passam sem qualquer “berro” da sociedade, inerte, abobalhada e alienada por meios de comunicação que não tem interesse público, mas interesses dos seus públicos como base para as pautas diárias.

Senhor Beto Richa, governador do Paraná, senhores secretários de Estado, senhores deputados, e assessores flagrados aplaudindo a barbárie cometida contra os professores, esses sim cidadãos respeitáveis, vocês devem desculpas públicas aos mestres. Vocês tem duas opções: ou pedem desculpas e se redimem por seus atos ao povo paranaense, em destaque aos professores, ou renunciem aos seus mandatos e cargos.
Quando o homem público desonra a categoria que o formou, qualificou e preparou para a vida, o caminho é fazer um mea culpa, mudar atitudes e atos, e reformar o caminho. Caso contrário, prestará um grande serviço a uma categoria fundamental para a formação do povo, e também para a sociedade se “pedir para sair”. 

Senhor Beto Richa, governador do Paraná e seus deputados estaduais, peçam para sair! Toda a honra e toda a glória aos valorosos professores do Paraná e também aos policiais militares que, ao se negarem a bater nos mestres, mostraram que aprenderam na escola que professor merece valor.


terça-feira, 21 de abril de 2015

O ódio está no ar...

Acreditem: o comentário não foi sarcástico.
POR PEDRO HENRIQUE LEAL

Parece me que o ódio está em alta. Nas últimas duas semanas, tivemos a campanha de insultos promovida por Danilo Gentili e a revolta contra a travesti Verônica Bolina (por gente que não entendeu qual era o problema). Teve também a islamofobia gritante com pessoas mandando Charlyane Silva de Souza “voltar pro seu pais” e a chamando de “terrorista” quando essa teve seu direito de uso de véu reconhecido pela OAB, uma onda de xenofobia contra imigrantes chineses após o caso da pastelaria que usava carne de cachorro. E no meio disso tudo, se reergueu um dos mais infames blogs de ódio da internet brasileira.


Vamos então por partes.


O Caso Verônica Bolina


A sucessão de eventos na prisão da travesti ainda não está clara. Sabe se que Verônica agrediu uma vizinha de 73 anos. Que foi colocada em uma cela masculina. Que se envolveu em uma confusão na cela em que estava detida e que mordeu a orelha de um carcereiro após dita confusão. Que foi agredida na prisão e no hospital. Que foi fotografada sem camisa e com o rosto desfigurado. E que foi coagida a gravar um depoimento onde negava ter sido agredida, em troca de redução de pena.


O caso atraiu a revolta de movimentos de direitos humanos e essa revolta atraiu o ódio dos defensores da lógica “bandido bom é bandido morto”. Enquanto o primeiro grupo questionava o tratamento dado à travesti, o segundo dizia que ela devia pagar por seus crimes e merecia “apanhar mais”. Sem entender que ninguém estava dizendo que Verônica não devia pagar, mas sim que esse “pagamento” deveria ser feito dentro dos termos da lei. Grande parte dos revoltosos contra movimentos como #SomosTodasVerônica parece incapaz de compreender o problema. A indignação não é com ela ter sido presa, mas com a maneira em que foi tratada pelas autoridades e pela qual foi privada de sua dignidade.


Ainda assim houveram aqueles, muitos dos quais policiais, que viram no caso justificativa para despejar seu ódio contra todas as travestis. Como se não apenas Verônica devesse pagar além dos limites da lei, como todas as mulheres trans devessem pagar pelos crimes de uma. E sem entender que existe uma maneira civilizada de se punir transgressões, sem precisar dos punhos para isso.


Pastel com recheio de xenofobia


Dois casos serviram para refogar a velha xenofobia a brasileira. O caso da pastelaria chinesa que usava mão de obra escrava e carne de cachorro no Rio de Janeiro ressuscitou o velho discurso da “ameaça amarela”, e não foram poucos os comentários pedindo a deportação imediata de todos os sino-descendentes do país.


O segundo caso foi o recurso da bacharel em direito Charlyane Silva de Souza, privada de fazer o exame da OAB caso não retirasse o véu (e violasse suas tradições religiosas). Convertida ao Islã no ano passado, o recurso de Charlyane atraiu comentaristas furiosos, exigindo que “voltasse ao seu país” e afirmando que se tentassem o contrário “no país dela” seriam executados. Charlyane é brasileira. O Islã, uma religião, e não uma nacionalidade. O maior país islâmico? O mesmo que tantos opinadores exaltados adoraram em janeiro, quando o traficante de drogas Marco Archer foi executado.


A revolta com Charlyane representa uma série de confusões que ainda nos marcam. Não foram poucos os comentaristas que usaram das tentativas de proibição de símbolos religiosos por repartições estatais para dizer que Charlyane deveria ser proibida de usar o véu “pois o estado é laico”. Por ser muçulmana, fora chamada de terrorista e “advogada bomba”. Vez após vez, a fé islâmica se vê confundida com o extremismo, como se fossem uma coisa só .Como se não bastasse, repetem o erro de achar que todo muçulmano é árabe e um imigrante árabe.



Rede de ódio, ódio na rede


Mas o choque de ódio maior, no meu ver, veio como resposta a uma campanha do Governo Federal. Tão logo foi criada a página Humaniza Redes e o perfil correlato no Twitter, surgiram as acusações de que o programa (uma ouvidoria para denuncias de violações de direitos humanos) era “censura”. E, de imediato, o humorista Danilo Gentili tratou de dar a sua resposta: Desumaniza Redes, incentivando um festival de ofensas sem fim que empesteia a página governamental.


O argumento para defender a campanha de insultos (e apologia a violência)? Que a proliferação de homofobia, machismo, racismo, xenofobia e até pornografia infantil na rede não passa de “zueira”, que não deve ser limitada nunca. Eis a liberdade de expressão defendida por Gentili: a liberdade de ofender, de ameaçar e de discriminar. Ironicamente, o “defensor da liberdade de expressão sem limites” se dedica ativamente a silenciar o outro lado da discussão.


E no rastro da campanha de Gentili, um velho vulto se reergueu nas sombras da blogosfera brasileira. Antes conhecido como “Homem de Bem”, agora como “Tio Astolfo”, um dos mais notórios pregadores do ódio do país, procurado desde 2013, voltou a ativa. Pregando a morte de gays e negros, o estupro de feministas e outras atrocidades, o imitador de outro blog de ódio (o extinto Silvio Koerich) demonstra uma fúria implacável - e assim como a Desumaniza Redes, justifica tudo dizendo que é “humor controverso”. Pois claramente, dizer “é uma piada” resolve tudo.


Isso é só um pequeno recorte do que acontece em todas as áreas, não só na internet. As vezes pelos motivos mais banais. Quem nunca se viu insultado por gostar das “coisas erradas”? No estado americano do Oklahoma, dois colegas de quarto se golpearam com garrafas de cerveja em uma disputa sobre iPhone versus Android. O ódio está em alta e qualquer coisa parece justificá-lo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

"Casos isolados"




POR PEDRO HENRIQUE LEAL

A história todo mundo já está cansado de ouvir. No dia 19 deste mês, o policial militar Luis Paulo Mota Brentano desferiu dois tiros contra o surfista Ricardo dos Santos, na Guarda do Embaú, após uma discussão. Rapidamente surgiram as tradicionais defesas: “ele não era santo”, “tem que ouvir os dois lados” (onde por ouvir os dois lados, leia: acusar a família da vítima de ocultar evidência e pintar o atirador como a vítima), “ele era um bom policial” (com acusações de abuso de autoridade e de tortura) e a mais importante: “é um incidente isolado”.

A pergunta é: quantos “incidentes isolados” precisa para que se torne um padrão? Neste “incidente isolado”, rapidamente vieram as duas defesas para os “casos isolados”: a que não há comoção quando bandido mata e que não há como saber de antemão se não era “bandido” e que o trabalho das polícias é “vida ou morte”. Na primeira situação é importante ressaltar que sim, existe comoção, e que não, não se espera que criminosos mantenham a lei. Já na segunda defesa, fica evidente que a questão toda não trata-se de “casos isolados”, mas de um problema ideológico das PMs. Peço também que notem um padrão em uma grande parte das vítimas.

Não é o único caso em que essas duas defesas foram usadas. O que se segue são incidentes tanto nacionais, quanto da polícia dos EUA (tomada pelos emissores desse tipo de fala como exemplo) que foram justificados e até elogiados por comentaristas online. E antes de seguir com essa série de “casos isolados”, friso que no Reino Unido, entre 2009 e 2012, a polícia abriu fogo apenas 18 vezes, com nove mortes. Enquanot isso, a polícia brasileira mata cinco pessoas por dia.

