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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Ninguém é profeta em sua terra: uma (tentativa de) autocrítica

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Às vezes os novos caminhos de nossas vidas surgem de forma repentina. Lembro-me bem de quando foi publicado no jornal, há 10 anos, meu primeiro artigo de opinião. Na época era um secundarista com vontade de me graduar em Letras. Desisti e achei as Ciências Sociais por um acaso, graças àquela publicação no jornal. Falar sobre a cidade, escrever e debater era o que eu mais gostava na adolescência. Nada contra, mas bem menos chato que as possíveis aulas no curso de Letras. De lá para cá, muita experiência e a presente decisão de parar por uns tempos.

A tarefa de expressar a sua opinião publicamente é árdua e desgastante. Faz você perder amigos, empregos, e o seu círculo social fica cada vez mais restrito às pessoas que pensam parecido com você, graças a tal homofilia. Comportamento que partiu de todos os círculos sociais em que eu estava inserido. Também me ensinou a lidar melhor com as críticas, algo que raramente você consegue quando é jovem. E ah, aceitar os erros, que foram muitos.

Neste período também mudei muito meu posicionamento político sobre várias questões, felizmente. Essa mudança talvez não tenha sido bem aceita por alguns, mas foi por outros. Enquanto uma ligação termina, outra começa. Expressar a opinião é mergulhar neste telefone sem fio interminável, sob tutela da opinião alheia.

Sinto-me na obrigação de dar um tempo, até porque expressar abertamente aquilo que penso me cansa demais, principalmente perante o cenário caricato que nossa cidade vem ganhando nos últimos anos (parece que nada melhora ou se desenvolve), e também a abertura para novos lugares e novas possibilidades profissionais e pessoais. O blog Chuva Ácida foi muito importante neste processo pois consolidou algo diferente para a cidade, e deu a todos os leitores opiniões diárias sobre os acontecimentos e que geralmente não eram vistas nos jornais. Quase 1 milhão de acessos em três anos. Pode parecer pouco, mas são 500 pessoas que, todos os dias, leem algum texto por aqui publicado. Só tenho a agradecer ao Jordi, Baço e Felipe que me convidaram para esta aventura, aos demais colegas de blog e a todos os leitores, gostando ou não do que eu escrevi.

Se não fosse este espaço, dificilmente teria condições de escrever abertamente sobre a UFSC em Joinville, sobre os assuntos de planejamento urbano da cidade (mobilidade urbana, LOT, gestão democrática da cidade, Praças da Cidade, IPPUJ, etc.), sobre as diárias dos deputados (que mudaram o sistema após nossa denúncia) e tantos outros temas em que "dei a cara" mais de 150 vezes. Fico feliz por estarem surgindo outros nomes e se consolidando outros, sinal de que algo novo está em uma necessária gestação.

E de novidades é que se faz a vida. Foram 10 ótimos anos neste ciclo entre blogs, TV, rádio e jornais. Não me arrependo de nenhuma linha escrita, ou de posicionamento político tomado. Talvez só de algumas mudanças que não consegui fazer, principalmente nas minhas passagens pela gestão pública. Mas como nem tudo dependia de mim...

Por mais irracionais que algumas escolhas possam parecer, elas fazem parte do nosso amadurecimento, nesta busca incessante por medalhas de reconhecimento para tudo o que ocorre em nossas vidas. Todos temos uma história, cheia de confusões e certezas, mas tudo o que queremos é fazer algo de diferente, que seja a nossa imagem. Ao fim, todos temos as nossas medalhas, advindas simplesmente da vontade de mudança. E, em Joinville, diante das dificuldades, o que pode parecer simples, banal e frívolo para uns vira grandes conquistas pessoais para outros. Alteridade.

Como já dizia o ditado, "ninguém é profeta em sua terra". Tá na hora da minha terra aprender com seus próprios erros, sem precisar do chato aqui para "encher o saco".

A vibe agora é outra.

PS: cadê a Leroy Merlin?

quarta-feira, 19 de março de 2014

Comentários dispensáveis


POR FERNANDA M. POMPERMAIER

Esse blog aceita comentários anônimos
Infelizmente, meu voto foi vencido, por mim não aceitaríamos. 
Mas somos um coletivo democrático, vale a decisão da maioria e nessa, os anônimos passaram.

Para compensar essa tortura, ainda bem, existe moderação.
Não temos nenhuma obrigação de publicar todos os comentários que recebemos. 
São publicados os que passam pelo filtro.

E nesse filtro existem alguns princípios básicos que atingem todos os blogueiros, mas também existe uma parcela de julgamento pessoal. Sendo assim, decidimos que cada blogueiro libera os comentários dos seus textos. Nessa questão, como já expressei aos colegas inbox, os considero flexíveis e tolerantes demais. Não tenho a menor paciência/saco/estômago para ler as ofensas ou ignorâncias que comentam nos textos deles, e infelizmente às vezes nos meus.

Difícil compreender o impulso que leva uma pessoa a se expressar com tanta ira quando nos propomos a discutir temas que nos afetam no dia a dia. Usamos para escrever um tempo que retiramos das nossas famílias, do nosso tempo livre, sem nenhum retorno, apenas para conversar, trocar ideias, tentar pensar a cidade, o país ou até o mundo em que vivemos. É uma oportunidade de diálogo, de ver as mesmas coisas sob outros ângulos, de dividir perspectivas. Existe um ser humano desse lado, que merece o mesmo respeito que o leitor.

Não é uma questão de concordar ou discordar. Eu adoro comentários que questionam o ponto de vista, que fazem repensar, que acrescentam informações ou que também dividem experiências de vida. A esses sou extremamente grata, porque compartilham um pedaço de si, me fazem entender que tem gente aberta, receptiva e disposta do outro lado, que também quer conversar. A esses meu caloroso acolhimento. E não se preocupem, pelo menos nos meus textos, poderemos conversar sem comentários ofensivos no meio porque esses não irão passar.

Mas se você é um hater (desocupado que destila ódio pela internet) e tem a intenção de expressar sua raivinha nos textos que eu escrevo, não perca o seu tempo. Não vale gastar as pontinhas dos dedos porque eu deleto sem dó nem piedade. Ou entra para o debate com argumentos e informações de verdade ou vai abrir um blog para você poder escrever o que pensa com a liberdade que deseja.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O descaso matou mais um no trilho de trem; promessa do contorno ferroviário se arrasta desde 2008

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Foto: Agência RBS
Na última semana, o Hospital Universitário de Florianópolis confirmou a morte de Samuel do Amarante, após ter duas pernas e um braço amputado devido a um acidente nos trilhos de trem, na zona oeste de Joinville. Samuel é mais uma das inúmeras vítimas que poderiam ter um destino diferente, se não fosse o descaso do Governo Federal para consertar o erro histórico que a cidade cometeu no início do século passado.

Digo isto porque a cidade de Joinville, na virada dos séculos 19 e 20, tinha uma economia extrativista de madeira e beneficiadora de erva-mate. A matéria-prima de muitos comerciantes poderia vir do planalto catarinense, sem contar a facilidade do escoamento de cargas para o porto de São Francisco do Sul. Para isto, o trem seria a grande solução. Entretanto, pelo traçado original, a ferrovia prevista para a região passaria 25kms ao sul de Joinville, ligando diretamente Jaraguá do Sul a São Francisco do Sul.

Defendendo os interesses que esta ligação regional poderia trazer para os empresários da cidade, em setembro de 1902, a Câmara Municipal intercedeu junto ao então Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Sr. Lauro Muller (catarinense, ex-governador da Província de Santa Catarina, e com ligações partidárias com a elite política joinvilense), solicitando a modificação do traçado da linha férrea. Veja mais sobre isso neste link.

Ou seja, o trilho de trem não era pra estar onde está. Só está devido a vontade dos empresários desta cidade.

A cidade se espraiou, a sua economia cresceu, e grande parte da ocupação urbana de Joinville aconteceu, até meados da década de 70, em torno da Estação Ferroviária. Os pobres ao sul, "pra lá do trilho", e os ricos ao norte e ao noroeste. Com o "boom" industrial, as ocupações adensaram-se para todas estas regiões, e incluíram novos vetores de ocupação, principalmente para operários: o leste e o oeste. O norte continuou sendo uma região de ricos, e o restante de classe média-baixa ou pobre.

Como Joinville teve uma ocupação descontrolada pelo poder público municipal, sem o cumprimento de planos diretores, estudos ou qualquer preocupação com o futuro, os mais pobres foram ocupando as regiões em que o trilho de trem passava (oeste e sul). E nos últimos anos, as reclamações com congestionamentos e demais transtornos na região são grandes por parte de moradores destas regiões. Somado a isto, a Estação Ferroviária não tem mais importância como antigamente (devido a uma política rodoviarista que aniquilou as ferrovias nacionais) e a solução encontrada pelo governo federal seria o contorno ferroviário para que, incrivelmente, o trilho de trem passasse mais ou menos a 25kms ao sul da cidade, conforme o projeto original de 1901!

A então senadora Ideli Salvatti foi a pioneira nesta questão em 2008 e levantou a bandeira junto ao governo Lula, o qual liberou recursos em 2009, totalizando R$ 68 mi em investimentos. A empresa que executaria os serviços foi licitada e os trabalhos seriam interrompidos em 2011 devido a um problema com o solo, que cedeu. Devido a este atraso, as licenças ambientais ficaram vencidas, e todo o processo de licenciamento ambiental deveria ser refeito. Após o esquecimento da imprensa e classe política locais (como relatei no Chuva Ácida em 2012), o tema voltou a ter andamento somente no ano passado. Agora, o novo prazo para início das obras é março deste ano, e conclusão para 2017. Nove anos de espera, isto se não houver novo atraso.

Quantas mortes serão necessárias para que esta questão seja tratada com urgência em Joinville? É incrível como o poder público, ao longo de todos estes anos, foi omisso: viu os pobres se acumularem "num canto" da cidade, e os deixou com problemas urbanos gravíssimos, em risco de morte permanente. Caso Samuel e tantos outros estivessem andando em uma região rica de Joinville, o trilho do trem nem estaria ali pois, nesta cidade, o descaso não combina com a riqueza.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

21 questões que Joinville precisa resolver o quanto antes

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Provavelmente a maior dificuldade do ser humano é saber o momento certo para criticar, construir e trocar opiniões e ideias sobre as coisas do mundo. São mais de dois anos escrevendo para o Chuva Ácida, doando para um certo "mundo" - o virtual -, um pouco do meu tempo, e da lente que me faz enxergar a sociedade. Lembro exatamente do primeiro convite para ajudar a criar o blog, o primeiro texto, e a primeira crítica proferida pelo submundo do anonimato, o qual sempre fui contra, mas sempre respeitando a decisão coletiva. Foi um ótimo caminho, pois cresci, amadureci e pude reforçar ainda mais aquilo que eu sempre gostei de fazer: falar, estudar e debater sobre Joinville.

Tive várias oportunidades para estudar longe desta cidade. Talvez fosse até o melhor caminho a seguir, visto que a cidade não é muito amistosa com pessoas que estudam nas áreas de humanas. Por questões familiares, de enraizamento com a cidade, e também pessoais-intelectuais eu preferi continuar morando aqui, e viajando para cidades vizinhas a fim de continuar meus estudos. Diariamente por 4 anos até Itajaí. Semanalmente desde 2010 para Florianópolis (mestrado) e Porto Alegre (doutorado).

Tive a maravilhosa oportunidade de conhecer pessoas diferentes, de lugares diferentes, moradores de cidades diferentes. E estes contatos influenciaram diretamente os meus textos aqui neste blog, creio eu. As viradas conceituais que tive nestes últimos anos foram incríveis, mesmo que isto prejudicasse amizades, imagem político-profissional e, também, o meu próprio nome. Mas o essencial, que era o contato com Joinville, eu nunca perdi. Pelo menos foi isso que eu tentei passar nos 129 textos que escrevi para este espaço.

Reconheço que não sou perfeito, muito menos um grande sociólogo, como grandes mestres que tive ao longo desta jornada que está apenas começando. Tentei, ao menos, ser o melhor cidadão possível, cumprindo com uma função coletiva de dar subsídios ao debate, mesmo que o leitor estivesse pré-determinado a não concordar. Eis a minha função social que encontrei ao aceitar o convite para integrar este grupo.

