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quinta-feira, 28 de maio de 2020

O Brasil é o novo epicentro e pária internacional



POR CLÓVIS GRUNER

Com mais de 25 mil mortes e um dos maiores índices de contaminação do mundo, o Brasil se tornou o epicentro da pandemia do coronavírus, e um pária internacional. Nesse vídeo, falo da responsabilidade do governo e do presidente Bolsonaro pela tragédia, comparando os números brasileiros a de dois de seus vizinhos, Argentina e Uruguai.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

É possível salvar a economia sem sacrificar mais vidas?




POR CLÓVIS GRUNER

Em entrevista recente, Paul Romer, Prêmio Nobel de Economia e ex-economista chefe do Banco Mundial, defendeu que a recuperação econômica tende a ser mais rápida, nos países que adotaram e seguiram medidas de distanciamento e isolamento social. Entre outras coisas porque, de acordo com Romer, a retomada econômica depende, em larga medida. que as pessoas se sintam seguras e confiantes.

Ele evita também o antagonismo, que se tornou lugar comum no Brasil, entre combate à pandemia e gestão econômica. Ambas as coisas são possíveis, argumenta.  Mas para isso é preciso que se teste maciçamente os níveis de contaminação, condição a um controle mais efetivo e eficiente da disseminação da Covid-19, e garantir o isolamento social. Isso porque o desconfinamento, e a gradual retomada das atividades econômicas, dependem antes do achatamento da curva de disseminação, o que só se faz... com isolamento social.

No Brasil estamos longe disso. Não temos um governo, nem competente nem, tampouco, sensível à pandemia e aos mais de 12 mil mortos em pouco mais de 30 dias, vítimas do coronavírus. Mas tão grave quanto, a indiferença presidencial colabora para que, cada vez mais, pessoas se sintam no direito de confrontar e desobedecer as medidas de distanciamento, reinvindicando seu direito de ir e vir e argumentando, não raro de maneria hipócrita, a necessidade de "manter a economia funcionando".

Vivemos, no Brasil, a condição surreal e bizarra, de vermos tratado como "vergonha" o exercício de um direito: o de defender e preservar a vida.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Bolsonaro aposta na truculência e no caos



POR CLÓVIS GRUNER

Em entrevista publicado no "El País" no último dia 26, o filósofo Marcos Nobre, um dos mais argutos analista da política brasileira contemporânea, vaticinou, sobre o futuro do governo: "Bolsonaro vai para a lonta e sabe disso". De acordo com Nobre, mesmo a estratégia de recrutar suas bases mais radicais, enquanto negocia o apoio do centrão no parlamento, são insuficientes para assegurar a permanência de Bolsonaro na presidência.

Previsões políticas são sempre arriscadas, mais particularmente em um país como o nosso, onde diariamente somos surpreendidos com alguma nova - e infeliz - notícia. Mas parece inegável que a saída de Moro, ruidosa como foi, deixou o governo Bolsonaro ainda mais fragilizado. O clima para um eventual impeachment certamente ainda não está dado porque, se não faltam razões jurídicas a justificar o impedimento do presidente, o fato de ainda contar com uma base de apoio expressiva, de algo em torno de 30%, dificultam a tarefa.

O presidente, no entanto, acusou o golpe. Nos dias seguintes à demissão de Moro, tratou de mobilizar seus cúmplices mais radicais e fieis, subindo o tom da aposta e indo para uma espécie de "tudo ou nada". A aposta no caos e o recrudescimento de um discurso já notoriamente truculento, expressam a tentativa de Bolsonaro de seguir na presdiência, não importa o custo. Mesmo que o preço a pagar sejam outras tantas milhares de mortes, além das mais de cinco mil que já se acumulam, vítimas do coronavírus, em pouco mais de 30 dias.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

A urucubaca e os heróis da direita brasileira



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

"Infeliz a nação que precisa de heróis". A frase de Bertolt Brecht, aqui num outro contexto, permite lançar uma discussão sobre o Brasil. O fato é que os brasileiros estão sempre à procura de heróis, de pessoas com poderes extraordinários que venham resolver todos os seus problemas.

O herói é, acima de tudo, alguém que estejamos prontos a seguir. E sob este aspecto o Brasil tem falhado profundamente. Tem seguido líderes vazios, despreparados e muitas vezes com problemas de caráter. É o caso de Jair Bolsonaro, por exemplo, que é considerado "mito" mais pelas sua falta de qualidades do que pelo mérito.

O tema de hoje são os heróis que o Brasil tem escolhido nos tempos mais recentes. E quase sempre no plano do bizarro, da deselegância e do vulgar, qualidades (ou falta delas) que não entram na pele de um herói. É muita urucubaca para cima do gado.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Por que Bolsonaro precisa sair?




POR CLÓVIS GRUNER

Com a participação nas manifestações de domingo (19), pedindo intervenção militar e um novo AI-5, Bolsonaro acrescentou mais dois ou três aos vários crimes de responsabilidade que cometeu desde que assumiu a presidência, há pouco mais de um ano. Some-se a eles a irresponsabilidade genocida frente a uma pandemia de proporções globais, e temos um cardápio variado de motivos para afastá-lo o mais rapidamente possível da presidência.


Apesar disso, as instituições continuam funcionando como se tudo normal fosse e estivesse: notas de repúdio foram publicadas; a imprensa segue acovardada; e a oposição de esquerda continua silente, porque, de acordo com o “cálculo político” de suas lideranças, não é hora para impeachment. Os principais argumentos são dois: a-) um impeachment fracassado poderia resultar no fortalecimento de Bolsonaro; b-) vitorioso, quem assume é Mourão, o que significa que, na prática, pouca coisa muda.

Não alimento nenhuma ilusão quanto a Mourão e impedimento não é antessala da revolução. Bolsonaro precisa sair não para que, de seu afastamento, advenha alguma “mudança estrutural”. Mas porque é um miliciano fascista, que está a atentar, dia após dia, contra a democracia, além de colocar a vida de brasileiras e brasileiros em risco em nome de seu projeto pessoal e político de poder.

E não há cálculo político que justifique a apatia conivente das esquerdas e, mais especificamente, dos partidos de esquerda com representação parlamentar, particularmente nesse momento de isolamento social, aqueles que podem tomar a iniciativa de levar adiante um pedido de impeachment. Não estou a dizer que se trata de tarefa fácil, porque o impedimento de um presidente nunca se faz sem traumas.

Mas é algo que precisa ser feito, e urgentemente, se quisermos preservar alguma coisa que se possa chamar, minimamente, de país.

sábado, 18 de abril de 2020

Chuva Ácida volta e discute o coronavírus

POR CHUVA ÁCIDA

O Chuva Ácida voltou. E todas as semanas vai ter um debate mais alargado com todos os seus integrantes. Este é o primeiro, com Clóvis Gruner, Jordi Castan e José António Baço. Vejam e comentem.



sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

O ano foi de Bolsonaro

POR CLÓVIS GRUNER
Outro dia alguém me sugeriu em tom de chacota, no Facebook, que eu superasse Bolsonaro. Não há motivos, obviamente: se tanta gente – a começar por boa parte dos comentaristas anônimos desse blog – ainda não superou Lula, preso há meses em Curitiba, ao ponto de não conseguir comentar uma receita de bolo sem dar um jeito de meter o nome do ex-presidente no meio, por que deveria eu superar um presidente, que nem posse tomou ainda?

Começo citando essa pequena anedota, típica das redes sociais, porque o ano foi mesmo de Bolsonaro: desde fevereiro, quando sua candidatura não estava ainda formalizada, foram oito textos que o tiveram por tema. Alguns falaram dele mais tangencialmente, ao abordar a produção e difusão das fake news e da homofobia, ou o “kit gay”, uma das muitas mentiras perversas propagadas por Bolsonaro em sua campanha.

Mas a partir de agosto, falar do candidato Bolsonaro se tornou uma obrigação. Em outubro, quando a eleição de um candidato fascista já era praticamente certa, quatro textos abordavam o assunto: as razões de sua vitória, além de eleitoral, simbólica; uma análise de seu discurso após o primeiro turno; a eleição de Bolsonaro como um retrocesso democrático; e, enfim, o caráter fascista de sua candidatura.

Os impasses e os equívocos da esquerda também mereceram algumas linhas. Falei da indicação no mínimo problemática de Guilherme Boulos à presidência pelo PSOL, e extrapolando os limites nacionais, desenvolvi uma breve digressão sobre o caráter autoritário dos governos de Maduro e Ortega, na Venezuela e na Nicarágua, em uma polêmica com meu colega de blog, José Antóio Baço.

E sim, também falei de Lula. E em pelo menos dois textos – sobre a concepção frágil de cidadania dos governos petistas e os impasses eleitorais após decretada a sua prisão – sob perspectivas bastante críticas. Obviamente elas não foram percebidas pelos nossos comentaristas anônimos porque bem, se fossem, não seriam os nossos comentaristas anônimos. 

Mas no balanço de 2018, há outros assuntos igualmente desagradáveis além de Bolsonaro (não foi um ano fácil): a intervenção no Rio de Janeiro e o assassinato, ainda sem solução, da vereadora Marielle Franco, abordaram a violência e seus vínculos com a política e o Estado. Nas últimas semanas, o avanço da ideologia reacionária do “Escola sem Partido”, um dos efeitos deletérios da eleição de Bolsonaro, foi tema de alguns textos, onde abordei a escolha dos docentes como os novos inimigos, e a “ideologia de gênero”, outra das grandes mentiras propagadas por Bolsonaro.

