sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Justiça com as próprias mãos














POR LIZANDRA CARPES

Tivemos em Joinville, no dia 11 de agosto, um caso exemplar de justiceiro que quis lavar a honra (honra que se resumiu em um celular) com sangue ou com um golpe de arte marcial (golpe que se resumiu no que era a vida de alguém). Diego Felipe Fortunato Cidral era jovem e negro. E após uma gravata para ser imobilizado, acaba sem vida. Mais uma pessoa que entra nas estatísticas do genocídio da população negra.

Não vou entrar no mérito das questões do racismo (tema que o Felipe Cardoso trata com maestria aqui no Chuva Ácida) ou se houve ou não intenção de matar, pois para isso haverá um processo de julgamento. Vou aprofundar, sim, a questão da banalidade da violência e a desvalorização da vida. Muitos foram os comentários e posicionamentos. No entanto, o que mais choca é a crueldade aberta e pública em redes sociais: “Ainda bem que morreu, menos um”.

É preciso entender que a violência vai muito além das agressões e da morte. Ela se perpetua na incitação. Qualquer ato cometido que viole a Constituição Federal Brasileira de 1988 é um ato de violência. Ou seja, há violência quando não tem escolas, há violência quando pessoas morrem nas filas dos hospitais, há violência quando o Estado é ausente de suas obrigações.  E esta é a mais ameaçadora das violências, porque é provedora da injustiça e da desigualdade, a raiz do problema.

Quando “fazer justiça com as próprias mãos” ou “linchamento” tornam-se solução, isso evidencia também o atestado de falência dos setores que devem organizar estes conflitos sociais. É evidente que existem ferramentas e interesses que se alimentam da violência. A mídia sangrenta que vende horrores de publicidade com programas policialescos. Quanto mais sangue, mais audiência, gerando a indústria do medo, que, como diz o sociólogo Zygmunt Bauman em seu livro “Em Busca da Política”, uma sociedade amedrontada é de fácil manipulação.


A única justiça que podemos fazer com as próprias mãos é lutar por justiça social. É ocupar os espaços de decisão. A justiça com as próprias mãos se faz com conhecimento de causa e na participação política. Não movida por sentimentalismos. É fiscalizar e monitorar o serviço público e, mais que isso, cobrar resoluções. E no ciclo vicioso da violência, a pergunta que fica é: quem comete a violência primeiro, o cidadão e a cidadã ou o Estado?

2 comentários:

  1. Excelente texto, Lizandra. "Olho por olho e o mundo acabará cego". Paz é fruto de muita luta pra alcançar a justiça, é fruto de muita formação humana, é fruto de muito esforço intelectual. Sigamos em frente, há muito por fazer.

    ResponderExcluir
  2. Brilhante seu texto e quero acrescentar mais alguns dados que são importantes. Nesta época de eleições, o apelo de boa parte dos candidatos é a tão falada segurança... Fica claro que se referem a aumento de policiamento e estrutura repressiva. Continuo insistindo que somente a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos pode melhorar a segurança (não há como extinguir a criminalidade!, visto que o crime faz parte de todas as camadas sociais inclusive da atual classe política). Enquanto os bens de consumo supérfluos explodirem em nossa cara como fator de felicidade material, aos quais a maioria não tem acesso, continuaremos vivenciando esses roubos tolos (celulares modernos, tênis de marca). Os que não se prestam a uma análise mais profunda da questão vão ficar avalizando o "justiçamento". Como nossa Justiça não é neutra, aos pobres, cadeia ou morte, aos riquinhos o direito da dúvida e a falta de provas filmadas. Aí continuaremos a ter médicos assassinos e vândalos soltos. Ao pobulacho, cadeia.

    ResponderExcluir

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem