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quarta-feira, 8 de junho de 2016

A conta saiu cara


POR CLÓVIS GRUNER

"Tá todo mundo se cagando, presidente. Todo mundo se cagando. Então ou a gente age rápido”. As frases, ditas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a um dos principais caciques do PMDB, José Sarney, eram um apelo de Machado ao ex-presidente da República. Ele pretendia que ele usasse seu poder e influência para barrar as investigações da Lava Jato, com potencial para levar “toda a classe política para o saco”, e de preferência antes da delação premiada dos executivos da Odebrechet, porque “não há quem resista à Odebrecht”. Sarney propõe, como saída, a posse do então vice-presidente Michel Temer, que teria o apoio da oposição “diante de certas condições”.

O diálogo com Sarney deu sequência a uma conversa anterior, do mesmo Sérgio Machado, com Romero Jucá, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff, também senador pelo PMDB e por um breve período Ministro do Planejamento de Michel Temer. Ainda mais explícito, Jucá fala textualmente que é preciso “resolver essa porra. Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria”, e sugere uma “articulação política” envolvendo o PMDB, à época das gravações, em março, ainda na base aliada mas já ensaiando sua saída do governo petista, e a oposição, também na mira das investigações da Lava Jato.

Experiente, o presidente do Senado Renan Calheiros, do PMDB, aconselha primeiro mudar as normas que regulamentam a delação premiada (“não pode fazer delação premiada preso”), instrumento fundamental da Operação, e negociar a transição com os ministros do STF, todos “putos com ela”, Dilma Rousseff. Feito isso, PMDB e oposição podiam “passar a borracha” e dar a posse a Michel Temer. Nos planos de peemedebistas e tucanos, a interinidade seria mera formalidade, porque a deposição definitiva de Dilma já era favas contadas, já que se tratava de componente fundamental à garantia de que terminariam todos, impunes.

As coisas não saíram exatamente como o esperado. Ontem, ficamos sabendo que Rodrigo Janot, o Procurador da República, pediu ao STF a prisão de Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney e do deputado afastado Eduardo Cunha. A alegação de Janot, com base nas gravações das conversas entre Machado e os senadores do PMDB, é de que eles estariam tramando para atrapalhar as investigações da Lava Jato. No caso de Cunha, o Procurador sustenta que, mesmo afastado, o deputado continua a interferir nas investigações contra ele na Justiça e na Câmara dos Deputados, inclusive ameaçando integrantes do Conselho de Ética. A decisão de acatar ou não os pedidos de prisão cabe agora ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF.

O PREÇO DA IMPUNIDADE – Não é novidade e nem uma surpresa que a notícia caiu como (mais) uma bomba no interino, ilegítimo e acuado governo Temer. Se desde antes da vergonhosa sessão da Câmara que votou pela admissibilidade do processo contra Dilma Rousseff já estava claro que o processo contra a presidenta era uma verdadeira chicana, as semanas de interinidade do nada novo governo não apenas confirmam aquela primeira impressão, mas lançam nova luz sobre a extensão e a profundidade do arranjo criminoso forjado para, justamente, empossar um governo feito sob medida para livrar corruptos da cadeia e garantir a sobrevivência política de quem se sentia ameaçado pelas investigações da Lava Jato.

Se os diálogos de Sérgio Machado com as lideranças peemedebistas já comprometiam irremediavelmente a versão de que a presidência de Temer surgia para “refundar” a nação, a possibilidade de que Sarney, Jucá, Calheiros e Cunha – um quarteto formado por um ex-presidente da República, dois senadores (um deles ex-ministro, outro presidente do Senado) e um deputado ex- presidente da Câmara – sejam encarcerados, sela a imagem do governo Temer como ilegítimo, e dá razão ao editorial do New York Times, que conferiu a ainda breve gestão do presidente interino a “medalha de ouro em corrupção”.

Mas se a tese moralizadora é hoje insustentável, as perspectivas a curto e médio prazo tampouco são animadoras. Acuado e fragilizado, é bastante provável que Temer não meça esforços para impor, em um curto espaço do tempo, a agenda que negociou em troca de apoio. E se já vivíamos, sob o governo Dilma, a ameaça da precarização dos direitos sociais, as chances aumentam consideravelmente agora que a Fiesp está disposta a mostrar, na prática, que não vai mesmo pagar o pato. A situação não é melhor no parlamento, não apenas o mais conservador desde a democratização, mas também o que levou a noção de fisiologismo a patamares vergonhosos.

De certo, apenas a incerteza, por mais contraditório e paradoxal que possa parecer. Obviamente, não há motivos para comemorar mais essa crise – até porque, não esqueçamos, a situação do PT e de algumas de suas principais lideranças não é nada confortável, as chances de Dilma voltar à presidência seguem mínimas e, caso volte, também não são alvissareiras as perspectivas para a continuidade de seu governo. Mas é preciso, mais que apenas lamentar, denunciar o fato de que as articulações escusas que visavam manipular a Constituição, derrubar uma presidenta eleita, empossar um vice disposto a barrar investigações e acobertar investigados para  livrar políticos corruptos da cadeia, não custou caro só ao governo. É o país, afinal, quem vai pagar a conta.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Caiu a ficha?













