FOTO: Jéssica Michels |
POR FELIPE CARDOSO
Sempre procuro evidenciar em meus textos
que a pior crueldade que o racismo comete é a morte física e psicológica da
população negra. Recentemente, uma história com um terrível desfecho deixou
ainda mais evidente a perversidade do racismo na nossa sociedade e as
consequências extremas que ele pode causar.
Em novembro de 2015, cinco jovens negros
foram brutalmente assassinados por policiais militares, no Rio de Janeiro. O
carro onde estavam foi alvejado por 111 tiros. O crime? Estavam comemorando a
conquista do primeiro salário de um dos amigos. O assassinato gerou comoção e
revolta no país, deixando descarado a existência do racismo institucional que
coloca negros e negras como suspeitos e passíveis de morte pelo simples fato de
existirem.
O racismo provocou em novembro do ano
passado (e provoca diariamente) a morte física da população negra. Cinco vidas
ceifadas, cinco famílias desestruturadas. E foi essa desestrutura, essa perda
que, pouco a pouco, causou a morte psicológica da mãe de um dos garotos
assassinados. Nesta matéria publicada em O Globo (aqui) podemos ver a vida de uma mulher alegre mudar após o assassinato de seu filho.
Sem muito destaque nos grandes veículos de
comunicação, tanto de esquerda, quanto de direita, vivenciando na pele a dor da
injustiça, Joselita de Souza, depois de meses de sofrimento, morreu fisicamente.
Mas psicologicamente, Joselita já estava
morta. Além da solidão e da tristeza com a perda do seu filho caçula, Joselita
precisava acompanhar os desdobramentos do processo jurídico. No dia 16 de
junho, foi concedido aos responsáveis pela morte do filho o habeas corpus. Isso
mesmo, os algozes responderiam em liberdade. Faziam meses que Joselita não se
alimentava corretamente e com a notícia da impunidade, abateu-se ainda mais.
“Não escreveram "tristeza" na
certidão de óbito, mas para familiares de Joselita de Souza, mãe do menino
Roberto, um dos cinco amigos assassinados por PMs na chacina de Costa Barros,
essa é a causa de sua morte. Foi quinta-feira, no Posto Médico de Vilar dos
Teles, em São João de Meriti, cidade onde nasceu. Chegou três dias antes à
unidade de saúde com parada cardiorrespiratória, antes de descobrir um quadro
de pneumonia e anemia. Já não se alimentava bem há quatro meses - só tomava
sopa. Havia poucas pessoas no enterro, ontem à tarde, no cemitério de Vila
Rosali. Seu ex-marido, pai de Betinho, estava lá.”
Aqui cabe o questionamento feito pela
camarada Gabriela Queiroz: Por que as lágrimas da mãe branca comovem mais (aqui)?
“Só gostaria de fazer uma breve reflexão
acerca do desprezo sofrido pelas incontáveis mães negras que perdem diariamente
seus filhos de maneira brutal.[...] Por que seus nomes não são lembrados, suas
histórias não são insistentemente contadas pela mídia, seus filhos não tem
nome, tornam-se apenas estatísticas?”.
Para as mães negras resta o sofrimento e a
solidão, feridas abertas, sentimento de injustiça, depressão. As doenças
psicológicas que o Estado racista provoca em milhares de negros e negras é
assustador. Quem realmente se importa com isso?
Quando levantamos a problemática sobre a
invisibilidade da negritude na TV, quando destacamos e criticamos os
estereótipos do negro subalterno, criminoso, morador de favela, nos filmes e
nas novelas, é para evidenciar o tipo de imaginário popular que estamos
construindo na cabeça das pessoas. Preparamos violências simbólicas e as
naturalizamos até certo ponto que quando acontece na realidade, já não nos
provoca nenhum tipo de reação ou comoção. Já nem ligamos para os sentimentos
dos envolvidos. Naturalizamos. Tornamos comum a brutalidade. Inconscientemente
hierarquizamos sentimentos e escolhemos para quem e com quem teremos empatia.
