O aparecimento da tal “escola sem partido” (em
minúsculas) deve ser um dos episódios mais sombrios da história recente do
Brasil. E olhem que o páreo é duro, porque nos últimos tempos o país tem
caminhado a galope para o obscurantismo. Os conservadores alegam a existência
de uma suposta “doutrinação ideológica” de esquerda nas escolas. E o que
propõem em substituição? Ora, uma doutrinação ideológica da direita mais
atrasada.
Os conservadores vivem um transe que os leva rejeitar
tudo o que aponte para a razão, para as luzes, para o esclarecimento (por
iliteracia política, confundem pensamento racional com “esquerda”). Não vamos
esquecer que os modelos de ensino atuais são, em grande medida, herdeiros do
ideário do Iluminismo, que, no seu momento original, falava no uso da razão
para fazer evoluir a vida das pessoas. “Tem coragem para fazer uso da tua
própria razão”, disse Kant.
Há muita gente a rejeitar a proposta de “escola sem partido”, sob
o argumento de que é uma tentativa de impor o pensamento único. Discordo. O que
está em jogo é a simples rejeição do pensamento. Ou, passe o trocadilho, a
tentativa impor um único pensamento: atacar o que consideram ser a tal
doutrinação de esquerda. Mas não estamos a falar da esquerda corporificada num
conjunto de ideias. A esquerda dos conservadores é apenas um monstro criado
pelas suas mentes supersticiosas.
O “escola sem partido” tem um site muito completo. Não
é preciso aprofundar a navegação porque as coisas saltam aos olhos. Há uma
rubrica chamada “flagrando o doutrinador” que, com quase duas dezenas de
“ensinamentos”, estimula o espírito delator dos estudantes. Ou seja, ensina a
ser dedo-duro. Mas quem pode criticar algo que está em plena sintonia com a
realidade brasileira? A delação é premiada e os delatores viram heróis
nacionais. Faz sentido. É quase um ensinamento de carreira.
Mas não estamos a falar de dedos-duros quaisquer. O
site tem outro link chamado “planeje sua denúncia”, onde ensina uns
truquezinhos que permitem aos alunos denunciar professores com método. E o mais
importante: em segurança e sem correr riscos de passar por um acareamento. “Esperem, se necessário, até sair da escola ou da faculdade. Não há
pressa”, ensina o site. O dedo-durismo é um prato que se come frio.
Enfim, a “escola sem partido” parece propor uma versão tupiniquim da Caça às
Bruxas.
Mas o ponto alto do site é mesmo o filme apresentado
como o “tema musical da educação brasileira” (no final do texto). E qual é a música? Uma paródia de
“A Banda”, de Chico Buarque (ironia das ironias). Mas a coisa fica ainda mais
emocionante. Porque o argumento é de autoria do grande pedagogo Danilo Gentili.
O refrão é suficiente para mostrar o que se passa pela cabeça desses grandes
intelectuais: “estava
à toa na classe o professor me chamou, pra me lobotomizar, me transformar num robô”.
A
coisa continua, com frases que servem apenas para ironizar – e rejeitar – nomes
como Marilena Chauí, Mikhail Bakunin, Michel Foucault, Paulo Freire ou o
próprio Chico Buarque, que não levou nada de direitos autorais (“o autor da
paródia se isenta de qualquer remuneração sobre os direitos autorais da mesma”,
explica o texto). Enfim, é um daqueles casos em que só cabe uma definição: é a
ignorância petulante em ação. O problema é que muita gente leva a sério.
O CASO FROTA - A desgraça nunca acaba. Eis uma prova factual – e
cabal – da rejeição do pensamento no Brasil. Em que sociedade civilizada Alexandre Frota poderia ser considerado conselheiro
para a área da Educação? É uma descarada tentativa de doutrinação. Só que a doutrina é
o que há de mais atrasado.
É a dança da chuva.