quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Bill Gates quer que robôs trabalhadores paguem impostos...

POR LEO VORTIS
Bill Gates é aquilo que todo milionário quer ser: bilionário. Mas ninguém tem tanto dinheiro por acaso. É preciso ideias.  Mérito. E novamente ele sai na frente: propõe que as empresas paguem impostos sempre que um robô (máquinas que usem inteligência artificial) tire o emprego a um trabalhador. O co-fundador da Microsoft acredita que é uma forma de conter, ainda que por tempo limitado, o avanço dos processos de automação das empresas.

Em suma, a ideia passa pela intervenção dos governos, que deveriam taxas às empresas que substituíssem homens por máquinas. A teoria não é descabida. Tanto que a União Europeia vem trabalhando nesse sentido há algum tempo. Mas a questão é controversa. Afinal, a ideia de investir em inteligência artificial é exatamente para aumentar a produtividade. E, claro, aumentar os lucros. E o lucro é que a mola propulsora do capitalismo.

O avanço da inteligência artificial no mercado de trabalho não para de crescer. E logo o mundo vai ter que se deparar com milhões de pessoas fora do sistema de emprego. É preciso olhar a sério para essa questão. Bill Gates já está a se antecipar. Deve ser por isso que muito o consideram um visionário. Mas é estranho ouvir um empresário - neste caso um bilionário - a falar em pagar impostos. Nem tanto.

O co-fundador da Microsoft tem as suas peculiaridades. Ao contrário daqueles que são apenas ricos ou milionários, ele acha que paga poucos impostos. As pessoas mais ligadas vão lembrar que ele – entre outros ricaços – foi contra a reforma fiscal de Donald Trump, que deu uma tremenda afrouxada na carga tributária dos norte-americanos mais ricos.

Há pouco tempo, numa entrevista ao jornalista Fareed Zakaria, na CNN, ele disse que precisava pagar mais. “Eu paguei mais impostos, mais de US $ 10 bilhões, do que qualquer outra pessoa, mas o governo deve exigir que as pessoas na minha posição paguem impostos significativamente maiores", disse Bill Gates. Uma posição de não deve ter caído bem no Brasil, onde muitos ricos acham que sonegar impostos é legítima defesa.



Bill e Melinda Gates

Bill Gates e a Teoria do Big Bang

POR LEO VORTIS
Os fãs de The Big Bang Theory vão curtir. Bill Gates, que já foi chamado “supernerd”, vai aparecer num episódio da série que torna em março, nos Estados Unidos. O criador da Microsoft vai aparecer numa visita à empresa farmacêutica onde trabalha a loira Penny (Kaley Cuoco).


A visita cria a oportunidade de conhecer o multimilionário, que  os outros personagens não vão querer perder. Não é a primeira vez que o nome de Bill Gates surge na série, mas esta será uma estreia em carne e osso. O outro episódio foi quando o personagem Sheldon fez uma crítica ao Windows Vista e mereceu comentários de Gates.


É mais um personagem da vida real que aparece na série. Stephen Hawking, por exemplo, tem sido um habitué. Mas a ele somam-se nomes como LeVar Burton, Carrie Fisher, Neil deGrasse Tyson e até o co-fundador da Apple, Steve Wozniak. A participação de James Earl Jones também foi marcante.



O personagem Sheldon com James Earl Jones (a voz de Dart Vader) e Carrie Fischer, a princesa Lea



terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O Brasil não é um país para pobres

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
É uma história que não me canso de repetir. Faz uns anos estava de férias no Brasil e quis o destino que acabasse a tomar cerveja com um empresário de Brusque (não, não é aquele da estátua da liberdade). Era uma pessoa de muita grana e evidente pouca cultura, mas que pela primeira vez pretendia ir para a Europa. E quis saber de Portugal.

Disse que a grande diferença em relação ao Brasil é que as distâncias entre ricos e pobres são menos acentuadas. Não há tanta exclusão social, apesar de ser um problema. E usei o exemplo de um dos meus patrões, sócio numa agência publicidade, que tinha como vizinho de frente, no prédio onde morava, um motorista de táxi. É difícil acontecer no Brasil.

O homem ouvia com atenção, mas não parece ter ficado comovido. Então usei o exemplo da mulher da limpeza da agência.
- É uma senhora que tem uma boa casa e vem para o trabalho de carro. Ela não ganha bem, mas vai mantendo um padrão de vida razoável.

O homem fez um olhar de intrigado. Eu continuei.
- Faz algum tempo, numa conversa, ela disse que tinha juntado dinheiro para passar as férias em Florianópolis.

O sujeito começou a fazer um ar intrigado.
- Mas ela trabalha na limpeza e não é pobre?

Tentei esclarecer.
- Sim. Ela é o que podemos chamar "pobre", para os padrões locais. Mas com certeza é menos pobre que os pobres brasileiros.

E o cara, um tanto desconcertado, soltou:
- Se o vizinho do teu patrão é taxista e até uma doméstica pode tirar férias no Brasil, então qual é a graça de ser rico em Portugal?

Dá para rir, mas também dá para chorar. O episódio pode não ter valor para análise sociológica, mas aponta uma tendência: o Brasil deve ter os piores ricos do mundo. Aliás, isso remete para a frase atribuída ao professor Victor Bulmer-Thomas, da Universidade de Londres: “as elites da América Latina só conseguem sentir-se ricas se estiverem rodeadas de pobres”.

O Brasil tem vivido essa realidade absurda, ao longo dos séculos. Para algumas pessoas – em especial aquelas que a tradição decidiu chamara “coxinhas” – não basta o sucesso próprio. É preciso ver o fracasso dos outros. É preciso que haja pobres. E que os pobres conheçam o seu lugar.

E não há exemplo mais emblemático desse espírito que os episódios divulgados na semana passada – e hoje praticamente fora da agenda midiática – nas favelas do Rio de Janeiro. Favelados pobres (porque são todos pobres) sendo fotografados e fichados pelo exército como fossem cidadãos de segunda categoria. Ou melhor, como se nem fossem cidadãos.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Revista


Udo Dohler e o moinho: entre a preguiça e a falta de coragem


POR JORDI CASTAN
O nosso gestor municipal tem todo o seu tempo ocupado. Passa os dias entre a articulação da sua quimérica candidatura ao governo do Estado, não fazer nada por Joinville e vistoriar o setor de hortifrúti do Angeloni. Não fosse isso, me atreveria a lhe propor uma visita a Santa Fé, na Argentina. Há na cidade um moinho que lembra o nosso em tudo. Também foi abandonado pela empresa que o operava. E também surgiram mil propostas amalucadas envolvendo especuladores imobiliários e o poder público.

A diferença é que lá decidiram pôr as mãos na massa e, com pouco orçamento mas muita criatividade, fizeram o que precisava ser feito. Incorporaram o moinho ao patrimônio da cidade. Incorporaram não quer dizer o que se fez aqui com a Cidadela Cultural ou com a antiga prefeitura na Max Colin. Não se trata só de comprar e deixar abandonado. Ou converter o espaço num cortiço sem dono. Incorporar quer dizer primeiro ter um projeto.  E depois gente capaz de levar o projeto adiante. É aí que a coisa complica sempre em Joinville. Não há projetos, quando há estão mal feitos, ou são inviáveis e não há propostas para o uso posterior do espaço.




O máximo que os nossos gestores fazem, além de ficar o dia inteiro sentados olhando a maré subir e descer o Cachoeira, é imaginar que alguém vai implantar lá um shopping ou um prédio comercial. O que, claro, geraria mais IPTU e empregaria alguns vendedores, repositores ou caixas se for um supermercado. Convenhamos que criatividade e inovação não são características pelas quais Joinville tenha se destacado nos últimos anos.

