sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O que você faz para mudar o mundo? #partiutreino

POR FELIPE SILVEIRA

Sinceramente, não me interessam os caras que estão pelo facebook falando milhões de besteiras copiadas de Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Olavo de Carvalho e outros seres desprezíveis. Essa pergunta (no título) é para você, que dedica boa parte do seu tempo, inclusive o não livre, a coisas que não são lá muito, digamos, úteis.

Antes de continuar ressalto que o lazer, o prazer e a preguiça bem curtida são algumas das melhores coisas da vida – e todos nós devemos ter direito a elas. Minha preocupação, no entanto, é relacionada à quantidade de gente que se dedica somente a isso e suas variáveis, como o culto ao corpo, as fotos diárias na frente do espelho e o acompanhamento de TODAS as séries de TV do mundo.

Todos nós concordamos que o mundo é ruim, certo? Claro que ele melhora todo dia. Hoje ele é melhor do que há cem anos e há vinte anos. Seja pela tecnologia, pelo avanço da medicina ou pelos direitos adquiridos. Temos nossas diferentes análises, mas concordamos que o mundo pode melhorar, e muito.

Não vai mudar, porém, se você não fizer alguma coisa. Sozinho ou acompanhado. Você pode participar de movimentos sociais, políticos (como partidos), assinar petições, cobrar dos vereadores e do prefeito, participar da associação de bairro, da reunião de condomínio, da associação de pais, criar um blog, uma página no facebook, sei lá, qualquer coisa.

Pergunto isso porque tenho a impressão que, tirando os fascistas, as pessoas sabem o que é certo diante do mundo. Elas sabem que amarrar alguém em um poste e surrá-lo não é certo. Porém, elas estão ocupadas demais para pensar nisso.

Ocupadas demais com o “treino” na academia, com o time do coração, com as dez séries que acompanha, com os lucros da empresa ou com a promoção à vista. Às vezes preocupadas demais com a dissertação ou com a tese de doutorado...

Frisando: nada contra assistir às séries favoritas, praticar esportes, torcer com paixão, tirar foto na frente do espelho, ganhar dinheiro ou ficar de preguiça. Nada mesmo! Mas tudo contra a indiferença com o mundo, com o sofrimento alheio, com as decisões importantes. É essa indiferença que faz o mundo se reproduzir sempre do mesmo jeito, mas sempre com mais exploração, mais opressão e mais sofrimento.

Mas outra hora eu volto nesse assunto, pois hoje é dia de ver o timão jogar.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A meritocracia é uma utopia


POR CLÓVIS GRUNER

Há algumas semanas, José António Baço escreveu aqui no blog sobre meritocracia. Volto ao assunto, mas para abordá-lo sob outro prisma e motivado por um comentário ao texto do Murilo Cleto, publicado no final de semana. Eis o comentário, reproduzido apenas parcialmente:

(...)

Na sociedade de mercado não há essa utopia, há diferenças de classes (como também há nas ditaduras ditas comunistas), porém, quando a sociedade aceita meritocracia e a enxerga com bons olhos, TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida.
A ideia de que a riqueza se resume a um bolo fatiado é estapafúrdia! Riqueza produz mais riqueza, a população não tem de se contentar com aquele pedaço do bolo, pois ele se multiplica, basta o cidadão estudar, se qualificar, trabalhar... mas isso poucos querem, então, para muitos, sobra a utopia do comunismo.

Se o autor realmente acredita no que escreveu, e a seguir seu raciocínio, os milhões de corpos que diariamente agonizam de fome são, não em última, mas em primeira instância, os responsáveis pela sua própria miséria. Se “TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida”, bastaria ao indivíduo “estudar, se qualificar, trabalhar” e melhorar de vida. Afinal, se a meritocracia provou que “TODOS tem condições” de viver dignamente, é óbvio que o gajo só continua a fuçar no lixão ou a viver em um campo de refugiados porque quer – e porque, no fim das contas, ainda lhe “sobra a utopia do comunismo” a compensar o mau cheiro e a condição degradante de refugiado.

