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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A potência criativa da política


POR CLÓVIS GRUNER

Corria o mês de junho, e o que começou como uma sequência de manifestações contra o aumento na tarifa do transporte público – no Brasil, historicamente caro, principalmente porque de baixíssima qualidade –, recebidas com a habitual truculência governamental, transformou-se rapidamente em uma das maiores mobilizações da nossa história republicana, e a maior desde as “Diretas Já”, em meados dos anos de 1980.

Sobre as manifestações, mantenho o que disse à época: a seu modo e muito peculiarmente, elas contribuíram para ampliar e tornar mais visível um processo de reinvenção da política por meio de uma ocupação do espaço público que o toma em seu sentido mais amplo: como um lugar de confrontos e conflitos, de afirmação das potencialidades insurgentes do presente mais que de promessas de redenção futuras.

Se para os observadores da política cotidiana tais características já apareciam em mobilizações como a “Marcha das Vadias” e as “Paradas da Diversidade”, entre outras, a força libertária e centrípeta do “Movimento Passe Livre” – minha personalidade do ano – deu nova dinâmica a esse processo. O slogan “Não é pelos R$ 0,20” deixou claro a quem quisesse entender (mas sempre há quem não queira) que o direito à cidade é, hoje, um debate central.

De quebra, o MPL e as manifestações colocaram na pauta do debate público a violência policial – e a necessidade de desmilitarizar a polícia –; o desgaste do modelo democrático centrado unicamente na política partidária e institucional; as contradições do modelo econômico desenvolvimentista patrocinado pelo governo petista; além do oportunismo da direita brasileira, sempre cansada. E trouxe de volta um pouco de paixão e criatividade à política.

Convenhamos, não é pouca coisa. País nenhum sai incólume de um acontecimento como esse. O Brasil também não.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

Ocupar as ruas não é crime!


POR CLÓVIS GRUNER

Diverti-me nestes dias de ruas ocupadas a imaginar o que diriam nossa mídia e formadores de opinião dos 150 colonos que, numa noite de dezembro de 1773, disfarçados de índios, lançaram ao mar quilos de chá trazidos da Inglaterra, depois que um decreto real tornou obrigatório seu consumo e proibiu a produção interna. A maioria os acusaria de vândalos: nossos veículos reclamariam os privilégios da coroa inglesa, e como fazem mal jornalismo, acusariam logo os índios; Arnaldo Jabor enfatizaria, teatralmente, que se tratavam apenas de “saquinhos de chá”, para depois pedir desculpas pelo erro: os baderneiros, afinal, não eram índios. E não faltariam os comentários anônimos no Chuva Ácida, a defender furiosamente que os militares britânicos acertassem tiros na testa dos bárbaros, fossem índios ou colonos.

Claro, pouco importa se aqueles poucos insurgentes estivessem dando, se não o primeiro, mas um passo decisivo no processo que culminaria, dali a três anos, com a independência dos Estados Unidos. Querem proclamar a independência? Proclamem-na, mas em fila indiana, mantendo a ordem e com respeito à propriedade. “Peraí!”, reclamarão logo os defensores da História com “H” maiúsculo, “então justo você, historiador, está a comparar Thomas Jeferson com estudantes levando vinagre na mochila, a independência americana com as manifestações de rua no Brasil?”. Sim e não. Não porque os contextos são outros e uma análise madura precisaria levar em conta suas especificidades. Além disso, ainda não sabemos o que será e esperar da movimentação das últimas semanas, ao passo que conhecemos o fim da história da Revolução Americana.

Por outro lado, se incorro no pecado do anacronismo, o faço movido por uma boa razão. Há um elemento comum entre o Boston Tea Party e a movimentação das últimas semanas: os colonos americanos não sabiam (assim como os insurgentes da Primavera dos Povos, em 1848; os operários do ABC, no final dos anos 1970; ou os jovens tunisianos em 2010, entre outros exemplos), e não podiam saber, que suas ações teriam repercussões para além do imaginado e desejado. Eles desconheciam que em parte graças ao seu gesto, a história trilharia outros e imprevisíveis itinerários. Já se falou muito sobre as mobilizações. Do que li, uma das mais lúcidas análises foi publicada pelo jornal espanhol El País. Não pretendo retomá-la aqui ipsis litteris, mas esboçar algumas considerações, certamente provisórias, a partir de inquietações surgidas na esteira das manifestações.