16 de março de 2014. A dona de casa Claudia Silvia Ferreira, 38 anos, leva dois tiros em um confronto entre policiais e traficantes na zona norte do Rio. Após o embate, seu corpo é colocado no porta-malas de uma viatura, e arrastado pelo asfalto por cerca de 250 metros. Apesar de motoristas tentarem alertar do que estava acontecendo, os PMs só pararam a viatura quando chegaram a um sinal vermelho. Posteriormente, a polícia carioca alegou que o porta-malas fora aberto por um motoqueiro não identificado. Claudia era negra e favelada.

22 de Janeiro de 2015. Kristiana Cognard, uma adolescente de 17 anos de Longview, Texas, é baleada quatro vezes no interior de uma delegacia de polícia. Bipolar, Cognard teria “ameaçado os policiais” com uma arma branca (não identificada e não apresentada pela polícia”, o que justificaria a ação). Não houve tentativa de detê-la através de métodos não letais.

19 de Julho de 2014. Eric Garner, 43 anos, morador de Statten Island, morre após ser estrangulado por um policial. Suas últimas palavras eram “eu não consigo respirar”. O crime de Garner: vender cigarros. O confronto fatal foi filmado por um transeunte - para o qual foi emitido um mandado de prisão. No vídeo, não se vê comportamento agressivo por parte do falecido (que teria “violentamente resistido a prisão”). Garner era negro.

2 de agosto de 2014. Haíssa Vargas Motta é baleada fatalmente em uma perseguição no Rio de Janeiro. Motta e três amigos estavam de carro quando passaram em frente a uma viatura que procurava um veículo suspeito. Foram dados dez disparos; normas operacionais da PM não autorizam que se abra fogo contra um veículo por este não obedecer ordem de parada. Haíssa era negra.

22 de janeiro de 2014. Vinícius de Souza Ruiz tem R$ 984 apreendidos pela PM ao ser detido em protesto contra a Copa do Mundo. O dinheiro era parte do seu salário, tomado pela polícia como evidência do pagamento de manifestantes. Ruiz foi um dos 262 manifestantes presos somente naquela manifestação.

15 de maio de 2014. Patrícia Rodsenko é atingida no olho por estilhaços de uma bomba de gás lacrimogênio enquanto voltava de um protesto na capital paulista. A manifestação contra o mundial durou apenas 20 minutos antes de ser violentamente reprimida pela PMSP.

14 de setembro de 2013. O servente de pedreiro, José Guilherme da Silva, 20 anos, é encontrado morto, algemado, com um tiro na cabeça, por sua mãe dentro de um camburão da PM, no interior de São Paulo. A polícia alega suicídio, mas a família contesta a versão, dizendo que “foi executado pelos policiais que prenderam”. Da Silva estava algemado quando “atirou na própria cabeça”.

22 de novembro de 2014. Tamir Rice, um menino de 12 anos de Cleveland, é baleado fatalmente por dois policiais que atendiam uma chamada de emergência. Rice carregava uma arma de brinquedo, e o porte de armas é legalizado no estado. Enquanto defensores da ação alegavam que o menino “era uma ameaça” e “devia ter acatado as ordens da polícia”, vídeos demonstram que os oficiais dispararam dois segundos após chegar ao local. Rice era negro.

6 de agosto de 2014. John Crawford, 22 anos, é morto a tiros no interior de um Walmart em Beavercreek, Ohio. Crawford carregava uma arma de ar comprimido das prateleiras da loja quando foi alvejado pela polícia. Segundo sua esposa, com quem falava ao celular antes de ser baleado, suas últimas palavras eram “não é de verdade”. Crawford era negro.

Janeiro de 2015. Um morador de rua esquizofrênico em Blumenau é agredido por policiais. O vídeo da agressão foi postado em redes sociais por parentes da vítima. A PM-SC tentou justificar o caso alegando que o homem, que aparenta desarmado e desorientado, estava tentando cometer um homicídio.

Julho de 2012. Milton Hall, um morador de rua de 49 de Saginaw, Michigan, é morto com 48 tiros por oito policiais após uma discussão. Hall portava um abridor de cartas. 14 dos tiros o atingiram. Após o tiroteio, os policiais algemaram o cadáver. A justiça local se recusou a fazer uma investigação, alegando que Hall era uma grave ameaça para oito policiais armados. Hall era negro.

