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terça-feira, 20 de novembro de 2018

"Médicos cubanos" ou tráfico de pessoas?


POR JORDI CASTAN
Quando chegaram ao Brasil milhares de “médicos” cubanos, vestindo jalecos brancos, portando bandeiras cubanas e brasileiras. Gente que no marco do projeto “Mais Médicos” chegou para contribuir a reduzir o grave problema da saúde no país. Só alguém muito maldoso para enxergar nesse programa do governo Dilma Roussef, outro objetivo que não fosse o de melhorar o atendimento a essa boa parte da população que hoje está desatendida. Como alguém poderia identificar como sendo tráfico de pessoas o que é resultado de um convenio entre o governo brasileiro e o governo cubano, com a intermediação da OPS (Organização Panamericana da Saúde)?

É difícil estabelecer um grau de maldade ou de gravidade entre os diversos crimes que se cometem. Afirmar que um dos piores crimes é o tráfico de pessoas é arriscado, alguns dirão que o sequestro, o latrocínio ou o tráfico de drogas e será difícil discordar ou estabelecer critérios lógicos e objetivos para medir brutalidade, perversidade, premeditação ou aleivosia. Há no tráfico de pessoas, essa versão atual da milenar escravidão, extrema perversidade. As imagens de escravos sendo comercializados nas ruas de Trípoli ou Benghazi, são brutais. Como são brutais as imagens das meninas comercializadas como escravas sexuais, por poucos dólares, pelo Boko Haram no Níger, ou pelo Isis no Iraque.

Há no Brasil 2 médicos para cada 1.000 habitantes, pelas estatísticas o indicador não é ruim, seria o mesmo que tem o Japão, pero dos 1,9 da Coreia do Sul e não tão longe dos 2,6 do Estados Unidos. O problema era e continua a ser a péssima distribuição destes médicos pelo território nacional o que faz que muitas regiões remotas e no Brasil há muitas não tenham médicos na proporção necessária.

Importar profissionais para suprir uma carência é uma solução logica e praticada por muitos países ao longo da história. Canada, Austrália, Alemanha, entre outros, tem programas que estimulam esse tipo de imigração. Quando trabalhei em Sri Lanka tive oportunidade de conhecer a existência do Ministério para o Trabalho no exterior, com o objetivo de permitir a “exportação” de profissionais daquele país para outros países, principalmente nos EAU (Emirados Árabes Unidos), o objetivo do ministério era que não fossem explorados, que só partissem a trabalhar no exterior com contratos assinados e que lhes fossem garantidos seus direitos e condições de trabalho iguais ou equivalentes as do seu país. Em troca o país se beneficiava de um fluxo estável e regular de divisas para manter as famílias que ficavam em Sri Lanka.

“Importar médicos” tem, por tanto a sua lógica. O brasileiro em geral e os políticos em particular não fazem muitas perguntas, não gostam de fazer muitas perguntas, fazer perguntas expõe a sua ignorância, mostra o que não sabem e isso amedronta, mas fazer perguntas também quer dizer buscar respostas que não querem ser dadas. Questionar não é bem visto, cria incômodos, gera até conflitos. Se não houvesse havido um grande acordão entre a maioria dos políticos, para aprovar com rapidez e sem questionamentos o programa “Mais médicos” poderíamos saber:

- Por que não se exigiu que a titulação de médico fosse comprovada com proficiência? Alias o mesmo que já se exige a milhares de brasileiros que se formam na Bolívia, na Argentina ou em outros países.

- Por que o salário dos “médicos cubanos” não se pagava integralmente ao próprio médico e sim ao governo cubano, que acaba agindo como intermediador ou “gigolô” dos próprios médicos.

- Por que a situação legal dos “médicos cubanos” é a de intercambistas e com isso não podem ser contratados e sua relação de trabalho não se rege pela CLT?

- Por que os “médicos cubanos” não poderiam trazer as suas famílias? Ou permanecer no Brasil?

- Por que para os “médicos cubanos” se estabeleceram critérios laborais, profissionais diferentes dos demais profissionais?

- Por que o Brasil prefere pagar R$ 7 bilhões para Cuba e não desenvolve uma proposta para que os médicos formados nas universidades públicas prestem serviços “voluntários” para devolver ao país o custo ou parte do custo da sua formação?

É importante saber que dos mais de 85 mil médicos cubanos, 15 mil estão em missões espalhados por 60 países. Lá, geralmente fazem o trabalho em áreas onde médicos locais não vão. Em retorno, trazem para Cuba um valor estimado em US$ 5 bilhões por ano. É muito: dá duas vezes o que Cuba ganha com exportações. E representa 7% do PIB da ilha – de US$ 70 bilhões. Para comparar: o Brasil exportou US$ 243 bilhões em 2012. Dá 11% do nosso PIB. Ou seja: proporcionalmente ao PIB, Cuba fatura quase tanto com seus médicos quanto o Brasil levanta exportando petróleo, soja, minério de ferro, carros e aviões. O Mais Médicos é uma importante fonte de divisas para a ditadura cubana.

Aliás bom lembrar que a decisão irrevogável de retirar os “médicos cubanos” a partir do dia 25 de novembro, foi uma decisão unilateral do governo cubano, tomada antes mesmo que o novo governo assuma em janeiro, e que surpreendentemente 196 já tinham retornado a ilha. Atitude que reforça o caráter eminentemente político da decisão.

(*) em quanto a titulação dos “Médicos cubanos” não seja validada por uma revalida igual a dos médicos brasileiros ou de outras nacionalidades formados no exterior, devemos olhar com suspeição a capacidade profissional dos ditos “Médicos cubanos”.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Sem Dilma, com Temer. E agora?



POR CLÓVIS GRUNER

É mais fácil, cômodo e, a essas alturas e a depender de qual “lado” se está, talvez seja mesmo necessário, acreditar que a agora ex-presidenta Dilma Rousseff caiu não pelos seus erros, mas pelos acertos de seu governo. Esse discurso tem sido repetido, quase à exaustão, desde que o processo contra ela foi instaurado, antes mesmo da vergonhosa votação na Câmara dos Deputados, em maio, que culminou com seu afastamento. Fácil, cômodo, necessário até. Mas equivocado.  