E enfim, não seria possível um balanço de 2018 sem falar dos cinco anos de Junho de 2013. O texto que faz uma leitura das manifestações saiu no dia 20, exatos cinco anos depois que mais de dois milhões de pessoas ocuparam praças e ruas de cerca de 400 cidades em todo o país. Em um ano que deixará tantas lembranças ruins, a memória das Jornadas de Junho pode servir como um sopro de esperança: ainda que as expectativas para 2019 não sejam as melhores, seguiremos. E como só merece consideração e paciência quem perturba, minha escolha está feita: sigo perturbando.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Às favas com a democracia

POR CLÓVIS GRUNER
É de uma amarga ironia que a eleição de Bolsonaro, um fascista, à presidência coincida com os 50 anos do Ato Institucional número 5, completados ontem (13). Decretado sob o pretexto de combater os “atos nitidamente subversivos” que ameaçavam “a continuidade da obra revolucionária”, ele marca um ponto de inflexão na ditadura. Se desde o golpe de 1964, o chamado “regime militar” trabalhou para consolidar seu aparato repressivo, com o AI-5 a violência autoritária recrudesceu.

O AI-5 conferiu ao presidente poderes quase ilimitados: fechar o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores por tempo indeterminado; intervir em estados e municípios sem as limitações previstas em lei; e cassar mandatos. Ele autorizava ainda o governo a demitir ou aposentar servidores públicos e suspender os direitos políticos e a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos ou “contra a segurança nacional”. Tudo sem a apreciação da justiça.

Embora não estivesse explicitamente prevista no texto, a nova legislação escancarou as portas à censura, regulamentada apenas em 1970. Músicas, livros, filmes e peças teatrais foram censurados às centenas nos dez anos em que vigorou o Ato Institucional. Censura também exercida, e ferozmente, sobre a imprensa. Veículos tradicionais, que inclusive manifestaram seu apoio ao golpe anos antes, como “Estadão” e a “Folha”, se tornaram objeto de vigilância e interdição constantes.

Mas tão grave quanto o verniz de legalidade que conferiu à repressão política, o AI-5  ampliou e legitimou as inúmeras ações ilegais da ditadura. Com o endurecimento do regime, disseminaram-se as muitas arbitrariedades governamentais, inclusos intimidações, sequestros, prisões, torturas e o assassinato de inimigos políticos. A repressão feroz que se abateu sobre toda e qualquer forma de oposição, tem sido recentemente relativizada aqui e acolá, inclusive por alguns historiadores.

Mas não há relativização possível quando se trata da garantia dos direitos humanos fundamentais, sucessivamente desrespeitados nos porões e Casas da Morte onde a ditadura humilhou, torturou e assassinou centenas, nem sempre e não apenas militantes que pegaram em armas contra o governo. A ditadura não perdoou ninguém e tratou a todos, indiscriminadamente, como criminosos e inimigos. Mesmo sobre a luta armada, pode-se dizer, hoje, que ela foi um equívoco e que por meio dela não se buscava a democracia.

O que resta – Tudo isso pode ser verdade, e ainda assim nada justifica a violência criminosa do governos. A correlação de forças era absurdamente desproporcional: um punhado de militantes, mal e parcamente armados e treinados, enfrentou o poder e o aparelho estatais, com seus muitos mecanismos de inteligência e órgãos de vigilância, além das instituições repressivas, parte delas atuando clandestinamente. Não havia ameaça e, mesmo se houvesse, é terrorista o Estado que trata fora dos limites da lei cidadãos que, uma vez rendidos, já não oferecem resistência.

Tampouco é casual que a violência dos grupos armados aumentou na proporção da truculência institucional, de que o AI-5 é o marco definitivo. Nesse sentido, a ditadura não apenas forjou as condições para que parte da oposição optasse pela resistência armada, mas forneceu as razões políticas para todas as formas de resistência que se opuseram a ela. É preciso que se diga, sem receio: é legítima a insurgência contra governos ilegais que se sustentam pela tirania – um princípio, aliás, liberal.

Passados 50 anos, a memória da violência perpetrada pela ditadura antes e, principalmente, depois do AI-5, segue impedida, naqueles termos propostos pelo filósofo francês Paul Ricoeur: como um gesto forçado de apagamento da lembrança. Esquecimento que tem consequências ainda hoje e que dificulta a superação de um passado que insiste em não passar, porque o espectro de sua presença ainda nos assombra e ao modo como percebemos e organizamos nosso mundo coevo.

Uma das características que nos diferencia de nossos vizinhos, que também viveram ditaduras sangrantes no mesmo período que a nossa, é que nesses países – e penso principalmente na Argentina, Chile e Uruguai –, houve um esforço de confrontação e superação desse passado. Superação que não significou nem implicou o esquecimento, mas antes um trabalho efetivo de produção de memórias, de uma “lembrança ativa”, uma das condições fundamentais para que essas experiências pretéritas não se repitam.

Se a elaboração do passado, e particularmente do passado traumático, pressupõe a eliminação das condições que o permitiram, a auto-anistia concedida pela ditadura criou as condições que, ainda hoje, autorizam a indiferença para com a desigualdade, a violência de gênero, o racismo e, mesmo, indiferença para com o terrorismo de Estado, ainda ativo, principalmente nas periferias e prisões. Passados 50 anos, a eleição de Bolsonaro representa, simbolicamente, a derrota da democracia e a vitória da memória e do sentimento autoritário consolidados com o AI-5.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Medicina sem partido


POR CLÓVIS GRUNER
Em 1999, na gestão FHC, eles eram “o milagre que veio de Cuba”. Em 2013, no governo Dilma, conheceram bem de perto do que é possível a cordialidade brasileira. Apesar do preconceito, médicos cubanos seguiram atuando no Brasil nos últimos cinco anos, especialmente nas periferias urbanas ou em regiões do interior, cuidando especialmente do que se chama “medicina primária”, uma das nossas principais carências.

Na quarta (14), o governo cubano anunciou que deixará o “Mais Médicos” depois das declarações e das condições anunciadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. O resultado dessa “medicina sem partido” preconizada pelo fascista serão cerca de nove mil médicos a menos, justamente naqueles lugares onde sua presença é fundamental.

Para se ter uma ideia do impacto da decisão, são 2.885 municípios no país atendidos pelo programa, a maioria em áreas vulneráveis: no Norte e no semiárido nordestino, cidades com baixo IDH, reservas indígenas e periferias dos grandes centros urbanos. Desse total, pelo menos 1.575 municípios só possuem médicos cubanos do Programa.

Os inúmeros especialistas em Cuba e no “Programa Mais Médicos” que surgiram nas redes sociais desde a quarta, defendem Bolsonaro argumentando que os cubanos trabalhavam sob um regime escravo e que o presidente eleito não fez mais que confrontar Cuba, exigindo do regime que respeitasse os profissionais que atuam aqui.

A imaginação é o limite - Sabemos que não é o caso, mas vamos admitir como verdade por um minuto (pra deixar fluir a conversa), que Bolsonaro estivesse mesmo preocupado com a situação talvez precária dos médicos cubanos no Brasil. Vamos fazer de conta que o presidente que prometeu eliminar opositores na Ponta da Praia e tem como referência um estuprador, torturador e assassino, de repente se preocupou com os Direitos Humanos, que sempre desprezou.

Vamos supor ainda que o presidente disposto a retirar direitos de trabalhadores brasileiros queira, algo contraditoriamente, garantir os mesmos direitos a trabalhadores de outro país. E enfim, vamos imaginar que Bolsonaro, depois de prometer em uma canetada mandar 14 mil "médicos" (as aspas são dele) para Guantánamo cuidar dos petistas (os que não morrerem na Ponta da Praia), reconhece a importância dos de nove mil (não 14) cubanos que atuam no Brasil.

Combinados? Então, como presidente eleito, o que ele deveria ter feito era chamar os representantes do governo cubano para uma rodada de negociações oficiais, expor suas preocupações e tentar construir um novo acordo, algo mais próximo do que considerasse razoável. E o que ela fez? Tripudia e desqualifica os profissionais, e ameaça um país, independente do que se pense dele, soberano. E tudo, basicamente, pelo Twitter. Esse é o presidente que elegemos e nosso pesadelo pelos próximos quatro anos.

Um começo seria ele entender que, agora, qualquer declaração sua não repercute mais apenas entre seus eleitores. Não estamos mais falando de kit gay e mamadeira com bico de piroca, mas de políticas de governo. Alguém precisa explicar a Bolsonaro a diferença. Mas não contem pra isso com seu futuro Ministro das Relações Exteriores.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A indiferença é irmã gêmea do fascismo

POR CLÓVIS GRUNER
O deputado e candidato à presidência Jair Bolsonaro é um fascista. E seus eleitores, também? Na segunda (22), meu colega José António Baço respondeu afirmativamente à questão e, nos comentários, um dos anônimos mencionou meu nada santo nome em vão, no que me soou uma espécie de inquirição. Minha resposta à pergunta está em um texto publicado em agosto, e não vejo motivos para reparar o que está escrito nele.

Mas o problema me parece outro: faz mesmo alguma diferença se os eleitores de Bolsonaro são todos fascistas? Mesmo que não o sejam (e não acho que sejam) ao votarem nele, não legitimam a ascensão de um fascista? No domingo, a se confirmarem as pesquisas, Bolsonaro chega ao poder montado na campanha mais sórdida, mentirosa e violenta na história recente da República – e o páreo, convenhamos, é duro.