A lógica cartesiana do contador de centavos só entende de cortar, depenar, desmantelar, derrubar, demolir. A cultura e o meio ambiente têm sido as áreas mais duramente castigadas por esta gestão. O que, alias, é bem significativo. O preço dessa visão retrógrada sairá caríssimo para as gerações futuras. Mas essa é outra historia.

O que fazer com o velho moinho? Que temos a aprender de Santa Fé? Muito. Primeiro é uma cidade com pouco mais de 500.000 habitantes, banhada por três rios, um deles o Paraná e outro o Salado. Uma cidade que convive com enchentes enormes e gravíssimas, das que matam gente e causam enormes prejuízos econômicos. 

Mas os santafesinos criaram parques nas margens dos rios para que tenham por onde crescer sem destruir ou minimizando ao máximo os estragos. Entenderam que não é uma boa ideia ocupar várzeas e fundos de vale. Também têm o costume de preservar e valorizar seus marcos históricos e, neste sentido, o projeto de converter o velho moinho Marconetti numa escola de Artes, Música, Dança, Cerâmica e num espaço para exposições e eventos é um sucesso. Só as escolas que formam o chamado Liceo Municipal reúnem mais de 2600 alunos, incluindo também os dos cursos de idiomas gratuitos oferecidos pelo município.



Assim, o que inicialmente era uma área degrada e prevista para projetos imobiliários que implicavam a demolição do velho moinho, hoje é uma ampla área verde, que acolhe a centenas de alunos. O projeto de Santa Fé Cidade é mais amplo mais ambicioso e faz da cidade o maior polo de indústrias criativas da Argentina, é uma referencia para América Latina.

Ah... mas voltemos a Joinville. O nosso problema, além da nossa incapacidade de projetar a cidade para o futuro, é que pensamos pequeno. O mais arrojado a que chegamos é discutir mão inglesa ou mudança de mão. Até nossos vereadores tem palpites da dar sobre o tema. Usamos a falta de dinheiro como desculpa para nada fazer, quando na verdade o verdadeiro problema é a inépcia e a incompetência. E estou começando a incluir nesta lista de motivos a preguiça. Porque não acredito que esta falta de iniciativa seja covardia. Aí sim seria uma vergonha que uma cidade como Joinville se apequene na mão de gente covarde, sem coragem.




A proposta é simples. Mandem alguém a Santa Fé. A passagem é bem mais econômica que ir para Europa ou para os Estados Unidos e as semelhanças entre as duas realidades são muito mais próximas. A diferença é o espírito dos homens públicos de lá, gente que enxerga longe e tem coragem. 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Em Santa Catarrina não falta dinheirro, falta xestón


POR BARÃO VON EHCSZTEIN
Voll geil! Até que enfim. A nossa querrida prefeito decidiu chutar a balde. E falou, lá na xornal, que quer renunciar e deixar o Prefeiturra em april. Mas nón precissam ficar tristes e nem chorrar, xoinvilenses, porque é tudo parra melhor: a nossa querrida prefeito vai virrar a nossa querrida governador. Podem comemorrar, catarrinenses, porque agorra foceis vón ter uma governo de verdade. Ein prosit! Uma brinde.

Eu nón gosto de me meter nos coisas da política. Das ist nicht mein Bier. Nón é o meu cervexa... ops... nón é o meu praia. Mas agorra o coisa anda. Todo mundo sabe que em Santa Catarrina não falta dinheirro, falta xestón. E com uma xestor profissional, que resolveu todas as problemas de Xoinville, vamos construir a Santa Catarrina dos próximas 30 anos. É como a xente diz no meu querrida Alemanha: “Abwarten und Tee trinken”. Esperre e veja...

Xá imaginaram? Agorra Santa Catarrina vai ter o mesma estilo de governo que transformou Xoinville num citade de primeira mundo. Se a nossa querrida prefeito – e futurra governador – promete, pode acreditar porque vai cumprir. Parra começar, vai acabar esse wasserkopf, aquele administraçón cheia de comissionadas inúteis na governo da Estado. Como ele fez em Xoinville. Ein Schwein haben! É muita sorte, catarrinenses.

Mas tem um coisa que me deixa encafifado. O que vai acontecer com Xoinville quando a nossa querrida prefeito for ser governador? Quem assume o Prefeiturra é a vice. E dessa mato nón sai Coelha. Xente, eu sou conservadorra, mas fico parrecendo uma anjinho perto dele. A Coelha é muito... como é aquela palavra que as kommunist gosta de ussar... ah... lembrei... reacionárria. Nón tem “alle Tassen im Schrank"... nón joga com a barralho todo.

Mas vamos esquecer a Hase, porque o horra é de comemorar. É Santa Catarina a caminho da primeiríssima mundo (mas é melhor nón ir pela Santos Dumonte). Viva a nossa querrida prefeito. Viva a nossa futurro governador. Achtung, palim, palim! Vai ser uma tremendo sucesso, porque nón tem segreda, aqui é trabalho.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A Notícia - 95 anos.


O Rio, a insegurança pública e a irresponsabilidade política


Muito se comentou, nos últimos dias, sobre o temor expresso pelo general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, de que os militares enfrentem uma nova Comissão da Verdade caso atuem no Rio sem nenhum respaldo jurídico excepcional. A preocupação, manifestada durante reunião do Conselho da República e da Defesa Nacional, se soa uma excrescência à primeira vista, deixa de sê-lo se lida com mais vagar.

Para uma instituição que prendeu, estuprou, torturou e assassinou sem nunca ter sido chamada à responsabilidade, mesmo o trabalho de uma Comissão cujos resultados práticos foram próximos ao zero pode constranger de alguma forma sua costumeira impunidade. Mas o comentário de Villas Bôas ganha outro sentido se o colocamos lado a lado à entrevista do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, concedida ao Correio Braziliense.

Ele parece não ter dúvidas quanto a natureza da intervenção, nem tampouco sobre os seus efeitos. De acordo com Torquato Jardim, “não há guerra que não seja letal”, e quando se trava uma guerra tão peculiar, que ele classifica de “assimétrica”, todos são potencialmente inimigos, mesmo uma criança bonitinha, de 12 anos, que ninguém sabe o que faz depois que sai da escola.

A retórica belicista não é nova em se tratando das comunidades periféricas, onde se acumulam cadáveres assassinados em incursões policiais eugênicas. E tampouco é novidade que sua população seja tratada como inimiga: durante a cobertura televisiva dos confrontos entre manifestantes e policiais em junho de 2013, por exemplo, um ex-membro do BOPE, Rodrigo Pimentel, censurou um soldado que descarregou uma metralhadora com tiros para o alto porque “uma arma de guerra, uma arma de operação policial em favelas, não é uma arma pra ser usada no ambiente urbano…”.

No discurso de um ministro que se diz da Justiça, esse tipo de retórica ganha outros significados. O primeiro e mais imediato é que, sob o pretexto de combater o crime, em especial o chamado crime organizado, e diminuir os índices de violência, o Estado está a declarar guerra contra uma parcela de sua população – ou talvez seja mais correto dizer, está a aprofundar uma guerra já declarada há muito tempo.

Mas há coisas não ditas nas entrelinhas do discurso de Torquato Jardim que merecem nossa atenção. Ela denota, de um lado, a total ausência de planejamento, um conjunto de intenções, alguma coisa que sinalize uma preparação por parte do governo a fundamentar a intervenção. O despreparo pós-decreto caminha pari passu e é o complemento à total opacidade dos governos, federal e carioca, sobre os números que justificam a intervenção.