Diferente de parte da oposição de esquerda aos governos do PT – no plano institucional, o PSTU basicamente –, para quem os últimos 13 anos foram uma sequência de equívocos a justificar o “Fora Todos”, acredito que há aspectos positivos da experiência petista. A diminuição da pobreza é um deles, talvez o principal: mesmo que tímidas ante uma estrutura que ao longo de décadas promoveu, sustentou e reproduziu uma desigualdade violenta e perversa, as políticas públicas implementadas pelas quatro gestões na última década são, a meu ver, a principal herança dos governos do partido. E justamente por isso não podem ser responsabilizadas pela derrocada petista.

Ainda que uma precária ascensão de setores menos favorecidos à sociedade de consumo tenha, de fato, incomodado setores das elites e da classe média, Dilma não caiu porque a “casa grande” não suportou ver a “senzala” emancipar-se. Não foram os acertos, insisto, que cimentaram o caminho até o impeachment. Dilma e o PT caíram pelos seus erros, muitos e variados. No plano institucional há, entre outros, as inúmeras denúncias de corrupção; as alianças escusas firmadas para garantir a governabilidade; o balcão de negócios instituído em troca de apoio parlamentar; e o verdadeiro estelionato eleitoral que foi apresentar um programa em 2014 que nunca pretenderam cumprir.

Em grande medida, as escolhas e a conduta institucionais corroboraram para um crescente e cada vez mais naturalizado afastamento do governo petista das pautas e demandas que são, historicamente, caras às esquerdas. A ascensão de Kátia Abreu à condição de aliada e defensora incondicional de Dilma é emblemática desse movimento pendular que aproximou o governo dos grupos e setores mais conservadores. Uma aproximação, no entanto, que começou bem antes de Dilma: José Alencar não foi escolhido para ser vice de Lula apesar de seu perfil religioso, mas justamente por isso. Foi Lula também quem primeiro tomou a decisão de fazer partilha do governo com setores neopentecostais, se aproximando de Edir Macedo e da Igreja Universal do Reino de Deus. Parece muito, mas é pouco e não é só. 

Há ainda, e por exemplo, a indiferença com que foram tratadas as demandas LGBTs (“Não aceito propaganda de opções sexuais” foi a justificativa de Dilma em 2011, quando proibiu a distribuição nas escolas do que os grupos evangélicos, naquele momento seus aliados, chamavam de “kit gay”) e feministas (“Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família”, afirmou a mesma Dilma lá em 2010). Mas há também a subserviência aos grupos de comunicação; a criminalização dos movimentos sociais, culminando com a assinatura da “Lei anti-terrorismo”; e as “polícias pacificadoras” que, entre outras coisas, ainda não nos responderam onde, afinal, está Amarildo?

A guinada não foi à esquerda – Como disse anteriormente, um dos resultados do percurso apenas sumariamente descrito acima, foi o enfraquecimento, dentro e fora do governo, dos grupos, pautas e demandas dos setores de esquerda. Tendo pouco a oferecer, eles passaram a exercer um papel coadjuvante em um roteiro protagonizado por quem tinha principalmente votos. E de preferência algum dinheiro. Não houve golpe, entre outras coisas, porque o processo que resultou no impeachment foi urdido desde dentro do governo, por partidos e políticos que eram aliados de Dilma e do PT, sua base de sustentação no parlamento e com quem, justamente, o governo negociou alianças e apoio até o limite do possível. 

O governo Dilma perdeu em um processo, sabe-se, que nada tem de jurídico. E à medida que a Lava Jato fugia ao controle e avançava sobre outros nomes que não os suspeitos de sempre, seu poder de barganha enfraqueceu: entre cargos em uma gestão que, virtualmente, já havia acabado, fragilizada também por uma calculada exposição midiática, além de uma crise econômica sem precedentes na curta duração, e a possibilidade de se livrar da cadeia, venceu a segunda. Convenhamos, a escolha não era difícil. Venceram o PMDB, Eduardo Cunha e Michel Temer.

Síndico de um condomínio cujo único interesse é a garantia da impunidade, portanto, Michel Temer é o líder de um governo não apenas ilegítimo, mas criminoso. O que vimos ontem no Senado não foi a vitória de um golpe de Estado, mas algo sem dúvida violento e perverso: a consolidação de uma estratégia política criminosa que atentou contra a democracia, fragilizando-a ainda mais, para acobertar e encobrir a enormidade de falcatruas em que estão metidos os políticos brasileiros, inclusive e principalmente os principais líderes da base aliada do agora presidente Michel Temer. Nesse sentido o impeachment, longe de ser o anúncio de uma “nova era”, é a maneira pela qual a velha classe política não apenas pretende retomar o controle do país, mas escapar da cadeia.

E ela tem pressa. Inelegível, Temer não concorrerá à reeleição em 2018 e a situação, tampouco, tem um nome forte a apresentar como alternativa. A agora oposição, por sua vez, já articula pelo menos três potenciais candidaturas: a de Ciro Gomes, Marina Silva e Lula. Mas essa não é a única dificuldade de Temer, que assume o governo em meio a uma dupla crise, política e econômica, além de amargar índices de aprovação baixíssimos, os mesmos de Dilma e do PT depois de 13 anos de governo. Acrescente-se a isso o fato de 62% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada em abril, preferirem a convocação de novas eleições ao impeachment da então presidenta e a posse do vice, e há mais que o suficiente para temer o futuro próximo – com o perdão do trocadilho.

Na prática, temos desde ontem um governo que chega ao poder não apenas passando por cima de 54 milhões de votos mas, ele mesmo, sem respaldo popular (Temer, afinal, foi eleito para ser vice). Sem respaldo e sem compromissos outros que não com aqueles que garantiram sua mudança para o Palácio do Planalto. Michel Temer tem pouco mais de 24 meses para pagar suas muitas dívidas com os grupos, interesses e partidos que o apoiaram, e seus primeiros movimentos ainda como interino deixaram claro que ele pretende quitá-las. À frente de um governo ilegítimo, criminoso e sem respaldo eleitoral e popular, de duas coisas podemos ter certeza: seus credores não deixarão de cobrar a fatura. E ela será alta e amarga.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Seis parágrafos à procura de uma crise


POR CLÓVIS GRUNER

“Escrevo-te uma carta...” – A poucas semanas da votação do impeachment no Senado, Dilma Rousseff se manifesta: na terça (16), enviou às senadoras e senadores uma carta pedindo que encerrem o processo de impeachment contra ela, afirmando tratar-se de um “golpe” - e isso depois de o próprio PT relutar acerca do uso da expressão no documento enviado ao Senado. E se compromete a chamar um plebiscito para, se for a vontade geral da nação, convocar eleições antecipadas. Há quem diga que a carta veio tarde, e o “Estadão” afirma, em nota publicada quarta (17), que a opinião entre alguns senadores é que a missiva de Dilma lhe custou mais alguns votos. Bobagens, obviamente: o impeachment, sabemos todos, é um jogo de cartas marcadas. 