26 de dezembro de 2014. o entregador de pizza Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos, é morto com um tiro na boca e um no peito por um policial militar, no ABC Paulista. Ruzivel sonhava ser policial. O PM que o matou atendia uma chamada de “perturbação da ordem pública”: um grupo de jovens ouvia som alto demais em um carro. O policial se defendeu alegando que achou que o rapaz estava sacando uma arma. O corpo e o local do crime não foram periciados, e a delegada responsável pela apuração ouviu apenas os policiais envolvidos.

Isso tudo é só um pequeno recorte de casos que foram defendidos (a unhas e dentes) como “ser duro com o crime”, e até parabenizados. Em todas as situações, culpou-se a vítima, e tentou-se reescrever o que aconteceu como algo “normal”. Talvez seja “normal”, porque aceitamos isso rotineiramente. Mas há de haver uma raiz por trás disso, e talvez tenhamos um Ouroboros (a serpente circular, comendo seu próprio rabo) de violência em mãos.

A mentalidade de “matar ou morrer”, algo que deveria ser inaceitável por parte dos agentes da lei, é uma constante em grande parte das forças policiais do país (e o mesmo ocorre nos EUA). De fato os policiais estão sujeitos a uma grande dose de violência, e um grau elevado de risco. No entanto, ao agir com base em temor (como expôs o artigo do El País linkado mais acima) tem levado agentes de “segurança” pública freqüentemente a agirem como agentes de violência pública.

Isso para não mencionar os grupos (com e sem ligação com a polícia) que promovem esse tipo de mentalidade de “atire primeiro, pergunte depois”. Não são poucos os grupos, políticos e partidos que promovem a mentalidade do “bandido bom é bandido morto” e “se morreu algo de errado fez”. Nenhum para e pensa a polícia possa por vezes estar errada. Ao invés disso, veem os policiais como super-humanos infalíveis e prescientes. E menos ainda que ao defender incondicionalmente a polícia em seus erros mais brutos, esteja promovendo ainda mais violência.



Você tem de entender meu mundo. A todo momento eu acho que vou morrer. Não posso falar um ‘por favor’ ou um ‘muito obrigado’ para uma pessoa que pode estar querendo me matar” - PM entrevistado pelo El País




segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Violência, postes e cachorros

POR JORDI CASTAN

O Brasil é hoje um dos países mais violentos do mundo. Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, quase duas dezenas são brasileiras. Aliás, praticamente todas se encontram no hemisfério sul e em países em desenvolvimento. Assusta o nível de violência a que a sociedade brasileira tem se habituado.

É difícil acreditar que este aumento da violência não tenha uma resposta firme da sociedade. Há uma insensibilidade e uma aceitação desta situação, que ganha corpo a ideia que a violência é irreversível e está fora de controle e por isso o Estado não tem condições ou meios de enfrentá-la.

Não há dia em que a imprensa não noticie algum homicídio, assalto, roubo ou a destruição de patrimônio público. Há uma banalização da violência e isso faz com que a sociedade deixe de reagir e acabe anestesiada frente à brutalidade quotidiana. Como resultado, deixamos de acreditar nas polícias e na Justiça e já nem denunciamos crimes menores Um fato que, entre outras coisas, distorce as estatísticas e falseia dados e indicadores, criando a ilusão de normalidade... até que alguém conhecido seja a próxima vítima.

O Brasil tem mais homicídios por arma de fogo que países como os Estados Unidos, aonde a venda e possessão de armas de fogo é livre. O Brasil tem mais mortos por violência que a maioria de países com conflitos armados declarados, incluindo estados em guerra aberta e isso em quanto o país enfrenta uma situação de declarada "normalidade". 

Saúde, educação e segurança deveriam ser pauta obrigatória em qualquer processo eleitoral. Mas no Brasil estes temas ficam fora de um debate sério. A corrupção, o mau uso do dinheiro público e os escândalos que envolvem figuras públicas, em todos os níveis da administração, fazem que o combate a insegurança e à violência deixem de ser prioridade. Pior ainda. Recentemente foi noticia o caso um aposentado preso por disparar para se proteger, dentro da sua residencia, da ação de um criminoso. Essa história é tão comum no Brasil quanto poste mijando no cachorro.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O ódio conservador


POR CLÓVIS GRUNER

Alex tinha oito anos, gostava de lavar louças, não gostava de cortar o cabelo e era um pouco desobediente – provavelmente não mais nem menos que os garotos de sua idade. Desde o dia 17 de fevereiro ele não lava mais louça, não desobedece e nunca mais precisará cortar o cabelo. Foi espancado pelo pai, Alex André Moraes Soeiro, com quem vivia desde o ano passado, que o achava afeminado e queria que ele aprendesse a “andar como um homem”. Morreu com inúmeros hematomas pelo corpo e o fígado perfurado.