Denúncias de corrupção, debates sobre política, economia, cultura, educação e principalmente planejamento urbano. Foi tudo o que fiz por aqui. Repito, não com o mesmo brilhantismo de meus colegas, mas sempre na tentativa de acertar. Eu não sei o porquê desse vínculo todo com um lugar que diariamente tenta me extirpar, juntamente com meus colegas de militância e atuação social. Uma cidade onde o rico é totemizado, um semideus, e que seus mandos e desmandos influenciam diretamente as vidas das pessoas "comuns", mesmo sem elas saberem. Um grupo que já tentou me calar, me influenciar, me comprar, e minar todas as possibilidades que eu poderia ter em Joinville. A resistência é forte, e foi expressa aqui semanalmente.

Muitas pessoas passaram a respeitar a função de socíólogo, graças ao Chuva Ácida. Estas, em uma considerável maioria, nunca souberam qual era a função deste profissional dentro de uma sociedade. Por outro lado, muitas pessoas me acusam de ser um obcecado pela crítica em si, sem querer construir ou propor coisas diferentes. Como já falei por aqui em várias oportunidades, estar escrevendo fez parte da minha construção particular, e, consequentemente, da construção da minha função enquanto um ser que faz parte de uma coletividade. Se porventura minha posição não lhe agrada, caro leitor, peço as minhas sinceras desculpas, mas Joinville precisa aprender a respeitar pessoas que se dispõem a mostrar o contraponto, por mais incoerente que ele possa ser em alguns momentos. Se o Chuva Ácida conseguir contribuir para a construção deste sentimento na sociedade, é uma vitória e tanto.

Sendo assim, escrever aqui fez abrir os olhos para aquilo que eu já enxergava, mas não observava. Escancarou coisas que, quase sempre, os patrulheiros de plantão não percebiam, pois se atentavam apenas para as críticas, em uma atitude promíscua e casuística de perseguir para a manutenção de interesses particulares, e não pela promoção de um debate. Analisando rapidamente tudo o que já postei, faço um seguinte resumo das situações que pude elencar neste espaço, alertando para a resolução urgente destas. A não observância disto, ao meu ver, levará Joinville ao caminho do abismo da desigualdade social extrema, da inexistência do "direito à cidade" e da perda coletiva em todos os setores que formam o conjunto social. Entretanto, como poucos enxergaram, faço o exercício de um novo alerta, talvez de forma mais visível, com a esperança de que haja um despertar, seja lá de quem for:

Fonte: http://farm9.staticflickr.com/8163/7405503404_154a519b5b_o.jpg
1 - Joinville (e seus políticos) precisa entender que crescer a economia não é, necessariamente, crescer a cidade;
2 - A mídia deve ser independente, absorvendo as demandas sociais como pauta, ao contrário do clientelismo e patrimonialismo que assolam as TVs, rádios e jornais locais;
3 - Os investimentos públicos devem ser distribuídos da maneira mais homogênea possível pela cidade, considerando a particularidade de cada bairro e também as diferentes posições relativas ao rendimento médio dos cidadãos;
4 - O Plano Diretor precisa ser respeitado, e não servir apenas para as demandas que surgirem ao longo dos anos;
5 - Uma cobrança e vigilância mais efetiva nos representantes estaduais e federais (deputados, senadores, etc);
6 - Abolição da "cultura do trabalho" que corrói esta cidade nas últimas décadas, ceifando oportunidades de trocas entre os cidadãos de Joinville;
7 - Uma educação pública que contemple todas as áreas do conhecimento, e despreocupada de formar profissionais de acordo com as demandas de mercado;
8 - Uma sociedade que respeite o diferente, em todos os níveis (religião, sexualidade, gênero, posicionamento político, etc);
9 - Menos Bisonis e mais professores;
10 - Uma saúde em que as pessoas não precisem de correntes para vislumbrarem atendimento;
11 - Uma Joinville onde as pessoas passem a olhar para as calçadas em péssimas condições, ao invés do buraco nas ruas;
12 - Uma cidade que pare de se espraiar, evitando assim a especulação imobiliária a qual é a responsável por loteamentos horizontais reprodutoras de um sistema nocivo de urbanismo baseado no automóvel;
13 - Sem monopólio de Gidion e Transtusa afirmado por uma caneta e vários colarinhos brancos;
14 - Uma maciça presença popular nas ruas e nas instâncias participativas;
15 - Uma juventude que se preocupe mais em ajudar os seus semelhantes ao invés de pensar exclusivamente em qual balada ir no final de semana;

Fonte: http://ndonline.com.br/uploads/global/materias/2013/07/06-07-2013-16-12-50-policiais-area-.jpg
16 - Cultura nas periferias da cidade, não somente nos bairros centrais e para os ricos;
17 - Governantes que pensem exclusivamente em diminuir a distância entre o mais rico e o mais pobre desta cidade;
18 - O fim da subserviência de uma cidade às entidades empresariais e todos os seus interesses e negociações ilícitas, imorais, ou particularistas;
19 - Profissionais que sejam profissionais, creditando seu sucesso ao seu trabalho, ao invés de suas redes de relações, "camarotes sociais" ou "puxasaquismo" alheio;
20 - Uma cidade de menos champas com sushi e mais suco com arroz e feijão;
21 - Uma Joinville em que todos possam vivê-la de uma maneira igualitária, humana e justa, sempre.

Como você leitor talvez pôde perceber, estou em clima de despedida deste blog. Todos na vida necessitam de um momento de pausa para, após isto, voltar a cumprir as suas funções sociais com uma maior força. Esta etapa de minha vida eu cumpri. Agora parto para outra etapa, tão gratificante quanto esta que pratiquei por aqui. Quem sabe eu volte - pode ser uma saída temporária - mas o sentimento de gratidão é permanente com todos: os colegas de blog, os leitores, os críticos, e os que querem uma cidade melhor, independente da sua história, visão de mundo, ideologia ou militância. É assim que todos saem ganhando.