Como se trata de um processo político e  não jurídico, uma chicana feita à custa da Constituição para livrar corruptos da cadeia, como revelaram em conversas telefônicas Romero Jucá e Sérgio Machado, nada mudará o que já foi decidido. É tudo uma farsa. Por isso, acho, não basta Dilma ir ao Senado no dia da votação e se defender pessoalmente. Um amigo sugere que, no lugar da protocolar e inútil defesa, ela deveria citar um a um os senadores envolvidos em escândalos e denúncias de corrupção, em ordem alfabética: a começar pelo tucano mineiro Aécio Neves, depois o relator do processo contra ela, Antonio Anastasia, etc..., até Zezé Perella, dono de um helicóptero apreendido com 500 quilos de cocaína. Feito isso, levantar e ir embora. Afinal, melhor que cair em pé, é cair atirando.

Procura-se um golpe – Um dos primeiros gestos do PT após o afastamento de Dilma Rousseff foi sua participação vergonhosa na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Vocês lembram: no lugar de apoiar Luiza Erundina, um gesto que sinalizaria a disposição do partido em compor uma aliança de esquerda no Legislativo federal, o partido fechou apoio à candidatura do ex-ministro de Dilma, Marcelo Castro, do “golpista” PMDB. Perdeu. Decidiu então por Rodrigo Maia (DEM) contra Rogério Rosso (PSD), alegando que eleger o primeiro imporia uma derrota a Eduardo Cunha. Eleito e empossado, Maia disse que não anteciparia a votação pela cassação de Cunha, marcada para 12 de setembro, uma segunda-feira, e depois da votação do impeachment de Dilma no Senado, portanto. De fato, uma derrota que Eduardo Cunha terá dificuldades em esquecer.

Nas redes, a repercussão entre os petistas e simpatizantes foi: “Será que o PT não aprendeu?”. Claro que sim. O voto em Rodrigo Maia, um dos principais articuladores do impeachment na Câmara e integrante da base de apoio do interino e ilegítimo Temer, não teve nada de inocente ou inconsequente: foi uma decisão pensada e discutida, ainda que não tenha sido unânime (parte da bancada petista não votou nele). E é mais um reflexo da opção do PT pelo pior da realpolitik, opção que entre outras coisas lhe custou a presidência. Tanto aprendeu, que nas eleições municipais desse ano, segundo dados do TSE, o partido está aliado ao PMDB, PSDB ou ao DEM em 1406 cidades. Todo mundo sabe, mas não custa lembrar: são esses os principais protagonistas daquilo que o PT, apesar de Rodrigo Maia e das alianças municipais, insiste em chamar de “golpe”.

Democracia para que(m)? – Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e Luíza Erundina, em São Paulo, estão fora dos debates à prefeitura, pelo menos até o STF julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSOL. No caso do primeiro, o veto partiu entre outros, de Flávio Bolsonaro. Em São Paulo, a ex-petista Marta Suplicy foi uma das que vetaram o nome da deputada. Freixo e Erundina não são os únicos: graças a minirreforma política de Eduardo Cunha, aprovada em 2015 pelo parlamento, apenas partidos com ao menos nove deputados federais eleitos têm espaço assegurado nos debates, e sua participação deve ser aprovada por pelo menos 2/3 dos demais candidatos – foi o que aconteceu, por exemplo, com Luciana Genro em Porto Alegre, e Xênia Melo aqui em Curitiba. Além da alegada inconstitucionalidade, a minirreforma atenta contra os princípios mais elementares da democracia, mesmo se tomada em seus aspectos meramente formais e institucionais. 

Com razão, militantes, simpatizantes e eleitores de esquerda, especialmente do PSOL, reclamam do caráter excludente da nova lei eleitoral, e denunciam os interesses por trás de sua aprovação, já que as digitais de Eduardo Cunha estão impregnadas nela. O que se está evitando dizer é que a ela foi sancionada, sem vetos, pela então presidenta Dilma Rousseff. Que, aliás, sancionou outras duas leis também em vigor: a antiterrorismo e a das Olimpíadas. Graças ao inciso X do artigo 28 desta última, que proíbe “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”, assistimos às cenas lamentáveis da Força Nacional retirando manifestantes dos ginásios cariocas nos primeiros dias do evento. Pode-se argumentar, a favor de Dilma, que se fosse ela a presidenta a interpretação da lei e seu uso seriam outros, porque não era sua intenção usá-la para coibir manifestações políticas. Talvez. Por outro lado, não foi diferente a repressão feroz contra os manifestantes do ‪#‎NãoVaiTerCopa‬ em 2014. À época, inclusive, justificada por uma parcela dos que agora alardeiam vivermos um Estado de exceção.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ainda a conciliação?





POR CLÓVIS GRUNER

O presidente interino e ilegítimo Michel Temer não tem vivido bons momentos. Desde o afastamento de Dilma Rousseff, uma sequência de eventos infelizes reforçou a impressão de que, no fim das contas, a chicana constitucional a que deram o nome de impeachment foi uma articulação, na melhor das hipóteses, mal intencionada. Não sem surpresa, a constatação de que o governo Temer é fruto de uma maracutaia jurídica e política não mobilizou as multidões indignadas. Antes pelo contrário, das ruas só chega um silêncio constrangedor e constrangido. 

Mas esse silêncio, por outro lado, tem suas próprias nuances. Ontem (20) veio a público os resultados de pesquisa feita pelo Datafolha no final da primeira quinzena de julho, mas que a Folha de São Paulo preferiu esconder de seus leitores, manipulando os resultados publicados. De acordo com o levantamento, 62% dos entrevistados apoiam a tese da renúncia de Dilma e Temer e a convocação de novas eleições como uma saída à crise. Sobre o impeachment, 49% o consideram legal, contra 37% que veem irregularidades no processo. O índice de aprovação do governo é de 14%.