Uma guerra contra os pobres – É verdade que parte da cidade do Rio de Janeiro vive um cotidiano de violências por vezes extremo, incluindo a violência policial. Mas não se trata de um problema limitado ao Rio, que ocupa o 12º lugar nos índices de homicídio por 100 mil habitantes. Em janeiro, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o governador Pezão, descartaram intervenção do exército durante o carnaval, solicitada pelo prefeito Marcelo Crivella, alegando que o efetivo policial era suficiente para garantir a ordem.

Além disso, não há informação sobre os resultados efetivos de operações anteriores em que as Forças Armadas interviram, ainda que mais pontualmente, na cidade. Especificamente no caso da ocupação do Complexo de Favelas da Maré, entre 2014 e 2015 – no governo Dilma, portanto –, além dos 600 milhões consumidos aos cofres públicos e a chacina que resultou na morte de nove moradores, nada mais sabemos.

Se a intenção era estrangular o tráfico, não funcionou, e tampouco há indícios de que funcionará agora. Antes pelo contrário, mesmo que consiga eventual e provisoriamente fragilizar os traficantes que mandam nos morros e o Comando Vermelho, a intervenção tende a fortalecer o grupo paulista PCC, cuja atuação aparentemente mais organizada e ramificada que o CV, já conseguiu uma vez parar uma cidade do tamanho de São Paulo.

No fim das contas, o que sobra é a motivação política, tomada a expressão aqui no seu pior sentido. De um lado, o governo Temer consegue com ela jogar para a frente a votação da Reforma da Previdência, promessa que fez ao mercado mas que estava a ter dificuldades em cumprir. Além disso, proporciona um espetáculo midiático bem ao gosto de muitos eleitores, alguns sinceramente amedrontados pela percepção que têm de estarem sitiados pela violência, outros simplesmente dispostos a apoiar qualquer medida autoritária e truculenta.

Para um governo que amargava índices abaixo de vergonhosos de aprovação, pode ser a chance de uma sobrevida, principalmente se a intervenção conseguir que o tráfico e os índices de violência recuem temporariamente. Mesmo que eles voltem a subir e que tudo retorne à “normalidade”, as eleições já terão passado, e Temer e seus cúmplices têm a chance de, talvez, manterem seus mandatos. E esse parece ser o único projeto que realmente interessa. Que ele seja pontuado pelo sofrimento de corpos e vidas precárias, não importa, porque nunca importou, a um governo que os considera e trata como inimigos.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Tem pão com mortadela grátis na Havan

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Vocês viram o vídeo do empresário Luciano Hang, das lojas Havan, por causa de uma manifestação numa de suas lojas em Chapecó? O homem não gostou nadinha. Em tom um tanto belicoso, diz que o povo “quer disciplina, quer ordem, quer progresso, quer trabalho, não quer essa bagunça”. Tem ironia aí. As lojas têm aquelas breguésimas estátuas da liberdade... mas nada de liberdade de manifestação.

O ponto alto do filme é o momento em que ele oferece pão com mortadela e carteira de trabalho aos manifestantes. O alvo é certinho. Todos sabemos para quem é o pão com mortadela. A carteira de trabalho, diz o empresário, é para o radicais que passam anos e anos sem trabalhar (parece que os 12% de desempregados não entram na conta). E arremeta: “o trabalho dignifica”. Ufa! Quase saiu um “o trabalho liberta”.

Tem lapso freudiano no discurso. “Vocês que ficaram 14 anos no poder e ainda não arranjaram emprego, ainda não arranjaram casa, ainda não arranjaram terra? Vão trabalhar, malandragem”, ironiza. Opa! Devemos entender que, para o empresário, o poder só serve se for para se dar bem? Ora, ora, ora. Isso não é bonito vindo de uma pessoa que, já se sabe, tem pretensões políticas.

Se fosse num país desenvolvido, a empresa teria problemas (brand building is a bitch), porque a sociedade civil estaria rotinada para responder. Os cidadãos e os consumidores. Mas não no Brasil. Não em Santa Catarina. Há um fator crucial a considerar: Luciano Hang tem grana. E em sociedades atrasadas isso é fonte de poder. Quanto mais dinheiro, mais poder. O empresário pode fazer os discursos de ódio que quiser sem ser contestado.

Muita gente vive acagaçada pelo poder do dinheiro. E a mídia catarina, que vive de pires na mão e é sempre subserviente às verbas publicitárias das empresas, também cuida para não fazer marolas. O assunto vai passar batido e não haverá contraditório. Ninguém tem coragem de peitar o homem e contra-argumentar. Aliás, se houver alguma manifestação, será de apoio. Discursos para o lumpencoxinhato são sempre bem recebidos em Santa Catarina.

É a dança da chuva.


No Rio, um manual de sobrevivência em tempos de intervenção

POR ET BARTHES

Um sinal inequívoco de uma sociedade doente. No Rio de Janeiro, três jovens negros sentiram a necessidade de criar um vídeo com dicas de sobrevivência em tempos de intervenção. O publicitário Spartakus Santiago, o repórter Edu Carvalho e o youtuber AD Junior são os autores deste "Intervenção no Rio: Como Sobreviver a uma Abordagem Indevida".

As razões são as que todos sabemos e para as quais alguns fazem ouvidos moucos. Por serem negros estão mais expostos às arbitrariedades, à violência e aos excessos da polícia. O vídeo faz uma série de recomendações de como agir em caso de abordagens indevidas por parte dos que têm a “autoridade” do lado. “Estamos aqui a fazer este vídeo porque, infelizmente, nós negros somos sempre vítimas de abusos e retaliações", diz Edu Carvalho.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Proteção



POR SANDRO SCHMIDT

Udo Dohler e a Joinville das Maravilhas




POR JORDI CASTAN
Já quase não queda quem acredite no triunfalismo dos discursos monocórdicos do prefeito Udo Dohler. Os discursos fantasiosos tem sempre mais empulhação que realidade. E não é que o prefeito insiste, teimosamente, em afirmar que ele e sua equipe estão planejando a Joinville dos próximos 30 anos. Quem não consegue planejar, nem entregar a Joinville dos próximos 30 meses vai conseguir 30 anos? O discurso soa a falsidade, é pura balela.

Há ainda, nessa afirmação, um ponto de requintada maldade. É pouco provável que possa estar aqui para colher os frutos da sua desastrada gestão. Essa Joinville fantasiosa imaginada pelo prefeito será a Joinville dos nossos filhos e netos, a cidade da próxima geração. Uma cidade pior, menos verde, mais cinzenta e com menos qualidade de vida que a atual. E, com certeza, muito diferente que a propalada pelo camelô de ilusões.

Antes que ele outros prefeitos também planejaram outra Joinville diferente desta de hoje. A nossa cidade é o resultado de planejar mal, de não executar o planejado, de pensar pequeno. E o pior:  de iludir permanentemente um eleitorado crédulo e de contar com a amnésia do eleitor local que insiste em votar, repetidamente, em encantadores de asininos, em mercadores de sonhos e em mitômanos profissionais.

Para lembrar um pouco da Joinville de ontem e compará-la com a de hoje proponho dar uma olhada neste vídeo, a linguagem triunfalista e exageradamente positiva, parece-se muito com a atual. Daí para frente cada um deve tirar suas próprias conclusões.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A intervenção no Rio de Janeiro: crônica de um desastre anunciado?


Ainda é demasiado cedo para medir, em toda a sua extensão, os desdobramentos da intervenção federal na área de Segurança Pública no Rio de Janeiro, anunciada hoje (16) de manhã pelo presidente Michel Temer. Na prática, com a medida as polícias militar e civil, o Corpo de Bombeiros e o sistema carcerário cariocas deixam de estar sob o comando do governo estadual e ficam sob a responsabilidade do general do Exército Walter Braga Netto, indicado para ser o interventor federal.