Ele não era oficialmente candidato, mas já viajava o país em campanha usando ilegalmente recursos públicos, quando vociferou que, em seu governo, as minorias se submetem à maioria, ou desaparecem. O que ele pretendeu com a afirmação, ficou mais claro no silêncio que manteve, e mantém, sobre o assassinato de Marielle Franco, executada com três tiros na cabeça por não se sujeitar e combater a maioria e as milícias, aquelas que Bolsonaro elogiou em um de seus discursos parlamentares.

Em seu primeiro pronunciamento após a votação do primeiro turno, condicionou a unificação do país ao fim de “toda forma de ativismo”. Não é preciso nenhum esforço para entender a que ativismo ele se referia, porque é legítimo supor que os seus próprios ativismos e aqueles que reverberam suas ideias (tipo mulheres ganharem menos e pobres serem privados do ensino superior), deverão ser mantidos e estimulados em seu governo.

No domingo, seguro que tem o apoio de uma maioria nada silenciosa, e contando com a conivência acovardada do STF, que insiste em afirmar a “normalidade das instituições”, Bolsonaro ampliou o escopo daqueles que pretende perseguir caso eleito: a “escória vermelha”, disse, precisa escolher entre o exílio ou a prisão (aos trabalhadores ele já sugeriu escolherem entre direitos e emprego), e aniquilá-la será a condição para melhorar o país.

Os exemplos abundam, mas não é preciso que me alongue mais. É bastante provável que, a essas alturas, a maioria dos seus eleitores conheça cada uma dessas declarações e outras tantas. Mas a tendência geral é, cinicamente, ignorá-las, relativizá-las ou justificá-las, como no episódio do caixa 2, apelando a teorias conspiratórias as mais esdrúxulas. Bolsonaro é “mito” até quando recebe apoio da Ku Klux  Klan e reduz a “coitadismo” a desigualdade e o preconceito.

A parada do velho novo – Em “Como a democracia chega ao fim”, o cientista político David Runciman parte da eleição de Donald Trump nos EUA, para analisar o que chama de “versão caricatural do fascismo”. A insatisfação e a desconfiança com a democracia, geradas principalmente pela crise econômica, propiciaram a ascensão de um líder populista, que se apresentou aos eleitores como um outsider antissistêmico. Sem um programa claro, Trump foi eleito oferecendo soluções simplistas para problemas complexos, somando-se a isso a produção e proliferação serial de fake news, o preconceito contra minorias e o anti-intelectualismo.

Há semelhanças com o caso brasileiro, mas as diferenças chamam mais a atenção. Não temos o poder nem a influência econômica dos EUA. Na linguagem do mercado, o Brasil não é um player, e a eleição de um fascista pode dificultar a almejada recuperação econômica. Além disso, a democracia americana é sólida o suficiente para assegurar a cada cidadão, eleitor ou não de Trump, que seu mandato tem prazo de validade. Não temos a mesma garantia.

Além disso, Bolsonaro conjuga elementos do fascismo histórico – a irracionalidade, o personalismo, o elogio da força física e da violência, a moralização da política e a demonização de supostos inimigos, por exemplo –, a formas de autoritarismo cultivadas no terreno fértil da história nacional: a escravidão, experiência estruturante do nosso racismo; a violência estatal contra movimentos sociais; o esquecimento da ditadura; a cordialidade, raiz de nossa baixa tolerância à democracia.

As democracias modernas, nos ensina Runciman, morrem por dentro. A eleição de líderes populistas autoritários, argumenta, é o primeiro passo para um caminho de difícil retorno: quando abrimos mão de nossos direitos e liberdades, ou simplesmente votamos insensíveis ao fato de que indivíduos e grupos serão forçosamente privados deles, porque parte de “minorias”, estamos legitimando com nossas escolhas o fascismo.

Na segunda, não por acaso o dia seguinte ao discurso inflamado de Bolsonaro me oferecendo e a muitos de meus conhecidos, a prisão ou o exílio, e nos ameaçando com o aniquilamento, uma petição pública virtual circulou pela internet pedindo apoio à proposta de pena de morte para “petistas”. Antes de ser tirada do ar, já havia colhido cerca de 400 assinaturas.

Um eleitor de Bolsonaro me disse, em meio a uma discussão algo acalorada, que eu estava a exagerar; o abaixo assinado, afinal, não prosperou. Que ele tenha sido concebido e proposto, e que quase quatro centenas de internautas tenham se disposto a assiná-lo, basta. Se todos os eleitores de Bolsonaro são, como ele, fascistas? Como eu disse, isso importa menos. São indiferentes, e a indiferença já produziu, na história, um bom quinhão de barbárie.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Bolsonaro, 40 anos em 4

POR CLÓVIS GRUNER
“O progresso pede passagem”, me avisa um comentarista anônimo, depois de classificar meu último texto como “pobre e retrógrado” e sugerir que eu continuasse “falando com as paredes”. Ele sabe, certamente, que a campanha de seu candidato foi construída com base na fabricação e distribuição em série de centenas de fake news, com um nível de profissionalismo só visto na eleição que conduziu Trump à presidência dos EUA, coordenada pelo estrategista Steve Bannon.

Ele também sabe da escalada de violência que, da destruição da placa em homenagem à Marielle Franco, executada a tiros há sete meses, ao assassinato de Moa do Katendê, sinalizam muito claramente que estamos a lidar com uma milícia que não limita sua ação ao ambiente virtual. Ele sabe, mas simplesmente não se importa, provavelmente porque considera isso o preço a pagar pelo “progresso”.

Mas onde meu anônimo leitor – que se considera uma parede, se o entendi bem – encontra, no programa de governo e nas declarações de Bolsonaro, o mais pálido indício de que sua vitória eleitoral no próximo dia 28 abrirá às portas para o progresso? Certamente não na trajetória do deputado, um político tradicional e governista, que sempre se posicionou favoravelmente à manutenção de todos os privilégios parlamentares, incluindo o direito de receber propinas e empregar assessores fantasmas.

Talvez ele vislumbre o progresso na afirmação de que Bolsonaro não negociará cargos, uma bravata típica de políticos profissionais em campanha que, no caso de Bolsonaro, já caiu por terra: ele pretende nomear como Ministro da Educação um dos diretores da “Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)”, justamente a entidade que mais lucrará se, presidente, Bolsonaro levar adiante sua proposta de implementar o ensino a distância desde a alfabetização.

Paulo Guedes, o candidato a Ministro da Economia do candidato a presidente que é honesto e não negociará cargos, é sócio em negócios que lucrarão muito dinheiro com as propostas econômicas de Bolsonaro que, aliás, ele ajudou a formular. Além disso, está a ser investigado por supostas fraudes em negócios com fundos de pensão de estatais, associado a executivos e políticos ligados (adivinhem?) ao MDB e ao PT. Um progresso e tanto, sem dúvida.

A agenda liberal, que a depender do ponto de vista justificaria a crença algo oitocentista no progresso, também é incerta: Bolsonaro já foi chamado de “ameaça” pela britânica “The Economist” e pelo filósofo nipo-americano Francis Fukuyama. É verdade que entre seus eleitores, ambos viraram bastiões do comunismo internacional, mas isso só demonstra, mais uma vez, o baixíssimo nível intelectual daqueles. Além disso, ele não tem um programa claro para a economia e se recusa a debater como pretende implementar, depois de eleito, medidas para conter a crise.

Violência e Venezuela – Maria do Rosário, a que não merece ser estuprada porque é feia, apresentou Projeto de Lei para aumentar a punição a quem comete crime contra funcionários públicos no exercício de sua função, incluindo policiais. Marielle Franco, a que foi assassinada, prestava assistência, por meio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e do seu mandato como vereadora, a policiais e familiares vítimas da violência.

Já Bolsonaro promete acabar com a violência, o que seria de fato um progresso, mas nunca aprovou um único projeto que beneficiasse as políticas públicas de segurança no seu estado em quase 30 anos como deputado. Informado sobre as seguidas agressões perpetradas por seus apoiadores nos últimos dias, se desresponsabilizou inteiramente por elas. Seu desejo é que o Brasil volte a ser como há 40, 50 anos – ou seja, durante a ditadura militar, justamente o período em que os índices de criminalidade explodiram.

Mas talvez o anônimo comentarista se refira ao “risco Venezuela”: circula furiosamente nas redes a versão de que apenas um governo bolsonariano pode evitar que o Brasil copie o país vizinho, mergulhando-nos no atraso. É verdade que parte da esquerda, incluindo segmentos do PT, ainda insiste em defender o desastre autoritário em que se transformou a Venezuela. Mas não há nada, nos 13 anos de governo petista, que sustente um medo que só sobrevive graças à ignorância e os grupos de WhatsApp.

Não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro, no entanto. Ele pretende nomear “um montão” de ministros militares. Como Hugo Chávez na Venezuela. Seu vice, o general Mourão, defendeu uma Constituição sem constituinte, escrita por “notáveis” e depois submetida a referendo popular, sem debate com a oposição. Como Hugo Chávez na Venezuela. Bolsonaro quer aumentar o número de ministros no STF, para nomear uma maioria de juízes alinhada com seu governo. Como Hugo Chávez na Venezuela.

Em artigo publicado recentemente na revista “Época”, Conrado Hübner Mendes escreveu que ser “contra a venezuelização do Brasil e votar em Bolsonaro é uma contradição performativa (aquele ato que faz o contrário da intenção declarada)”. Para a cientista política Maria Hermínia Tavares, Bolsonaro representa o chavismo com sinal invertido. Steven Levistky, professor em Harvard e autor de “Como as democracias morrem”, equipara Bolsonaro a Chávez, e vê no deputado brasileiro um exemplo do que defende em seu livro.