Os números são coerentes com pesquisas anteriores, que já revelavam, entre outras coisas, que um número expressivo de eleitores não acreditava que a corrupção diminuiria com Temer (46,6% em junho). Um índice ainda maior (54,8%) não via diferenças significativas entre Temer e Dilma, nem percebia mudanças substantivas no país. A aprovação pessoal ao presidente interino variou, passando de 11% em maio, para 13% em junho e chegando aos 14% na pesquisa do Datafolha. Subiu três pontos percentuais no período, o que não é muita coisa: ainda mal ultrapassa os dois dígitos e é menor que a de Dilma quando foi afastada (18% em maio). 

Mórbida semelhança – Essas pesquisas mostram pelo menos duas coisas. A primeira: para um número expressivo de brasileiros, a administração Temer tem se mostrado incapaz de responder às expectativas de quem foi às ruas “contra tudo o que está aí” mas, principal e fundamentalmente, contra o PT. Não apenas os escândalos de corrupção não cessaram, como envolvem gente graúda de dentro do próprio governo. Além disso, os vazamentos das conversas entre Jucá, Calheiros e Sarney revelaram que o governo interino foi parido por corruptos para barrar as investigações e assegurar a impunidade. E quem esperava um aquecimento da economia sabe, agora, que vai ter de pagar o pato.

Mas o outro dado revelado pelas sondagens é ainda mais significativo. Ao se confrontar os números de Dilma Rousseff no período imediatamente anterior ao seu afastamento, e os de Michel Temer nesses meses de interinidade, se percebe que há, entre eles, uma curiosa simetria. Entre outras coisas, me parece que essa aproximação estatística é também a representação numérica da percepção, cada vez mais clara, de que as diferenças entre os dois governos são menores do que parecem e do que seus respectivos defensores e detratores querem nos fazer crer. 

Não há nada muito estranho nisso. Afinal, durante mais de uma década, PT e PMDB compuseram uma única e mesma administração, o segundo fornecendo, além da base aliada no Congresso, um vice-presidente (Michel Temer!) para o primeiro que, em troca, soube agraciar o aliado com generosos espaços no governo. Se minha intuição está correta, ou seja, se realmente as pesquisas mostram que tal percepção existe e informa as leituras do atual momento político, é o PT, mais que o PMDB, quem arca com um enorme prejuízo em sua imagem e capital políticos, já bastante comprometidos. Entre outras coisas, porque a consciência dessa proximidade torna mais difícil sustentar a versão segundo a qual estamos a assistir um golpe de Estado, tendo o PT e o governo Dilma como vítimas.

É verdade que a essa versão traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles foram muitos, a começar pela forma como o PT manteve e reproduziu as práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB. Além disso, durante todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, o governo e suas lideranças passaram meses tentando construir alternativas ao afastamento, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chamam de “golpistas”. 

O “golpe” e a conciliação – Negociações que prosseguiram mesmo depois de consolidado o “golpe”, como ficou claro na eleição para a presidência da Câmara, na semana passada. Primeiro, o PT ensaiou apoio a Rodrigo Maia, do DEM, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma. Pressionado, recuou. Alegando que um apoio a Luiza Erundina, do PSOL, podia repercutir nas eleições de São Paulo, onde ela disputa com Haddad, o PT apoiou no primeiro turno Marcelo Castro, do “golpista” PMDB, partido de Temer, sob a justificativa de que se trata de ex-ministro de Dilma e um peemedebista “dissidente”, que votou contra seu afastamento. No segundo turno, supostamente para fragilizar Eduardo Cunha, apoiou e votou em Rodrigo Maia, eleito com ampla maioria. 

Historiador ainda subestimado, José Honório Rodrigues defende, em “Conciliação e reforma no Brasil”, que a defesa dos interesses dos grupos dominantes legitimou, historicamente, a exclusão das minorias e o divórcio entre a política e a sociedade. Tal processo foi mais violento porque aquilo que denominou “história cruenta” – a violência estatal, as resistências e conflitos sociais sufocados militarmente, etc... – se fez sempre sob o apelo à conciliação, um mecanismo que serviu, principalmente, para frear processos e movimentos que visavam a ampliação dos direitos e da participação política e democrática. 

Por um breve período acreditamos que poderia ser diferente, mas estávamos enganados: no governo, o PT se valeu das mesmas estratégias conciliatórias, ainda que, em alguns momentos, os resultados dessa política tenham efetivamente favorecido parcelas mais carentes da população. Agora, fora dele, é novamente a ela que recorre, e não ao enfrentamento democrático, como condição de permanecer no jogo político. A conciliação, parece, é o limite imposto à nossa democracia pelas forças institucionais. A renúncia e convocação de novas eleições pode ser uma resposta a ela. Ou mais uma forma de reafirmá-la.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Caiu a ficha?













POR CLÓVIS GRUNER

O conteúdo das conversas entre o Ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, abriram a semana política em altíssima voltagem. Elas deixam claro, sem meios tons, que o impeachment de Dilma Rousseff não tem, não teve e não terá respaldo jurídico: ele foi urdido para garantir a impunidade de uma – agora sabemos – quadrilha que tomou de assalto o poder, com o respaldo de uma maioria que foi às ruas amassar panela e exibir a camiseta verde amarelo da ilibada CBF. Nos trechos revelados até aqui, a trama era, fundamentalmente, articular com a oposição e, se possível, ministros do STF, para garantir a derrubada de Dilma, único caminho para que outros políticos e partidos não caíssem com o PT.

Nas conversas há de tudo um pouco: referências aos principais líderes da oposição, Aloysio Nunes, José Serra e Aécio Neves, deixam claro que também para os  tucanos a “ficha já havia caído”, e não há outra interpretação possível: Jucá e Machado sabiam que para a tese do impeachment vingar, era preciso um trabalho coordenado da base aliada, especialmente Renan Calheiros, presidente do Senado, e da oposição. E que aquelas alturas eles já podiam contar com os três senadores do PSDB, cientes de que, caso tudo ficasse como estava, em algum momento a Lava Jato os alcançaria. Faltava convencer Calheiros, o que não deve ter sido difícil depois que Eduardo Cunha caiu. Chega a ser pornográfico, de tão explícito.

Por outro lado, nada disso chega a ser surpreendente. Muita, mas muita gente vem falando isso desde que a palavra impeachment deixou as ruas e ganhou corpo nos gabinetes de Brasília. Eu mesmo escrevi, aqui no Chuva Ácida, que o processo contra Dilma significava, na verdade, o “impeachment da Lava Jato”. E isso há mais de um mês, logo depois da vergonhosa votação na Câmara dos Deputados. No texto da semana passada, já com Temer governando interinamente, escrevi: “o governo Temer surgiu para frear as investigações de corrupção e assegurar a impunidade aos que sempre se souberam impunes. É um governo feito para livrar criminosos da cadeia e, nesse sentido, o impeachment foi, fundamentalmente, uma garantia de sobrevivência política”.