Renato Duarte Horácio, de 16 anos, queria levar de Gastão Vidigal algumas boas lembranças depois de passar e passear pela cidade nos três dias de carnaval, acompanhado da mãe e do irmão mais velho. Fotografou lugares, fotografou a folia, fotografou pessoas. Confundido com um pedófilo e levado à delegacia, terminou seu feriado espancado até a morte por um “justiceiro”, Fabrício Avelino de Almeida, que o encurralou em frente ao prédio da Delegacia de Polícia e o agrediu com seguidos e violentos socos na cabeça.

As mortes precoces, trágicas e violentas de Alex e Renato são a expressão de um estado de coisas que cada vez mais escapa ao controle e nos ameaça a todos. Estamos envolvidos por um ambiente de ódio crescente. Alimentado diuturnamente, o ódio que viceja hoje país afora já não se conforma em permanecer nos ambientes virtuais, onde não faltam anônimos (e alguns não anônimos) dispostos a trocar a inteligência e o bom senso pelo simples ranger de dentes. Ele se impõe, cada vez mais e mais perigosamente, nos espaços do mundo dito “real”, estimulando e chancelando ações como as de Alex, o pai, e Fabrício. Alex, o filho, e Renato, não foram as primeiras vítimas dessa escalada de ódio e violência e, temo, não serão as últimas.

CULTIVAR O FASCISMO – O fenômeno não é inteiramente novo, embora esteja a ganhar contornos mais sombrios. A atravessá-lo e sustentá-lo, uma moral e uma conduta conservadoras (porque não se pode falar, no Brasil, de um “pensamento conservador”) que não apenas empobrecem o debate e o ambiente políticos, mas disseminam a truculência e legitimam a intolerância.

Como disse, isso tudo não é inteiramente novo. Em 2010, principalmente durante as eleições presidenciais, já era possível perceber que havia algo ruim no ar que respirávamos. Naquele ano praticamente todo o debate eleitoral do segundo turno foi pautado pela agenda conservadora e assistimos a candidatura de José Serra e o PSDB aderirem aos grupos fundamentalistas, ao passo que Dilma Rousseff e o PT se mostravam incapazes de oferecer uma alternativa verdadeiramente progressista. Temerosos de confrontar os grupos religiosos, a candidatura petista sinalizava o rumo que o governo tomaria depois da candidata eleita, culminando com o vexame da eleição de Marco Feliciano para a presidência da CDHM em 2013.

Recentemente escrevi no Chuva sobre uma certa monotonia conservadora. No artigo apontava, entre outros, dois traços fundamentais do que Murilo Cleto chamou, em texto lapidar, de “a onda”: a tendência crescente entre os grupos e indivíduos reacionários a ver no outro não um adversário a ser confrontado, mas um inimigo a ser eliminado; e a dificuldade de conviver em um ambiente democrático e de livre circulação de ideias. Na ocasião, me referia principalmente ao debate travado nos ambientes midiáticos – ou talvez seja mais correto afirmar a falta de debate –, pontuado por uma ausência de ideias e de pluralidade que beiram à monotonia e caracterizado pela mixórdia argumentativa – a lei de Coqsics, na definição de José António Baço.

Mas ainda mais preocupante e nada monótono é que o conservadorismo e os sentimentos de ódio que cultiva e dissemina estão agora a orientar não apenas o blá-blá-blá ressentido teclado no conforto covarde do anonimato. Eles estão matando gente inocente: quando um pai espanca o filho de oito anos até a morte porque ele era afeminado”, e um justiceiro mata um adolescente de dezesseis anos porque suspeitava que ele fosse pedófilo, os assassinos podem se chamar Alex e Fabrício. Mas por detrás de seu gesto paira a sombra de um Jair Bolsonaro e de uma Rachel Sheherazade, que tem motivos para estarem felizes e orgulhosos, junto com os milhares que se reconhecem neles e se identificam com sua postura e discursos protofascistas. Não é todo mundo que goza do privilégio de matar sem nem sujar as mãos. E ainda receber aplausos por isso.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.