Quem não vê nele uma ameaça é David Duke. O líder da Ku Klux Klan disse que o deputado “soa como nós”, e somou forças à ampla coligação que o apoia. Só o censura por sua proximidade com Israel, possivelmente porque desconhece que Bolsonaro não é solidário exatamente aos judeus, mas ao governo Netanyahu, de extrema direita, e à política de extermínio dos palestinos. Auschwitz, câmara de gás, Shoah? “Chega de mimimi”, diria Bolsonaro. Um progresso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Bolsonaro e a anatomia de uma derrota

POR CLÓVIS GRUNER
Foi afirmando seu descompromisso inabalável com a democracia, que Jair Bolsonaro se dirigiu ao Brasil na noite de domingo, logo após a confirmação de um segundo turno entre ele e Fernando Haddad. Ao lado de uma tradutora de Libras e de uma reprodução em papelão de Paulo Guedes, afirmou que o primeiro turno foi fraudado e que será preciso, após eleito, acabar com todo o ativismo político no Brasil.

Não há evidência de fraude. Problemas com urnas eletrônicas surgem e são resolvidos em todas as eleições, mas isso nunca impediu Bolsonaro de ser eleito por elas para seus vários e improdutivos mandatos como deputado. No domingo mesmo, o resultado das urnas parece ter surpreendido o próprio candidato, e não apenas porque sua votação – 46,7% do total de votos válidos – ficou bem acima do que indicavam as pesquisas.

Mas também porque o PSL elegeu a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, além de vários parlamentares nas Assembleias Legislativas de diferentes estados. Um bom número é egresso de quarteis e delegacias: no Paraná, por exemplo, são quatro delegados e quatro militares (dois soldados, um subtenente e um coronel). Depois de “regime militar” (ou “movimento”, de acordo com Dias Toffoli), parece que o Brasil fará mais uma contribuição original à ciência política: a “democracia policial”.

Os números mais que confirmam o fracasso da política e dos partidos tradicionais. Mais particularmente para a esquerda, se trata de uma derrota acachapante, que pouco provavelmente será revertida no segundo turno. Os anônimos comentaristas desse blog podem preparar o foguetório: de tanto nos mandarem para a Venezuela, a partir de 2019 a Venezuela virá até nós.

Vitória do antipetismo – Bolsonaro concorre com um programa que reproduz as conversas de grupos do WhatsApp, diagramado por algum adolescente. Suas declarações, do general Mourão e do economista Paulo Guedes, além de desencontradas, infundem temor. Os seguidos desmentidos inspiram tanta confiança quanto Collor afirmando, em 89, que não confiscaria nossa poupança.

Sem estrutura partidária nem direção, e com parcos oito segundos de TV, o PSL concentrou a campanha nas redes sociais, principalmente nos grupos de WhatsApp, onde montou uma rede de compartilhamento de fake news difícil de rastrear, controlar e desmentir, porque demasiado “líquida”. O alvo principal foi, obviamente, o PT, embora tenham sobrado petardos também para outras candidaturas do establishment.

A estratégia foi suficiente para eleger, entre outros, Hélio Fernando Barbosa, ou “Hélio Negão”: em 2016, pelo PSC, ele obteve menos de 500 votos e ficou em 131º lugar na eleição para vereador em Nova Iguaçú, no Rio de Janeiro. No domingo, recebeu 342 mil votos para deputado federal. Como Hélio, inúmeros outros candidatos que “colaram” em Bolsonaro passaram da condição de desconhecidos a campeões de voto. Por outro lado, figuras tradicionais da política brasileira, à direita e à esquerda, não conseguiram se reeleger.

Aquilo que analistas vem chamando, desde o final de semana, de “nova direita” é, basicamente, fruto de uma aliança que tem como eixo central o antipetismo. Não há programa, projetos, ideias; mas sobra um ódio patológico ao PT que justifica qualquer coisa, inclusive colocar sob risco nossa já frágil democracia, entregando o governo nas mãos de um político aventureiro e fascista.

Herança autoritária – Não há paralelo na história recente da América do Sul. Apesar de terem vivido ditaduras, algumas ainda mais cruéis que a nossa, soluções autoritárias não são sequer cogitadas na Argentina, no Chile ou no Uruguai. Nos dois primeiros, presidentes de direita foram eleitos dentro dos limites da normalidade democrática, e não há indícios de que pretendam alterá-la.

Um paralelo possível para entender o funcionamento e a capacidade de mobilização dessa “nova direita” está em outro tempo. Uma tradição historiográfica que inicia em Hannah Arendt e se estende até historiadores como Robert Paxton e Michael Mann, insiste na tese de que a eficácia do fascismo europeu dos anos 30 residiu, entre outras coisas, em sua capacidade de contrapor, à racionalidade política das democracias liberais, o irracionalismo característico das massas.

O culto personalista ao líder, o elogio da força física e da violência política, em um ambiente de instabilidade e crise, sedimentaram um tipo de unidade que não tardou a reconhecer, na democracia e suas instituições, a razão de um declínio que era, principalmente, moral. O passo seguinte foi oferecer, a essa mesma massa, um inimigo a temer, combater e eliminar.

No Brasil, Bolsonaro conta ainda com as políticas de esquecimento que atravessam e estruturam o presente de uma sociedade que não aceita nem mesmo discutir a dívida histórica da escravidão, que nega a existência de uma ditadura e desqualifica a memória de suas vítimas. No domingo, Bolsonaro prometeu “acabar com todo o ativismo político” como condição para “conciliar o país”. Instruído por algum assessor, dessa vez ele não disse que as minorias, ou se curvam à maioria, ou simplesmente desaparecem. Mas poucas vezes um silêncio gritou tão alto.

***

Bolsonaro ainda não foi eleito e a escalada da violência já começou. Ontem à noite, um aluno do curso de História da UFPR foi agredido por um grupo de eleitores aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”, porque usava um boné do MST. Não é o primeiro caso, mas é o primeiro que tem por vítima alguém mais próximo. Têm razão os que dizem que Bolsonaro não assinará nenhuma lei autorizando agredir e matar quem lhe faz oposição. Não será preciso.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Rachou feio


POR JORDI CASTAN
Rachou feio.

Escrevi aqui, semana passada que o Brasil amanheceria hoje rachado. Não seria surpresa o resultado desta eleição, mesmo que polarizada, ser muito parecida com a que elegeu a chapa Dilma-Temer. Das urnas saíram dois brasis. Duas nações cada vez mais diferentes, cada vez mais contrastantes e cada vez mais difíceis de governar. O Brasil perdeu, saiu ainda menor. E o resultado do segundo turno será ainda mais dramático.

Podemos prever discursos inflamados entre “nós” e “eles”. Discursos que agora terão ainda mais eco e ganharão força e terão repercussão. Aliás, já começaram. Ontem à noite, mesmo antes do fechamento total do escrutínio dos votos, já circulavam nas redes sociais frases, imagens e consignas contra a “Venezuela do Sul” ou a “Cuba do Sul”, aquele país, que no imaginário do eleitor de Bolsonaro representa tudo o que de atrasado no Brasil.

Deve ganhar força o discurso separatista do Brasil economicamente desenvolvido e progressista, que reuniria, no imaginário de muitos todos aqueles estados em que o candidato da direita nacionalista venceu. O outro Brasil seria o constituído por todos aqueles estados que votam PT, mesmo sabendo que o partido roubou numa escala nunca antes vista. Mesmo conscientes que uma boa parte do seu atraso e subdesenvolvimento são resultado da corrupção com que compactuam e aprovam, pretendem eleger e reeleger uma e outra vez dinastias de políticos que os exploram e os enganam, mantendo-os num estado de miséria que os faz dependentes dos mesmos políticos em que votam.

O quadro é desastroso. Mas para não nós deixar levar só pelo pessimismo, é bom destacar que alguns dos piores nomes da política nacional não foram reeleitos. E, portanto, perderam o foro privilegiado. Vou deixar para cada um dos leitores escolher os nomes dos que ficaram no caminho. O importante é que houve uma renovação significativa no Senado. Houve nomes destacados que se candidataram para a Câmara dos Deputados, para assim garantir a sua eleição, em alguns casos a estratagema funcionou bem.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Anatomia de um desastre

POR CLÓVIS GRUNER
Na última sexta (28), José António Baço, meu colega de blog, publicou texto onde, sob o título “10 razões para o fracasso de Bolsonaro”, defende que a candidatura do deputado fascista está, como o título sugere, “condenada ao fracasso”. E vaticina: “Perdendo ou ganhando, o fato é que o candidato nada tem a oferecer ao país. Não tem uma proposta. Não tem um programa. Não tem uma orientação”.

Tudo isso é verdade. Mas se concordo com Baço no varejo, discordo dele no atacado: independente do resultado das urnas, Bolsonaro é o grande vitorioso dessas eleições, e por diferentes razões. Uma mais imediata: mesmo que não se eleja presidente, sua candidatura mobiliza votos suficientes para garantir bancadas parlamentares numerosas e fortes o bastante para barganharem, com os governos, cargos e retrocessos.

Além disso, levaremos anos para reconquistar o mínimo de civilidade, se é que conseguiremos, no debate público, depois que naturalizamos excrescências até há pouco tratadas como exceção. O estrago que uma campanha movida à  fake news, disseminação do ódio contra minorias, intolerância à democracia, às liberdades individuais e aos direitos humanos os mais elementares causa, não pode nem mesmo ser mensurado no curto prazo.