Por enquanto a maioria é que está perdendo, em detrimento da vitória de poucos. É a mudança deste cenário que me faz levantar da cama todos os dias. O meu objetivo está traçado. E o seu?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O "blá-blá-blá" das redes sociais

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

É muito comum nos depararmos com pessoas que são contrárias às redes sociais, principalmente pelas manifestações que surgem a partir dos Facebooks, twitters e blogs da vida. O próprio Chuva Ácida é prova disso, ao ser criticado constantemente por pessoas que não gostam de terem suas atitudes confrontadas perante um contraditório que por aqui surge. Há outras milhares de pessoas, em seus perfis particulares, que encaram as redes sociais como um espaço de militância e de divulgação das ideias. A reação a isso tudo, portanto, é a desqualificação em tom de "crítica pela crítica" ou um puro "blá-blá-blá"

O que estes reacionários não enxergam, por muitas vezes, é a ação de um discurso. Esta ação pode seguir dois caminhos muito distintos, dependendo da intenção do emissor da mensagem: pode transformar, trazer novos pontos ao debate, mudar o ponto de vista sobre determinada situação, ou simplesmente contrapor aquilo que, ao seu ver, está errado. Por outro lado, pode manter um status quo; esconder as reais intenções de uma situação, ou simplesmente propagar conceitos que não transformam e apenas reproduzem o vazio. Nenhuma palavra é solta "ao vento", sem intenções.

Foi este mesmo "blá-blá-blá" que mostrou para o mundo inteiro, através das redes sociais, o real problema da questão urbana brasileira. Foi o que levou milhões para as ruas, e iniciou o processo de conscientização de muita gente sobre a real importância da manifestação e busca por soluções, através das "Jornadas de Junho". Nada teria acontecido sem a propagação de discursos, de mensagens, de ações transformadoras embasadas em conhecimento sobre determinados assuntos. As redes sociais potencializaram a propagação. Até a eleição para Prefeito em 2012 teve cenários delimitados pelo o que surgia no meio virtual.

Portanto, o "blá-blá-blá" sempre está na cabeça de quem não acredita no poder de uma palavra. Está na cabeça de quem acredita 100% no que diz a mídia tradicional e corporativa, as camarilhas políticas, e as rodas de puxa-sacos. Está naquele que tem medo da mudança pela possibilidade de detrimento do individual em prol do coletivo.

Para finalizar, vale lembrar que o emissor tende a deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos, e o discurso explicita sua luta pelo poder. Não poderia ser diferente, pois a explicitação de seu desejo de poder é o próprio discurso. De forma diversa, o discurso tem lados, é um discurso de visões de mundo. Desconstrói o outro e a forma como constrói a si próprio, como oposição ao outro; (re)produz o mundo. Falar, criticar, escrever, apontar e desconstruir não é "blá-blá-blá". É a forma que alguns encontraram de mudar o lugar em que vivem. E, convenhamos, Joinville precisa demais destas pessoas.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Chuva Ácida completa dois anos

POR COLETIVO CHUVA ÁCIDA

Hoje, dia 23 de setembro, o blog Chuva Ácida completa dois anos na internet.

Estamos cientes de que, em todo este tempo online, abrimos um novo canal para o debate, o contraponto e a crítica com conteúdo sobre os acontecimentos da cidade, do país e do mundo. Consolidamos isto em mais de 1400 postagens, que geraram quase 16 mil comentários e 570 mil visitas.

No dia de ontem os integrantes deste espaço reuniram-se em uma videoconferência (hangout do Google) para debater os objetivos do blog, os principais temas relatados neste último ano, e as expectativas para daqui em diante. A conversa foi transmitida ao vivo, via YouTube. Para quem não assistiu (ou quer ver de novo), a gravação do bate-papo pode ser conferida no vídeo abaixo:


Agradecemos a todos pelas visitas, comentários, sugestões, críticas e apoio, em todos os momentos. Os nossos propósitos seguem firmes, e esperamos melhorar diariamente, renovando-nos e refutando a estagnação e conservadorismo característicos das mídias tradicionais. É por isto que dedicamos parte de nossas vidas a este projeto. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

LOT e financiamento de campanhas: o caso da Estrada Barbante

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Fonte: webimprensa.sc.gov.br
Às vezes, nós aqui do Chuva Ácida somos criticados por textos e falas que são muito abstratas, conceituais ou que não se materializam diante dos olhos de todos, criando um panorama realístico sobre as coisas. Quando falamos sobre a LOT, Conselho da Cidade, corrupção, e todos os outros temas que dominam parte das discussões aqui proferidas, estamos falando de uma sociedade desigual, aquela do jeitinho, e que esconde interesses que vão contra ao bem de uma coletividade. Estamos desconstruindo coisas que acontecem, e compreendo que seja difícil, para muitos, desmascarar situações ou entender situações desmascaradas.

É sabido que as campanhas eleitorais são processos que incitam o desenvolvimento da corrupção. O financiamento privado pode colocar no jogo perspectivas particulares, através do dinheiro injetado na campanha dos candidatos. Sabemos também que o momento da alteração de zoneamento pode, por muitas vezes, representar interesses específicos de loteadores, empresários da construção civil, especuladores, etc. E o vereador tem um papel fundamental na hora das alterações de leis urbanísticas. Portanto, existe uma íntima ligação entre financiamento de campanha e alterações no zoneamento das cidades.

Para descrever isto, descobrimos nesta semana um fato muito curioso na política local, envolvendo a Toscana Construções S/A, o vereador Manoel Bento (PT) e a nova lei de ordenamento territorial. Os fatos levantados a seguir nos levam a crer que a relação entre os fatos citados existe.

Toda a suspeita começa com a inclusão da Estrada Barbante, no Morro do Meio, como uma Faixa Viária (clique aqui e entenda o que é Faixa Viária), após todas as discussões sobre LOT já estarem adiantadas nas instâncias internas da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Uma série de ruas e avenidas estavam incluídas previamente, e de repente, surge a Estrada Barbante.

A suspeita se desenvolve quando partimos para o entendimento do porquê da inclusão da Estr. Barbante no projeto de faixas viárias. O local é rural, não possui conectividade com outras vias troncais, e não possui nenhum motivo aparente (urbanisticamente falando) para ser uma nova faixa viária da LOT. Um erro dos responsáveis pelo projeto, aparentemente.

Entretanto, olhando a listagem dos donos de terrenos desta Estrada, aparece a Toscana Construções S/A, conforme mostra este arquivo, retirado do sistema da Prefeitura de Joinville. O terreno de 278mil m², enquanto zona rural, tem um uso muito restrito às atividades agrosilvopastoris. Enquanto faixa viária, terá seu uso amplificado, para vários tipos de empreendimentos. Ou seja: o terreno, com a LOT aprovada, vai valorizar e poderá ter empreendimentos da empresa no local, visto que a citada é uma construtora.