Minha fé na humanidade anda quase no negativo, mas mesmo assim me choca a ideia de alguém expressar em tão poucas linhas tanto desprezo e insensibilidade pelo sofrimento alheio. Quero acreditar que não foi intencional: ele apenas repetiu o que deve ter lido em algum lugar – uma página do Facebook, algum blog de direita, talvez um artigo assinado por um dos profetas do neoliberalismo que pipocam nas colunas de opinião. Nesse caso, o problema não é a indiferença, ou não só ela, mas a ignorância conceitual e histórica. E para isso há chance de cura: basta o cidadão estudar e se qualificar. O que, no fim das contas, dá sempre um pouco de trabalho.

MÉRITO PARA QUEM? – A ideia de “meritocracia” tem sua história, e ela é mais ou menos recente. Filha dileta e direta do liberalismo iluminista, ela surge em um contexto onde imperavam o privilégio dinástico e hereditário, em detrimento dos valores e qualidades individuais. Falo das chamadas “sociedades de corte”, com sua hierarquia social no limite da imobilidade e onde se decidia, desde o berço, quais as posições e funções sociais a serem ocupadas e exercidas. No Antigo Regime, e quem passou por um banco escolar sabe disso, imperava o “privilégio” em detrimento do “mérito”.

Os liberais dos séculos XVII e XVIII teceram severas críticas a uma sociedade que produzia permanentemente as condições – culturais, sociais, políticas, econômicas – de sua própria reprodução, privilegiando sempre os já privilegiados. Um dos alicerces dos seguidos ataques desferidos contra a aristocracia e a nobreza, a meritocracia surge radicalmente subversiva: por meio dela, não apenas se defendia o valor individual em detrimento das posições nobiliárquicas, como ao fazê-lo se asseverava a possibilidade de mobilidade e ascensão daqueles indivíduos dispostos a fazer um bom uso de sua inteligência (a expressão é kantiana) para ascender e conquistar, por merecimento, melhores e mais vantajosas posições sociais e econômicas.

Mas há um elemento fundamental que não escapou à sensibilidade dos primeiros liberais: o mérito, por individual que seja, não aflora senão em uma sociedade de igualdade; igualdade não ontológica, mas de condições e de oportunidades para todos os homens diferentes entre si. A meritocracia, noção tão castigada pelos liberais de internet, é produto de uma utopia, a do liberalismo, que opõem a uma sociedade atravessada por muitas desigualdades, a promessa de uma isonomia necessária para que os indivíduos pudessem exercer seus talentos sem que as condições desiguais entre eles favorecessem uns em detrimento de outros.

ASPIRAR A IGUALDADE – Diferente do comentário que motivou esse texto, a meritocracia não é uma panaceia a justificar a desigualdade social apelando à competência de alguns poucos enquanto acusa, irresponsavelmente, a indolência da maioria. Ela contém, desde o berço, a possibilidade utópica de que as condições objetivas mínimas de igualdade serão asseguradas para que os indivíduos possam, livremente, exercer seus talentos. Daí o projeto, acalentado pelos iluministas do setecentos, de uma educação universal, entendida como condição primária à aquisição das habilidades necessárias para que se pudesse, efetivamente, falar em uma sociedade baseada no mérito.

E não é preciso devorar tratados filosóficos, porque tudo isso está nos documentos fundadores do liberalismo político e da noção moderna de democracia: a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; e as Constituições americana e francesa, ambas de 1791. Em que pese as diferenças, há neles alguns conceitos chaves firmemente reiterados: todos os homens nascem e são iguais, e a cada um deles deve ser assegurado o direito à liberdade, a propriedade e a busca da felicidade.

Poucas ideias trazem uma energia tão utópica quanto essas. E poucas doutrinas aspiraram tanto à igualdade quanto o liberalismo. E é lamentável que o que sobrou foi pouco, tão pouco, ao ponto de poder-se  hoje resumir ideias e projetos políticos tão engenhosa e criativamente urdidos em meia dúzia de sentenças doutrinárias infelizes, que cabem na caixa de comentários de um blog.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os idiotas pelo nome


JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Sou a favor de conviver com pessoas que pensam diferente. O dissenso é sempre mais instrutivo que o consenso, porque obriga a considerar o interlocutor. Nunca me importei  de partilhar espaços de discussão com quem pensa diferente. Mas há limites. O problema é que há por aí muita gente que não simplesmente não pensa.