Bolsonaro é, de fato, um fenômeno: na história política recente, apenas Eduardo Cunha rivaliza com ele quando se trata de comparar políticos que, oriundos do chamado “baixo clero”, ascenderam tão rapidamente a posições de prestígio. Mas, diferente do antigo aliado, Bolsonaro disciplinou a sede com que foi ao pote e sobreviveu ao tsunami que, em graus variados, atingiu parte do “alto clero” nos últimos dois ou três anos.

Foi isso, e não sua suposta honestidade (e quem o diz não sou só eu, mas o próprio, em entrevista ao Jornal Nacional), que o manteve longe das manchetes policiais. Por outro lado, ele foi hábil o suficiente para se descolar rapidamente tanto de seu passado próximo ao PT – ele pertenceu à base de sustentação dos governos Lula e Dilma –, quanto de sua aliança e de seu partido, o PSL, com o governo Temer.

Há muitas, inúmeras razões, para temer Bolsonaro. Democratas à esquerda e à direita, têm alertado para os constantes ataques do candidato às minorias, seu desprezo às liberdades individuais e aos direitos humanos, e do quanto isso, entre outras coisas, compromete a imagem do país entre as nações desenvolvidas. Mas boa parte de seu eleitorado parece disposto a votar nele, não apesar, mas justamente por isso.

Como na Venezuela – Talvez porque se sintam desconfortáveis em viver em um país onde, como em sociedades de democracia mais estável, mulheres, negros e LGBTs têm seus direitos os mais básicos garantidos – por exemplo, o de perceberem salários iguais ou de não serem agredidos e assassinados em função de sua etnia e orientação sexual. É possível que vejam em Bolsonaro a possibilidade de voltarmos a algum estágio anterior, mais próximo da sociedade do século XIX, época em que, acreditam, a família tradicional brasileira não era ameaçada pelas minorias.

Mas Bolsonaro não representa apenas um atraso civilizacional, nos costumes e liberdades. Um passeio por suas declarações e de alguns de seus principais assessores, como o candidato à vice, o general Mourão, e o pretenso futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, além de uma leitura atenta de seu programa de governo, sinalizam mais claramente que o retrocesso será muito mais amplo. E nem seus eleitores mais devotos escapam dele.

O general Mourão, por exemplo, já falou em “autogolpe” e em “Constituição sem constituinte”, redigida, de acordo com ele, por um grupo de “notáveis” e submetida depois ao crivo de um referendo popular, sem a interferência da oposição. Uma proposta semelhante ao processo que culminou, na Venezuela chavista, com a promulgação da Constituição bolivariana que vigora por lá atualmente.

Em entrevista recente, o próprio Bolsonaro afirmou não reconhecer outro resultado que não a sua vitória, e já defendeu também a ampliação de 11 para 21 o número de ministros no STF, para que possa nomear a maioria dos juízes durante seu mandato. Não sei se os comentaristas anônimos sabem, mas foi o que fizeram os generais brasileiros e também Hugo Chávez, na Venezuela, e por uma razão: controlar o judiciário é um dos princípios elementares de qualquer ditadura, à direita e à esquerda.

Mas talvez você seja daqueles que acredita na existência de ditaduras do bem, as de direita. E não se importa com porões clandestinos funcionando, quem sabe para eliminar de vez os tais 30 mil que a ditadura brasileira deixou de matar, desde que o Estado seja eficiente e o mercado, livre. Bom, nesse caso, sugiro revisitar urgentemente o histórico de votações de Bolsonaro em seus pouco produtivos 30 anos como deputado federal.

Ele pode ter mudado, é verdade. Mas temo que não para melhor. Mourão já vociferou contra o 13º, essa “jabuticaba” paga aos trabalhadores brasileiros – ele não parece incomodado com os cerca de 5 bilhões gastos anualmente em pensões a filhas solteiras de militares. Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista e defende a criação da carteira de trabalho verde-amarela, que não garante os direitos da tradicional carteira azul, e que costuma vender como solução ao desemprego.

Uma singular noção de eficiência – Sabemos no bolso de quem tais medidas impactarão mais drasticamente: nos mesmos que pagarão mais com a alíquota única do Imposto de Renda. A proposta de Paulo Guedes e Bolsonaro, de um percentual único de 20%, favorece quem tem renda maior e pagará menos imposto, e obriga os de baixa renda a desembolsar mais. Traduzindo: ganham os mais ricos, perdem os mais pobres. E há o retorno da CPMF; Guedes o defende, Bolsonaro diz que não. Mas como se trata de um mentiroso contumaz, não há porque acreditar nele.

Tem mais? Tem. Bolsonaro é contra o Bolsa Família; acha que a “molecada” tem “tara pelo ensino superior”, e por isso quer limitar o acesso dos menos favorecidos às universidades públicas extinguindo as cotas; defende o ensino à distância desde a alfabetização; e aposta na disciplina espartana do ensino militarizado, alheio ao fato de que qualidade em educação depende principalmente de investimentos que, entre outras coisas, valorizem os professores, suas carreiras e seus salários.

A única novidade do programa de Bolsonaro naquilo que ele afirma ser especialista, a segurança, é garantir que o cidadão comum, sem nenhum tipo de preparo ou treinamento, seja responsável direto pela sua proteção e do seu lar. Afinal, para que política pública se o “cidadão de bem” está disposto a morrer defendendo ele mesmo as fronteiras do lar e, de quebra, armar o bandido, só pelo prazer de portar e exibir um segundo falo?

Antes de levar um “cala a boca” e ser obrigado a cancelar suas aparições públicas, Paulo Guedes, cuja carreira era obscura até encontrar um beócio para chamar de seu, defendeu zerar o déficit público em um ano vendendo todas as estatais e todos os terrenos do governo federal – a proposta está no programa de governo de Bolsonaro. A expectativa, afirma, é conseguir arrecadar até 1 trilhão de reais aos cofres públicos.

Não sei dizer se por “todos os terrenos” devemos entender também os que incluem prédios públicos, e se Bolsonaro pretende transferir a estrutura governamental para imóveis alugados. Mas economistas sérios já alertaram para o fato de que a participação do governo nas estatais passa longe do trilhão – gira em torno de 140 bilhões. Além disso, não é possível privatizar todas as estatais em apenas um ano – vender empresas públicas não é como ir à feira no final de semana.

Anti-petistas, o grosso do eleitorado de Bolsonaro, costumam acusar quem votou em Dilma Rousseff na última eleição, de sabermos o que estávamos a fazer e que, por isso, não há motivos para reclamação. Na devida proporção, eles têm alguma razão. Mas devolvo a provocação: o desastre social, político e econômico de um governo Bolsonaro está devidamente anunciado. E demasiadamente explicado para desautorizar dizer depois: “eu não sabia”.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Não há o “melhor dos mundos”

POR CLÓVIS GRUNER
Uma prisão em Curitiba talvez tenha, nas eleições presidenciais, repercussão equivalente ao de uma facada em Juiz de Fora. Me refiro, obviamente, à prisão do ex-governador Beto Richa ontem pela manhã (11), em ação conjunta dos Ministérios Públicos estadual e federal, e ao atentado contra o candidato a presidente e fascista de estimação dos comentaristas anônimos do blog, Jair Bolsonaro, na quinta última (06).

A quantidade e a variedade de investigações envolvendo Beto Richa são tantas, que até pra quem vive aqui foi difícil entender. Ele foi preso, provisoriamente, pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), suspeito de fraude em licitações de obras públicas do Programa Patrulha do Campo. A Lava Jato pegou carona – a coincidência não foi por acaso – e deflagrou a “Operação Piloto”; Richa aparece nela como suspeito de receber propinas da Odebrecht.

É bastante provável que a prisão de Richa repercuta eleitoralmente também fora do Paraná, onde ele é um dos favoritos a uma das vagas para o Senado. Considerado há até pouco tempo, junto com Aécio Neves, uma das principais vitrines do PSDB e promessa de renovação do tucanato, sua prisão pode sepultar de vez as chances de Alckmin, cuja candidatura já se encontrava relativamente estagnada, disputar o segundo turno.

De certo até agora, é que Jair Bolsonaro vai mesmo para o segundo turno, ao menos de acordo com as pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas, respectivamente, na segunda (10) e ontem. O levantamento do Ibope, embora divulgado depois, foi realizado antes – nos dias 8, 9 e 10 de setembro –, e seus resultados podem estar influenciados mais diretamente pelos ânimos eleitorais imediatamente após o atentado.

A pesquisa Datafolha, realizada no dia 10, parece representar melhor o ambiente em que a facada contra Bolsonaro, e a comoção que ela provocou, tende à acomodação. De todo modo, em ambas, Bolsonaro mantém uma dupla liderança: a de intenções de voto (26% no Ibope e 24% na Datafolha) e a de rejeição (41% e 43%, respectivamente). E embora os resultados não sejam tão dispares, uma nova pesquisa oferecerá um retrato mais preciso do quanto os últimos eventos podem influenciar nas eleições. 

Diferentes fatores podem ter colaborado para, apesar de vítima, Bolsonaro não ter ampliado ainda mais sua vantagem. Uma facada, afinal, não muda o caráter e o programa de um candidato. Mesmo hospitalizado, Bolsonaro ainda é o presidenciável que quer trabalhadores escolhendo entre ter empregos ou direitos, ou seus eleitores expostos à violência ao defender que não cabe ao poder público, mas ao cidadão, a responsabilidade pela sua segurança, por exemplo.

