sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Seis parágrafos à procura de uma crise


POR CLÓVIS GRUNER

“Escrevo-te uma carta...” – A poucas semanas da votação do impeachment no Senado, Dilma Rousseff se manifesta: na terça (16), enviou às senadoras e senadores uma carta pedindo que encerrem o processo de impeachment contra ela, afirmando tratar-se de um “golpe” - e isso depois de o próprio PT relutar acerca do uso da expressão no documento enviado ao Senado. E se compromete a chamar um plebiscito para, se for a vontade geral da nação, convocar eleições antecipadas. Há quem diga que a carta veio tarde, e o “Estadão” afirma, em nota publicada quarta (17), que a opinião entre alguns senadores é que a missiva de Dilma lhe custou mais alguns votos. Bobagens, obviamente: o impeachment, sabemos todos, é um jogo de cartas marcadas. 

Como se trata de um processo político e  não jurídico, uma chicana feita à custa da Constituição para livrar corruptos da cadeia, como revelaram em conversas telefônicas Romero Jucá e Sérgio Machado, nada mudará o que já foi decidido. É tudo uma farsa. Por isso, acho, não basta Dilma ir ao Senado no dia da votação e se defender pessoalmente. Um amigo sugere que, no lugar da protocolar e inútil defesa, ela deveria citar um a um os senadores envolvidos em escândalos e denúncias de corrupção, em ordem alfabética: a começar pelo tucano mineiro Aécio Neves, depois o relator do processo contra ela, Antonio Anastasia, etc..., até Zezé Perella, dono de um helicóptero apreendido com 500 quilos de cocaína. Feito isso, levantar e ir embora. Afinal, melhor que cair em pé, é cair atirando.

Procura-se um golpe – Um dos primeiros gestos do PT após o afastamento de Dilma Rousseff foi sua participação vergonhosa na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Vocês lembram: no lugar de apoiar Luiza Erundina, um gesto que sinalizaria a disposição do partido em compor uma aliança de esquerda no Legislativo federal, o partido fechou apoio à candidatura do ex-ministro de Dilma, Marcelo Castro, do “golpista” PMDB. Perdeu. Decidiu então por Rodrigo Maia (DEM) contra Rogério Rosso (PSD), alegando que eleger o primeiro imporia uma derrota a Eduardo Cunha. Eleito e empossado, Maia disse que não anteciparia a votação pela cassação de Cunha, marcada para 12 de setembro, uma segunda-feira, e depois da votação do impeachment de Dilma no Senado, portanto. De fato, uma derrota que Eduardo Cunha terá dificuldades em esquecer.

Nas redes, a repercussão entre os petistas e simpatizantes foi: “Será que o PT não aprendeu?”. Claro que sim. O voto em Rodrigo Maia, um dos principais articuladores do impeachment na Câmara e integrante da base de apoio do interino e ilegítimo Temer, não teve nada de inocente ou inconsequente: foi uma decisão pensada e discutida, ainda que não tenha sido unânime (parte da bancada petista não votou nele). E é mais um reflexo da opção do PT pelo pior da realpolitik, opção que entre outras coisas lhe custou a presidência. Tanto aprendeu, que nas eleições municipais desse ano, segundo dados do TSE, o partido está aliado ao PMDB, PSDB ou ao DEM em 1406 cidades. Todo mundo sabe, mas não custa lembrar: são esses os principais protagonistas daquilo que o PT, apesar de Rodrigo Maia e das alianças municipais, insiste em chamar de “golpe”.

Democracia para que(m)? – Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, e Luíza Erundina, em São Paulo, estão fora dos debates à prefeitura, pelo menos até o STF julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSOL. No caso do primeiro, o veto partiu entre outros, de Flávio Bolsonaro. Em São Paulo, a ex-petista Marta Suplicy foi uma das que vetaram o nome da deputada. Freixo e Erundina não são os únicos: graças a minirreforma política de Eduardo Cunha, aprovada em 2015 pelo parlamento, apenas partidos com ao menos nove deputados federais eleitos têm espaço assegurado nos debates, e sua participação deve ser aprovada por pelo menos 2/3 dos demais candidatos – foi o que aconteceu, por exemplo, com Luciana Genro em Porto Alegre, e Xênia Melo aqui em Curitiba. Além da alegada inconstitucionalidade, a minirreforma atenta contra os princípios mais elementares da democracia, mesmo se tomada em seus aspectos meramente formais e institucionais. 

Com razão, militantes, simpatizantes e eleitores de esquerda, especialmente do PSOL, reclamam do caráter excludente da nova lei eleitoral, e denunciam os interesses por trás de sua aprovação, já que as digitais de Eduardo Cunha estão impregnadas nela. O que se está evitando dizer é que a ela foi sancionada, sem vetos, pela então presidenta Dilma Rousseff. Que, aliás, sancionou outras duas leis também em vigor: a antiterrorismo e a das Olimpíadas. Graças ao inciso X do artigo 28 desta última, que proíbe “utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável”, assistimos às cenas lamentáveis da Força Nacional retirando manifestantes dos ginásios cariocas nos primeiros dias do evento. Pode-se argumentar, a favor de Dilma, que se fosse ela a presidenta a interpretação da lei e seu uso seriam outros, porque não era sua intenção usá-la para coibir manifestações políticas. Talvez. Por outro lado, não foi diferente a repressão feroz contra os manifestantes do ‪#‎NãoVaiTerCopa‬ em 2014. À época, inclusive, justificada por uma parcela dos que agora alardeiam vivermos um Estado de exceção.

2 comentários:

  1. Sim, dona Dilma vai ao senado com “muita humildade” pedir aos “golpistas” que não a “golpeiem”.

    “-Por favor, golpistas, piedade... só porque passei por cima da câmara e do senado, fraudei dados econômicos e usei os bancos estatais para pagar dívidas do tesouro? Lembro aos senhores golpistas que o presidente da câmara, Eduardo Cunha (aquele FDP!), não acrescentou as fraudes e pedaladas de 2014, bem como os desmandos que causaram prejuízos na Petrobras!”

    Ela poderia citar os nomes dos seus desafetos supostamente envolvidos na Lava-Jato, mas alguém lembraria que a mesma é indiciada e que os seus colegas de partido estão mais sujos que pau de galinheiro.

    Ora, o PT, “o partido dos democratas”, quer mais é enterrar de vez o cadáver de Dilma, tentar preservar os dedos que restam e blindar o seu ungido – dane-se a esquerda caquética e burlesca do PSOL e semelhantes.

    A ida de Dilma ao senado será um show dos horrores, um cordeiro oferecido aos lobos. Espero que a deixem falar, falar, falar e falar. Sugiro alguém avisar Dilma que aqueles políticos que estarão ali não são figurantes do documentário petista, pois tenho certeza que os seus “defensores” no senado, Narizinho e Cara-de-Pau, omitem esse detalhe.

    Eduardo, Jlle

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    1. Sim, passarei vergonha alheia. Esse documentário promovido pelo PT é um engodo, querem, inclusive, que a presidente chore. A história política do Brasil não merecia isso, mas cada país tem os representantes que merecem.

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