A consolidação da suspeita surge a partir da consulta desta empresa no sistema de informações das doações de campanhas. Em 2012, a Toscana Construções S/A doou R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a campanha do vereador Manoel Bento (PT),conforme imagem abaixo, este eleito para mais um mandato. E que a inclusão da Estrada Barbante como faixa viária no projeto da LOT ocorreu após Bento ter sido eleito presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara de Vereadores de Joinville (veja a versão atualizada do projeto da LOT no site do IPPUJ.


Está clara a relação entre o empresário, o político, e a LOT. Deixamos o Chuva Ácida à disposição dos envolvidos para explicarem esta doação para a campanha de Bento e as consequentes alterações no projeto da LOT, visando a valorização de um terreno particular a partir de um ato especulativo. Entretanto, não dá para admitir que a LOT (esta LOT, do jeito que está sendo feita) seja para o bem de todos, e que deva ser aprovada imediatamente, sem discussão com a população e um Conselho da Cidade democrático, sob o risco da cidade "parar". Quanto mais discussões tenhamos, mais aparecerão situações como estas, e o processo se tornará mais transparente. O acompanhamento, pela população, de questões como a LOT, direciona as políticas públicas para o caminho da efetividade, ao invés de um caminho difuso e danoso para a coletividade. Outros casos estão sendo investigados e serão divulgados oportunamente.

Atualização (25 de setembro):
A assessoria do Vereador Manoel Bento (PT), encaminhou a seguinte resposta:

Resposta ao blog Chuva Ácida
A assessoria do Vereador Bento (PT) entrou em contato com o Cientista Social Charles Henrique Voos referente à publicação feita ontem (18/09/2013) no blog Chuva Ácida. O motivo foi entender qual o embasamento para o texto presumir a relação de favorecimento da Empresa Toscana na LOT (Lei de Ordenamento Territorial).  

De acordo com Charles, sua matéria é resultado de análises de dados para sua pesquisa de doutorado. O estudo cruza informações acerca de empresas doadoras em campanhas políticas com pedidos na LOT. O Vereador Bento não nega que a empresa tenha feito uma doação em sua campanha. No entanto, é necessário esclarecer que o contato com esse grupo imobiliário de Rio do Sul, se deve ao apoio e orientação que o parlamentar ofereceu a empresa que vinha elaborando o projeto habitacional de construção de três mil moradias. Através do Programa Minha Vida, o objetivo é contemplar famílias de 3 a 6 salários mínimos no bairro Morro do Meio.  

Contudo não há em nenhum documento da Câmara (requerimento, moção, ofício) ou pedido verbal ao Vereador Bento (PT) solicitando a intervenção em questões de zoneamento na LOT. De nosso conhecimento, o único pedido de dados oficiais feito pela Toscana Construções consta como consulta branca na Seinfra para a construção de um empreendimento imobiliário do Programa Minha Casa Minha Vida. 

Até a data de 31/12/2011 não havia nenhuma indicação de Faixa Viária para a Estrada Barbante. Bem como a LOT não sofreu alterações em 2012. Atualmente, no novo projeto da LOT (Lei de Ordenamento Territorial), foi incluída a Estrada Barbante, por sugestão do Executivo.  
 O Vereador Bento entende que o estudante de doutorado tem o direito acadêmico de fazer suas análises. Porém segundo o próprio Charles, sua opinião não se baseia em nenhum documento de trâmite oficial, sem o qual jamais poderia se concretizar o pedido. 

É comum em pesquisas acadêmicas e cientificas utilizar a metodologia de análise comparativa onde o pesquisador ousa fazer essas considerações. Mas ao contrário do que foi citado, o Vereador Bento não teve nenhuma relação com a inclusão da Estrada Barbante como Faixa Viária na LOT (Lei de Ordenamento Territorial). O parlamentar manifesta seu posicionamento: 

“Estou em meu terceiro mandato e justamente por isso, tenho um compromisso com a população. Sou o presidente da Comissão de Urbanismo e no ano passado fui presidente da Comissão de Legislação e Justiça. Não encaminhei nenhuma sugestão para o novo projeto da LOT. A nova Lei de Ordenamento Territorial está sendo analisada pelo Conselho da Cidade. Prezo muito pelo respeito a cada cidadão. Portanto, tenho o direito de exigir que não sejam feitas suposições que coloquem em dúvida a minha conduta ética e moral”, diz Bento. 

Como a tese do estudante Charles ainda não foi publicada e nem julgada, o Vereador Bento sugere cautela nesse processo de pesquisa, para que não ocorram julgamentos precipitados e injustos antes da conclusão e legitimação do trabalho acadêmico. É importante que essas informações se pautem em dados factíveis.

Assessoria de Comunicação
Vereador Manoel Bento (PT)
E-mail: vereadorbento@gmail.com


terça-feira, 28 de maio de 2013

O poder é tortuoso, Charles Henrique!

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Esta frase, proferida por um grande amigo semana passada, me marcou demais. Soou como um grande soco no estômago, daqueles que você fica horas deitado no chão e sem ninguém pra lhe socorrer. É só você, seu corpo, e sua consciência. Não há saídas, nem espaço para fugas. Ou você reconhece que o soco do dia seguinte virá; resignando-se com a dor, ou você se esquiva e foge desta luta invisível e fria, onde a pressão se apresenta por todos os lados e esmaga qualquer tipo de pensamento ou expressão contrários.

Joinville padece de liberdade. Uma liberdade que vai além do ato de falar o que se quer, em qualquer momento, sob qualquer circunstância. Necessitamos, enquanto sociedade, reconhecer que o outro pensa diferente de nós, e ele não é fadado a se calar perante a primeira ameaça, ou à medida que se sente coagido pelas tortuosidades do poder. A fala, por si só, aprisiona. Entretanto, quando ela é reconhecida como uma construção social, que evidencia as disparidades do poder, suas desigualdades, e regras do jogo (desencapando-o de sua audaciosa invisibilidade), liberta. Em nossa cidade, quem faz isto é excluído por várias frentes que, por muitas vezes, controlam os nossos controladores e são os responsáveis pela confecção desta "mão invisível". E é perseguido até que o cansaço do enfrentamento e da não-resignação toma conta da alma, desistindo de enfrentar o soco do estômago de cada dia. É por estas e outras que algumas pessoas não sabem "engolir sapos".