Auto golpe e voto útil – Os usos políticos da facada também não colaboraram. O senador Magno Malta compartilhou uma montagem grotesca onde o autor do atentado aparece em um comício de Lula; Silas Malafaia afirmou que ele era assessor da campanha de Dilma Rousseff; Janaína Paschoal o associou ao “Lula Livre” e acusou a imprensa de esconder o fato. Foram coerentes, porque não se esperava nada diferente. Mas é possível que tenham perdido a chance de ampliar a penetração do candidato junto aos eleitores ainda indecisos.

Persiste a dúvida sobre quem será o nome a disputar com ele o segundo turno, e também nisso as pesquisas reforçam alguns medos e sugerem possíveis tendências. Cresce o temor de que Haddad, ungido ontem candidato por Lula, seja prejudicado pela alta rejeição dos eleitores ao PT. Em ambas as pesquisas, Bolsonaro perde em todos os cenários, menos com o petista, de quem ganha na pesquisa Ibope, e empata tecnicamente na do Datafolha.

Como reação, já se discute abertamente, em grupos de eleitores à esquerda, a possibilidade do voto útil em Ciro ainda no primeiro turno. Uma disputa entre ele e Bolsonaro evitaria, entre outras coisas, que se repetisse, ainda mais violenta, a polarização de 2014, cujos resultados conhecemos: a vitória apertada de Dilma, um governo fragilizado ante uma oposição fortalecida e com medo da cadeia, e a turbulência dos meses seguintes até o “grande acordo” e o impeachment.

A estratégia, obviamente, depende em parte do PT, que durante anos defendeu o “voto útil” para evitar o “mal maior”, como em 2014, inclusive. Quer dizer, para dar certo, o PT precisaria provar que a tal Frente Antifascista, anunciada ano passado, foi mais que uma bravata eleitoreira e aceitar avaliar a sério quais as chances e os riscos de Haddad, e pesar na balança se as chances compensam os riscos. Pessoalmente, acho improvável que isso aconteça.

Nos últimos dias, por exemplo, os mesmos militantes que não viram problema em ter Kátia Abreu como ministra e aliada de Dilma, lembraram repentinamente que a candidata a vice de Ciro é representante do agronegócio, e passaram a usá-la como pretexto para anunciar um futuro sombrio em caso de vitória da chapa. O argumento central é que um segundo turno entre Bolsonaro e Ciro “não é o melhor dos mundos”. Concordo.

Mas em uma eleição onde a chapa que lidera em todas as pesquisas fala em “auto golpe” e em “declaração de guerra” contra adversários políticos, e cujo candidato dissemina e alimenta um ódio contínuo contra a democracia, os direitos e liberdades individuais, soa temerário esperar “pelo melhor dos mundos”. Se Ciro não convence inteiramente, a imagem de Haddad abraçado com o “golpista” Renan Calheiros e seu filho, tampouco inspira confiança. Nenhum deles é o “melhor dos mundos”. Mas, convenhamos, não podemos nos dar a esse luxo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Bolsonaro, a facada e as eleições

POR CLÓVIS GRUNER
Em março desse ano, quando a vereadora Marielle Franco, do PSOL carioca, e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados, ela com três tiros na cabeça, o deputado Jair Bolsonaro, à época já presidenciável, silenciou. Um de seus assessores justificou o silêncio alegando que “a opinião de Bolsonaro seria polêmica demais”. Dois outros membros da família, no entanto, se manifestaram.

O deputado estadual pelo Rio, Flávio Bolsonaro, chegou a prestar condolências à família em um tuite para, logo depois, apagá-lo. Já Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, tuitou: “Se você morrer seus assassinos serão tratados por suspeitos, salvo se você for do PSOL, aí você coloca a culpa em quem você quiser, inclusive na PM. Eis o verdadeiro preconceito, a hipocrisia”. E compartilhou outro, de um ferrenho seguidor do clã: “O assassino da vereadora Marielle Franco, se for um PM guilhotina, se for um traficante é vítima da sociedade. Assim é a esquerda”.

Quase seis meses depois, o assassinato de Marielle Franco continua impune, apesar dos alegados esforços da polícia para elucidá-lo. E mesmo sendo um candidato supostamente preocupado com a segurança pública, Bolsonaro segue silente sobre o crime. Mas se não sabemos até hoje sua opinião polêmica sobre os três tiros que executaram Marielle e Anderson, sabemos o que o candidato pensa a respeito de outras violências.

Sabemos que ele sugeriu terem sido os petistas que atiraram contra a caravana de Lula no interior do Paraná. Sabemos, também, que ele prometeu – em uma de suas típicas “brincadeiras” – fuzilar os mesmos petistas em um comício, semana passada. Sabemos ainda o que ele pensa de mulheres, negros, quilombolas e LGBTs e, finalmente, de seus muitos elogios e homenagens a um torturador, estuprador e assassino, o coronel e chefe do DOI-CODI, Brilhante Ustra. A lista é grande, mas paro por aqui.

Minha reação imediata quando soube do atentado, no final da tarde de ontem, foi de ceticismo. Na minha página do Facebook, escrevi: “Se não for um novo Riocentro, algum imbecil escolheu uma péssima hora pra brincar de Justiceiro”. A desconfiança era mais que legítima: aí estão, além do Riocentro, o incêndio ao Reichstag como evidências históricas de que fascistas, sempre que lhes convém, mandam os escrúpulos às favas.

Violência e oportunismo – As informações nas horas seguintes desfizeram as suspeitas e confirmaram que Jair Bolsonaro foi vítima de um atentado à faca, e que deve ficar de fora da campanha eleitoral – o que inclui os debates, no que a agressão foi providencial – até o fim do primeiro turno. À direita e à esquerda, analistas parecem não ter dúvidas de que, se as chances de um segundo turno com Bolsonaro eram significativas, desde ontem a questão é saber de quem será a outra vaga.

A tendência é que os usos políticos que ele e seus seguidores farão do acontecimento, sigam na direção de apresentá-lo como vítima porque ameaçava “tudo que está aí”, num esforço narrativo que pretende consolidar sua imagem como aquilo que obviamente não é: um candidato antissistema. A estratégia é aproveitar a violência contra Bolsonaro para diminuir a enorme rejeição contra ele e, ao mesmo tempo, inflar ainda mais o ódio contra seus adversários e a esquerda.

Pode dar certo, o que coloca os demais candidatos, especialmente os de centro-esquerda, em uma posição delicada: se persistem nas criticas, podem ser vistos como insensíveis; se recuam, deixam o campo aberto à militância pró-Bolsonaro monopolizar as narrativas de vitimização do candidato e culpabilização dos grupos adversários, jogados na vala comum da “esquerda” e representados como responsáveis pelo atentado, porque a eles supostamente interessa que ele esteja fora da disputa.

Nessas horas, dizer que Bolsonaro colheu o que plantou, a violência, não faz diferença, embora seja verdade. Desde ontem, da alta cúpula do partido à militância anônima das redes e nas ruas, a narrativa é a mesma, e sua ausência física na campanha não diminuirá o efeito eleitoral do atentado, que torna ainda mais agudo um ambiente político já extremamente polarizado.

E se alguém tinha alguma ilusão sobre a possibilidade de Bolsonaro refletir sobre as consequências de seus discursos de ódio e de sua defesa da violência como método, as declarações do presidente do PSL, Gustavo Bebianno, à Folha – “agora é GUERRA!!” –, e do candidato à vice, o general Mourão – “os profissionais da violência somos nós” –,   trataram de desfazê-la. Estamos lidando com o pior da política, com um fascista, um apologista da tortura que rende homenagens a um assassino fardado. Um atentado não muda o que Bolsonaro é nem o perigo que sua candidatura representa.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Precisamos falar sobre o Bolsonaro

POR CLÓVIS GRUNER
Não sou daqueles que acham que não se pode falar de Bolsonaro. Aliás, acho que precisamos falar mais dele, e basta uma razão: ele é líder nas pesquisas, aquelas que valem alguma coisa, já que Lula, na prática, não é candidato nem será. Isso pode mudar? Espero que sim, porque Bolsonaro é a maior ameaça à democracia brasileira desde que a restabelecemos. E isso depende, em grande medida, de falarmos dele todos os que, das esquerdas aos liberais de direita, acreditamos que dar as costas à democracia não é alternativa para superarmos nosso momento de crise.

A questão é com quem e como falamos. No universo de seus eleitores, há aqueles sinceramente atraídos pela truculência, o autoritarismo, o racismo, o machismo e a homofobia. Trata-se daquela parcela do eleitorado que vota em Bolsonaro não apesar dos elogios que fez e faz a um torturador, estuprador e assassino como Ustra, ou pelo seu profundo desprezo pelas liberdades individuais e os direitos humanos, mas justamente por causa disso.

Não é difícil identificá-los: são aqueles comentaristas de portais e blogs que conseguem falar de Venezuela e Lula em um texto sobre Portugal, ou que defendem, sem corar, que elevadores de serviço existem para transportar animais de estimação. Com esses, não há diálogo possível. Mas há uma parcela disposta a acreditar nas suas falsas soluções, que votam nele por alguma motivação pragmática. E há os indecisos, mais de 50%, segundo as últimas pesquisas. É com eles que precisamos falar sobre Bolsonaro.

Com parcos oito segundos no programa eleitoral, é quase certo que uma das suas estratégias será continuar a apostar nas redes sociais. Como a linguagem do Facebook e dos grupos de Whatsapp facilita a disseminação de fake news, da desinformação e de lugares comuns, onde o candidato transita com tranquilidade, e dificulta aprofundar o debate, parece pouco proveitoso tentar trazer eleitores e indecisos para nossas trincheiras na guerra cultural. É tentador, mas é uma batalha que estamos fadados a perder em um ambiente polarizado como é o eleitoral.

