POR CLÓVIS GRUNER
No começo de outubro, livros sobre direitos humanos apareceram rasgados em biblioteca da UnB. Naquela mesma semana, pais e mães de um colégio particular no Rio de Janeiro solicitaram a censura, e a direção acatou, de um livro sobre a ditadura militar, “Meninos sem pátria”, de Luiz Puntel. No pedido, a alegação de que o título, publicado originalmente em 1981 na coleção “Vaga Lume”, “doutrina crianças com ideologia comunista” e promove um “discurso esquerdopata”.Os casos de docentes intimidados aumentam a cada dia. Em um dos episódios mais recentes, um vereador invadiu uma escola em São Carlos, interior de São Paulo, e arrancou cartazes de uma atividade sobre intolerância religiosa. No Paraná, uma professora e o diretor de um colégio estadual em Cambé, chegaram a ser afastados de suas funções após a repercussão de uma exposição realizada por turmas do Ensino Médio, que abordava temas como o aborto, o estupro e o suicídio.
Não chegamos a isso por acaso. São anos de agressões à atividade docente, usando professoras e professores como bodes expiatórios, espalhando mentiras, destruindo reputações e desqualificando anos de trabalho. A eleição de um fascista para ocupar a presidência da República é, a um só tempo, resultado e salvo conduto para que a violência, simbólica ou não, contra livros, bibliotecas, museus, escolas, universidades, artistas, professoras e professores aumente.
A cruzada moralista começou antes das eleições. Bolsonaro não era candidato quando, em vídeo, citou nominalmente, em tom entre a ameaça e o deboche, professoras e professores da Fundação João Pinheiro. Já eleito, publicou outro, em que estimula discentes a gravarem seus professores, a quem ameaça com uma “surpresinha”. Alguns dias antes, a deputada eleita Ana Caroline Campagnolo, que em suas aulas envergava orgulhosamente camisetas de Bolsonaro, fez o mesmo em suas redes.
No Brasil, cerca de 56 milhões de crianças e adolescentes frequentam a educação básica. São aproximadamente 180 mil escolas, mais da metade (79%), públicas. O número de docentes ultrapassa os 2,2 milhões. No ensino superior, são cerca de 2,4 mil instituições, 34 mil cursos de graduação, aproximadamente oito milhões de estudantes e 384 mil docentes, considerando instituições publicas e privadas.
Ao eleger a educação e os docentes como inimigos, Bolsonaro sugere estarmos a enfrentar militantes empenhados no que chama de “doutrinação ideológica”, seja ela política (o tal “marxismo cultural”) ou de gênero. O bom senso deveria ser suficiente para jogar na vala comum do ridículo suposições como essa. Afinal, estamos a falar de dois espantalhos retóricos: o “marxismo cultural” não é mais que um amontado de citações desconexas, e “ideologia de gênero” simplesmente não existe.
Desonestidade e ignorância – Mas mesmo o bom senso é mercadoria rara, e não por acaso, além do próprio Bolsonaro, governadores e deputados estaduais e federais foram eleitos surfando na onda da “Escola sem Partido”. Cortejado por inúmeros políticos, o movimento saiu das eleições ainda mais fortalecido, e não surpreenderá ninguém se, a partir do próximo ano, a ideologia conservadora e a sanha persecutória que o caracterizam avancem ainda mais dentro das escolas e universidades.
Criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, a principal estratégia da EsP é apostar na ignorância não apenas intelectual de seu público – a esmagadora maioria dos que denunciam a “doutrinação ideológica” ou vociferam contra Paulo Freire não fazem a mais pálida ideia do que dizem –, mas também empírica. Não há, da parte dos seus ideólogos, a preocupação em mostrar dados que corroborem afirmações como “um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra (...) para impingir-lhes [aos alunos] a sua própria visão de mundo”.
Tampouco há evidências de que a “instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários” é um “problema gravíssimo que atinge a imensa maioria das escolas e universidades brasileiras”. As “provas” apresentadas são sempre fragmentos descontextualizados: um recorte de revista utilizada em uma aula; uma ementa, unidade ou tópico de um programa disciplinar; o depoimento de um ou uma estudante que se sentiu prejudicado.
Não há contexto, verificação, acompanhamento, tampouco diálogo. A EsP não é apenas desonesta, mas perversa: ela fabrica a exceção que tratará, em seguida, de apresentar como regra; regra que servirá de evidência a justificar e sustentar seu empreendimento policialesco, moralizante e ideológico. Trata-se de criar um clima generalizado de paranoia, insegurança e medo. E nesse caso, quanto mais genérica a afirmação, mais eficiente ela será.
Os argumentos brandidos são igualmente espúrios: na tentativa de defender que discentes são reféns de seus docentes, por exemplo, Nagib chegou a compará-los a estupradores; no site do movimento, um longo texto sobre “Síndrome de Estocolmo” apresenta estudantes como vítimas de um “sequestro intelectual”. Como desenvolvem “em relação ao professor/doutrinador, uma intensa ligação afetiva”, eles não apenas negam que são manipulados, como defendem seus sequestradores, os professores.
A cidadania não é neutra – Esse tipo de discurso, que contribui diretamente para a onda de violência contra professores que grassa nas escolas, e que coloca o Brasil na vergonhosa posição de lanterna em um ranking que avalia o status de profissionais da educação em diferentes países, encontra respaldo no temor, alimentado especialmente entre grupos e indivíduos religiosos e conservadores, de que a escola desvie seus alunos das condutas e educação familiares.
