terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Desculpa aí, Juan

POR FABIANA A. VIEIRA

 


Juan Melquiades Delgado, passaria despercebido esse ano, não fosse aquele fato vergonhoso em Fortaleza. Cubano, negro, foi hostilizado assim que chegou no Brasil por um grupo de "doutores" vestindo jaleco branco que o aguardava no aeroporto. Aliás, se é pra eleger o mico do ano, com certeza foi esse.
O discurso cheio de xenofobia causou "vergonha alheia" até naqueles que fazem oposição ao governo. Não se trata aqui de ser governista, ou não. De apoiar o programa Mais Médicos, ou não. O que eu estou falando é de respeito ao próximo e do discurso hipócrita de que não existe racismo no Brasil.Existe racismo, existe muita ignorância e existe ódio. 
Ele não falou nada. Ele não revidou. Eu nem sei se compartilho das suas ideias para escolhê-lo como personalidade do ano. Mas gostaria de homenageá-lo com um pedido de desculpas. Aliás, se eu encontrasse com o Juan mil vezes, eu pediria desculpa mil vezes.
E, pra quem não sabe, o Juan hoje está morando em Zé Doca, no interior do interior do Maranhão. Lá ele trata da saúde de uma comunidade indígena, que há tempos não via um médico. Valeu, Juan.



Concessões e permissões

POR JORDI CASTAN


A nossa é uma sociedade de mazelas, de jogos ganhados no tapetão, em que o que está escrito não costuma valer. A mudança das regras do jogo depois do jogo iniciado, ou o que é ainda pior, depois do jogo jogado são uma constante.

Joinville algum dia devera criar vergonha e fazer uma licitação para o transporte coletivo. Ainda que haja muita gente que acredite que licitação bem feita em Joinville seja um mito. Os motivos vão desde a falta de vontade, licitações bem feitas dão muito trabalho, a inépcia ou o excesso de doutores em procrastinação.

A licitação do transporte público em Joinville é emblemática, mas se soma a outras como a do lixo, do estacionamento rotativo ou dos serviços funerários, para citar outras conhecidas.

Sem querer aqui questionar a lisura do processo licitatório, pois tanto o TCE (Tribunal de Contas do Estado) como o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) têm estado atentos e feito suas recomendações para impedir os absurdos mais gritantes. Não podemos aqui citar nenhuma ação firme dos partidos de oposição ou da imprensa, que na maioria dos casos parece cooptada o bem atendida nos seus pleitos e não demonstra interesse em investigar ou denunciar os casos de direcionamento ou de licitações que são feitas visando una única empresa interessada.

Uma das práticas a que é preciso estar atento são as licitações que preveem a sua renovação por outro período igual ao previsto no contrato. Uma empresa que participe de uma licitação de duração de 20 anos, renováveis por outros 20, fará seus estudos econômicos e todo o seu projeto de viabilidade para os primeiros 20 anos. Este é o período que estará garantido pelo contrato. Contar com os outros 20 anos seria o que o colono, sabiamente chama: "contar com o ovo no cu da galinha", uma prática que nenhum administrador serio seguiria. A menos que estejamos frente a uma licitação com qualquer órgão público, porque é muito mais fácil renovar um contrato que vencer uma licitação honesta. Há uma predisposição dos interessados em que fique como está. Porque uma simples assinatura ou um parecer favorável permitira que a concessão ou a permissão seja renovada por outros 20 anos.

O prefeito insiste em que na sua gestão a corrupção tem diminuído, mas continua sem apresentar provas. Os chineses, com a sua sabedoria milenar, dizem que os discursos não cozinham o arroz. O prefeito poderia determinar que as licitações feitas pela sua administração não previssem renovação. Se o fizesse conseguiria três resultados de uma única tacada. O primeiro contribuiria a reduzir, de verdade, a corrupção na sua administração. O segundo diminuiria os brindes natalinos e agrados que os responsáveis de determinados setores recebem nestas datas. E, terceiro, teria algum fato concreto para mostrar, quando fosse perguntado, sobre as suas ações concretas para reduzir a corrupção - e aqui no Chuva Ácida teremos prazer em poder mencionar um fato relevante. Reduzir ou vetar os aditivos aos contratos públicos seria outra medida que prefeito poderia tomar, mas esta também é outra história.