Não se trata de deixar de lado temas ligados aos direitos humanos, caros a qualquer democracia que ambicione ser tratada como tal. Mas se a intenção é enfraquecer a candidatura de Bolsonaro, alguns desses temas passam muitas vezes ao largo das preocupações de quem convive diariamente com o fantasma do desemprego e a insegurança, por exemplo, e quer ouvir de seu candidato o que ele tem a oferecer como alternativa para seus problemas cotidianos. É um caminho mostrar que Bolsonaro não tem absolutamente nada a dizer ou propor sobre esses assuntos, e seu desempenho no Roda Viva fornece bons elementos para isso.

Um pouco do possível - Em quase 30 anos como deputado, Bolsonaro não apresentou um único projeto para a segurança pública, área em que afirma ser especialista. Perguntado sobre o aumento nos índices de mortalidade infantil por diarreia, doença diretamente relacionada à pobreza e a condições sanitárias precárias, entre outros absurdos responsabilizou diretamente a mãe, “que não dá bola para sua saúde bucal ou não faz os exames do seu sistema urinário com frequência”. Há outros exemplos, no mesmo Roda Viva.

Bolsonaro defendeu a redução da porcentagem das cotas, uma proposta baseada unicamente no seu racismo. Ele ignora, entre outras coisas e desconsiderando a sua matemática tortuosa, que as elas são antes de tudo sociais, ou seja, 50% das vagas nas instituições públicas são para candidatos egressos exclusivamente do ensino público, e é dentro dessa porcentagem que são alocadas as chamadas “cotas raciais”. Em outras palavras, ele mente.

E mente também sobre negros “tirarem as vagas” de candidatos brancos: desde que a política de cotas foi instituída, o número de ingressantes nas universidades federais passou de 100 para 230 mil. Ou seja, a política de cotas acompanhou um crescimento no acesso, democratizando, e não cerceando o ingresso no ensino superior. Além disso, estudos mostram que o desempenho de discentes cotistas, brancos e negros, uma vez na universidade acompanha o de não cotistas, confirmando que, no caso brasileiro, as políticas afirmativas têm produzido resultados positivos.

Ainda sobre educação, defendeu maiores investimentos no ensino fundamental, quando nossos maiores problemas estão no ensino infantil (o número de creches é insuficiente para atender as famílias de trabalhadoras e trabalhadores que dependem delas) e no ensino médio – no caso desse último, um problema agravado com uma reforma irresponsável e inviável aprovada pelo governo Temer. As propostas para diminuir o desemprego ou alavancar a economia talvez agradem os donos do agronegócio, os industriais e os banqueiros, mas nada dizem para quem depende de salário e carteira assinada.

Mais? Bolsonaro diz que é honesto e vai combater a corrupção, mas de partido em partido, esteve na base aliada de todos os governos desde FHC, incluindo Lula e Dilma, e só não firmou aliança com o Centrão, composto pela fina nata do fisiologismo brasileiro, porque o PSDB de Alckmin tem mais valor no mercado de troca que o PSL de Bolsonaro. Ele não é um outsider, como tenta fazer crer. Aliás: se ele não aprova seus projetos porque os colegas parlamentares o boicotam e não votam propostas que sabem ser suas, como pretende negociar com o Congresso se eleito presidente?

Meu ponto é simples: Bolsonaro deixou de ser apenas uma caricatura à medida que sua candidatura tornou-se eleitoralmente viável. Por isso, desconstruí-la se tornou uma tarefa democrática fundamental. Mas para isso, é preciso mostrar suas fragilidades programáticas (passe o exagero), porque tem se revelado cada vez menos produtivo apostar em um discurso “humanista” contra um candidato que se notabilizou, justamente, por desdenhar de qualquer “humanismo”. A saída, se há, é mostrar que, além do ódio, ele não tem nada a oferecer ao país.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Cultura do estupro e banalização da violência


POR CLÓVIS GRUNER
O cenário é o estúdio de gravação do “Roda Viva”, que segunda (25), na série de encontros com os presidenciáveis, supostamente entrevistou a deputada e candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila. E digo supostamente, porque o que se viu passou longe de uma entrevista: a bancada “livremente escolhida” pela produção do programa não pretendia outra coisa além de desqualificar sua candidatura, e levou a tarefa a sério.

Parte da postura agressiva dos entrevistadores, que pareciam ter saído direto da Guerra Fria, se explica pelas posições ideológicas da presidenciável. E digo parcialmente porque, por exemplo, mesmo tensa, na entrevista com Guilherme Boulos o candidato do PSOL teve espaço para responder aos arguidores. Mulher e feminista, a Manuela D’Ávila não foi concedido o mesmo direito. Mas não pretendo analisar o programa ou defender o PCdoB, partido pelo qual não nutro nenhuma simpatia.

Cito o “Roda Viva” por um motivo: o embate entre Manuela D’Ávila e um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro e diretor da Sociedade Rural Brasileira, Frederico D’Ávila, em torno ao tema do estupro. Em um movimento mental tortuoso tão comum, por exemplo, entre os comentaristas anônimos desse blog, Frederico começou com a trajetória do avô, sobrevivente do nazismo, e terminou com a defesa da castração química como solução para o estupro. Em uma das muitas vezes que a interrompeu, afirmou que não existe “cultura do estupro” - para, em seguida, voltar ao avô.

Um dos argumentos (passe o exagero) do entrevistador é de que a castração química, ao punir exemplarmente os estupradores, resolveria o problema, argumento (passe, de novo, o exagero) brandido por Bolsonaro e um punhado de homens – e também algumas mulheres. A medida é defendida por quem entende o estupro como sexo, ainda que com violência, bastando para isso restringir, punir ou simplesmente eliminar o “desejo sexual”.

Não é sexo, é poder – Mas estupro não é sobre sexo; é sobre poder, e eles e elas ignoram, propositadamente ou não, que castrar quimicamente o estuprador pode até atacar um dos sintomas mas, fundamentalmente, deixa intocado o problema. Quando feministas enfatizam a importância, por exemplo, de se discutir relações de gênero nas escolas e outros espaços públicos, elas estão afirmando, entre outras coisas, que reduzir o estupro a um ato sexual, silencia sobre e reproduz o exercício de um poder que se sustenta na violência.

A castração química e sua lógica punitivista, nesse sentido, é parte intrínseca da cultura do estupro, razão pela qual Jair Bolsonaro e Frederico D’Ávila defendem a primeira e negam a existência da segunda. Mas o próprio Bolsonaro afirmou à deputada petista Maria do Rosário, que não a estuprava porque ela não merecia, para explicar depois que ela não merecia ser estuprada porque é feia. Alexandre Frota, um de seus cabos eleitorais no meio artístico (sim, estou dado a exageros hoje), contou em rede nacional como estuprou uma mulher, desqualificada ao longo da sua narrativa por ser “mãe de santo”.

Um pouco antes disso, o humorista Rafinha Bastos cunhou a piada segundo a qual mulheres feias devem não acusar, mas agradecer seu estuprador. Na mesma época, uma campanha da Nova Schin levou ao ar uma peça onde um homem invisível ameaça e constrange mulheres, invadindo seu vestiário. Questionado, o Conar respondeu com indiferença, alegando que a propaganda era “baseada em uma situação absurda”: o homem que constrange mulheres e invade seu vestiário, provocando horror e medo, é invisível.

Para alguns, se a mulher for feia ou homem, anônimo, o estupro é válido e, em alguns casos, pode ser até divertido. É nisso, parece, que acredita outro humorista, Danilo Gentili; segundo ele, um homem que espera uma mulher ficar bêbada para transar com ela é um “gênio”. Afinal de contas, se algo der errado e ele for denunciado, basta dizer que ela estava vestida de forma inadequada ou sozinha à noite em uma festa e bebeu demais: uma das características da cultura do estupro é responsabilizar a vítima pela violência de que é objeto.

A banalidade do mal – Nada disso é novidade: o estupro, ao contrário do que se afirma correntemente, não é uma aberração anti-civilizatória, fruto exclusivamente de algum comportamento monstruoso. Ele é, antes, uma prática que ao longo da histórica serviu para afirmar e consolidar diferentes experiências de dominação e, como exercício de poder e violência de homens sobre mulheres, é preexistente ao seu enquadramento jurídico moderno. Os exemplos abundam, e em nenhum deles estamos a falar de sexo.

Os conquistadores europeus estupraram mulheres indígenas na conquista do chamado “Novo Mundo”, nos séculos XVI e XVII, e africanas nos séculos XIX e XX. Nos genocídios étnicos, mulheres são estupradas antes de serem assassinadas; militares violentam mulheres quando vencem o inimigo, como foi o caso das alemãs pelos soldados russos; francesas acusadas de colaborar com a ocupação foram estupradas pelos seus concidadãos durante a chamada épuration legale; não muçulmanas são estupradas por fundamentalistas religiosos, etc...

No Brasil, portugueses estupraram índias durante o processo de ocupação da colônia; senhores brancos estupravam escravas nas senzalas; filhos das camadas médias e altas violentavam empregadas domésticas como iniciação à vida sexual. No Código Penal de 1940, o estupro era considerado um crime contra os costumes, a sociedade e seus valores, e não contra a mulher. Mesmo hoje, há decisões judiciais que, amparadas no artigo 59 do Código Penal, levam em conta a vida pregressa da vítima (seu comportamento sexual, por exemplo), para amenizar a responsabilidade do agressor.

