POR CLÓVIS GRUNER
Fiquei meio fora do ar a semana toda. Sem tempo até pra fuçar
no Facebook, alimentei secretamente a esperança de, ao colocar de volta a cara na
realidade – virtual ou não – seria gratamente presenteado com algumas boas
notícias. Mas nada: o noticiário continua a produzir bizarrices em escala
geométrica. Tantas que precisei de um bisturi para selecionar apenas as
quatro que compõem o segundo volume do meu Febiapa – o Festival de Bizarrices
que Assola o País.
DO DOMÍNIO DO FATO AO DOMÍNIO DO FRETE – Com um zelo surpreendente
para uma imprensa e mídias que há até alguns dias pareciam dispostas a moralizar o país, ficamos sabendo do “helicóptero de carreira” de
um deputado estadual de Minas Gerais, apreendido com inacreditáveis 400 quilos de coca. Não, você não leu errado nem eu me equivoquei: não eram 400
litros de Coca, a Cola, mas quase meia tonelada do mais puro pó, aquele que não
levanta poeira. O deputado se chama Gustavo Perrella e pertence a um partido
recentemente criado, o Solidariedade. Ele e o pai, o senador José Perrella
(PDT), são aliados do governador e presidenciável Aécio Neves, do PSDB, o que
talvez explique a solidariedade – com o perdão do trocadilho – dos meios de
comunicação. O deputado tratou de responsabilizar rapidamente piloto e
co-piloto, afirmando nada saber sobre a carga cheirável transportada em seu
helicóptero. Aliás, o combustível da eufórica viagem foi todinho pago pela
Assembleia Legislativa de Minas. Bizarro.
DURA LEX, TUDO BEM; MAS SED LEX JÁ É VANDALISMO – Flagrado como
responsável por um rombo de mais de meio bilhão de reais – estimativas falam de
R$ 570 milhões, aproximadamente –, o PSDB decidiu se defender. E o fez acusando o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de
manipular as investigações sobre a quadrilha que, sob o comando de tucanos
de altíssima plumagem, passou os últimos anos superfaturando obras no metrô
paulistano. E como o ministro teria manipulado o processo? Ora, enviando provas
e demais documentos do caso à Polícia Federal. Isso mesmo. Para a alta cúpula tucana,
o problema não é o superfaturamento, nem a propina paga aos políticos do PSDB ou os enormes prejuízos causados aos cofres públicos de São Paulo. O problema mesmo, de verdade, é
que o Ministro da Justiça fez o que se espera de um Ministro da Justiça e encaminhou
documentos e provas à PF, tudo com a clara intenção de prejudicar o PSDB e
desviar a atenção para a prisão dos mensaleiros, óbvio. Não deu muito certo, porque
os principais veículos de informação continuam a falar muito de Dirceu e Genoíno
e muito pouco da corrupção em São Paulo, numa desproporção que seria
intrigante não fosse tão reveladora. Em homenagem a FHC: très bizarre.
DIVERSIDADE, DESDE QUE BEM BRANQUINHA – Como quem manda na
Copa é a FIFA, e o Brasil será sede do certame em 2014, andamos um tanto submissos aos caprichos da entidade. E eles são muitos. Nessa semana, os
donos da bola decidiram que Lázaro Ramos e Camila Pitanga não era o casal apropriado para apresentar a cerimônia do sorteio da Copa do Mundo. Vetados, foram
substituídos por Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. Não se trata, claro, de racismo –
afinal, não somos um país racista, nem tampouco a FIFA, não é mesmo? Tanto que
Margareth Menezes e Olodum, entre outros artistas, se apresentarão na mesma
cerimônia, tudo para mostrar ao mundo a diversidade étnica brasileira, segundo
ainda a mesma FIFA. Trocando em miúdos: animar a plateia, tudo bem. Afinal, se
temos anualmente o carnaval, não custa organizar um fora de hora para exportar
via satélite nossa contagiante alegria. Mas ser mestre de cerimônia exige classe
e postura, e o que pensariam plateias mundo afora ao serem confrontadas com a
imagem improvável de dois negros apresentando uma cerimônia oficial? A lógica
da FIFA parece ser a mesma dos comentadores anônimos de blogs: se mostramos ao mundo nossos negros e escondemos nossos talentos brancos, alguém vai pensar que somos racistas. Democracia racial se faz garantindo igualdade de oportunidades, diriam esses mesmos anônimos. Mas a responsabilidade não é da entidade maior do futebol se alguns são mais iguais que os outros. Bizarro, tudo muito bizarro: o
veto e os anônimos.
“IDEOLOGIA-A, EU QUERO UMA PRA VIVER” – Quando o escreveu, Cazuza
certamente não imaginou que seu verso ecoaria tanto e tão profundamente na
direita conservadora brasileira. Fica difícil imaginar o que seria dela, hoje,
sem ter uma ideologia para temer e ideólogos por toda parte para odiar. A bola
da vez é a professora Cléo Tibiriçá, professora de Comunicação e Expressão na Fatec de Barueri . Ela virou objeto de bullying virtual
levado a cabo por uma organização chamada “Escola sem partido”. A tal organização
a acusou publicamente de colocar em prática um plano de ensino que objetiva criar
“a maior aversão possível a tudo o que não se identifique com uma visão
esquerdista ou progressista da sociedade, da cultura, da economia e da história”.
Se não estivesse tão ocupado em entender como o gramscianismo adentrou o
Vaticano, depois da declaração do Papa sobre a economia de mercado, Olavo
de Carvalho certamente acusaria Cléo Tibiriçá de conspirar contra a Civilização
Ocidental. O caso é apenas mais um em um elenco de aberrações
produzido pela organização, que se diz neutra, mas trata professores como criminosos
e alunos e pais como um bando de imbecis. Além disso, basta uma visita à sua página e a apregoada neutralidade cai
por terra. Nela, pipocam artigos de viés de direita e conservador, assinados por um elenco de autores a quem se pode acusar de tudo, menos de não terem uma ideologia. Nada contra, há quem goste e se identifique com o estilo “I see
red people”. Mas se a organização insiste em policiar e atacar a ideologia dos outros e disfarça
a sua própria sob o manto de uma suposta e mentirosa neutralidade, a coisa é
mais que bizarra. É desonesta.