Embora já em vigor, a intervenção precisa ainda passar pelo Congresso Nacional. Se aprovada – e é improvável que não seja –, dá ao governo federal plenos poderes sobre a segurança pública carioca até o dia 31 de dezembro. O objetivo, de acordo com o decreto, é “por termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”; mas em que pese a austeridade dos discursos oficiais, há razões para duvidar da eficiência e das promessas contidas no decreto.

Esboço aqui, rapidamente, algumas delas.

O exército já está nas ruas – Embora o decreto presidencial de hoje amplie e aprofunde a presença do exército, transferindo à instituição a administração de toda a estrutura e do aparato da segurança pública do Rio de Janeiro, na prática a atuação do exército nas ruas do estado, e especialmente da capital, não é inédita.

Em pelo menos duas ocasiões – a ocupação do Complexo do Alemão e da Maré, respectivamente em 2010 e 2014 –, as Forças Armadas foram solicitadas para dar suporte à segurança pública. Mas de forma mais “branda” (e as aspas aqui são importantes) e indireta, o emprego do exército para lidar com o problema vem sendo prática recorrente há anos, sem nenhuma melhoria aparente.

Os entusiastas da intervenção alegam que com plenos poderes, os resultados aparecerão, mas isso tampouco é certo – antes pelo contrário. Entre outras razões, porque soldados e oficiais militares não são treinados nem estão habituados a lidar com a violência urbana. E quem o diz, entre outros, é o próprio Comandante do Exército, o General Vilas Boas, que já declarou mais de uma vez que a função do exército não é policiar as ruas, além de ver com preocupação o uso crescente de tropas militares para lidar com o problema.

E isso leva a outra questão, não menos importante. Em entrevista hoje cedo no Palácio do Planalto, o governador do Rio, Fernando Pezão, afirmou que o estado tem “urgência” porque somente com as polícias estaduais, o estado não está “conseguindo deter a guerra entre facções”. Ninguém em sã consciência duvida que, hoje, o crime organizado exerce um poder que alguns afirmam paralelo ao do Estado, e não apenas dentro das prisões.

Por outro lado, uma intervenção militar pode ser um tiro no pé e agravar ainda mais um quadro já delicado, e por pelo menos duas razões. A primeira delas é a derrota, flagrante, do Estado na chamada “guerra às drogas”, visível nos resultados diametralmente opostos obtidos com os vultosos investimentos públicos em políticas repressivas.

Nem o suposto endurecimento no combate ao tráfico, com a Lei de Drogas sancionada em 2006 por Lula, nem o encarceramento em massa – o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos –, reverteram ou mesmo estabilizaram o índice crescente de violência urbana nem, tampouco, o poder exercido pelas facções criminosas que Pezão e Temer pretendem combater com a intervenção do Exército.

Além disso, a presença do exército não apenas nas ruas, mas no comando efetivo das forças policiais, pode tensionar ainda mais as já frágeis relações de força entre as facções e as autoridades públicas, elas próprias desprestigiadas com a medida. Isso poderia resultar em novos e mais violentos confrontos entre traficantes, policiais e exército, com as comunidades, e especialmente as mais pobres, pagando um preço ainda mais alto do que já vêm pagando há décadas pelo descaso dos poderes públicos.

Na ausência de políticas, uma medida política – Um último comentário, antes de encerrar esse texto. A intervenção federal cumpre também diferentes funções políticas, não menos significativas. Uma, mais imediata, é tentar contornar a votação da Reforma da Previdência. Embora Temer tenha dito que, se necessário, suspende temporariamente a intervenção, à boca pequena circulam rumores de que o decreto presidencial permite ao governo empurrar para a frente a votação, bastante controversa especialmente em ano eleitoral, sem precisar assumir publicamente a derrota.

Uma segunda é o espetáculo proporcionado com o anúncio da medida e o seu impacto principalmente midiático, e que pode – pelo menos é o que esperam Temer e seus cúmplices – melhorar a imagem mais que desgastada do presidente. Não é difícil supor a razão: amedrontados que estamos pelos altos índices de violência, somado ao medo nossa crescente tolerância para com a violência institucional, a intervenção federal no Rio de Janeiro tende a ser lida, por uma parcela não desprezível da população, como uma medida bem vinda, inflando os miseráveis índices de aprovação do atual governo.

Mas o caráter politico, e populista, da intervenção, serve principalmente para encobrir a ausência de uma política efetiva de segurança pública, uma falta, é forçoso reconhecer, que não é responsabilidade exclusiva do governo Temer. A situação do Rio de Janeiro, embora talvez mais grave, não é única; em maior ou menor grau, principalmente as grandes cidades pagam o alto custo da execução de políticas públicas de segurança no mínimo equivocadas, ou simplesmente inexistentes.

Nas últimas décadas, principalmente, assistimos a uma completa degradação da força policial. Cada vez mais militarizadas, as polícias em praticamente todos os estados sofrem com salários defasados e, em alguns casos, também atrasados; péssimas condições de trabalho; quase nenhum treinamento; diminuição do efetivo, etc... –, um quadro que não é diferente, à óbvia exceção da militarização, para as polícias civis. As estatísticas são preocupantes: apenas no Rio de Janeiro, 134 PMs foram assassinados no ano passado.

Apesar do fracasso das políticas implantadas até aqui, todos os governos, um após o outro, insistem em manter tudo como está, indiferentes ao fato de que políticas de segurança pública serão mais efetivas e bem sucedidas se não se limitarem ao aumento do aparato repressivo. Além de melhorar as condições de trabalho dos policiais e demais agentes de segurança, é preciso pensá-la a partir de sua integração com outras esferas e políticas governamentais, promovendo ações que minimizem, por exemplo, os índices escandalosos de desigualdade social, certamente não a única, mas uma das principais responsáveis pela crescente violência.

Além disso, é preciso rever urgentemente a condução da política antidrogas, assumir a derrota das medidas de “guerra” e pensar em maneiras mais eficientes de estrangular o tráfico. A melhoria dos serviços públicos é uma alternativa, na medida em que o acesso à educação e saúde, por exemplo, pode diminuir a influência de grupos criminosos, que em muitas comunidades carentes preenchem a falta de equipamentos públicos de qualidade, responsabilidade dos governos. Não menos importante, é preciso discutir a sério a legalização e regulamentação do consumo de drogas; uma discussão difícil, sem dúvida, mas cada vez mais urgente e necessária.

Casaldáliga, um profeta moderno na defesa dos injustiçados


POR DOMINGOS MIRANDA
A Espanha ofereceu ao mundo mentes brilhantes que ajudaram a humanidade a crescer intelectualmente, tais como Cervantes, Goya, Garcia Lorca, Picasso ou Gaudi. E também Pedro Casaldáliga, um nome que nos toca muito, pois há 50 anos reside no Brasil. Este bispo emérito de São Félix do Araguaia completa 90 anos neste 16 de fevereiro e tem uma história marcada pela defesa do povo humilde que o rodeia. Este catalão franzino não demonstra a sua coragem fantástica, mas enfrenta uma das elites mais sanguinárias do campo, armado apenas com a coragem, a fé e a vontade de combater a injustiça, Diante das várias tentativas de homicídio contra ele, o papa Paulo VI, seu amigo, disse: “Ameaçar Pedro é como ameaçar Paulo”.