O poder joinvilense é tortuoso pois é ignorante consigo mesmo. Esquece de suas virtudes e deveres. Enche-se de tentáculos para camuflar uma realidade, ou kamikazes políticos que estouram as mais diferentes adversidades encontradas pelo caminho. Por outro lado, se lembra daqueles que menos precisam ser lembrados. Constrói, altera e revisa tudo aquilo que diz sobre os interesses de poucos. E esconde a verdade da maioria da população. Felizmente algumas pessoas sempre buscam o estranhamento do familiar, em um bom processo diáletico, para o entendimento da totalidade. Destes, muitos entendem, e por motivos difusos, aceitam continuar tomando soco no estômago. Outros falam, e esperam ser ouvidos. Se você fala de dentro dos corredores tortuosos do mais alto poder, aparecem ameaças que precedem uma expulsão. Cabeças rolam, literalmente (nas mais modernas concepções que esta expressão pode permitir).

Particularmente falando, eu escolhi o meu lado. É por isto que fui estudar (e continuo até hoje), escrevo aqui no Chuva Ácida, me tornei professor, e, por algumas vezes, fui levado à gestão pública para tentar mudar aquilo que tanto percebo em minha jornada existencial. Não sei engolir sapos. Não aceito mais tomar socos diários no estômago. Não aceito compactuar com pensamentos tão distintos dos meus. Não aceito não ter oportunidades para mudar, mesmo estando na instância da mudança. Não aceito me resignar. Não aceito parar de apontar. Não aceito deixar de ser eu, para me camuflar e me tornar invisível dentro do poder. Serei eu, apenas eu. Admirador do debate e da cordialidade, consciente de todas as diferenças de posicionamentos que isso pode proporcionar. Admirador da sociedade em que vivo, e constante analítico do poder que a comanda, por mais tortuoso que seja e insista em me excluir. De tão tortuoso pode quebrar um dia. É nisso que acreditarei de hoje em diante.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Joinville, a vila do senso comum - Parte II

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Em uma vila, a principal área de interação social é a pracinha central, ou, em casos mais extremos, a igreja da cidade. Tudo acontece apenas em um dia da semana, e o processo é engessado por uma dinâmica que não promove a troca, o diálogo, e a construção de diferenças. Só existe um local, um momento, e as mesmas pessoas. É ali que o senso comum é (re)produzido. Na nossa Joinville não é diferente: o senso comum é consolidado nos lugares em que cada grupo social se reúne. Não há lugares cosmopolitas na cidade, cada local é um reduto específico de guetos. Típico comportamento de vila em meio a mais de 520 mil habitantes.

Um dos grandes símbolos desta visão é a recreativa das empresas locais. O trabalhador (sem essa conversa fiada de "colaborador", por favor!) esgota-se durante a semana no trabalho, e no final da semana, momento oportuno para o seu momento de ócio criativo (no sentido mais "demasiano" possível), vai para a recreativa da empresa se divertir. Detalhe: o seu chefe é o churrasqueiro da festa, o seu subordinado o goleiro do time de futebol e o dono da empresa distribui patéticos brindes no bingo vespertino. Não há espaço para fluir o diferente, a crítica (como criticar o patrão, se ele tá ao meu lado?) muito menos a consciência de que a cidade não é formatada para o trabalho e que este não é o único responsável por uma qualidade de lazer inalcançável, caso estivesse desempregado. A empresa faz, com suas recreativas, o possível para o trabalhador acreditar que a sua função é ótima. De forma mais concreta, é uma manipulação para manutenção do comportamento preferido dos joinvilenses.

A partir da década de 1980 a cidade se transformou e a abertura econômica ao consumo criou espaços até então típicos de países "desenvolvidos": os shoppings centers. Seja com o Americanas, Mueller, Cidade das Flores, Center Leste (alguém lembra?) e o Garten, todos são produtos de um comportamento que, ao longo dos anos, manteve a - e pediu pela - formatação de espaços segregados e distantes da "realidade das ruas", reduto principal das extremas diferenciações sociais. Resumindo, o shopping center se tornou o local perfeito para alienação referente ao que acontece "lá fora", e é óbvio que seria um templo majestoso para a maioria de nós, joinvilenses. Um espaço que orienta o que você vai consumir, vai comer, e vai ter de lazer (nem que seja só ficar dando voltas pelos corredores) é, conseqüentemente, um espaço que excluirá a possibilidade de trocas.

Os joinvilenses adoram ver vitrine, rodar os estacionamentos lotados, almoçar, lotar salas dos cinemas com filmes de baixa qualidade em cartaz, e "verem e serem vistos" com os últimos lançamentos da moda. De tão iguais, eles se tornam invisíveis enquanto indivíduos e representam uma única massa, enorme, sem cor, e maleável de acordo com as novas representações desta coletividade que não pensa e constrói cativeiros sociais a serviço do pensamento acrítico. É a partir daí que o tipico joinvilense não aceita quem pensa diferente de si.

A pior tragédia neste sentido acontece de forma silenciosa: a cidade perde, aceleradamente, o seu papel de transformação, de diálogo e de trocas. Se fomos historicamente acostumados a não evidenciar isto, a cidade (ou seja: as ruas, as praças, os parques, etc.) é o último local em que precisaremos estar. Aliás, só o nosso carro precisa. A cidade não é mais vista como espaço de "construção" para se tornar um mero espaço de "passagem". O espaço coletivo, em Joinville, não existe (talvez nunca tenha existido): ele deu lugar às pracinhas e igrejas da vila do século XXI. Só faltou uma faixa, dando as boas-vindas: "1ª sensocomumfest, nos bares da Via Gastronômica e shows na calçada do Batalhão".

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Joinville, a vila do senso comum

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Durante muitos anos eu fechei meus olhos para algumas situações que aconteciam em Joinville. Talvez pelo meu bairrismo, ou por falta de uma noção de totalidade, não admitia que Joinville era uma vila com tamanho de cidade média. Hoje percebo o quanto estive errado, pois, ao analisar a dinâmica social de nossa cidade, identifico que o senso comum domina, e o poder de crítica é extremamente combatido.

Tudo começa quando encontramos um sistema público de ensino deficitário, em todos os níveis. Por mais que tenhamos uma grande taxa de alfabetização, somos reféns de escolas interditadas e um plano pedagógico que ceifa a construção crítica de nossos jovens, submetendo-os apenas aos "desafios" de um tal mercado de trabalho. Os poucos que escapam desta lógica que forma, ao invés de construir conhecimento, esbarram na etapa seguinte: a desvalorização.