Quando exigimos o cumprimento das Leis
10.639 e 11.645 nas escolas, por ações afirmativas, por cotas nas universidades
e em concursos públicos, não estamos pedindo privilégios. Estamos pedindo
reparações de formas isoladas que, quando unificadas, contribuem para o fim da
imagem negativa do negro, para o fim da marginalização dos nossos corpos, para
o fim do sentimento de indiferença com as nossas vidas e para a emancipação e
conscientização de milhares de negros e negras das condições as quais estamos
expostos. Para que tenham a noção que a guerra falida contra as drogas e as
instalações das UPPs apenas servem de bode expiatório para continuarem com extermínio
da população negra, física e psicologicamente, continuando o plano
eugenista que persiste desde o período
escravagista.
Quando policiais que acreditamos ser pagos
para nos proteger descarregam 111 balas, sendo 80 de fuzil, em um carro com
cinco jovens negros, sem chance de reação, não se importando com as
consequências que isso trará, percebemos que, para o Estado branco e burguês, a
vida negra é descartável e que os policiais servem para proteger os interesses
dos mais ricos. E não faltam casos para
confirmarmos isso. Lembremos de Cláudia, morta e arrastada pelo camburão da
polícia. Lembremos de Amarildo que até hoje não encontraram o corpo.
Lembremos
do menino Eduardo, do dançarino DG, de Luana Barbosa dos Reis e de milhares de
jovens negros e negras que são assassinados e assassinadas diariamente e não recebem destaque. Lembremos de milhares
de familiares que lutam para provar a inocência de seus entes, mostrando para a
justiça e para imprensa carteiras de trabalho assinadas.
Quando falamos em luta antirracista,
falamos de luta contra todo o sistema de opressão e exploração da população
negra, em todos os setores, em todos os locais, em todos os meios.
Por isso,
muitas vezes, a luta antirracista parece fragmentada, isolada. Mas o intuito é
um só: o fim dos ataques contra as nossas vidas. O fim dos assassinatos com a
negligência nos atendimentos médicos, o fim dos assassinatos da nossa história,
o fim do assassinato com estereótipos, com a invisibilidade, com a
marginalidade, com a falta de oportunidade, com a criminalidade. O nosso
genocídio vai além das mortes físicas.
Joselita
de Souza é só mais um exemplo de milhares de negros e negras que morrem mesmo
estando vivos, morrem sem saber do que sofrem, morrem sem perceber. Morrem
apenas sentindo a dor do racismo.
Como um presságio, no ano passado, fiz um
poema falando sobre os problemas enfrentados pela população negra e que foi
apresentado em um dos saraus Saracura – do Movimento Negro Maria Laura – e
expressa um pouco do que o racismo provoca.
A favela chora
Acabou de morrer mais um Machado,
O menino foi pra mão do tráfico.
Acabou de morrer mais um Cartola,
O governador fechou a escola.
Acabou de morrer mais uma Jovelina,
Pra sobreviver, a menina teve que se prostituir na esquina.
Acabou de morrer mais um Mano Brown,
O prefeito fechou o hospital.
Acabou de morrer mais uma Negra Li,
Instalaram mais uma UPP bem aqui.
Acabou de morrer mais um Mussum,
O reitor da faculdade disse que lá não entra qualquer um.
Acabou de morrer mais um filho,
O policial apertou o gatilho.
Acabou de morrer mais um ancião,
A mãe entrou em depressão.
Acabou de morrer a sua felicidade,
Acabou de morrer a sua tranquilidade,
Pois negaram para a periferia todas as oportunidades.
Felipe Cardoso – Sarau Saracura – 2015
Pois é...
ResponderExcluirSe os jovens fossem branquinhos, era só mais uma chacina, que o digam os preconceituosos que a acatam o suposto preconceito que vem dos outros. (Ah, sim! Os soldados que alvejaram o carro dos garotos e assassinaram o dançarino do “ishquenta” não tinham necessariamente ascendência islandesa)
Olha. Fui eu quem autorizou este comentário. Mas não entendi. Podes explicar melhor?
ExcluirEu entendi que anônimo 08:45 está acusando o autor de hipocrisia.
ExcluirBELO TEXTO!!
ResponderExcluirÓtima e importante matéria, parabéns também pela poesia, Felipe Cardoso!
ResponderExcluirSobre o racismo e xenofobia deixo ainda uma contribuição com uma matéria do DCM mostrando o absurdo da mentalidade coxinha, ou seria pseudo-mentalidade coxinha nos protestos da Av. Paulista ano passado.
Olhem só os absurdos que vários(as) coxinhas pensam, é engraçado de tão rídiculo.
Como bônus deixo 1 poema em forma de tautograma contra os racistas revoltadinhos das redes
Revoltados reaça-raivosos robotizados das redes
Revoltados raivosos, revoltados ranzinzas, ranhentos, remelentos, ao relento resmungando, rosnando, rugindo, relinchando.
Revoltados, revoltadinhos roboticamente, raciocinam (?) retardadamente, roboticamente, raramente riem, ruidosamente rugem, rotos rasos, rasgam ruídos, regurgitam reles raciocínios raivosos.
Revoltados recalcados, raivosamente rosnam, robôs remotos, roubam, raptam, rígidos, requerem Rebordosa de 64 (raramente raciocinam, rarissimamente refletem), rogam rusgas, rosto em rugas, realmente reacionários (racistas)!
Revoltados robóticos, rugem roucos, ridículos revoltados reaça-raivoso robotizados das redes, riquinhos repulsivos repugnantes, raramente respeitam: retornem rápido aos ratos rotos, revoltosa rês remoída; reles revoltosos rancorosos!
Rasgando regras, responsabilidade, reputação, reflexões, revoltados revoltadinhos revoltosos da rede, robôs roboticamente sob remotas regras, remelentos, ranhentos, ranzinzas, rançosos, roucos reacionários rosnadores, requerendo regredir, repetir repressão, rotular, reprimir.
Raro revoltados reaça-raivosos robotizados das redes, rádios, retransmissoras, repensarem, reiteradamente, repetidamente roncam reacionarismos repelentes; pra rua, rarefeitos ralados, rasgados, reles resposteiros em ruínas!
Não consegui enviar antes a matéria do DCM ao qual eu mencionei, mas antes que me esqueça por completo, aqui vai.
Excluir42% dos manifestantes da Paulista acreditam que o PT importou 50 mil haitianos para a eleição de 2014
Do blog de Mario Magalhães, no uol:
Bomba: ‘PT trouxe 50 mil haitianos para votar em Dilma Rousseff em 2014′
Se você acreditou no título com notícia falsa lá no alto do post, não está sozinho: de cada 100 participantes do protesto do domingo passado na avenida Paulista, 42 levaram a sério a informação delirante sobre a invasão do Brasil por cinco dezenas de milhares de haitianos.
Ninguém viu tanto haitiano por aqui em outubro, mas isso não impediu que os manifestantes pelo “fora, Dilma” achassem ser verdade que a presidente teve o reforço alienígena para conquistar novo mandato.
A pesquisa que constatou a credulidade no inexistente foi coordenada por Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp, e pelo filósofo Pablo Ortellado, da USP. Entre outras questões, eles apresentavam frases para saber se os presentes as levavam a sério.
A notícia sobre o levantamento está na coluna de hoje da Mônica Bergamo.
É claro que a crença no absurdo está relacionada com a intolerância diante do que parece incrível, que outros não concordem com o que cada um pensa.
O mais impressionante é que os 42% retratam o surto de certas cabeças.
Sobre os outros 58%, aceitaram desfilar lado a lado com quem acredita na fantasia sobre os haitianos eleitores de Dilma.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/42-dos-manifestantes-da-paulista-acreditam-que-o-pt-importou-50-mil-haitianos-para-a-eleicao-de-2014/
Esse é o "raciocínio" de alguma parte da coxinhócrita golpista e assaz estúpida.
Por que você é contra as UPP? Tu acha elas inerentemente ruins? Eu visitei a favela do Vidigal ano passado, fiquei hospedado 3 dias num albergue universitário o que não é tempo suficiente para tirar conclusões, mas pelo que percebi os moradores eram favoráveis a UPP, um dos motivos certamento foi o retorno econômico que ela trouxe para o local, será que o Vidigal é uma exceção?
ResponderExcluirWillian as críticas que tenho ouvido é que foi prometido a entrada do Estado na favela, infraestrutura, saúde, lazer e polícia, porém até o momento só a polícia chegou.
ExcluirPelo menos foi isso que eu entendi.
Filipe, nem sei o que te dizer. Foi o texto mais belo e preciso que li sobre racismo. Parabéns.
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