Se não ficou suficientemente explícito porque as licitações que preveem renovação pelo mesmo tempo do contrato, estimulam a corrupção, posso fazer um desenho. Mas antes de pedir um desenho, lembre como tem sido a renovação das licitações mais representativas. As de Joinville já as conhecemos, mas a mesma lógica é valida a nível estadual ou federal.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Reunião de planejamento do Coletivo Chuva Ácida

Aproveitando a presença no Brasil da nossa co-blogger Fernanda Pompermaier, que abandonou o frio ártico sueco para desfrutar do calor joinvilense, e a tecnologia, que permitiu a participação do Jose António Baço desde Lisboa, o coletivo, mesmo com sentidas ausências, realizou uma reunião de planejamento para propor melhorias e novidades para 2014.






Pepe legal


POR FELIPE SILVEIRA

Não somente pela simplicidade, mas principalmente pelas ideias e coragem de executá-las, o presidente do Uruguai, José "Pepe" Mujica, é a personalidade do ano. A sugestão me foi dada pelo companheiro de blogue Charles Henrique Voos, depois que eu disse que duas das minhas primeiras opções já haviam sido publicadas.

A legalização do aborto e da maconha (não cabe aqui se aprofundar nas duas questões) são apenas duas das políticas uruguaias que tem chamado a atenção de todo o mundo pela coragem de enfrentar dois graves problemas sociais que são tão envoltos de preconceitos, dogmas, disputas econômicas e religiosas. Claro que Mujica não aprovou as leis sozinho, mas seu papel foi fundamental junto com a atuação de movimentos sociais, parlamentares e população.

A simplicidade de Mujica também é importante, pois é política. Não se trata somente de ir de fusquinha para o trabalho ou de sandálias para a posse de um ministro. Muito mais importante do que isso é oferecer a residência oficial da presidência para moradores de rua. Esse tipo de atitude tem muito valor no enfrentamento com o capital.

Em um mundo que tem sido transformado em um gigantesco mc donalds, ver a coragem de Pepe Mujica para fazer as coisas de modo diferente é um alento e um incentivo.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A potência criativa da política


POR CLÓVIS GRUNER

Corria o mês de junho, e o que começou como uma sequência de manifestações contra o aumento na tarifa do transporte público – no Brasil, historicamente caro, principalmente porque de baixíssima qualidade –, recebidas com a habitual truculência governamental, transformou-se rapidamente em uma das maiores mobilizações da nossa história republicana, e a maior desde as “Diretas Já”, em meados dos anos de 1980.

Sobre as manifestações, mantenho o que disse à época: a seu modo e muito peculiarmente, elas contribuíram para ampliar e tornar mais visível um processo de reinvenção da política por meio de uma ocupação do espaço público que o toma em seu sentido mais amplo: como um lugar de confrontos e conflitos, de afirmação das potencialidades insurgentes do presente mais que de promessas de redenção futuras.

Se para os observadores da política cotidiana tais características já apareciam em mobilizações como a “Marcha das Vadias” e as “Paradas da Diversidade”, entre outras, a força libertária e centrípeta do “Movimento Passe Livre” – minha personalidade do ano – deu nova dinâmica a esse processo. O slogan “Não é pelos R$ 0,20” deixou claro a quem quisesse entender (mas sempre há quem não queira) que o direito à cidade é, hoje, um debate central.

De quebra, o MPL e as manifestações colocaram na pauta do debate público a violência policial – e a necessidade de desmilitarizar a polícia –; o desgaste do modelo democrático centrado unicamente na política partidária e institucional; as contradições do modelo econômico desenvolvimentista patrocinado pelo governo petista; além do oportunismo da direita brasileira, sempre cansada. E trouxe de volta um pouco de paixão e criatividade à política.