Como o mercado de trabalho (principalmente em Joinville, reduto ideal da lógica industrial) não valoriza a crítica, muitos saem de Joinville em busca de novos ares. Nosso amigo Zé Baço sempre nos alertou sobre isso aqui neste espaço. Os que por aqui permanecem não encontram uma Universidade (pública ou privada) que seja receptiva a este tipo de pessoas. A cidade é um harém do senso comum, reprodutora de todas as principais regras deste poder simbólico (resultante de vários interesses, principalmente econômicos) que domina, segrega e aliena. O cinza característico do cenário urbano industrializado é a mesma cor da produção intelectual.

O processo é cíclico e preocupante. A participação popular, de natureza essencialmente crítica, é anulada pela opressão ou pelo preconceito construído e propagado nos espaços acríticos da cidade. Desta forma, a cidade sempre será palco para alguns e espaço de plateia para quase todos. As coisas erradas acontecem diante de nossos olhos e a vila se resigna: segregação, preconceito, violência, mídia parcial, omissão do poder público, egoísmos, falta de alteridade e coletividade, acomodação... são algumas características do típico joinvilense.

É muito mais fácil criticar quem faz a crítica sem produzir um debate de ideias. O joinvilense (sem querer generalizar) é fanático pela crítica à conduta pessoal, e não pelas concepções de mundo do criticado. É só ver os comentários recentes em vários posts aqui do Chuva Ácida. O joinvilense adora ver e ser visto. Vive de aparências, de fetiches, de fábulas urbanas. É um bolha! (Me rendo, Felipe!) Não participa. É um dominado e gosta desta condição. Acredita em tudo o que vê na TV ou ouve no rádio. Vai na onda dos outros. Lota os shoppings nos fins de semana porque tem preguiça de cobrar do poder público grandes parques ou qualidade dos passeios urbanos (calçadas e demais vias). Troca de carro todo ano por status. Critica o transporte coletivo sem utilizá-lo. Faz faculdade para ter um diploma e não para adquirir conhecimento. Faz enormes festas de formatura e casamentos por pura aparência. Considera desenvolvimento urbano a mesma coisa que crescimento econômico. Tem medo do diferente e de quem pensa diferente de si.

Existem momentos em que tenho vergonha de ser joinvilense e dos passos desta cidade. Não sou adepto do "ame-a ou deixe-a", mas sim do "faça de tudo para mudar aquilo que não te agrada". É por isso que luto para não sair daqui em busca de outras oportunidades.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Balanço de 2012

POR GUILHERME GASSENFERTH

Este é meu último texto como colaborador regular do blog.

Desde que o Chuva Ácida foi lançado, em 23 de setembro de 2011, eu fiquei encantado pelo projeto. Era um de seus mais assíduos leitores e comentaristas. No fim de outubro, veio um convite para que eu escrevesse um texto para o "brainstorming", nossa seção para convidados. Escrevi um texto sobre homofobia, e o Jordi, à época, disse: "você encarnou o espírito do blog no seu texto". Fiquei lisonjeado!

Um mês e alguns dias depois, veio o convite para tornar-me colaborador regular. A missão era escrever todas as sextas-feiras. Meu primeiro texto foi sobre metas para Joinville, em 2012, na visão da própria cidade.

Naturalmente, o tema principal dos textos era política em Joinville, um dos assuntos que me são mais gratos. Escrevi textos irônicos, como o que mostrava um vídeo da banda Dedos de David, com a música "A Jumenta Vai Falar", do Kennedy Nunes. Arrependi-me por ter atacado um aspecto pessoal do candidato, de foro íntimo.

Um dos meus mais lidos textos foi um que evidenciava um descompasso nos gastos com combustível do deputado federal Marco Tebaldi. Naquele texto, também decepcionei-me por ter envolvido uma empresa sem ter provas contra a mesma. Esta decepção e o arrependimento pelo texto da Jumenta são meus principais lamentos neste tempo à frente do blog.

Meu texto de maior sucesso de leitura foi o que prenunciava a vitória de Udo Döhler, quando ninguém acreditava. Além dos acessos diretos no blog, várias pessoas próximas me informaram que teriam recebido o texto referido por e-mail. Mostramos porque Udo poderia ganhar a eleição no domingo seguinte.

E para mim o melhor texto foi um que escrevi com indignação extrema, o que presumivelmente fez com que eu arranjasse as mais adequadas palavras para a redação. Quando do comentário do infeliz do Beto Gebaili no Jornal da Cidade, sobre a questão do beijo gay do PSOL, escrevi o que julgo ser meu melhor texto até hoje.

Participar do Chuva Ácida foi uma grande honra, responsabilidade forte e uma escola - de várias virtudes. Ter conhecido e convivido com seus autores foi um belo presente de retribuição às várias madrugadas de quinta para sexta sem dormir satisfatoriamente. Aliás, como esta: são 02h16 da manhã desta sexta. Espero poder continuar contribuindo com o blog divulgando os textos que eu gostar, além de enviar textos para o "brainstorming" quando tiver algo interessante para escrever.

A todos os colegas de blog, leitores e comentaristas, meu muito obrigado e sincero desejo de boas festas :-)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Despedida


Estimados leitores, hoje o meu texto é de despedida. Por motivos pessoais, a partir de hoje não escrevo mais no Blog. Mas como leitora, estarei sempre presente.

Aos leitores, anônimos ou não, obrigada pela gentileza e respeito, sempre. Com vocês, entendi que a opinião vem com o contraponto, sempre verificando os dois lados, assim como um pesquisador, que se despe de toda e qualquer ideia pré-concebida, e se destitui de preconceitos, e ao enxergar com mais clareza, podendo então tomar posição, não se torna inflexível, posto que o que julgamos saber é apenas uma fagulha, as nossas certezas são relativas, ainda temos o infinito para descobrir.

Colegas, agradeço imensamente a oportunidade e o aprendizado. Zé, Jordi, Charles, Gabi, Guilherme, ET, Sandro e agora o Felipe, já me despeço com saudade! Vida longa ao Chuva Ácida, que tanto contribui para desenvolver o pensamento crítico e o debate em nossa cidade!

Desejo para todos um Feliz Natal e que a promessa do novo ano nos sirva de inspiração para irmos atrás dos nossos sonhos! Muita paz!