De acordo com essa argumentação, estimulada pela EsP e que repercute nos discursos de partidos e políticos oportunistas e de extrema direita, pais e mães têm o direito de exigir que docentes não ensinem aos discentes nada que contrarie os valores ditos familiares. Mas eles não têm. Pais e mães têm o direito de exigir o acesso universal à sala de aula e de que a educação seja, de fato, um direito de todos e todas, por exemplo.
Eles têm, igualmente, o direito de reivindicar e exigir escolas equipadas e habitáveis; profissionais (professores, pedagogos, técnicos, pessoal administrativo e de apoio) valorizados e bem pagos; uniforme, material escolar e merenda garantidos pelos governos; esportes e atividades culturais; escolas em período integral e abertas à comunidade nos finais de semana, etc... Mas pais e mães não têm o direito de exigir que a sala de aula seja uma extensão do espaço doméstico, e principalmente por uma razão.
Escolas são parte da esfera pública, e seu papel, além de apresentar o aluno ao chamado saber formal, é ampliar o conhecimento e a compreensão que ele tem do mundo, complexificar e não simplificar a sua existência. O convívio no espaço público favorece e estimula a interação e a sociabilidade com indivíduos, grupos, valores e crenças que não os familiares, e isso é fundamental para o amadurecimento ético, o desenvolvimento intelectual e a um exercício mais pleno, livre e crítico da cidadania.
A EsP e seus ideólogos sabem disso, e é isso que combatem: em um país de cultura democrática tão débil como o Brasil, a educação se tornou uma trincheira de resistência às muitas formas de autoritarismo e violência. A precarização da escola e do ensino nunca foi um problema a ser denunciado e combatido, mas a ampliação dos direitos, liberdades e igualdade civis, sim.
Eles temem uma sociedade mais plural e sensível às diferenças e a diversidade, sejam elas étnicas, religiosas, de classe ou gênero, e sabem que uma escola e uma educação de qualidade são condições imprescindíveis para a construirmos. Por isso a “Escola sem Partido”, seus ideólogos e defensores, querem uma escola precarizada, sucateada, abandonada e “neutra”. A ideologia por trás desse discurso é perversa, autoritária e violenta. A quem preza e deseja a democracia e a liberdade, resta resistir a ela.
Se houvesse doutrinação nas escolas Bolsonaro jamais seria presidente. Doutrinação existe, isto sim, nas igrejas.
ResponderExcluirOs docentes (ou uma minoria deles) sempre foram os inimigos, a escola é que é a vítima.
ResponderExcluirNão existe “professor”, existe o profissional da educação com a sua cátedra específica. O licenciado em pedagogia, biologia, matemática, artes…
Assim como engenheiros não estão aptos a falar com propriedade sobre astronomia, o licenciado de matemática não teve formação pedagógica para falar sobre educação sexual, pedofilia e dogmas em sala de aula.
Imaginem o autor do texto: o seu filho de 6 – 8 anos chega em casa com os deveres sobre “sexualidade” e “reprodução humana” que a professora apresentou em sala de aula. O mínimo que o pai ou a mãe fica é surpreso(a), se forem pais minimamente responsáveis, irão até a escola questionar quem e como essa aula de “sexualidade” e “reprodução humana” é ministrada em sala de aula. Chagando na escola do filho, imaginem se o autor do texto se deparar com a professora… Fátima Bezerra (senadora que venceu a eleição para governadora do RN). Ou seja, alguém que se mostra incompetente, sobretudo para o complexo assunto apresentando nos deveres escolares.
O que fazer? Se fingir de progressista e deixar o filho nas mãos da “profissional”? Dar uma birra para do politicamente correto, tirar o filho da escola, mas manter as evidências para a patotinha esquerdista do “clube do vinho no sábado”? Ou fingir qualquer outra desculpa do tipo “estão ensinado educação religiosa e meu filho é ateu!” para tirar a criança do colégio.
Os professores estão apanhando em sala de aula porque não há nenhuma lei que puna o agressor. Aliás, na visão dos progressistas, a culpa é do professor que não soube educar, quando não, culpa da sociedade capitalista opressora com os seus videogames e tênis de marca.
Desonestidade e ignorância são os vários símbolos budistas mal feitos que estão aparecendo nas portas de banheiros de escolas. Sem contar esse movimento fake chamado “resistência”; resistência a quê??? A derrota? A birrazinha de perdedor de time? A democracia que eles fingem respeitar, mas que só funciona quando eles vencem?
Sobre a EsP é necessária para regular o nosso péssimo sistema de ensino. Segundo o PISA, dentre as 70 nações, estamos sempre entre as dez últimas posições. O que esse “sistema educacional progressista”, da qual faz parte os docentes inimigos da escola, tem a dizer sobre isso?
O autor desse texto sugere ao anônimo que leia um pouco mais sobre educação e prática pedagógica. E que, de preferência, visite uma escola.
ExcluirSem Ministério do Trabalho, sem Ministério da Cultura, com o trabalho escravo liberado, com a devastação da Amazônia, com a entrega do Pré-Sal, com a privatização dos Correios, com a entrega do Banco do Brasil ao Bank of América, com a venda da EMBRAER, com a instalação de uma base norte-americana no Brasil e com os trabalhadores, literalmente, se ferrando, nada como ler um Bolsominion com suas opiniões solidamente fundamentadas defendendo uma asneira como a Escola sem Partido.
ResponderExcluirFascistas são simpáticos ao estado agigantado.
ExcluirPor falar nisso, Bolsonaro é “fascista” e defensor de menos estado. Ele é nazista e quer a embaixada em Jerusalém...
Essa conta não fecha!
Pra quem é tapado ao ponto de resumir o fascismo à fórmula "são simpáticos ao estado agigantado", conta nenhuma fecha.
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