Convenhamos, não é pouca coisa. País nenhum sai incólume de um acontecimento como esse. O Brasil também não.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Espionagem, corrupção,...





POR JORDI CASTAN

A personalidade do ano em nível internacional foi Edward Snowden - e os "wikileaks"-, que permitiu que soubéssemos o que já  imaginávamos: que todos espiam a todos e que a espionagem tem outros objetivos além da segurança nacional. Os interesses econômicos entre muitos outros. O Brasil foi espionado e também espiona.

O ponto interessante de caso Snowden é que seria como se todas as conversas e comunicações entre os agentes públicos fossem publicadas. Com certeza saberíamos mais sobre como são administradas nossas cidades, estados e o próprio Brasil.

Aqui em Joinville tivemos também o vazamento de conversas envolvendo o prefeito Udo Dohler em que o tema era a LOT e as conversas que manteve com alguns vereadores, para que a LOT fosse aprovada. Pena que o prefeito não deu os nomes de quem o procurou. Que falta faz aqui um Edward Snowden.

Uma sociedade mais transparente é uma sociedade melhor para os seus cidadãos. A nossa ainda é muito opaca. Snowden mostrou o caminho.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A esquizofrenia nossa de cada dia


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


Se eu tivesse que escolher o personagem do ano, não teria dúvidas: é Thamsanga Jantjie, o cara que apareceu como tradutor de sinais nas cerimônias do funeral de Nelson Mandela. Depois de ter sido apanhado pela fraude o homem alegou ser esquizofrênico e ouvir vozes. Para mim Jantijie é o símbolo da esquizofrenia que ataca a humanidade.

E nem era preciso ir muito longe para encontrar exemplos. Há uma certa esquizofrenia nessa tendência de beatificação do próprio Nelson Mandela. Afinal, parece que o homem não tinha inimigos (nem mesmo os que o prenderam por décadas), quando muitos dos países que lá estiveram representados foram coniventes com a sua prisão e o regime do apartheid. Falou-se de paz e ignorou-se a sua defesa da luta armada.

E por falar em armas, eis outro sintoma de esquizofrenia. Se olharmos para o mundo vamos ver a Rússia, que vende armas ao regime Bashar-al-Assad, enquanto as potências ocidentais municiam os opositores do regime sírio. E poucas coisas podem ser mais esquizofrênicas do que ver o assassinato de 1.300 pessoas com armas químicas que, segundo (não) sabemos, tanto podem ser do governo quanto da oposição.

Mas viajemos até ao Brasil. Tem gente que sai aí pelos meios de comunicação ou pelas redes sociais a gritar “cadeia para os mensaleiros”, mas assobia para o lado e faz ouvidos moucos quando ouve palavras como Siemens, Alstom, metrô, helicóptero, cocaína ou tucanoduto. É um dos sintomas da esquizofrenia: ela faz ver coisas ou faz ver apenas o que se quer.

E em Joinville, que mais parece uma Casa Verde (para quem conhece Simão Bacamarte)? Ninguém entende o que se pretende com a tal LOT. Uma pessoa é flagrada em ato corrupção e condenada a umas horinhas de trabalho comunitário. Um moleque de 16 anos chefia o tráfico de drogas num bairro da cidade. O prefeito diz publicamente que a corrupção diminuiu e ninguém pergunta que raio de corrupção é essa. Um vereador processa uma cidadã que o criticou. A cidade ainda se excita com chaminés, como se vivesse no século XVIII. E mais, muito mais.

Portanto, a esquizofrenia, na figura de Thamsanga Jantjie, que tanto podia ser sul-africano quanto brasileiro, é a personagem do ano.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Mudar tudo para que nada mude

POR JORDI CASTAN


Mudar tudo para que nada mude.