Amanda

sábado, 1 de dezembro de 2012

É uma cesária realmente necessária?


POR FERNANDA POMPERMAIER

Se você está grávida, pensa em engravidar ou conhece alguma gestante, leia este post, desconfie do senso comum e do seu médico. Vá atrás de informações científicas, questione e discuta comigo porque eu não sou nenhuma especialista mas quero fazer um alerta.

Sabemos que o parto normal é o melhor para a criança e para a mãe por inúmeros motivos. Entrar em trabalho de parto provoca a produção de hormônios que colaboram, entre outros, para a produção de leite, a dilatação e a expulsão do bebê. A recuperação da mulher é muito mais rápida e o bebê nasce quando ele quer e não quando outra pessoa decide. Nosso corpo está preparado para este momento, ele sabe o que fazer e a criança também.  Se você ainda não está convencida, avance nas suas pesquisas, tenho certeza que vai se convencer. Eu não tenho nenhuma intenção de reforçar o senso comum do "essa é uma opinião pessoal, a mulher que decida". Ok, a mulher que decida, com informações verídicas e fundamentadas em pesquisas científicas, não induzidas por motivos inventados.

A cesária deveria ser encarada como uma cirurgia, necessária apenas quando existem complicadores para o parto normal, e segundo a OMS, esses são no máximo 15% dos partos.

No Brasil acontece o oposto, veja o que diz o site do IBGE, sobre os nascimentos com cesárias: "Cresce o número de partos cesáreos, objeto de preocupação das autoridades de saúde no País, visto que os percentuais, no Brasil, estão quase três vezes acima do que é recomendado pela Organização Mundial de saúde."http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_sociosaude/2009/com_nasc.pdf

Como identificar a necessidade ou não de cesária? Se o seu médico usou algum desses motivos abaixo, desconfie, ele pode estar querendo te induzir à cirurgia por ser mais cômodo para ele por inúmeras razões que nem precisamos citar:

- O bebê é muito grande - Não tem como ter certeza, o ultrassom não é preciso.
- Só espero até 40 semanas, depois é por sua conta - 1º que a data da concepção não é possível de ser exata, então a mulher pode estar de 40, de 39 ou de 38 semanas, não tem como saber o momento exato da concepção. E depois, a gravidez pode ir normalmente até 42 semanas e só se precisa acompanhar os batimentos cardíacos e o tamanho da barriga.
- Se o primeiro bebê foi de cesária o segundo também deve ser - não é verdade.
- o bebê não está encaixado - ele pode encaixar até o momento de nascer.
- o bebê está virado - sentado. É possível desvirar. 
- A placenta madura - caucificada - mito.
- Se a sua mãe ou outras mulheres na família não tiveram dilatacão, existem grandes chances de você também não ter. - Mentira. Cada gravidez é diferente e cada mulher também.

Muitas mulheres tem medo de sentir dor, mas deveriam ler o relatos de mulheres que fizeram o parto normal sem dor – quando a anestesia é aplicada evitando que se sintam as contrações mais fortes.
Se você realmente deseja ter parto normal insista com seu médico, peça outras opiniões, pesquise. A pressão para marcar a cesária vai ser grande, te garanto!

História pessoal: eu me sinto enganada pelo meu médico para fazer a cesária. Sempre quis parto normal mas minha filha não virou para a posição (de cabeça para baixo) e o médico disse que não existem pesquisas que comprovem que algum método de virar a criança funcione. Minha amiga, brasileira, grávida de 8 meses, foi ao médico aqui na Suécia, o bebê também não estava na posição correta. O médico mandou ela deitar e virou o bebê. Assim, mexendo na barriga. Algumas semanas depois o bebê nasceu de parto normal. Será que os médicos no Brasil não conhecem a técnica, ou não querem usar e por isso nem dizem às suas pacientes? Meu médico acrescentou que não fazia parto normal de crianças nessa posição pois aumentavam o risco de morte da mãe. Na época eu li e realmente o risco de morte nesses casos é de 4 a 5%. Quer saber os riscos de morte numa cirurgia de cesária? 16 vezes maior que no parto normal. Cesárias aumetam o risco de morte da mãe e do bebê. E mais, a sensibilidade na minha barriga, na faixa logo acima da cicatriz nunca mais voltou, é uma sensação estranha.

 Compare os riscos do parto normal e da cesária que aparecem no Wikipedia:

Riscos do parto Normal
§  Risco de ruptura do útero durante o trabalho de parto caso este tenha sido submetida a uma cirúrgia anteriormente - como cesariana ou miomectomia (cerca de 0,5% de risco);
§  Mortalidade materna (menor do que na cesariana);
§  Mortalidade neonatal (menor do que na cesariana);
§  Prolapso anal;
§  Topoalgia perineal

Riscos da cirurgia cesária
§  A probabilidade de haver uma hemorragia é 10 vezes maior do que em um parto normal;
§  O risco de morte da mãe chega a ser 16 vezes maior do que no parto normal;
§  A possibilidade de depressão pós-parto da mulher é 30 a 40 vezes maior do que no parto normal;
§  Problemas com a incisão cirúrgica e anemia;
§  Aumenta a probabilidade de outra cesárea;
§  Riscos da anestesia (e.g.: choque anafilático);
§  Morbidade materna (sete a vinte vezes maior do que no parto normal);
§  Riscos maiores de doenças respiratórias no RN;
§  Aumento da mortalidade neonatal;
§  Risco de ruptura uterina em gestação/ parto subsequentes;
§  Risco de desencadeamento de trombose em membros inferiores.
§  Riscos de paralisação dos intestinos

Eu não sou contra a cesária, acho que ela salva vidas quando o parto normal não funciona. Mas não usada aleatoriamente e por qualquer motivo como no Brasil - a chamada cesária eletiva.
Acho que seria muito interessante se conseguíssemos abrir o diálogo e alguém da área da saúde pudesse confirmar, contrariar ou acrescentar outras à essas informações. Esse é um assunto de saúde pública muito importante, especialmente se existirem (e devem existir) mais mulheres que se sentiram também enganadas por seus obstetras por falta de informações ou mentiras. A cirurgia cesária deve ser encarada como é: um parto NÃO NORMAL.


Fernanda Pompermaier é joinvilense, professora de educação infantil e mora na Suécia. Escreve o http://vivernasuecia.blogspot.com.br