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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Joinville, a vila do senso comum - Parte II

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Em uma vila, a principal área de interação social é a pracinha central, ou, em casos mais extremos, a igreja da cidade. Tudo acontece apenas em um dia da semana, e o processo é engessado por uma dinâmica que não promove a troca, o diálogo, e a construção de diferenças. Só existe um local, um momento, e as mesmas pessoas. É ali que o senso comum é (re)produzido. Na nossa Joinville não é diferente: o senso comum é consolidado nos lugares em que cada grupo social se reúne. Não há lugares cosmopolitas na cidade, cada local é um reduto específico de guetos. Típico comportamento de vila em meio a mais de 520 mil habitantes.

Um dos grandes símbolos desta visão é a recreativa das empresas locais. O trabalhador (sem essa conversa fiada de "colaborador", por favor!) esgota-se durante a semana no trabalho, e no final da semana, momento oportuno para o seu momento de ócio criativo (no sentido mais "demasiano" possível), vai para a recreativa da empresa se divertir. Detalhe: o seu chefe é o churrasqueiro da festa, o seu subordinado o goleiro do time de futebol e o dono da empresa distribui patéticos brindes no bingo vespertino. Não há espaço para fluir o diferente, a crítica (como criticar o patrão, se ele tá ao meu lado?) muito menos a consciência de que a cidade não é formatada para o trabalho e que este não é o único responsável por uma qualidade de lazer inalcançável, caso estivesse desempregado. A empresa faz, com suas recreativas, o possível para o trabalhador acreditar que a sua função é ótima. De forma mais concreta, é uma manipulação para manutenção do comportamento preferido dos joinvilenses.

A partir da década de 1980 a cidade se transformou e a abertura econômica ao consumo criou espaços até então típicos de países "desenvolvidos": os shoppings centers. Seja com o Americanas, Mueller, Cidade das Flores, Center Leste (alguém lembra?) e o Garten, todos são produtos de um comportamento que, ao longo dos anos, manteve a - e pediu pela - formatação de espaços segregados e distantes da "realidade das ruas", reduto principal das extremas diferenciações sociais. Resumindo, o shopping center se tornou o local perfeito para alienação referente ao que acontece "lá fora", e é óbvio que seria um templo majestoso para a maioria de nós, joinvilenses. Um espaço que orienta o que você vai consumir, vai comer, e vai ter de lazer (nem que seja só ficar dando voltas pelos corredores) é, conseqüentemente, um espaço que excluirá a possibilidade de trocas.

Os joinvilenses adoram ver vitrine, rodar os estacionamentos lotados, almoçar, lotar salas dos cinemas com filmes de baixa qualidade em cartaz, e "verem e serem vistos" com os últimos lançamentos da moda. De tão iguais, eles se tornam invisíveis enquanto indivíduos e representam uma única massa, enorme, sem cor, e maleável de acordo com as novas representações desta coletividade que não pensa e constrói cativeiros sociais a serviço do pensamento acrítico. É a partir daí que o tipico joinvilense não aceita quem pensa diferente de si.

A pior tragédia neste sentido acontece de forma silenciosa: a cidade perde, aceleradamente, o seu papel de transformação, de diálogo e de trocas. Se fomos historicamente acostumados a não evidenciar isto, a cidade (ou seja: as ruas, as praças, os parques, etc.) é o último local em que precisaremos estar. Aliás, só o nosso carro precisa. A cidade não é mais vista como espaço de "construção" para se tornar um mero espaço de "passagem". O espaço coletivo, em Joinville, não existe (talvez nunca tenha existido): ele deu lugar às pracinhas e igrejas da vila do século XXI. Só faltou uma faixa, dando as boas-vindas: "1ª sensocomumfest, nos bares da Via Gastronômica e shows na calçada do Batalhão".