Tem uns caras que, pela falta de leitura e incapacidade de sistematizar pensamento, simplesmente limitam-se a repetir slogans mal-amanhados. E aí não há diálogo possível. Porque o embate entre argumentos articulados e clichês papagueados é uma injustiça para quem se dá ao trabalho de pensar.
Pergunto. É possível debater quando as pessoas usam este tipo de “discurso”?

-       Vai para Cuba.
-       Bandido bom é bandido morto.
-       Bolsa Presidiário: é você quem paga.
-       Vai para a Coréia do Norte.
-       É de esquerda, mas usa iPhone.
-       Ficou com com pena? Adota um.
-       Esquerda caviar.
-       Escreve um texto sobre a Venezuela (esse é um adiantado mental que infesta os comentários aos meus textos).
-       Acorda, Brasil.
-       Agora tem até Bolsa Prostituta.
-       Esquerda burra é pleonasmo.
-       É de esquerda porque é um fracassado.

Há muito tempo estabeleci uma regra pessoal. Só vou a debate com interlocutores que respeito e que se esforçaram tanto quanto eu para formalizar pensamento (e isso, garanto, significa ler muito, comer mundo, procurar a dialética dos fatos o tempo todo). Mesmo assim ainda era capaz de admitir o convívio com opositores. Só que encheu o saco.

Qual o objetivo deste texto? Nenhum. É apenas para dizer que a partir de agora passo a chamar os idiotas pelo nome: idiotas.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Se o problema não é a falta de dinheiro, só pode ser a falta de gestão

POR JORDI CASTAN

Estamos tão acostumados a escutar a ladainha, acompanhada do choro das carpideiras profissionais, que acabamos acreditando que na administração pública nada funciona por que há sempre falta de recursos. Mas quando sobram recursos e as coisas tampouco funcionam é hora de analisar com maior critério o porquê desta incompetência contumaz.

No caso de Joinville, um caso interessante é o da iluminação pública. O excesso de recursos levou a administração anterior a “jogar dinheiro fora” (como é fácil mal gastar quando o dinheiro não é nosso). Foi feita a troca de todas as luminárias dos maiores eixos viários da cidade e de jogar no lixo as luminárias que até aquela data estavam funcionando perfeitamente. A troca de luminárias por outras de maior consumo não melhorou a eficiência energética, mas tentar explicar isso para um administrador público é como arar no mar. Havia dinheiro na conta da COSIP, então vamos gastar.

O jornal A Notícia, na coluna do jornalista Jefferson Saavedra, informou recentemente sobre os recursos arrecadados pela COSIP. “A COSIP tem trazido boa receita para a Prefeitura de Joinville. No ano passado, a contribuição cobrada na conta de luz passou de R$ 21,9 milhões para R$ 23,9 milhões. Dá e sobra para bancar a iluminação pública, despesa que fechou em R$ 16,3 milhões no ano passado (inclui manutenção)".

Como contribuição a Cosip não pode ser usada para outro fim que aquele a que está destinada. Mas qual é o objetivo de arrecadar R$ 5.600.000 mais do necessário em 2013? Numa situação que deve se repetir também em 2014. São recursos que saem do bolso do joinvilense e que acabam ou parados numa conta ou servindo para projetos dispendiosos como o da troca de luminárias na administração anterior.

Seria bom ver os recursos da Cosip direcionados a reduzir o custo da iluminação pública, a troca de luminárias por outras com leds, sem que isso represente desperdício de dinheiro público como frequentemente acontece. Excesso de dinheiro na conta não sempre é uma boa notícia para o contribuinte. O objetivo deve ser o de buscar uma COSIP justa e uma iluminação pública eficiente e econômica. A administração municipal não só erra ao não reduzir o valor da COSIP, erra também ao não promover uma política de redução energética que busque a eficiência.

Aliás a, ACIJ, entidade empresarial que o prefeito presidiu meia dúzia de vezes, tem feito da redução do consumo de energia e da melhoria da eficiência energética uma das suas bandeiras.  Quando se trata de economizar dinheiro dos empresários e de reduzir os custos para as indústrias o esforço vale a pena. Mas se o dinheiro for do contribuinte não há a mesma preocupação.