Insisto: não estava sozinho. Inúmeros articulistas chamaram a atenção para os reais interesses que moviam o impeachment: barrar a Lava Jato, frear as investigações contra a corrupção e assegurar a impunidade dos que sempre se souberam impunes. A resposta foi sempre a mesma: éramos “petralhas” que compactuávamos com a corrupção, defendendo um governo e um partido indefensáveis. Na melhor das hipóteses, um bando de inocentes úteis. Os diálogos entre Jucá e Machado mostram que os inocentes úteis a compactuar com a corrupção, afinal, não éramos nós. Mas se não há grandes surpresas no que foi revelado, os desdobramentos da revelação ainda são uma incógnita.

Por um lado, derruba-se de vez e a tese moralizadora, sustentada há meses, de que o impeachment varreria de uma vez por todas a corrupção do país. Tampouco se pode alegar que Temer desconhecia inteiramente as intenções de Jucá, um dos principais articuladores do impeachment no Senado e duplamente investigado, na Lava Jato e na Operação Zelotes. E é muitíssimo pouco provável que Michel Temer não estivesse de acordo em participar de um conchavo de implicações tão amplas. Afinal, ele era a peça chave nos planos que Jucá conduziu com a base aliada e a oposição. Além disso, ele próprio está diretamente implicado nas investigações, ao contrário de Dilma Rousseff na época das gravações.

É quase certo que haverá quem, desesperado, se agarre a tese de que a queda de Dilma foi necessária e justificável ante o rombo na economia brasileira. A tese é frágil, e não apenas porque a crise econômica não estava na pauta do processo que culminou com o afastamento da presidenta, incluindo as manifestações de rua, e o alegado rombo era, inclusive, desconhecido. Mas também porque as expectativas em torno à nova equipe econômica não diferem, substancialmente, daquilo que Dilma já anunciava como necessário para dar um alívio à nossa combalida economia, incluindo o aumento de impostos e o retorno da CPMF já sugeridos pelo ministro Henrique Meirelles.

A resposta do presidente interino, independente de qual seja, provocará um verdadeiro estrago em uma gestão mal começada. Se demitir Jucá, pode criar um inimigo perigoso que o arraste junto, e ao governo, para a lama ainda mais profunda. Se o mantém, aumentará a percepção de que está à frente de um governo oportunista, na melhor das hipóteses, ilegítimo na pior delas. E dá munição à narrativa petista de que, afinal, o impeachment é só um eufemismo criado pela base aliada e a oposição para justificar um golpe de Estado.

De certo, sabemos pouca coisa. A primeira e mais importante, a de que o governo Temer é não apenas interino, mas ilegítimo. E que as notícias de hoje talvez embaralhem o que, até ontem, era dado como certo: de que a votação do impeachment no Senado significaria o fim da gestão de Dilma Rousseff, afastando-a definitivamente. Há alguns meses, quando o processo começou, analistas sugeriam como alternativa à crise a convocação de novas eleições mediante emenda aprovada pelo Congresso.

A proposta foi recusada por governo e oposição, que tinham muito a perder com o voto popular. Agora que sabemos, sem margem de dúvida, as razões da quadrilha que ocupa o Palácio do Planalto, talvez a ideia de novas eleições não soe tão descabida. Intolerável é sustentar um governo que ascendeu ao poder conspirando, e que se valeu da Constituição e dos mecanismos democráticos que ela franqueia para livrar da cadeia um bando de criminosos.

A ficha, finalmente, caiu. Agora só falta cair Temer. 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Três argumentos sobre a crise e o governo Temer












Por Clóvis Gruner

É ilegítimo, mas não é golpeO governo Temer não nasceu de um golpe. Ainda que o impeachment de Dilma Roussef seja uma verdadeira chicana conduzida para atender os interesses escusos justamente daqueles que a julgam – e que, não por coincidência, compõem o novo governo –, nem por isso o termo “golpe” serve para definir o processo movido contra a presidenta, e que culminou com seu afastamento no último dia 12. Não serve do ponto de vista estrito, como algo desferido de fora e cuja força é externa, já que a articulação para derrubar Dilma foi urdida principalmente desde dentro do governo e de sua base aliada. Mesmo depois da decisão de romper com um governo do qual fez parte por mais de uma década, tomada em míseros três minutos, o PMDB manteve, além do vice, um bom punhado de ministérios. Já que estava em curso um golpe, seria coerente a demissão dos ministros dissidentes pela presidenta, o que não aconteceu. 

Mas mesmo se a tomarmos em um sentido mais amplo, a ideia de golpe também é problemática. E não porque o rito seguiu a Constituição, garantindo ao menos formalmente ampla defesa do governo; nem tampouco porque a decisão pela abertura do processo foi votada por ampla maioria na Câmara dos Deputados: quem acompanhou o processo sabe que sua base jurídica, no mínimo frágil, foi ofuscada pelos arranjos e interesses políticos em jogo. Arranjos e interesses de que o governo participou, ao passar meses tentando construir alternativas à sua queda, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chama de “golpistas”. E continuariam a governar com eles se tivessem algo vantajoso a oferecer em troca do voto.

Por outro lado, a narrativa do golpe traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles são muitos, a começar pela forma como o PT não apenas manteve, mas reproduziu as mesmas práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB e o PP (que já foi PPB, PPR, PDS e, em um passado nem tão longínquo, Arena). Ao mesmo tempo, foi em parte para minar o poder peemedebista que PT e governo incentivaram Gilberto Kassab a fundar o PSD, hoje também um dos principais articuladores do impeachment. E se hoje há quem se horrorize com os encontros de Temer com Malafaia, é recomendável não olvidar que a IURD já ocupou acento nas reuniões ministeriais do governo Dilma, e que a aproximação do PT com as igrejas evangélicas começou com Lula, que chamou José Alencar para seu vice.

