POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Quando mudei para a cidade houve uma coisa que
me chamou logo a atenção: a expressão “ser de Joinville”. No princípio pensei
que tivesse alguma coisa a ver com o processo de colonização, que encheu a
cidade de sobrenomes cheios de consoantes a indicar uma “linhagem” europeia.
Mas foi suficiente pouco tempo para perceber o
que a expressão realmente queria dizer: era apenas a mentalidade provinciana (sempre)
em construção. O “ser de Joinville” significava, antes de tudo, a recusa do
outro. Ou seja, a recusa da diferença. A pequena burguesia local queria apenas
parar o tempo mental da cidade. E tem conseguido pelo menos atrasá-lo.
No seu “Mitologias”, o pensador francês Roland
Barthes dá uma contribuição para entender o que se passou em Joinville ao longo
das últimas décadas (e podemos recuar muito no tempo). Diz ele que a pequena
burguesia produz uma espécie de fascismo que é usado pela burguesia, os reais
donos do poder econômico.
Barthes defende a tese de que o “pequeno
burguês é um homem impotente para imaginar o outro. Se o outro se mostra diante
de si, o pequeno-burguês cega, ignora-o, nega-o, ou então transforma-o nele
próprio. No universo pequeno burguês todos os fatos de confrontação são fatos
reverberantes, todo o outro é reduzido ao mesmo”.
É por isso que a pequena burguesia joinvilense
tem dificuldades em assimilar os imigrantes pobres, o homossexuais, os
libertários, os disruptores, os que lutam na defesa dos seus interesses. Porque
para essa pequena burguesia que “é de Joinville”, o outro só existe se for um “igual”.
Se não for um igual torna-se pária.
O que significa, então, “ser de Joinville”?
Não é uma coisa geográfica. É cultural. Ser de Joinville significa ser gente "ordeira, honesta, trabalhadora" e, principalmente, que fica quietinha no seu
lugar e não provocar ondas. O que, convenhamos, só responde aos interesses dos que
têm tirado proveito da cidade ao longo dos tempos, de forma legítima ou não.
Mas isso não esconde o fato de que a cidade
vive da virtude pública e do vício privado. Por isso, quando a pequena
burguesia entra numa onda sair aí pelas redes sociais a dizer que “isto é Joinville”, talvez seja melhor
tomar cuidado. Porque se as pessoas olharem a cidade à lupa há o risco de abrir
um armário cheio de esqueletos.