Uma vez evidenciado que no caso da COSIP há excesso de recursos e o serviço de iluminação pública e manutenção é terceirizado, a lógica deveria fazer deste um dos melhores serviços prestados ao joinvilense. Os dados da ouvidoria provam que não. Que este serviço é o campeão em reclamações.  “As luzes apagadas em postes em Joinville estão no topo das reclamações que chegam por meio da Ouvidoria da Prefeitura. Dos 12.518 pedidos feitos nos últimos sete meses, 11,2% foram sobre troca de lâmpadas queimadas ou estragadas.”



Voltamos ao início. Se nesse caso não há como alegar falta de recursos, a única justificativa lógica deve ser a da falta de competência. Portanto, se o caso é de incompetência, isso se resolve com gestão. Aliás, a gestão não era o mote da campanha? Logo aparecerão os comentários dos anônimos de sempre a dizer que ainda não deu tempo, que as criticas são extemporâneas. Que o homem precisa de mais tempo. Que as críticas viraram pessoais e outros chavões.  Oremos ao padroeiro dos incompetentes que parecem vicejar as margens do Cachoeira e entra governo sai governo permanecem firmemente agarrados as tetas do poder.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

A onda


POR MURILO CLETO

Existe um erro categórico na pressuposição de que os movimentos contra o que se consideram injustiças venham exclusivamente da esquerda. Mas é verdade, por outro lado, que ondas conservadoras só tenham aparecido em momentos de significativa transformação social, como a que se consolida desde a última década no Brasil. 

Em 2011, o país atingiu o menor índice de desigualdade social da história. Entre 2001 e 2011, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%, ao passo que entre os mais ricos a ascensão foi de 16%. Desde 2003, a economia brasileira cresceu 40,7%; enquanto o PIB, 27,7%. O resultado? Uma melhoria considerável da situação dos domicílios. Em 10 anos, o Bolsa Família tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza.

Levando em consideração que o pior índice de igualdade social no país foi registrado em 1989, o avanço desde a instituição do Plano Real é mais do que surpreendente. No último ano do governo Sarney, a inflação acumulada chegou a 1764,86%, enquanto os 10% mais ricos do país detinham mais de 50% de toda a renda e metade do população dividia 10,56% dela. Mas se engana quem acredita que descende apenas da catastrófica gestão de Sarney este panorama assustador: como se sabe, o Brasil que primeiro fez crescer o bolo pra depois dividir esqueceu de completar a tarefa e, em 1976, o índice foi quase tão ruim quanto às vésperas da primeira eleição em quase 30 anos depois do regime militar.

O papel do Estado tem sido vital nesta atual guinada. Somente o Programa Bolsa Família é responsável por 13% desta redução da desigualdade, somada a 22% de outros repasses, incluindo aposentadorias e pensões. Apesar disso, mais da metade desta evolução na economia está atrelada à renda do trabalho, sobretudo o formal, que simplesmente dobrou desde 2004.

Apesar de ganhar ainda, em média, 40% menos, a população negra do país dobrou o crescimento da renda em relação aos brancos entre 2007 e 2010. Em 2001, 56% dos negros tinham geladeira em casa; em 2010, já eram 97%. Durante a última década, o acesso de negros à internet decuplicou. Em 10 anos, graças a política de cotas, triplicou o número de negros na Universidade. Entre 2002 e 2011, a renda das mulheres aumentou 68%, bem mais que o índice masculino referente ao mesmo período, de 43,1%, ainda que o desnível de gênero continue gritante. 

NOSTALGIA CONSERVADORA - Enquanto isso, uma onda tem tomado conta do país. É a que torce o nariz pra esse bolo que cresce e começa a se dividir ainda dentro no forno. Mais do que nunca, os veículos de comunicação estão tomados por uma reação nervosa diante disso. Inconformado com as políticas públicas do governo Lula, Diogo Mainardi deixou a Veja pra figurar entre os mais ilustres comentaristas da direita sofisticada no Manhattan Connection, exibido pelo GNT; Reinaldo Azevedo, outro ícone da rejeição a este movimento também migrou para a Folha de S. Paulo e a sua popularidade cresceu progressivamente; Rachel Sheherazade foi recentemente levada para a badalada seção Tendências e Debates do mesmo jornal para fazer um pout pourri sobre Cuba e o Primeiro Comando da Capital, passando pela Copa do Mundo e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para justificar o seu posicionamento de "compreensão" diante dos "justiceiros" que amarraram um "marginalzinho" de 15 anos num poste do Flamengo; Lobão deixou de vociferar apenas no Twitter para ocupar as páginas da revista Veja e, dentre outras patacoadas, dizer que reclamam de tortura nos anos de chumbo aqueles que tiveram "umas unhazinhas arrancadas"; Demétrio Magnoli trilha o mesmo caminho quando se refere aos anos de chumbo como "ditabranda" e milita pelo fim da política de cotas.