Em 13 anos os governos petistas não avançaram o suficiente, ou simplesmente não avançaram, em temas fundamentais: o imposto sobre grandes fortunas; o marco regulatório dos meios de comunicação; a descriminalização do aborto, a criminalização da homofobia e a legalização das drogas são apenas alguns deles. A política desenvolvimentista (não confundir com desenvolvimento), de que Belo Monte tornou-se símbolo, foi priorizada a um custo social altíssimo, especialmente para aquelas comunidades que vivem à margem dela. E há as inúmeras denúncias de corrupção. Se, por um lado, pode-se dizer que as investigações foram politizadas e espetacularizadas ao extremo, por outro é difícil apostar na inocência do PT e de algumas de suas lideranças, e acreditar que tudo não passa de uma grande conspiração da justiça, da mídia e da oposição, quiçá com apoio e participação internacionais, para perpetrar um “golpe” e voltar a ser governo.

A meta é não ir pra cadeiaO Ministério de Temer é constituído, à exceção de alguns quadros do PSDB e DEM, pelos mesmos partidos e políticos que em algum momento dos últimos trezes anos estiveram no governo ou próximo a ele. Em uma entrevista concedida quando a palavra impeachment saiu das ruas e adentrou os gabinetes e articulações políticas da base aliada e da oposição, o agora chanceler José Serra disse que Temer precisaria montar uma “equipe surpreendente”. O problema é que, fora Henrique Meirelles (aliás, um dos “homens fortes” da economia na gestão de Lula), um nome técnico, todos os demais são escolhas políticas, verdadeiras nulidades nas áreas que irão comandar e, não poucos, estão envolvidos em escândalos de corrupção, incluindo a Lava Jato.

Não há nada de surpreendente nisso: o governo Temer surgiu para frear as investigações de corrupção e assegurar a impunidade aos que sempre se souberam impunes. É um governo feito para livrar criminosos da cadeia e, nesse sentido, o impeachment foi, fundamentalmente, uma garantia de sobrevivência política. Os arranjos começaram a aparecer cedo. Na segunda seguinte (18/4) à vergonhosa votação na Câmara dos Deputados, o ministro do STF Gilmar Mendes sugeriu, em entrevista concedida ao programa “Roda Viva”, que Michel Temer poderá ser absolvido no TSE agora que Dilma, a cabeça de chapa, estava virtualmente deposta. Trata-se do mesmo ministro que na semana passada, em 24 horas, autorizou e depois suspendeu o pedido de abertura de inquérito contra Aécio Neves, do PSDB, pela Procuradoria Geral da República. Há alguns dias a Folha de São Paulo alertou para o fato de que a meta do PMDB é neutralizar e reduzir os danos da Lava Jato. Do PMDB e dos tucanos, eu acrescentaria.

A estratégia tem tudo para dar certo. Além de se apoderar dos mecanismos do Estado, o novo governo contará com a conivência cínica dos indignados que amassaram suas panelas e envergaram o uniforme verde amarelo da CBF não contra a corrupção, mas contra o PT. Além da disposição dos principais setores da mídia a cooperar com Temer e a nova situação em nome de uma intolerável “conciliação”. Restará, no parlamento, uma oposição à esquerda minoritária e fragilizada pela derrota, sem força para fazer frente a um esquema minuciosa e profissionalmente arquitetado para que tudo volte ao que sempre foi.

Além disso, o novo ministério revela um governo desconectado não apenas do país, mas do século em que vive. Temer e seus ministros não se veem à frente nem estão dispostos a governar um país moderno: plural, multicultural, multiétnico e recortado por diferentes clivagens (gênero, idade, orientação sexual, etc...). O Brasil do presidente interino é, fundamentalmente, masculino, branco e hetero, e sua composição diz muito sobre a sensibilidade social do governo (ou a ausência dela), bem como sua compreensão limitada do que significa, hoje, democracia. O mais irônico é que, com esse desenho, estamos mais próximos dos governos ditos bolivarianos, do que dos países norte americanos e europeus de democracia liberal já consolidada. Mas isso tampouco importa porque, no fim das contas, a meta não é unificar ou refundar o país: é simplesmente escapar da cadeia.

A culpa é do PT e dos “petistas”A mais nova onda é usar o voto na chapa Dilma Rousseff-Michel Temer para desqualificar toda e qualquer crítica ao presidente interino. A lógica do “eu não votei no Temer, vocês sim” não é nova. Ela atualiza a máxima “A culpa não é minha. Eu votei no Aécio”, corrente antes do próprio Aécio afundar na lama e os indignados arrancarem os adesivos dos carros e se justificarem com o bordão segundo o qual eles “não tem bandido de estimação”. Eu votei em Dilma no segundo turno, e é verdade que junto com ela ajudei a eleger Michel Temer, candidato a vice em um programa de governo que a 54 milhões de eleitores pareceu a melhor opção ou, como foi o meu caso, a menos pior.

Mas há nessa acusação de “culpa” alguns problemas. Dois mais imediatos. Primeiro, confunde propositalmente os eleitores de Dilma com “petistas”, como se voto e militância fossem equivalentes. O segundo: Temer, como acabei de dizer, era o candidato a vice em um programa de governo com o qual, supostamente, estava comprometido. Caso assumisse o governo, esperava-se que ele continuasse a implementá-lo. Que ele não o esteja, reforça o caráter oportunista, desonesto e ilegítimo de seu governo, além de dar munição a quem defende que o impeachment é, na verdade, um golpe de Estado encoberto com o manto da Constitucionalidade.

Mas não é só. Não foram, basicamente, os eleitores de Dilma que tensionaram para um impeachment que, embora legal, é ilegítimo. Não foram os eleitores de Dilma, basicamente, os que foram às ruas gritando que eram “milhões de Cunha” e que permaneceram indiferentes, às vezes agressivamente indiferentes, sempre que alguém alertava para os riscos de uma transição abrupta e, insisto, ilegítima como a que está a ocorrer. Então, vamos deixar claro: nós elegemos Temer. Mas não o fizemos presidente de um governo que fragilizou ainda mais nossa democracia para, unicamente, proteger e garantir a sobrevivência política da velha elite.

A falsa polêmica, entretanto, expõe problemas crônicos de nosso sistema político e, mais particularmente, de nosso modelo eleitoral que, entre outras coisas, promove uma política de alianças espúria que faz do fisiologismo a regra. Uma das consequências diretas é, justamente, a ausência de critérios partidários e programáticos na escolha dos candidatos a vice. Agrava esse quadro o fato de que no Brasil o voto não é baseado em critérios públicos, mas privados – vota-se na pessoa, não no partido ou no programa –, o que colabora ainda mais para não se discutir o lugar e o papel do vice na candidatura e em um eventual governo. 