Para sentir a gravidade da situação, o melhor é  ler o depoimento de dom Pedro quando o padre jesuíta João Bosco Penido Burnier foi assassinado, em 1976, na delegacia da pequena cidade de Ribeirão Cascalheira, em Mato Grosso. “[...] quando chegamos a Ribeirão logo nos sentimos atingidos por um certo clima de terror que pairava sobre o lugar e as redondezas. A morte do cabo Félix (...), muito conhecido pelas suas arbitrariedades e até crimes (...) trouxe ao lugar um grande contingente de policiais e, com eles, a repressão arbitrária e até a tortura (...) Duas mulheres estavam sofrendo torturas na delegacia - um dia sem comer e beber, de joelhos, braços abertos, agulhas na garganta e sob as unhas (...) Era Margarida Barbosa, irmã de Jovino (que matara o cabo Félix por ter aprisionado os filhos dele), e Santana, esposa de Paulo, filho de Jovino, violentada por vários soldados apesar de estar de resguardo (...) Eram mais de 18h e os gritos delas se ouviam da rua. ‘Não me batam’. Resolvi ir à delegacia interceder por elas. O padre João Bosco, que estava lendo e rezando (...), fez questão de me acompanhar”.

E continua: “Quando chegávamos no terreno da pequena delegacia local, cercada por arame (...) os quatro policiais nos esperavam enfileirados, em atitude agressiva. Entramos pela cerca de arame que ia ser também cerca de morte. Eu me apresentei como bispo de São Félix, dando a mão aos soldados. O padre João Bosco também se apresentou, e tiveram aquele diálogo de talvez três ou cinco minutos, com insultos e ameaças até de morte por parte deles. Quando o padre João Bosco disse aos policiais que denunciaria aos superiores dos mesmos as arbitrariedades que vinham praticando, o soldado Ezy Ramalho Feitosa pulou até ele, dando-lhe uma bofetada fortíssima no rosto. Tentei cortar o impossível diálogo: ‘João Bosco, vamos (...)’ O soldado descarregou no rosto do padre um golpe de revólver, e, em um segundo gesto, fulminante, o tiro fatal, no crânio”.

Em 1971, Pedro Casaldáliga foi escolhido bispo da prelazia de São Félix do Araguaia, a maior do país em extensão, com 150 mil km quadrados e uma população de posseiros e indígenas. Os grandes latifundiários praticavam a lei do mais forte neste Brasil profundo, distante dos grandes centros e dos meios de comunicação. As execuções eram normais e os cadáveres desciam boiando pelos rios. O bispo antecipou em quatro décadas o papa Francisco, abriu mão dos paramentos e vestia-se como os agricultores pobres. Numa ocasião, o automóvel que estava quebrou e ele chegou numa venda na beira de estrada pedindo ajuda, dizendo que era bispo. O comerciante olhou aquele homem com chapéu de palha, sandália de couro e roupa comum e respondeu: “Se você for bispo eu sou o papa”.

Durante a ditadura, os militares tentaram expulsá-lo cinco vezes do Brasil e era vigiado 24 horas por dia, acusado de ser comunista.  A alta cúpula da igreja católica também o incomodava. Em 1988, o papa João Paulo II o chamou ao Vaticano e recebeu séria advertência por seu apoio à revolução sandinista, na Nicarágua, e por sua militância na Teologia da Libertação. Quando completou 75 anos pediu sua demissão como bispo. A Santa Sé recomendou que abandonasse o país, mas ele decidiu continuar morando numa casa simples em São Félix do Araguaia para prestar ajuda àquela população sofrida. Em 2012, a Polícia Federal o afastou da região temporariamente porque se descobriu que os invasores de terras indígenas tinham plano para matá-lo.

Nascido na Espanha, na Catalunha, numa família de camponeses pobres, ainda criança presenciou os horrores da guerra civil, entre 1936 e 1939. Em 1952 foi ordenado padre claretiano e com 40 anos de idade decidiu, voluntariamente realizar trabalho missionário no Brasil. Ao longo dos anos colocou no papel seus dotes intelectuais, tendo editado cerca de 40 livros de poesia, de antropologia e de história. A tevê espanhola fez um filme sobre a sua vida, “Descalço sobre a terra vermelha”, premiado pela Academia Catalã de Cinema como o melhor filme para a tevê. O escritor Leonardo Boff afirmou que Casaldáliga tornou-se um nome universal por causa de sua luta em defesa da libertação do pobre, da dignificação da mulher e por uma igreja mais democrática.

Os 90 anos do bispo deveriam ser mais reverenciados pela grande mídia por seu papel na defesa dos oprimidos. Mas, como um profeta bíblico, o objetivo do religioso não visa chamar atenção sobre si, mas libertar a terra da injustiça. Ele está entre os três religiosos que mais se destacaram na segunda metade do século 20 no Brasil, ao lado de dom Hélder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns. Nós só temos a agradecer à Catalunha por este presente. Obrigado.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O deputado, a Rocinha e as políticas do esquecimento


Afinal, Jair Bolsonaro realmente sugeriu metralhar a Rocinha como solução para o tráfico e a violência na comunidade carioca? A nota, publicada pelo jornalista Lauro Jardim em sua coluna de domingo (11), no jornal “O Globo”, repercutiu enormemente em sites, especialmente os de esquerda, e nas redes sociais, além de provocar a ira do próprio deputado e presidenciável e de seus seguidores, os chamados “bolsominions”.

Apesar da repercussão, é bastante provável que a frase não tenha sido dita, ao menos não como informou Lauro Jardim. Claro que Bolsonaro tratou de desmentir a nota, mas o desmentido de um fascista tem validade zero como prova. Por outro lado, a favor dele, há a ausência de qualquer registro documental, o que em tempos de internet e vídeos comprometedores sacados de celulares, é no mínimo estranho, especialmente em um evento com algumas centenas de testemunhas.

Além disso, nenhum outro veículo ou profissional deu a tal notícia, e o também jornalista Augusto Nunes, convidado a conduzir um bate-papo com Bolsonaro, disse textualmente que se tratou de um equívoco. De acordo com Nunes, seu colega foi “induzido ao erro”, possivelmente informado, e mal, por algum dos presentes. A própria coluna de Lauro Jardim, em sua versão on line, publicou uma espécie de “erramos”, aparentemente acatando a explicação do deputado.

Em seu artigo de terça (13), meu colega de blog José António Baço abordou o assunto sob o prisma de sua repercussão na mídia. Em síntese, defendeu que as recentes notícias envolvendo Bolsonaro, desde o aumento suspeito de seu patrimônio pessoal e de seus filhos (essas, absolutamente verdadeiras), até a nota n’“O Globo”, são parte de uma estratégia para se livrar do incômodo candidato. Gostaria de abordar o mesmo acontecimento sob outra perspectiva.

Tortura, estupro e ódio como paradigmas – A mim não importa que Bolsonaro não tenha dito tamanho impropério, porque há registros suficientes da sua capacidade e disposição em produzir e disseminar o ódio e a barbárie. Há, por exemplo, sua apologia ao estupro, e suas muitas homenagens à memória do Coronel Brilhante Ustra, conhecido por torturar e estuprar militantes mulheres – sim, parece que Bolsonaro tem uma fixação pelo assunto.

Há ainda uma coleção de declarações homofóbicas, racistas e misóginas (além da apologia ao estupro), e sua completa miopia no que se refere a temas como a violência, ao defender o recrudescimento de políticas públicas que há décadas são, justamente, parte instituinte do problema, não sua solução. Uma visão estreita de mundo, obviamente, não poderia resultar em outra coisa além de um candidato cujas “propostas” (passe o exagero) só são comparáveis às nações governadas pelo peso do autoritarismo militar – como a Venezuela ou a Coreia do Norte –, ou do fundamentalismo religioso, como em alguns países do Oriente Médio.