O passe livre é possível? – Não estou inteiramente seguro disso, embora me incline a achar que sim. Há estudos e experiências, inclusive em cidades brasileiras, que respondem positivamente a pergunta. Há outros a afirmar o contrário. Na segunda-feira, dois líderes do MPL paulistano compareceram ao programa Roda Viva. Além de expor a fragilidade intelectual e política de nossos jornalistas, a entrevista serviu para desfazer alguns mal entendidos e reforçar o caráter engajado e lúcido da movimentação: mesmo que, pontualmente, a reivindicação seja pela revogação dos aumentos nas tarifas do transporte público (o que já foi feito, de maneira oportunista, em Joinville, e nesta semana em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba), a luta é mais ampla. Porque em jogo estão alguns direitos fundamentais, entre eles a humanização das cidades, a mobilidade urbana e a ocupação do espaço público. E garantir o acesso ao transporte público é condição fundamental ao exercício destes direitos.

O gigante acordou? – Não, porque nunca estivemos adormecidos. A estratégia de descaracterizar e despolitizar a movimentação foi o coringa dos grupos conservadores – e eu falo dos governos, da mídia, seus colunistas e muitos de seus leitores – quando a estratégia de criminalização não funcionou. Trocando em miúdos: depois que a violência policial, elogiada pelo governador Geraldo Alckmin, negligenciada pelo prefeito Fernando Haddad e incentivada por editoriais, colunistas e blogueiros, mostrou-se um tiro no pé, os mesmos que autorizaram e legitimaram o uso da força trataram rapidamente de tentar pautar o movimento, atribuindo-lhe outros sentidos e significados. E como se não bastasse ver gente como Reinaldo Azevedo, Merval Pereira, Arnaldo Jabor e Felipe Pondé ridiculamente tentando tornar-se os porta vozes da indignação, eles o fazem ignorando nossa história, mesmo a mais recente. Nunca fomos um “povo pacífico” – e a lista de revoltas, rebeliões e movimentos insurgentes, desde os tempos de colônia portuguesa, estão aí a atestar isso –, e não deixamos de ocupar as ruas e os campos do país. Mesmo o MPL não apareceu do nada: ele foi criado em 2005, e somou forças a outras movimentações sociais, urbanas e rurais, tais como os Sem Terra e Sem Teto, as marchas das vadias, os movimentos LGBT e negro, etc... Tampouco é novidade a violência policial: ela é rotina nas periferias do país, principalmente. Somos nós que não a vemos.

E agora? – A mais inquietante e mais difícil das perguntas. Justamente porque é um fenômeno novo, é difícil dizer com clareza para onde ele vai. Não vai mudar o país, não como talvez esperam alguns: no final da passeata, não nos aguarda a revolução. E no momento é isto o que mais me emociona e estimula. Atravessando a movimentação, como alguma coisa incontrolável e certamente não planejada, está um discurso que tensiona não apenas as velhas maneiras de pensar e fazer política, mas também as formas tradicionais de liderança, as velhas mídias, nossa ainda frágil democracia, nosso regime representativo, a crescente neutralização, se não o esvaziamento, do espaço público, etc... É óbvio que um movimento em grande parte espontâneo e difuso, acabaria por atrair gente de interesses e demandas igualmente difusos. É também uma estratégia da direita ampliar as reivindicações para desviar a atenção do que é realmente importante, transformando as manifestações em uma versão inchada da tentativa patética de indignação que foi o “Cansei”. Não me espanta ver os logradouros tomados por reacionários e conservadores. Espanta-me, sim, ver e ler gente de esquerda com medo das ruas. A pluralidade faz parte da democracia e ela é inevitável. Se quisermos ver as ruas ocupadas preferencialmente pelas demandas da esquerda – e de uma esquerda libertária, não alinhada a partidos e governos –, temos de gritar mais alto que eles: não, não se trata de uma luta "contra a corrupção" (só corruptos são a favor da corrupção), ou "contra tudo o que está aí" (quem é contra tudo, acaba por não ser a favor de nada), porque estas bandeiras atendem a um jogo eleitoreiro, partidário e midiático, e não há julgamento do mensalão que mude esta percepção. O crescimento das manifestações não deveria servir de trampolim à atitudes protofascistas, ao oportunismo e ao patriotismo vazio. Mas nelas cabem reivindicações necessárias, tais como denunciar o crescente desrespeito aos direitos humanos pelo alinhamento do Estado aos interesses conservadores e religiosos.

Talvez isso tudo não dê em nada? – Depende do que se entende por “dar em nada” e do que se espera quando milhares vão às ruas. Depende, em suma, do que se entende por e se espera do político. A política, pelo menos a que se vive cotidianamente nas ruas, é imprevisível, e o futuro é indisciplinado. Embora acredite que mudar a posição inicialmente irredutível e autoritária de alguns governantes e, por extensão, a de parte da polícia, e obrigar a mídia a adotar outro discurso seja suficientemente significativo, acredito também que há momentos em que o simples gesto já traz em si seu sentido e justificativa, independente do depois. Acho que vivemos nestes últimos dias um desses raros momentos, em que é preciso gritar, em alto e bom som, que ocupar as ruas não é crime, é um direito. E a isso se chama democracia.

sábado, 15 de junho de 2013

Uma imagem que vale ouro

                                                                               POR FABIANA A. VIEIRA


Se há uma coisa que eu reconheço no governo Udo é a preocupação com a imagem. Não sei se parte de uma cabeça, ou de um coletivo, mas o mote da imagem está bem trabalhado. Senão vejamos o episódio do anúncio da redução da tarifa de ônibus, realizada na última semana, logo após pipocar comentários maldosos sobre participação do prefeito Udo Dohler na operação Fariseu, que investiga o envolvimento do Hospital Dona Helena, de Joinville, na compra de ouro para camuflar recursos e não perder o certificado filantrópico, que garante isenção tributária até para importar equipamentos. Mesmo com resposta da assessoria isentando Udo de qualquer participação ilícita, o estrago estava feito.

Quem trabalha com marketing sabe que, num momento de crise, o segredo é tomar decisões rápidas. E a resposta veio em um anúncio reduzindo a tarifa de ônibus de Joinville - numa semana recheada de manifestações polêmicas, lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL) em grandes centros do Brasil com destaque para São Paulo.

A decisão foi acertada. Ninguém mais fala do ouro. Udo já trabalhou bem com isso em outras ocasiões. Na campanha ainda, a decisão de doar o salário de prefeito para entidades assistenciais, nos últimos dias de campanha, é dada para alguns estudiosos como a grande virada nas urnas. Outro momento decisivo para a imagem de Udo foi revogar o anúncio deixado por Carlito Merss, também sobre a redução da tarifa. Começou o governo no lucro midiático.

Mas voltando sobre a decisão de baixar a tarifa de ônibus na última semana, cabe salientar que a medida é resultado da decisão anunciada há  um mês pelo governo federal, que isentou as empresas de transporte coletivo do PIS e Cofins. Esta ação foi tomada, inclusive, por outras prefeituras do Brasil Em São Paulo, por exemplo, já foram seis cidades que anunciaram a redução da tarifa do ônibus após medida do governo federal. Portanto houve também um benefício para as empresas.

Na visão do Movimento Passe Livre (MPL) de Joinville essa redução de impostos atendeu as necessidades diretas dos empresários do setor - não foi uma política pública para atender a população joinvilense que usa o transporte coletivo. Outra alegação do MPL é que ainda falta discutir em Joinville a questão da licitação que pode garantir mais concessões e acabar com o monopólio do ônibus na cidade. Saindo um pouco da opinião do MPL, vale destacar a opinião de enquete realizada pelo jornal A Notícia, onde os entrevistados lembram que não adianta baixar a tarifa agora e aumentar em dezembro, como já sinalizou o prefeito.

Mesmo com essas contradições após o anúncio de Udo, eu acho que sua imagem foi preservada, ou pelo menos restaurada. Pois quem utiliza o ônibus todos os dias sabe que uma redução de 10 centavos, faz diferença no bolso no final do mês. Mesmo que sejam seis meses apenas. Acho que esse joinvilense aprovou sim o anúncio de Udo. Agora ele já pode pensar em novas estratégias para dezembro, quando as empresas irão pressionar por um novo aumento.