Em um editorial bastante duro – daqueles que não se costuma ler na imprensa brasileira –, publicado na última sexta (13), o inglês “The Guardian” afirma, sobre o impeachment, que o “que deveria estar em julgamento acima de tudo é o modelo político brasileiro que falhou”, e não Dilma Rousseff que, de acordo com outro jornal estrangeiro, o “New York Times”, paga um preço desproporcionalmente alto pelos seus erros administrativos. Para o “The Guardian”, uma reforma política é não apenas necessária, mas urgente. E lamenta que o governo Temer seja “muito duvidoso” para dar esse salto. Eu também.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Bem vindo ao passado, com Michel Temer















POR SALVADOR NETO

Seja bem vindo ao passado que acaba de voltar à cena. Parece filme, mas não é. A população acreditou no discurso da mídia/oposição/mp/judiciário e pensa que com Michel Temer, desde esta quinta-feira (12/5) o presidente em exercício do país, tudo vai mudar. Como se ele e o PMDB tivessem o receituário da vida eterna, sem crises, uma maravilha. Já escrevi aqui, e retomo sem medo, que não há crime da presidente Dilma Rousseff, mas houve uma bem sucedida articulação que culminou com seu impedimento, a meu ver, irreversível. É fato, e o tempo, sempre racional, mostrará.

É cômico, e claro entristecedor, ver até jornalistas e alguns intelectuais, além de boa parte da população, afirmar que o PT, Dilma e Lula quebraram o Brasil. Sim, pois esquecem que esse trio está apenas 14 anos no poder central, enquanto PMDB, PSDB, DEM, PP, e outros menos votados, não saem do governo federal desde a redemocratização em 1985. Poucos minutos de pesquisa apontam fácil, fácil o que digo.

Por falta de pesquisa muita gente não sabe que entre os deputados e senadores deste belíssimo parlamento brasileiro estão latifundiários com casos de trabalho escravo em suas fazendas, outros com acusações de tráfico de drogas, muitos fanáticos religiosos, muitos, mas muitos empresários, que defendem desde sempre somente o seu direito às benesses do Estado e muitos representantes de classe elitista. O povo? Ah, o povo... não precisa de representantes...


Como diz o jornalista Mino Carta, a Casa Grande e a Senzala mandaram diretamente neste imenso latifúndio Brasil por cinco séculos. Nos governos petistas, mandaram em parte, nos acordos pela governabilidade. Graças a popularidade do ex-presidente Lula, os avanços sociais se sucederam ao longo dos somente 14 anos que governaram juntos. Bolsa Família, ProUni, Pronatec, políticas especiais para as mulheres, Minha Casa Minha Vida, milhares de obras federais direta ou indiretamente realizadas ou em realização pelo pais, gerando empregos e renda com os PACs, rodovias, ferrovias, retomada da indústria naval, entre outros projetos que marcaram o período.

O passado está de volta, minha gente, e logo vamos sentir e lembrar daqueles tempos, e comparar com este que finaliza sob grande regozijo da classe empresarial. Nos tempos tucanos-peemedebistas, direitos dos trabalhadores foram suprimidos. Manifestações das movimentos sociais eram reprimidas com a força. Para quem estava com saudades, o filme está voltando. 

A ponte para o futuro de Temer é uma miragem que pretende seduzir trabalhadores que ganharam muito nos últimos anos, e que ao perder poder econômico e empregos nesta crise financeira que nos atingiu, se voltaram contra o governo. O “corte” de despesas, a “reforma” previdenciária, a “redução” do Estado, a supressão de ministérios voltados às mulheres, índios, negros – aliás, não há mulheres no ministério Temer, isso diz algo à elas? – tudo isso sinaliza para tempos sombrios aos direitos dos trabalhadores. Infelizmente.


Virão aí as privatizações do que o PSDB e o PMDB nos tempos de FHC, não conseguiram finalizar. Tudo em nome de nos colocar novamente de joelhos perante o capital internacional, aos rentistas, relegando o futuro de milhões de jovens a ser mão de obra barata e sem direitos aos grandes negócios dos empresários , boa parte deles que sempre estão por trás da corrupção que transborda hoje na Lava Jato.

Retiraram com um golpe parlamentar a primeira mulher presidente do Brasil, talvez a única honesta, sem contas na Suíça, nem acusações de corrupção, para recolocar o governo nas mãos de quem já conhecemos, por seu passado nada elogiável. Saberemos o que isso vai nos custar, brevemente. 

Para finalizar, deixo alguns dados para reflexão dos leitores, e para comparação futura. 
A Presidente eleita Dilma Rousseff deixa para o presidente interino uma herança desejada por qualquer governante:

1) As reservas internacionais líquidas do Brasil são de US$ 376,3 bilhões (eram de apenas US$ 16 bilhões em 2002).
Elas superam, com folga, toda a dívida externa do país, que é de US$ 333,6 bilhões.
Assim, o Brasil é credor externo líquido em US$ 42,7 bilhões.

2) O Brasil é credor do FMI:

3) A dívida pública líquida é de 38,9% do PIB (era de 60,4% do PIB em 2002).

4) Os investimentos externos produtivos (IED) no Brasil foram de US$ 78,9 bilhões nos últimos 12 meses (Abril 2015 a Março 2016), sendo equivalentes a 4,56% do PIB;

5) O Brasil tem o 7o. maior PIB mundial (era o 13o. em 2002);

6) A Renda per Capita é de US$ 10.000 (era de US$ 2.500 em 2002);

7) A taxa de inflação está despencando e deverá fechar, segundo o Banco Central, 
perto do teto da meta em 2016, ficando próxima de 6,5% no acumulado do ano. Para 2017, já se prevê uma taxa de inflação perto do centro da meta (de 4,5%);

8) O salário mínimo é de R$ 880,00, equivalente a cerca de US$ 250 (era de US$ 55 em 2002);

9) O déficit externo, em transações correntes, está em 2,39% do PIB, no acumulado de 12 meses (terminado em Março de 2016), e continua caindo rapidamente;


10) O Superávit comercial foi de US$ 19,7 bilhões em 2015, já acumulou US$ 14,5 bilhões em 2016, sendo que estimativas apontam que o mesmo poderá chegar a US$ 50 bilhões neste ano.

Anote aí. Os dados são do Banco Central do Brasil, oficiais. Seja bem vindo ao passado.


É assim nas teias do poder...