Aproxima-se o final do ano. Encerra o primeiro ano da gestão do prefeito Udo Dohler e a cada dia que passa é mais difícil identificar diferenças com gestões anteriores. Claro que um observador atento poderá facilmente provar que o discurso é distinto, que a imagem construida pelos marqueteiros e a assessoria é outra. Mas quanto mais avança, mais fica parecida com todas as gestões anteriores, menos aquela que deveria ter servido de modelo e referência, a do empresário Wittich Freitag. Mas essa é outra historia.

Inaugurado o pomposo trinário formado pelas Ruas Timbó, Max Colina e XV. O prefeito anuncia depois de uma caminhada de poucas quadras pela Rua Timbó que serão feitas obras de melhoria na maioria das ruas que cortam a Rua Timbó. Para o contribuinte fica a duvida. Foi inaugurado incompleto? Faltou concluir? Como o prefeito informou que as novas obras serão custeadas com os recursos que “sobraram” do orçamento da Rua Timbó, a dúvida do contribuinte aumentaP porque fica difícil entender como pode ter sobrado dinheiro numa obra que se alastrou mais que a construção das catedrais góticas da Europa medieval, e que parou várias vezes por falta de recursos.
 
A impressão é a de que para não atrasar mais a obra do trinário a obra foi entregue incompleta e agora as obras que faltam estão sendo apresentadas como “melhorias”. Em tempo, o número de acidentes nas ruas do trinário mereceria atenção especial da imprensa e ação imediata dos órgãos de planejamento e de trânsito do município. Se foi o IPPUJ foi que planejou e o ITTRAN que é responsável pelo trânsito, é provável que para os seus responsáveis tudo tenha sido executado a perfeição e não haja nada para melhorar. As oficinas mecânicas, as empresas de guincho e as companhias de seguro e principalmente os moradores da região podem ter opinião diferente.



Em tempo, é difícil entender por que em lugar de construir uma ciclovia decente, o projeto previu três ciclofaixas incompletas, que em alguns trechos concorrem com os ônibus, em outros simplesmente desaparecem para voltar a aparecer alguns metros mais adiante e continuam sem oferecer a segurança que os ciclistas precisam. Mas tentar entender a lógica das ciclofaixas em Joinville só é possível se analisado desde a perspectiva de que a quantidade de quilômetros prevalece sobre a qualidade do traçado e a segurança para os ciclistas.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Há menos corrupção em Joinville?

POR JORDI CASTAN

No meu post de semana passada, A corrupção nossa de cada dia,  neste mesmo espaço o tema era a percepção da corrupção. Como o brasileiro percebia a corrupção e o desempenho do Brasil em comparação com outros países. As conclusões não eram as melhores: o Brasil não esta bem e o brasileiro percebe.

Quase que no mesmo dia, o prefeito Udo Dohler declarou, na ACIJ, que a corrupção na Prefeitura Municipal de Joinville era menor no seu governo. A afirmação foi notícia e se o prefeito, além da sua percepção, apresentasse dados concretos, deveríamos parabenizar a atual gestão municipal.

O problema é que o prefeito parece estar se referindo à sua percepção ou expressando unicamente sua opinião. E aí a afirmação muda de figura e perde força.

O único caso noticiado pela imprensa de corrupção na Prefeitura Municipal de Joinville foi a detenção em flagrante de uma fiscal da Seinfra. É bom lembrar que a ação foi resultado da denúncia do empresário que estava sendo achacado. A detenção e a ação da Polícia Federal não foi o resultado de nenhuma auditoria interna da prefeitura, assim que não seria correto agora que alguém do governo quisesse se promover às custas de uma denúncia e da ação da polícia.

Fica devendo o prefeito Udo Dohler. Dizer com dados e mostrando casos concretos onde reduziu a corrupção? Em que setores? Que processos? Quais os funcionários envolvidos que foram identificados e eventualmente punidos? Porque confundir a sua percepção com a realidade é perigoso. Seria o equivalente a confundir realidade e fantasia.