Mas se votar em Bolsonaro é desistir de um país moderno, seja econômica ou politicamente, o que explica que de uma excrescência fascista ele tenha passado a segundo lugar na intenção de votos para presidente? A explicação de que se trata de um outsider, embora coerente, me parece insuficiente. E embora seja verdade que, apesar de ter pertencido à base aliada de todos os governos do PT, seu crescimento se deva em parte à sua capacidade de surfar na onde do anti-petismo mais hidrófobo, tampouco considero tal argumento satisfatório.

Como uma força centrípeta, ele canaliza, dá forma e sentido a um conjunto de afetos dispersos e difusos, tais como o ressentimento, a indiferença, o medo e o ódio, produzidos em um ambiente político pouco afeito a coisas como democracia, liberdades individuais ou direitos humanos. Há uma parcela expressiva de pessoas que o apoiam justamente por seus elogios à ditadura e sua defesa da tortura, por exemplo, e não apesar disso. Nesse sentido, entender o seu significado é compreender o processo de construção de nossa memória recente.

O esquecimento e a banalização da violência – No último livro publicado em vida, “A memória, a história, o esquecimento”, o filósofo francês Paul Ricoeur contrapõe ao que considera as dimensões positivas do olvido, os efeitos potencialmente danosos do esquecimento como gesto forçado de apagamento da lembrança, que denominou de “memória impedida”. É esse impedimento que fundamenta aquelas políticas que, como a nossa, confundem anistia com amnésia e tomam essa como critério para associar aquela ao perdão.

O equívoco não é apenas semântico – anistia não significa necessariamente perdão nem, tampouco, esquecimento –, mas principalmente político. Desde a transição para a Nova República, há uma interdição, um silenciamento a impedir que tratemos a Lei de Anistia e as políticas de esquecimento daí derivadas pelo que elas são: um obstáculo à efetivação de uma cultura democrática sensível, entre outras coisas, aos muitos riscos a que está exposta, e aos restos de uma ditadura que, mesmo institucionalmente, continuam a ameaça-la.

Há diferentes maneiras de interpretar o alcance dessa limitação. Entre outras coisas, o esquecimento produz a naturalização e a banalização da violência institucional – aquela praticada pelo Estado e os governos –,  que admitida como um dos componentes de nossa vida social, não é por isso considerada desumana nem, tampouco, uma anomalia, uma aberração, um desvio: no Brasil, parafraseando Giorgio Agamben, a violência institucional há tempos deixou de ser exceção para se tornar a regra.

A truculência de Bolsonaro é um sintoma desse estado de coisas. Ele mobiliza e organiza um circuito de afetos que tem como centro o esquecimento das violências passadas a informar a indiferença cotidiana para com as violências presentes, usando a democracia não para aprofundá-la, mas para conspirar contra ela e fragilizá-la. Racista, misógino, homofóbico, clara e abertamente fascista, Bolsonaro não é apenas a expressão de nossos impasses políticos, mas um perigo que ameaça nossa ainda débil democracia. Se nunca fomos modernos, com ele estamos condenados a nunca ser.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Bolsonaro, a Rocinha e a metralhadora da mídia

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Ora, ora, ora. Parece que a velha imprensa anda mesmo empenhada em detonar o putativo candidato a presidente Jair Bolsonaro. Desta vez o ataque foi com chumbo grosso, a tiros de metralhadora. A denúncia partiu do jornalista Lauro Jardim, que publicou, no jornal O Globo, a notícia de que Bolsonaro teria proposto metralhar a Rocinha para acabar a guerra entre as facções envolvidas no tráfico de drogas.

Diz o jornalista que a ideia foi apresentada durante um evento de um banco, que reuniu cerca de mil executivos. Qual era a estratégia de Bolsonaro para resolver o problema? Simples. A partir de um helicóptero, lançar folhetos ordenando aos bandidos que se entregassem num prazo de seis horas (por que seis horas?). Se não se rendessem, as metralhadoras começariam a varrer a favela.

A notícia virou tema quente nas redes sociais. Mas não demorou para circular um filme em que Bolsonaro, com ar indignado, fazia o desmentido e exigia uma retratação do jornalista (algo que, parece, não aconteceu). “Isso é uma insanidade, uma loucura alguém escrever uma coisa dessas", disse um irritado Bolsonaro, negando que tivesse falado em metralhar toda a favela.

Eis o problema do candidato. É que a ideia, mentirosa ou não, acaba por parecer plausível sendo ele o autor. Bolsonaro é um boquirroto capaz de dizer os maiores disparates e isso torna fácil acreditar na notícia. Não vamos esquecer daquela entrevista em que ele falava de matar uns 30 mil. Aliás, muitos dos seus seguidores levaram a sério e até acharam que metralhar a Rocinha era boa ideia.

Uma coisa é certa: o estrago (mais um) na imagem de Bolsonaro está feito. O candidato pode espernear, gritar ou ir à Justiça pedir reparação. Mas no Brasil a mentira da mídia (lembremos que o jornalista não desmentiu) tem o efeito de um furacão e os desmentidos mais parecem simples brisas de verão. É lídimo pensar que, depois de focar o afastamento de Lula, a velha mídia tenta agora detonar quem vem em segundo nas pesquisas.

Todos sabemos que a direita – em especial os tucanos – não consegue ganhar eleições, nem mesmo com a incansável adesão da mídia. Quer dizer, a direita não pode correr o risco de ter adversários. Lula e Bolsonaro são pedras no meio do caminho. É preciso removê-las e abrir passagem para um novo Fernando Collor. E todos sabemos que está a ser preparado um candidato - a jato - para dar corpo ao engodo. 

É a dança da chuva.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Um governo ou um bom governo?

POR JORDI CASTAN
Há tantos temas mais urgentes e mais importantes sobre os que deveria escrever aqui no Chuva Ácida. Então, pode parecer estranho voltar quase 2.000 anos no tempo para descobrir que algumas coisas não mudam. 2018 será um ano de eleições. Mas será também um ano marcado por privilégios, os de uma minoria sobre a maioria. Será um ano de injustiças. Será também um ano em que seguiremos vendo o país se apequenar, governado por gente menor. 

Não consigo encontrar motivos para acreditar que o Brasil que sairá das urnas, será melhor que este Brasil. Os brasileiros se conformam com pouco. No Brasil de 2018, não há muita esperança que das urnas possa sair um bom governo. Um bom governo é o resultado de bons governantes e estes são o resultado de bons eleitores. Está difícil encontrar ambos por aqui.

Entre os séculos I e II, Plutarco se dedicou a ensinar a o que seria um bom governo e a aconselhar como escolher bons governantes na Grécia daquela época. Os seus conselhos seguem atuais e hoje como ontem não são seguidos. O resultado é esta serie de governos e governantes ineptos, corruptos e incompetentes que nos governam desde faz mais de vinte séculos.

Escrevia Plutarco que "em primeiro lugar, não se deve eleger à política por um impulso repentino, por não ter outras ocupações ou pela busca do lucro ou ganância. A política deve ser a escolha dos que tem a convicção e o resultado de uma reflexão profunda, sem buscar a própria reputação e sim o bem comum".

É evidente que se alguém por estes lados tivesse lido e prestado atenção aos conselhos de Plutarco, o resultado da ultima eleição teria sido distinto. Mas ainda há  oportunidade de dar uma lida aos ensinamentos dele. Recomendo o capítulo referido "a um governante falto de instrução".