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Aos navegantes: Cunha caiu, mas a corrupção continua















POR SALVADOR NETO


Chegamos ao final de semana derradeiro antes da votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff com a bela notícia da “suspensão” do mandato do eminente deputado peemedebista Eduardo Cunha. Com grande atraso, Teori Zavascki do STF deu “liminar” para defenestrar a grande mão da corrupção no Congresso Nacional.

E ao fim da tarde desta quinta-feira (5/5) os ministros por unanimidade, 11 votos, mantiveram a suspensão. Sim, Cunha é o grande manipulador das forças políticas no legislativo, e tem, ou tinha, em torno de 300 deputados nas mãos. Agora perdeu o poder.


Já escrevi sobre esse tema que está quebrando o país, esta crise política sem fim que agrava a crise na economia. Nos textos “Querem impedir o Brasil?”, “A Cunha que atrasa o Brasil” e “Um impedimento só não faz verão”, analisei os fatos e com presença em Brasília, centro da briga. Ao final temos um quadro escabroso, e esta retirada cirúrgica de Eduardo Cunha de um dos poderes da República tenta nos dar um cálice de água fresca no deserto de esperanças que temos. Pelo menos ele já deu tchau à sua cadeira e ao poder. 

Mas, não se iludam. Como acreditam vocês que Eduardo Cunha chegou a ser Presidente da Câmara? Com votos dos senhores deputados e deputadas, aliadíssimos a ele, com as fortes bancadas do boi, da bala e evangélica! Junto a ele, há uma mesa diretora eleita no mesmo esquema. Um a um respondem a processos graves de lavagem de dinheiro, entre outros. E eles continuam. Eles mandam. E mandarão até que um dia o STF acorde novamente. Cunha fez o serviço requerido, e como a laranja ficando só o bagaço, está jogado ao lixo da história. Mas o esquema ainda está lá...

A MÁQUINA CORRUPTORA - O fato histórico é esse: os políticos brasileiros derrubaram uma presidente honesta utilizando um político desonesto para acionar a engrenagem maquiavélica que só a política tem, aliada ao poder econômico e midiático. Podem berrar à vontade citar juristas, pedaladas, caminhadas, qualquer coisa, mas o fato é este. Dilma Rousseff não cometeu crime algum, e será afastada com um golpe branco. Grande parte da população brasileira, embromada diariamente pelos grandes jornais televisivos, jornalões e bocas alugadas em rádios país afora, apoia isso. É um erro e reconhecerá isso tarde demais.

De qualquer forma, o povo vai saber já o que é que ajudou a recriar: o governo ultraliberal, o mesmo que vendeu o Brasil quase inteiro nos governos FHC, e que volta agora com os mesmos personagens. Michel Temer, Romero Jucá, Moreira Franco, entre outros, já estiveram nos governos anteriores. Conhecem e azeitaram a máquina corruptora que se apropria do Estado há décadas. Posam agora de salvadores da nação, mas não são. Investimentos sociais, em educação pública e formação profissional em larga escala? Esqueçam neste governo que pretende assumir logo ali na frente. Com eles é tudo com o deus mercado.

Outra verdade histórica: o brasileiro não acompanha a política, tampouco seus políticos eleitos, a não ser, e ainda precariamente, os poucos comissionados, nomeados, apadrinhados. O povo somente se ergue em casos esporádicos, quando dói o bolso, ou a mídia joga alguns aos leões. Mas logo volta aos sofás, ao futebol, e a dizer – não gosto de politica. 


Agora, neste exato momento em que soltam foguetes e já divulgam em redes sociais “viu, o Cunha também caiu?”, acreditam piamente que acabaram com a corrupção, e que o mundo será cor de rosa. Sugiro que continuem acompanhando de perto, porque a corrupção não acaba com um golpe na democracia. Acaba com a sua participação efetiva, inclusive na escolha de bons representantes populares sem ligações com grandes grupos econômicos, religiosos, ou de classes.

E Cunha, tchau prá você, já vais tarde! Tomara que mais dos cunhistas embarquem logo na canoa do STF. Que esta teia da corrupção continue a ser desvendada, e que o Brasil se reinvente. E seu povo também, participando ativamente da vida politica em todos os sentidos, não somente em eleições e em partidos. Política é mais que isso.


É assim, nas teias do poder...


terça-feira, 26 de abril de 2016

O cheiro da podridão chegou aqui*

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Houve um tempo em que a imprensa europeia – e mesmo a norte-americana – projetava uma imagem favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Mas há alguns meses houve uma mudança de agulha. E a razão é simples. Num primeiro momento, a comunicação social internacional reproduziu a versão dos veículos da velha mídia no Brasil. Ou seja, Globo, Veja, Estadão, Folha, Época e assemelhados.

Deu chabu. Mais recentemente, os jornalistas estrangeiros perceberam que essas fontes eram duvidosas e passaram a usar outros meios para a averiguação dos fatos. E a tese do golpe contra a presidente ganhou força. A machadada final foi o espetáculo deprimente na votação do impeachment na Câmara dos Deputados. O mundo viu um país a caminhar alheadamente para a putrefação.

Há um ponto a destacar. Uma pessoa que viva numa democracia a sério (definitivamente não é o caso do Brasil) só pode ficar estarrecida com o comportamento promíscuo da imprensa brasileira. É certo que a comunicação social estrangeira também tem lado. Há projetos editoriais que alinham com visões mais ou menos liberais, progressistas ou conservadoras. Mas não se perde o pudor, como acontece no Brasil.

Fazer a comparação entre a imprensa do hemisfério norte e a brasileira leva a uma obviedade. Apesar de terem posição ideológica, os meios de comunicação europeus e norte-americanos não vão ao ponto de comprometer o rigor da informação (não quer dizer que não possa acontecer). Desgraçadamente, essa lógica não serve para a velha mídia brasileira, onde a mentira, a distorção e a ausência de contraditório são quase regra.

O golpe contra Dilma Rousseff ficou evidente e já não dá para disfarçar. O Brasil virou motivo de piada e o cheiro de podridão chegou a outras latitudes. Mas também caiu a máscara de uma certa imprensa, useira e vezeira de métodos inaceitáveis em democracia. Exemplos? O jornal português Diário de Notícias definiu a Veja com “conservadora, de direta e obstinadamente antigoverno”. O Le Monde pediu desculpas por ter feito uma matéria tendenciosa, a partir de imprensa brasileira.

Enfim, hoje o mundo todo sabe que a imprensa brasileira não é parte da solução, mas parte do problema.


É a dança da chuva.

* José António Baço vive em Portugal.