POR CLÓVIS GRUNER

O conteúdo das conversas entre o Ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, abriram a semana política em altíssima voltagem. Elas deixam claro, sem meios tons, que o impeachment de Dilma Rousseff não tem, não teve e não terá respaldo jurídico: ele foi urdido para garantir a impunidade de uma – agora sabemos – quadrilha que tomou de assalto o poder, com o respaldo de uma maioria que foi às ruas amassar panela e exibir a camiseta verde amarelo da ilibada CBF. Nos trechos revelados até aqui, a trama era, fundamentalmente, articular com a oposição e, se possível, ministros do STF, para garantir a derrubada de Dilma, único caminho para que outros políticos e partidos não caíssem com o PT.

Nas conversas há de tudo um pouco: referências aos principais líderes da oposição, Aloysio Nunes, José Serra e Aécio Neves, deixam claro que também para os  tucanos a “ficha já havia caído”, e não há outra interpretação possível: Jucá e Machado sabiam que para a tese do impeachment vingar, era preciso um trabalho coordenado da base aliada, especialmente Renan Calheiros, presidente do Senado, e da oposição. E que aquelas alturas eles já podiam contar com os três senadores do PSDB, cientes de que, caso tudo ficasse como estava, em algum momento a Lava Jato os alcançaria. Faltava convencer Calheiros, o que não deve ter sido difícil depois que Eduardo Cunha caiu. Chega a ser pornográfico, de tão explícito.

Por outro lado, nada disso chega a ser surpreendente. Muita, mas muita gente vem falando isso desde que a palavra impeachment deixou as ruas e ganhou corpo nos gabinetes de Brasília. Eu mesmo escrevi, aqui no Chuva Ácida, que o processo contra Dilma significava, na verdade, o “impeachment da Lava Jato”. E isso há mais de um mês, logo depois da vergonhosa votação na Câmara dos Deputados. No texto da semana passada, já com Temer governando interinamente, escrevi: “o governo Temer surgiu para frear as investigações de corrupção e assegurar a impunidade aos que sempre se souberam impunes. É um governo feito para livrar criminosos da cadeia e, nesse sentido, o impeachment foi, fundamentalmente, uma garantia de sobrevivência política”.

Insisto: não estava sozinho. Inúmeros articulistas chamaram a atenção para os reais interesses que moviam o impeachment: barrar a Lava Jato, frear as investigações contra a corrupção e assegurar a impunidade dos que sempre se souberam impunes. A resposta foi sempre a mesma: éramos “petralhas” que compactuávamos com a corrupção, defendendo um governo e um partido indefensáveis. Na melhor das hipóteses, um bando de inocentes úteis. Os diálogos entre Jucá e Machado mostram que os inocentes úteis a compactuar com a corrupção, afinal, não éramos nós. Mas se não há grandes surpresas no que foi revelado, os desdobramentos da revelação ainda são uma incógnita.

Por um lado, derruba-se de vez e a tese moralizadora, sustentada há meses, de que o impeachment varreria de uma vez por todas a corrupção do país. Tampouco se pode alegar que Temer desconhecia inteiramente as intenções de Jucá, um dos principais articuladores do impeachment no Senado e duplamente investigado, na Lava Jato e na Operação Zelotes. E é muitíssimo pouco provável que Michel Temer não estivesse de acordo em participar de um conchavo de implicações tão amplas. Afinal, ele era a peça chave nos planos que Jucá conduziu com a base aliada e a oposição. Além disso, ele próprio está diretamente implicado nas investigações, ao contrário de Dilma Rousseff na época das gravações.

É quase certo que haverá quem, desesperado, se agarre a tese de que a queda de Dilma foi necessária e justificável ante o rombo na economia brasileira. A tese é frágil, e não apenas porque a crise econômica não estava na pauta do processo que culminou com o afastamento da presidenta, incluindo as manifestações de rua, e o alegado rombo era, inclusive, desconhecido. Mas também porque as expectativas em torno à nova equipe econômica não diferem, substancialmente, daquilo que Dilma já anunciava como necessário para dar um alívio à nossa combalida economia, incluindo o aumento de impostos e o retorno da CPMF já sugeridos pelo ministro Henrique Meirelles.

A resposta do presidente interino, independente de qual seja, provocará um verdadeiro estrago em uma gestão mal começada. Se demitir Jucá, pode criar um inimigo perigoso que o arraste junto, e ao governo, para a lama ainda mais profunda. Se o mantém, aumentará a percepção de que está à frente de um governo oportunista, na melhor das hipóteses, ilegítimo na pior delas. E dá munição à narrativa petista de que, afinal, o impeachment é só um eufemismo criado pela base aliada e a oposição para justificar um golpe de Estado.

De certo, sabemos pouca coisa. A primeira e mais importante, a de que o governo Temer é não apenas interino, mas ilegítimo. E que as notícias de hoje talvez embaralhem o que, até ontem, era dado como certo: de que a votação do impeachment no Senado significaria o fim da gestão de Dilma Rousseff, afastando-a definitivamente. Há alguns meses, quando o processo começou, analistas sugeriam como alternativa à crise a convocação de novas eleições mediante emenda aprovada pelo Congresso.

A proposta foi recusada por governo e oposição, que tinham muito a perder com o voto popular. Agora que sabemos, sem margem de dúvida, as razões da quadrilha que ocupa o Palácio do Planalto, talvez a ideia de novas eleições não soe tão descabida. Intolerável é sustentar um governo que ascendeu ao poder conspirando, e que se valeu da Constituição e dos mecanismos democráticos que ela franqueia para livrar da cadeia um bando de criminosos.

A ficha, finalmente, caiu. Agora só falta cair Temer.