Ainda sobre o tema mais importante de 2018. Não deveria ser a Copa do Mundo e sim a eleição para presidente, governadores, deputados e senadores. Seria bom que os programas de governo com que se elegem os candidatos ao executivo fossem a peça que permitisse a abertura de processo penal contra os candidatos, que depois de eleitos, não os seguissem a risca e os cumprissem.

Se este fosse um país sério, o que claramente não é, teríamos vários deles sendo condenados por mitômanos, por embusteiros contumazes e por incumprimento de contrato com o eleitor. Sim, o eleitor crédulo que acreditou num programa de governo que na maioria dos casos nunca foi levado a sério nem pelo candidato, nem pela sua equipe de governo.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Há algo de podre no reino do judiciário

POR DOMINGOS MIRANDA
Nunca antes em nosso País os juízes tiveram tanto poder como hoje. Isso subverte a teoria de Montesquieu de equilíbrio dos poderes, mas aconteceu em função da desmoralização do Executivo e Legislativo. Isso foi bom para a população? Não, pelo contrário. Temos visto abusos e mais abusos que colocam em risco a liberdade das pessoas de bem, a insegurança dos negócios empresariais e até atividades estratégicas como a pesquisa nuclear. A coisa chegou a tal ponto que os juízes não mais respeitam a Constituição – como a questão do teto salarial – e não há ninguém com coragem para coibir esta afronta legal. Aqui poderíamos copiar Shakespeare: há algo de podre no reino do judiciário.

O caso que mais tem chocado a população é o auxílio-moradia de R$ 4.300 para todos os juízes, mesmo para aqueles com imóveis onde trabalham. O despudor chegou a tal ponto que dois ícones do moralismo da classe média – Sérgio Moro e Marcelo Bretas – tiveram a petulância de dizer que é legal. Isso faz lembrar uma célebre frase do escritor francês Victor Hugo: “Raspai o juiz, encontrareis o carrasco”.

Os empresários não têm mais segurança pois qualquer juiz de primeira instância pode inviabilizar negócios arduamente conquistados. No dia 2 de fevereiro o juiz federal Djalma Moreira Gomes ordenou o desembarque de 25.600 bovinos que estavam a bordo do navio Nada, pronto para partir para a Turquia, sob a alegação de maus tratos aos animais. Depois de ficar detido três dias no porto, o Tribunal Regional Federal autorizou o navio a zarpar. A medida do juiz Gomes causou mais estresse aos bovinos e colocou em risco futuros negócios do exportador. Isso fez lembrar a Operação Carne Fraca, que afetou as exportações de carne para vários países, por causa de um suposto pagamento de propina aos fiscais que liberavam os produtos de 21 frigoríficos.

No mesmo dia em que o navio Nada deixava o porto de Santos o jornal conservador Gazeta do Povo, de Curitiba, publicava em manchete: “Moro deixou o Brasil em escombros”. E acrescentava: “Escombros da Lava Jato: plataformas de petróleo novinhas são vendidas como sucata”. Esta história da Lava Jato ainda está por ser escrita, pois afetou mortalmente as construtores mais competitivas do Brasil e inviabilizou a indústria naval. 

O líder sindical Benito Gonçalves, de Rio Grande, uma das cidades mais afetada pelo desmonte dos estaleiros, desabafou ao jornal paranaense: “É uma lástima, um crime de lesa pátria”. A decana das economistas Maria da Conceição Tavares também teceu seu comentário: “A Lava Jato é uma operação que começou com os melhores propósitos e se tornou uma ação autoritária, arbitrária, que atenta contra as justiças democráticas, para não citar o rastro de desemprego que deixou em importantes setores da economia”.

O judiciário brasileiro é o mais caro do mundo e isto está incomodando muita gente, principalmente neste momento em que se fala tanto em corte de gastos. O editorial da Folha de S. Paulo de 5 de fevereiro abordou esta questão. Sob o título de “Privilégios de casta”, o jornal paulista afirma: “A República pode ser uma ideia estranha para a casta [judiciário], assim como o é o conceito de escassez de recursos. Não raro, magistrados concedem direitos, para si ou outros, que extrapolam a capacidade orçamentária dos governos”.

Mas o que mais amedronta é o poder discricionário dos homens de toga, que tudo podem sem qualquer controle. Quem faz as maiores críticas ao trabalho do judiciário, principalmente no julgamento de Lula, é o jornalista direitista Reinaldo Azevedo, crítico feroz do ex-presidente petista.  Azevedo mostra que os juízes e desembargadores que condenaram Lula não apresentaram provas e isto é um perigo para qualquer cidadão que pode ficar à mercê da vontade dos togados. Ele frisa: “Um país em que o cidadão enfrenta não um juiz, mas uma corporação, este país está com problemas”.

O filósofo chinês Confúcio dizia: “Quando as palavras perdem o significado, as pessoas perdem sua liberdade”. Hoje, no Brasil, a palavra justiça perdeu o seu real sentido e nós estamos correndo um grande risco. Lutemos para restaurar a democracia.s

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O cidadão, o consumidor e os impasses da esquerda



Poucos dias antes de seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o ex-presidente Lula concedeu entrevista ao jornal francês “Libération”. Nela, principalmente, se defende das acusações de corrupção, que o condenaram a 12 anos de prisão e, ao menos virtualmente, o colocam fora das eleições presidenciais desse ano.  Não há nada de muito novo nela, mas das respostas de Lula uma em especial me chamou a atenção.

Ao ser perguntado a que atribui o ódio que acusa estar na origem da perseguição política movida contra ele, Lula argumenta que se trata, principalmente, do ressentimento das elites brasileiras, contrariadas com a ascensão social promovida pelas administrações petistas. E prossegue: “Nós transformamos esses pobres em cidadãos. Eles puderam ir a um restaurante, pegar um avião, comprar carros, computadores e celulares modernos. Tudo que estava reservado aos 35% de brasileiros mais ricos, de repente estava disponível para quase todos”.

Há alguns problemas nessa afirmação, a começar pela concepção frágil de cidadania, drástica e equivocadamente reduzida à capacidade de consumir. Não se trata, obviamente, de negligenciar a importância do acesso a bens de consumo, sejam eles quais forem, ou de menosprezar o significado social e político de ver os aeroportos lotados de brasileiros antes limitados no seu direito de ir e vir. Mas de reconhecer o básico, de que se a cidadania passa pelo incremento do consumo, ela não se encerra nele.

Além disso, Lula sugere uma diminuição da desigualdade ao longo da década em que o PT esteve à frente do governo, o que vem sendo colocado em questão por pesquisas recentes. Elas mostram que a redução dos índices de pobreza se fez pela redistribuição pela base, com políticas sociais como o Bolsa Família, e o aumento do salário mínimo, mas que isso não alterou a desigualdade social,que permaneceu intocada. Não pretendo me estender nisso, porque minha questão é outra. Basicamente, acredito que os critérios pelos quais medimos nossa cidadania não podem basear-se apenas no acesso ao mercado e na ampliação do consumo. Isso é bom, necessário até. Mas não o suficiente.

Se fosse apenas conceitual, ainda assim o equívoco seria sério. Mas a concepção frágil de cidadania, que Lula compartilha com e orienta parte significativa de militantes e simpatizantes do lulismo, pode nos ajudar a compreender alguns dos impasses de parte da esquerda brasileira, notadamente do PT, especialmente em um ano eleitoral. É o que pretendo argumentar nos próximos parágrafos.

Do “golpe” à “fraude” – Foi publicado ontem (06), pelo TRF-4, o acórdão da sentença de Lula. O seu destino não está ainda definitivamente selado, porque há recursos que podem ser interpostos pelos advogados. Se há quem aposte em algum tipo de acordo, com o STF com tudo, para livrá-lo da cadeia, é cada vez mais improvável que sua candidatura sobreviva às decisões da justiça – e não vou entrar aqui no mérito político dessas decisões, que pesaram mais que os critérios jurídicos.

