sexta-feira, 4 de outubro de 2024

O presente de Joinville é ruim. O futuro será ainda pior...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Foi decepcionante. Estive atento à campanha para a Prefeitura de Joinville e, fora raros casos, foi tudo feito com os olhos em quatro anos. Não houve a preocupação de discutir os desafios estruturais para o futuro da cidade. É fácil entender, porque os políticos precisam conquistar os eleitores e as propostas mais complexas – que é preciso explicar – não são práticas. O problema é que isso torna o debate muito raso. Parece que ninguém pensa além das eleições.

É tudo um erro. As cidades estão cada vez mais complexas e exigem soluções de longo curso. Vamos pegar num exemplo batido: não se trata de acabar com os ônibus lotados. É pouco. É necessário dar resposta aos desafios do futuro e propor um novo sistema. É preciso levar a imaginação ao poder. Mas o que se viu, com raríssimas exceções, foi a pobreza de ideias. Tomei nota de alguns temas que gostaria de ver discutidos, mas que sequer foram mencionados.

1. Evolução da matriz econômica da cidade Joinville é uma cidade industrial, mas com um perfil ligado a indústrias pesadas. É preciso repensar esse posicionamento. Sem abrir mão do que já existe, pensar no conceito de “smart city”, por exemplo. Estimular a transição para uma economia mais sustentável e de tecnologias limpas deve ser uma prioridade. As cidades inteligentes investem em energias renováveis, eficiência energética e atividades de baixo impacto ambiental. Há muita margem de manobra. E é possível aumentar o PIB da cidade investindo na inteligência. Mas o hábito do cachimbo faz a boca torta. Isso obrigaria a ter uma estratégia e ninguém, ao longo dos anos, teve essa preocupação.

2. Transporte público multimodal O eleitor tem uma visão limitada os transportes públicos. Quando se fala no tema, todos pensam em ônibus porque é a realidade desde sempre. É como se fosse a única hipótese. Qualquer cidade precisa pensar em modelos multimodais e integrados. Houve uma proposta de metrô de superfície, mas a mensagem não chega ao eleitor. É preciso muito tempo para explicar e a dinâmica das campanhas não permite. Seria a solução? Se não, então é preciso buscar alternativas, porque os joinvilenses não podem ficar reféns da ditadura das empresas de ônibus para sempre. Mas a falta de estudos e debates mais amplos sobre outras possibilidades revela uma visão estreita dos desafios urbanos.

3. Reciclagem e recolha de lixo Não é preciso inventar. É só fazer um benchmarking em cidades do tal Primeiro Mundo e copiar. A integração do setor público e privado encontra aqui um campo com potencial. A economia verde é lucrativa. Mas o sistema de gestão de resíduos em Joinville é precário. Modelos avançados de recolha e reciclagem de lixo, já implantados em cidades desenvolvidas, poderiam ser adaptados à realidade local. Aqui onde vivo, em Portugal, o meu lixo é recolhido por quatro tipos de caminhões diferentes, cada qual com um tipo de dejeto. É preciso um plano robusto que repense a gestão de resíduos, através de uma visão ambiental de longo prazo.

4. Visões provincianas impedem o turismo O turismo em Joinville parece ser feito por gente que nunca viajou na vida. É um setor que devia estar planejado para ter um peso muito significativo o PIB da cidade. Mas não. O que que se tem é uma visão simplista e provinciana. Já falei nisto aqui, num texto em que me pus no papel de turista em Joinville, algo que faço todos os anos. E aí vai o spoiler: é muito ruim. O link está aqui .

5. Um planejamento que não planeja É quase uma incúria falar em planejamento na Prefeitura de Joinville. A coisa começa já pelo nome: Secretaria da Administração e Planejamento. É quase um oxímoro. A administração trata de coisas burocráticas e chatas, enquanto o planejamento devia tratar de novas ideias, coisas criativas e propostas de fundo. Mas isso não existe. Se a gente chamasse Secretaria da Burocracia ficava tudo na mesma. Porque dali não sai uma única ação estratégia. O que se tem na prática é uma gestão reativa, sem metas para o futuro da cidade. O planejamento devia ser a espinha dorsal de qualquer governo municipal. Aliás, devia ser o local de onde sairiam as soluções para todos os outros itens mostrados neste texto.

As eleições são uma oportunidade de repensar o futuro de Joinville, mas o atual debate eleitoral não esteve à altura dos desafios. Não há um compromisso com as ideias que farão a diferença para estas e as próximas gerações. Porque a medida das “gerações” é sempre os quatro anos, quando os eleitores voltam às urnas. Enfim, o que temos é uma cidade rica, mas como um estilo de vida muito pobre.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Para Lima, Adriano não tem "pedigree" bolsonarista

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Eita terceiro mundão! E não é que a eleição para prefeito criou uma refrega esquisitona entre o Sargento Lima e Adriano Silva? E adivinhem: a peleia é para reivindicar qual dos dois é o mais bolsonarista. Num filme da sua campanha, o militar tenta provar a sua condição de bolsonarista raiz, dando a entender que Adriano não tem pedigree para tal posição. Mas fico a perguntar: quem, com dois dedinhos de testa, quer ser herdeiro de Bolsonaro?

Pense nisto. Por que uma pessoa iria reivindicar para si mesma uma imagem de racismo, misoginia, homofobia, reacionarismo, negacionismo, iliteracia, golpismo, apologia da tortura e defesa da ditadura? O que seria uma vergonha em qualquer democracia... em Joinville é motivo de disputa no espaço público. É um atraso de dar pena. Mas que até faz sentido. O bolsonarismo produziu esse efeito: destruiu a ideia de intelligentsia e instaurou a burritsia.

Mas não há segredo. O filme é uma estratégia desesperada para atrair os eleitores de Jair Bolsonaro. Uma péssima estratégia, por sinal. Numa eleição municipal, o eleitor está mais preocupado com os buracos nas ruas do que com mamadeiras de piroca. O bolsonarismo só funciona no plano dos costumes e se do outro lado estiver o inimigo “comunista” e libertário, na maioria das vezes representado pelo Partido dos Trabalhadores.

Eis a tese: o eleitor comum não é fiel a Bolsonaro, uma figura deplorável, mas ao discurso que expressa o próprio azedume. Não seguem Bolsonaro, mas o nefasto discurso bolsonarista. Duvidam? É só ver a performance do coach Pablo Marçal na disputa da prefeitura de São Paulo. O tipo elevou o besteirol bolsonarista a outro nível. Benza Deus! E está a complicar a vida de Ricardo Nunes, candidato apoiado por Bolsonaro.

Enfim, não adianta Lima se atirar para cima de Adriano com um discurso “ideológico”. Afinal, entre dois candidatos de extrema direita, os eleitores conservadores preferem conservar quem está lá. Aliás, Adriano passou os últimos quatro anos a trabalhar para a reeleição. E o sargento tem um problemão: Bolsonaro não deu as caras em Joinville. Porque não é bobo. Se os candidatos bolsonaristas começam a perder, o “mito” de puxador de votos se esboroa. 

O fato é que Bolsonaro não parece tão infalível nos apoios. Os exemplos abundam. Há o sanfoneiro Gilson Machado, em Recife, que não consegue decolar. Ou Fred Rodrigues, que tem um mau histórico com contas de campanha, em Goiânia. E Alexandre Ramagem, que deve ser atropelado por Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, reduto do próprio Bolsonaro. E o caso já lembrado de Pablo Marçal, que ameaça ser o novo Bolsonaro no lugar de Bolsonaro.

É a dança da chuva.

Cena do filme do Sargento Lima a reivindicar o bolsonarismo