Infelizmente, a onda não está somente nos jornais. Em Brasília, Aloysio Nunes quase aproveitou a esteira conservadora pra conseguir emenda na Constituição pela redução da maioridade penal. Nada menos que 93% dos paulistanos estão com ele, ainda que, nas estatísticas, os jovens sejam, na verdade, as maiores vítimas da violência. Somente em 2010, foram mortos 8.600 jovens no país. Em 2012, mais de 12.000 crianças foram vítimas de maus-tratos. Entre os adolescentes em conflito com a lei, apenas 8,4% cometeram homicídios. Na Fundação Casa, somente 0,9% deles estiveram envolvidos com latrocínio. Dos favoráveis à redução proposta por Nunes, 9% ainda defendem que a maioridade penal seja de 12 anos. No Congresso, tramitam 34 projetos que propõem mudanças na legislação sobre o aborto. 31 deles defendem o recrudescimento das políticas públicas sobre a autonomia da mulher na prática abortiva. É lá também que hoje um projeto de lei "antiterrorismo" figura entre as prioridades de uma lavra que se aproveita do clima de comoção nacional diante do descontrole do Estado frente às manifestações e criminaliza movimentos populares com critérios evasivos de jurisdição.

A onda não está somente em Brasília. Nas ruas, caseiros são espancados até a morte por serem confundidos com ladrões de celular e suspeitos de pequenos furtos amarrados em postes, assim como deficientes mentais pretos e pobres; professores de ensino superior ridicularizam passageiros que usam bermuda nos aeroportos; cobradores são chamados de "pretos safados" nos ônibus; "rolezinhos" nos shoppings são sumariamente proibidos, apesar da inexistente correlação alarmante entre a presença de seu integrantes nos espaços de consumo e quaisquer delitos; PMs praticam indiscriminadamente a tortura sobre os morros, enquanto comentaristas de portal exigem ainda mais violência contra bandidos

Enquanto a renda é redistribuída e recolorida, e o acesso a bens antes exclusivos de uma elite muito bem marcada torna-se cada vez maior, não parece muita novidade a onda reacionária que tem ocupado cada vez mais espaço nas ruas, aeroportos e jornais. No primeiro ano de Allende no Palácio La Moneda, no Chile, o aumento dos salários em relação ao custo de vida no ano anterior foi de 120%, em consonância com a triplicação na construção de casas populares, enquanto o boicote dos jornais era descarado e omitia escândalos de corrupção de governos e agremiações simpatizantes. 

Às vésperas de março, no Estado de S. Paulo, o general Carmelo Regis trouxe a solução para o incômodo manifestado pela onda a partir da última década de mudanças no Brasil: "As Forças Armadas continuam sendo a instituição de maior credibilidade no País, e isso se deve não apenas à eficiência, à noção de responsabilidade, ao trato da coisa pública, mas, sobretudo, aos valores morais que são cultivados em todos os seus escalões. A honestidade, a probidade, a disciplina e o empenho no cumprimento da missão são algumas virtudes que norteiam as Forças Armadas e que deveriam também ser exercidas pelos diversos mandatários dos governos de nosso país. O que, infelizmente, não ocorre." O Itaú já incluiu o evento no calendário. 

Desejo a todos uma ótima década de 60.

* Murilo Cleto é licenciado em História, especialista em História Cultural e mestre em Ciências Humanas pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atua como coordenador municipal de cultura e professor do colégio Objetivo e do curso de História das Faculdades Integradas de Itararé-SP. Escreve para o blog Desafinado.