É isso que mulheres denunciam como cultura do estupro e é contra isso que lutam. Sua banalização, e a negação é parte dela, corrobora para a naturalização da violência. Discutir e educar principalmente os homens para a igualdade nas relações de gênero pode não ser a única resposta, mas é um caminho necessário e urgente. O punitivismo sexista defendido por Bolsonaro e seu coordenador de campanha, por outro lado, não é a solução para o estupro. Antes pelo contrário, é parte do problema.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O deputado, a Rocinha e as políticas do esquecimento


Afinal, Jair Bolsonaro realmente sugeriu metralhar a Rocinha como solução para o tráfico e a violência na comunidade carioca? A nota, publicada pelo jornalista Lauro Jardim em sua coluna de domingo (11), no jornal “O Globo”, repercutiu enormemente em sites, especialmente os de esquerda, e nas redes sociais, além de provocar a ira do próprio deputado e presidenciável e de seus seguidores, os chamados “bolsominions”.

Apesar da repercussão, é bastante provável que a frase não tenha sido dita, ao menos não como informou Lauro Jardim. Claro que Bolsonaro tratou de desmentir a nota, mas o desmentido de um fascista tem validade zero como prova. Por outro lado, a favor dele, há a ausência de qualquer registro documental, o que em tempos de internet e vídeos comprometedores sacados de celulares, é no mínimo estranho, especialmente em um evento com algumas centenas de testemunhas.

Além disso, nenhum outro veículo ou profissional deu a tal notícia, e o também jornalista Augusto Nunes, convidado a conduzir um bate-papo com Bolsonaro, disse textualmente que se tratou de um equívoco. De acordo com Nunes, seu colega foi “induzido ao erro”, possivelmente informado, e mal, por algum dos presentes. A própria coluna de Lauro Jardim, em sua versão on line, publicou uma espécie de “erramos”, aparentemente acatando a explicação do deputado.

Em seu artigo de terça (13), meu colega de blog José António Baço abordou o assunto sob o prisma de sua repercussão na mídia. Em síntese, defendeu que as recentes notícias envolvendo Bolsonaro, desde o aumento suspeito de seu patrimônio pessoal e de seus filhos (essas, absolutamente verdadeiras), até a nota n’“O Globo”, são parte de uma estratégia para se livrar do incômodo candidato. Gostaria de abordar o mesmo acontecimento sob outra perspectiva.

Tortura, estupro e ódio como paradigmas – A mim não importa que Bolsonaro não tenha dito tamanho impropério, porque há registros suficientes da sua capacidade e disposição em produzir e disseminar o ódio e a barbárie. Há, por exemplo, sua apologia ao estupro, e suas muitas homenagens à memória do Coronel Brilhante Ustra, conhecido por torturar e estuprar militantes mulheres – sim, parece que Bolsonaro tem uma fixação pelo assunto.

Há ainda uma coleção de declarações homofóbicas, racistas e misóginas (além da apologia ao estupro), e sua completa miopia no que se refere a temas como a violência, ao defender o recrudescimento de políticas públicas que há décadas são, justamente, parte instituinte do problema, não sua solução. Uma visão estreita de mundo, obviamente, não poderia resultar em outra coisa além de um candidato cujas “propostas” (passe o exagero) só são comparáveis às nações governadas pelo peso do autoritarismo militar – como a Venezuela ou a Coreia do Norte –, ou do fundamentalismo religioso, como em alguns países do Oriente Médio.

Mas se votar em Bolsonaro é desistir de um país moderno, seja econômica ou politicamente, o que explica que de uma excrescência fascista ele tenha passado a segundo lugar na intenção de votos para presidente? A explicação de que se trata de um outsider, embora coerente, me parece insuficiente. E embora seja verdade que, apesar de ter pertencido à base aliada de todos os governos do PT, seu crescimento se deva em parte à sua capacidade de surfar na onde do anti-petismo mais hidrófobo, tampouco considero tal argumento satisfatório.

Como uma força centrípeta, ele canaliza, dá forma e sentido a um conjunto de afetos dispersos e difusos, tais como o ressentimento, a indiferença, o medo e o ódio, produzidos em um ambiente político pouco afeito a coisas como democracia, liberdades individuais ou direitos humanos. Há uma parcela expressiva de pessoas que o apoiam justamente por seus elogios à ditadura e sua defesa da tortura, por exemplo, e não apesar disso. Nesse sentido, entender o seu significado é compreender o processo de construção de nossa memória recente.

O esquecimento e a banalização da violência – No último livro publicado em vida, “A memória, a história, o esquecimento”, o filósofo francês Paul Ricoeur contrapõe ao que considera as dimensões positivas do olvido, os efeitos potencialmente danosos do esquecimento como gesto forçado de apagamento da lembrança, que denominou de “memória impedida”. É esse impedimento que fundamenta aquelas políticas que, como a nossa, confundem anistia com amnésia e tomam essa como critério para associar aquela ao perdão.

O equívoco não é apenas semântico – anistia não significa necessariamente perdão nem, tampouco, esquecimento –, mas principalmente político. Desde a transição para a Nova República, há uma interdição, um silenciamento a impedir que tratemos a Lei de Anistia e as políticas de esquecimento daí derivadas pelo que elas são: um obstáculo à efetivação de uma cultura democrática sensível, entre outras coisas, aos muitos riscos a que está exposta, e aos restos de uma ditadura que, mesmo institucionalmente, continuam a ameaça-la.

Há diferentes maneiras de interpretar o alcance dessa limitação. Entre outras coisas, o esquecimento produz a naturalização e a banalização da violência institucional – aquela praticada pelo Estado e os governos –,  que admitida como um dos componentes de nossa vida social, não é por isso considerada desumana nem, tampouco, uma anomalia, uma aberração, um desvio: no Brasil, parafraseando Giorgio Agamben, a violência institucional há tempos deixou de ser exceção para se tornar a regra.

A truculência de Bolsonaro é um sintoma desse estado de coisas. Ele mobiliza e organiza um circuito de afetos que tem como centro o esquecimento das violências passadas a informar a indiferença cotidiana para com as violências presentes, usando a democracia não para aprofundá-la, mas para conspirar contra ela e fragilizá-la. Racista, misógino, homofóbico, clara e abertamente fascista, Bolsonaro não é apenas a expressão de nossos impasses políticos, mas um perigo que ameaça nossa ainda débil democracia. Se nunca fomos modernos, com ele estamos condenados a nunca ser.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A beatificação de uns e a condenação de outros

POR JORDI CASTAN
Neste país tomado por radicalismos doentios, qualquer oportunidade é boa para beatificar uns e condenar outros. A bola da vez é o episódio lamentável que tem tem posto frente a frente dois deputados federais: Maria do Rosario e Jair Bolsonaro.

Se ainda se escrevesse com tinta e papel, diríamos que correram rios de tinta para beatificar a uma e condenar ao outro. Ou para defender um e condenar a outra. Mas hoje quase deixamos de usar caneta e papel e não há mais rios de tinta.

Na história em questão, como em todas as historias, há três versões. A da deputada e seus vociferantes acólitos. A do deputado e seus radicais defensores,. E, finalmente, a verdade. Está cada vez mais difícil saber qual é a verdade. Ninguém tampouco parece ter muito interesse em que se saiba. O radicalismo tomou conta do debate e as pessoas deixam de informar-se e passam a ter posição a favor ou contra das coisas, sem considerar outro ponto que o perfil - ou melhor o partido - dos envolvidos.

Assim, qualquer tema – seja  que for – que envolva o deputado Jair Bolsonaro será motivo de execração. É possível que se o deputado ousar afirmar uma obviedade, como que o sol sai pelo leste e que o faz pontualmente cada manhã, dúzias de raivosos espumantes se manifestem contra e apresentem provas, argumentos e citações provando que isso não é certo e que o autor de tal afirmação deva ser queimado em praça pública.

No caso da ex-ministra, a agressão sofrida a converteu da noite a manhã numa versão local de Joana d'Arc. Mulher modelo de ilibada honradez e de fortes princípios éticos e morais. Deus nos livre de questionar a sua idoneidade. Questioná-la é defender o estupro, Bolsonaro e a barbárie. É defender a violência contra a mulher, e provavelmente seja também defender a homofobia e qualquer outra ideia parecida. Assim ela representa hoje a reencarnação da pureza.

Assim fica proibido, sob risco de ataque furibundo, mencionar que o nome da deputada Maria do Rosário esta incluído entre outros nomes, numa lista que vincula doações da empreiteira Engevix a políticos. Num esquema que envolve suspeitas de corrupção.

E assim vamos. Corrupção, só a dos outros. Enquanto por um lado se avolumam as provas, as denúncias, os nomes e os valores divulgados, pelo outro bandos de soldados do partido se lançam a patrulhar as redes sociais e qualquer outro meio de expressão, para atacar a quem questione a honradez ou denuncie a corrupção envolvendo qualquer politico do partido de governo e seus aliados. A estratégia sempre é a mesma, não negam, porque não tem como negar, mas afirmam que corruptos são os outros e no pior dos casos o emporcalham tudo dizendo: "este é um país de corruptos" acreditando na sua estultice que isso resolve o problema.

Primeiro, os corruptos eram os outros. Ante as denúncias e as condenações por corrupção desta corja que está no poder, o discurso mudou e passou a ser "os nossos corruptos são menos corruptos que os outros".  Divulgados os valores pagos e as novas denúncias do chamado "Petrolão", também este argumento cai por terra e surge a nova estratégia, "somos todos corruptos". Somos todos companheiros sujos de lama na mesma pocilga. É a nova versão de: "quem estiver livre de pecado que atire a primeira pedra".

O filme e o evento.