Ao afirmar que a corrupção diminuiu, também afirma não só que ela continua existindo, afirma que antes havia mais. A infeliz afirmação joga na vala comum muitos funcionários probos, que, com motivo, querem saber em que setores, que secretarias, que fundações ou que institutos se escondem os corruptos. Se agora há menos que antes, então faltou dizer o que foi feito. Quem foi demitido, quem sofreu processo disciplinar ou foi remanejado. A sensação que acaba prevalecendo é que a afirmação do prefeito é vazia, uma frase retórica e que sem provas e dados concretos é só uma frase de efeito.

Outra opção é a de que, existindo mesmo corrupção na administração municipal, os corruptos foram identificados e medidas foram tomadas, mas a sujeira foi colocada em baixo do tapete e ninguém ficou sabendo. Qualquer uma das opções não é nada boa para Joinville e projeta mais sombras que luzes sobre uma administração que assumiu com imagem de honesta e moralista e que ainda esta devendo respostas concretas nesse quesito.

A corrupção diminuiu? Conte mais senhor prefeito, todos gostaríamos de saber. Quem? Quando. Onde? Quanto? Mais que gostar de saber, temos o direito de saber.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Isso não é gente de Joinville

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quando mudei para a cidade houve uma coisa que me chamou logo a atenção: a expressão “ser de Joinville”. No princípio pensei que tivesse alguma coisa a ver com o processo de colonização, que encheu a cidade de sobrenomes cheios de consoantes a indicar uma “linhagem” europeia.

Mas foi suficiente pouco tempo para perceber o que a expressão realmente queria dizer: era apenas a mentalidade provinciana (sempre) em construção. O “ser de Joinville” significava, antes de tudo, a recusa do outro. Ou seja, a recusa da diferença. A pequena burguesia local queria apenas parar o tempo mental da cidade. E tem conseguido pelo menos atrasá-lo.

No seu “Mitologias”, o pensador francês Roland Barthes dá uma contribuição para entender o que se passou em Joinville ao longo das últimas décadas (e podemos recuar muito no tempo). Diz ele que a pequena burguesia produz uma espécie de fascismo que é usado pela burguesia, os reais donos do poder econômico.

Barthes defende a tese de que o “pequeno burguês é um homem impotente para imaginar o outro. Se o outro se mostra diante de si, o pequeno-burguês cega, ignora-o, nega-o, ou então transforma-o nele próprio. No universo pequeno burguês todos os fatos de confrontação são fatos reverberantes, todo o outro é reduzido ao mesmo”.

É por isso que a pequena burguesia joinvilense tem dificuldades em assimilar os imigrantes pobres, o homossexuais, os libertários, os disruptores, os que lutam na defesa dos seus interesses. Porque para essa pequena burguesia que “é de Joinville”, o outro só existe se for um “igual”. Se não for um igual torna-se pária.

O que significa, então, “ser de Joinville”? Não é uma coisa geográfica. É cultural. Ser de Joinville significa ser gente "ordeira, honesta, trabalhadora" e, principalmente, que fica quietinha no seu lugar e não provocar ondas. O que, convenhamos, só responde aos interesses dos que têm tirado proveito da cidade ao longo dos tempos, de forma legítima ou não.

Mas isso não esconde o fato de que a cidade vive da virtude pública e do vício privado. Por isso, quando a pequena burguesia entra numa onda sair aí pelas redes sociais a dizer que “isto é Joinville”, talvez seja melhor tomar cuidado. Porque se as pessoas olharem a cidade à lupa há o risco de abrir um armário cheio de esqueletos. 





domingo, 15 de dezembro de 2013

HOU HOU HOU!