A condenação em segunda instância ensejou uma forte mobilização, dentro e fora das redes sociais, no sentido de garantir a candidatura lulista. Sob o mote “Eleição sem Lula é fraude”, o PT reafirma, embora em outro contexto, o que vem anunciando desde o impeachment de Dilma: o golpe começou em 2016, mas sua consolidação passa, necessariamente, pelo impedimento de Lula, que mesmo após o julgamento pelo Tribunal Federal continua liderando, com folga, todas as pesquisas eleitorais.

Não é difícil entender essa liderança. Há, de um lado, a crônica de um desastre anunciado que é o governo Temer, com seus interesses escusos, sua promiscuidade, sua corrupção desavergonhada e impune. De outro, a memória da relativa estabilidade política e econômica dos governos petistas, a servir como um contraponto à instabilidade crescente. Lula e o PT têm recorrido principalmente a lembrança desse período para justificar, mais que o seu direito a disputar a eleição, a afirmação de que, sem ele, ela será uma fraude.

A questão é: por que uma fraude? É preciso voltar à resposta de Lula ao “Libération”. Quando reduz a concepção de cidadania à capacidade de consumo – frequentar restaurantes, viajar de avião, comprar carros e bugigangas tecnológicas –, Lula sintetiza, em um parágrafo, algumas das diretrizes políticas que, de diferentes maneiras, contribuíram para a glória e a agonia dos governos petistas, ao falharem na consolidação de uma cidadania e de uma cultura democrática mais amplas e participativas. Explico.

Ao valer-se, principalmente, da estabilidade econômica e de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, sem no entanto criar mecanismos institucionais que facilitassem e promovessem uma participação democrática mais ampla e direta, o social-desenvolvimentismo dos governos petistas diluiu o tema da cidadania nos índices de diminuição da pobreza, na prática barrando seu aprofundamento ao reduzi-la a um único, e insatisfatório, aspecto.

Um novo pacto político – Com isso, instaurou a confusão revelada no discurso de Lula: se não há cidadãos, mas consumidores, não é necessário um projeto político, um esforço de pensar o país nem, tampouco, um exercício de autocrítica capaz de apontar, e corrigir, os limites e os erros passados. Se o que está em jogo não é a ampliação da cidadania, nem fazer avançar nossa cultura democrática, mas as promessas de um futuro baseado no consumo, a narrativa precisa ser reduzida até o limite da polarização: de um lado, as forças que atentam contra o retorno idílico ao país da promissão; de outro, aquele que pode nos devolver a ele.

Se em um contexto de estabilidade essa estratégia já seria arriscada, ela é ainda mais em um momento como o atual, sujeitados que estamos a um governo criminoso e ao risco de uma eleição que amplie e fortaleça o avanço de lideranças e grupos reacionários, do ódio à democracia. À medida que insiste no discurso de que uma eleição sem Lula é fraude, tensionando o campo político e apelando à memória dos consumidores eleitores, o PT colabora para aumentar a instabilidade, e arrisca o que ainda tem de capital político.

Chegará um momento em que terá de decidir se tem coragem suficiente para sustentar um gesto político e simbólico de resistência, apresentando uma espécie de “anti-candidatura” de Lula – o que  pessoalmente acho pouco provável. Ou se volta atrás e, contrariando o que vem insistentemente repetindo, reconhece que as eleições, mesmo sem ele, não são uma fraude e tenta transferir os votos a alguém que, devidamente ungido, cumprirá a promessa de, se eleito, transformar pobres em cidadãos precários, porque pouco mais que consumidores. Mas, além da flagrante e incômoda contradição, há pelo menos dois problemas a considerar.

O mais imediato é que a transferência de votos não é coisa simples, especialmente depois de se construir em torno a Lula a imagem de uma candidatura personalista, que paira acima de programas e partidos. Além disso, transformados e tratados como consumidores, os eleitores podem se comportar como tais escolhendo, na ausência de Lula, quem lhe oferece a melhor mercadoria – que pode vir embalada nas promessas enganosas das medidas liberais de austeridade e de redução dos investimentos públicos, ou no recrudescimento da intolerância e da violência institucionais, apresentadas como um antídoto à insegurança e ao medo.

A alternativa seria propor um projeto político capaz de mobilizar forças e recursos para a efetiva construção da cidadania, apontando caminhos e alternativas democráticas aos nossos muitos problemas. Isso significaria, entre outras coisas, assumir a falência do pacto republicano ainda vigente, substituindo-o por outro, a ser coletivamente construído. Mas, definitivamente, ninguém parece disposto a isso.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Carta a Luana Piovani


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Olá, Luana.

Que legal! Fiquei a saber que você decidiu vir morar em Portugal e então tomei a liberdade de escrever para dar uns bitaites. Não agradeça, é a cortesia lusitana. As pessoas de bem são sempre bem-vindas, Luana. Os portugueses são um povo que sabe receber, mas também tem o lado prático: há cálculos a dizer que, para manter o crescimento, o país precisa de 900 mil imigrantes para trabalhar e a gerar riqueza. É gente, né?

Eu explico, Luana. Em Portugal a gente tem um sistema de welfare (muito já se perdeu com os ataques neoliberais) e o dinheiro dos impostos é essencial para investir em saúde, segurança ou educação. Para todos. Então você vai entender a preocupação. Todos são bem-vindos, menos aqueles brasileiros que defendem a ideia de que “sonegar é legítima defesa”. Esses a gente não quer. Podem ficar no Brasil.

Aliás, soube que você estava indecisa entre Portugal e EUA. Não resisto a dar um palpite: a Califórnia deve ser melhor opção. Imagine que Portugal é governado pelo Partido Socialista, um pessoal de centro-esquerda muito parecido com o Partido dos Trabalhadores, no Brasil. E surge a questão. Será que você vai curtir a ideia de ser governada por “socialistas”? O poder está tomado pelos “esquerdistas”, Luana.

O atual governo é minoritário e só consegue governar com o apoio do Partido Comunista (coligado com os não menos esquerdistas Os Verdes) e do Bloco de Esquerda. É o tipo de gente que, mesmo em Portugal, um país de brandos costumes, muitos chamam “extrema esquerda”. Ou seja, para os padrões coxinhas brasileiros eles são ainda mais “esquerdopatas” que os petistas. É dureza.

E mais uma inside information. O Bloco de Esquerda é coordenado pela Catarina Martins. Então fico a imaginar como você vai reagir a isso, uma vez que parece não gostar muito de mulheres no comando. Dilma que o diga, né? E o Partido Comunista é liderado pelo Jerónimo de Sousa, um antigo operário metalúrgico. Metalúrgico? Onde é que já ouvimos essa história? Ah, sim, Lula. Então fica a pergunta: será que você quer mesmo viver num país como Portugal?

Olha, Luana, a gente até já esqueceu aquele episódio do Instagram. Lembra como foi? “O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal e agora continuará a ser pela PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio!”, você escreveu. Confesso que não entendi a declaração, porque parece uma maluquice pegada (expressão cá da terra) e não faz o menor sentido. Era uma tentativa de ofender? Passou.

Despeço-me, Luana, na expectativa de que tenham sido informações úteis e que a ajudem a decidir. Se vier para Portugal vai ser bem recebida. Como foi a Madonna, que já vive aqui faz um tempinho. Aliás, vai ser uma honra para os portugueses ter, ao mesmo tempo, duas estrelas de expressão mundial.

É a dança da chuva.