O processo é lento

POR ALIUSCHA MARTINS

O ano de 2013 pode ter parecido atípico para muitos brasileiros e um bocado de gente pode ter estranhado aquele povo que sempre pareceu indolente e alheio ao universo político ter tomado as ruas com tanto furor. Eram tantas as vozes, o enfrentamento tão evidente, que a tevê nem pode disfarçar o seu rubor. A única coisa que não saltava aos olhos e que seguia seu eterno curso era o esforço desmedido de criminalizar os movimentos sociais. E a despeito disso não faltará em nosso vasto mundo gente pra dizer que a truculência do estado é produto do vandalismo do povo. Mas basta lembrar que até prisão por porte de vinagre a gente teve que engolir pra desfazer a fantasia de que o estado está a serviço do povo. Na semana passada um garoto foi condenado à cinco anos de prisão por carregar na rua duas garrafas de desinfetante, essa decisão tão descabida, incoerente e desconexa podia parecer o resultado impensado de um fenômeno que de repente assolou a nossa história. Um episódio triste que foge à regra. Mas não. Culpar e violentar o cidadão ou a parcela da sociedade que quer apontar as suas contradições é um ato orquestrado pelos sujeitos que tem seus privilégios atrelados a essas desigualdades. Definitivamente importa dizer que o jogo que a nossa sociedade brinca não é o da dança da cadeira, em que ocupam os lugares os meninos mais atentos e preparados para isso. Nesse tabuleiro a gente é soldado de batalha protegendo general e “O Rei Mandou” é brincadeira de lei nesse nosso quintal.

Ainda que com vigor se insista para exceder Joinville do mapa, ela não está no céu que é um lugar mágico, ela pertence ao chão e por isso mesmo foi também palco da nossa atrocidade. Em agosto, mesmo advertida pela sabedoria popular de que este é um mês de desgostos, eu participei de uma manifestação do Movimento Passe Livre. Não apenas por uma concordância linguística já que, estando de passagem pelo mundo, tudo aquilo que enuncia a liberdade recebe minha atenção. Nem porque acho chique as propostas europeias para o transporte coletivo. Mas porque, caminhando pela cidade eu sofro os problemas das iniciativas individuais e compreendo a urgência de se pensar a coletividade. Acompanho a algum tempo os debates propostos pelo Movimento Passe Livre e estou convencida da urgência de estabelecermos outros modelos de transporte para recriar uma nova dinâmica social. Nessa manifestação que foi marcada por muita chuva, cansados de empunhar cartaz sem fazer eco, achamos prudente comparecer e contribuir com a reunião do conselho da cidade. O conselho era uma formalidade exigida pela burocracia do estado que, inclusive, já havia sido considerado irregular pela própria burocracia do estado. Não fomos convidados ao conselho, nem nossa participação era aceita, por isso nos fizemos entrar. Esse conflito quebrou uma dobradiça da porta do salão da Harmonia Lyra, local onde a reunião acontecia.

Não só a logística da cidade mas também o modelo de representação política proposto pelo MPL é uma grande contribuição para o nosso tempo. Cada matéria veiculada pelo aparelho midiático em junho deste ano que tentava apontar um líder ao movimento, nos chamava atenção para o fato de que não estamos acostumados a nos representar e, por força do hábito, nos querem governar e não nos permitem que sejamos protagonistas nem sequer da nossa própria rebeldia. E me ocorre agora que, talvez seja essa a afronta maior, o que leva um advogado como Álvaro Cauduro de Oliveira, assessor jurídico e conselheiro da cidade em representação à Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), e sócio proprietário da Sociedade Harmonia Lyra a processar aleatoriamente uma pessoa por uma dobradiça quebrada não é a sua preocupação com a porta (que já estava consertada no dia seguinte sem maiores danos) mas a ameaça verdadeira de que estamos inclinados a não nos sujeitarmos à ordem. Estamos dispostos a nos representarmos e a ocuparmos os lugares que nos são devidos sem que lhe sobrem poltronas estofadas. O processo judicial movido por seu Cauduro faz cada um de nós alvo de sua violência, da violência dessa gente poderosa que faz uso do aparato do estado para a manutenção de seu poder e enquanto a justiça se ocupa de uma dobradiça de porta as empresas Gidion e Transtusa seguem fazendo uso do dinheiro público sem nem sequer apresentar decentemente suas planilhas de custo. E parece que a licitação para o transporte público em Joinville vai realmente sair, no dia da semifinal da copa do mundo. Coincidência?

Aliuscha Martins é professora e militante.