domingo, 24 de dezembro de 2023

Para além de Israel e Hamas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O conflito entre Israel e o Hamas acendeu rastrilhos em outros pontos da região. Um exemplo disso são os ataques que os houthis, grupo rebelde xiita que controla o norte do Iêmen, declararam apoio ao Hamas e passaram a atacar navios comerciais no Mar Vermelho.

Os EUA acusam o Irã de fornecer armas e assistência técnica aos houthis para realizar esses ataques. O Irã nega as acusações. Mas o fato de os houthis terem acesso a mísseis e drones de longo alcance é um indício de que o Irã está envolvido.

Os ataques têm provocado uma série de consequências negativas para o comércio mundial. Cerca de 95% do tráfego de navios com mercadorias que passavam pelo Mar Vermelho foram desviados para outras rotas, o que tem gerado congestionamentos e aumento dos custos de transporte.

O conflito no Mar Vermelho também tem aumentado a tensão na região. Os EUA e seus aliados estão pressionando o Irã para que cesse o apoio aos houthis, mas o Irã não parece disposto a ceder.

Os possíveis desdobramentos do conflito no Mar Vermelho são preocupantes. Se o conflito se intensificar, pode levar a um confronto direto entre os EUA e o Irã, o que teria consequências imprevisíveis para a região e para o mundo.

De imediato, as ações do houthis acabaram criando problemas em várias frentes, a começar pelo aumento dos preços do petróleo. O Mar Vermelho é uma importante rota de transporte de petróleo e os ataques dos houthis têm gerado temores de que o fornecimento de petróleo seja interrompido. Isso tem levado a um aumento dos preços do petróleo e impactado a economia global.

A interrupção das cadeias de suprimento também está no horizonte. Os ataques dos houthis têm interrompido as cadeias de suprimento globais, pois muitos navios comerciais que transportam mercadorias essenciais, como alimentos e medicamentos, foram desviados de suas rotas habituais. Isso tem causado escassez de produtos em alguns países e aumento dos preços.

Tudo isso, claro, sem falar na instabilidade regional. O conflito no Mar Vermelho tem aumentado a tensão na região e há o risco de que se espalhe para outros países. Isso poderia levar a uma guerra regional, com consequências desastrosas para a segurança e a economia globais.

Enfim, o conflito no Mar Vermelho é uma situação complexa com múltiplos fatores envolvidos. É difícil prever como a situação irá evoluir, mas é claro que o conflito tem o potencial de causar grandes danos ao comércio mundial e à estabilidade regional.

É a dança da chuva. 




 

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Jimmy Lai, ex-dono de jornal, pode pegar prisão perpétua na China


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora sabem quem é Jimmy Lai? É provável que não. Eu explico. É um magnata pró-democracia de Hong Kong, que ontem começou a ser julgado pelas autoridades chinesas, acusado de crimes contra a segurança nacional. Quais crimes? Entre eles, conspiração com forças estrangeiras para publicar notícias falsas. Se condenado, pode pegar prisão perpétua.

Jimmy Lai é o ex-proprietário do jornal pró-democracia “Apple Daily”. Editado desde 1995, o jornal se tornou um dos mais populares de Hong Kong, como resultado da cobertura crítica das ações do governo chinês e de suas políticas em Hong Kong .Em 2021, o Apple Daily foi forçado a fechar após o governo chinês congelar os ativos do jornal e prender Lai e vários de seus funcionários.

O julgamento é um teste à liberdade de expressão e à democracia em Hong Kong. O caso tem sido amplamente condenado pela comunidade internacional. Jimmy Lai é um dos defensores da democracia do tipo ocidental em Hong Kong, mas as coisas têm mudado desde a saída dos governantes britânicos e a substituição pelas autoridades chinesas. 

Ele foi preso em dezembro de 2020, sob a justificação de infringir a Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, imposta pela China em 2020. O julgamento é visto como uma tentativa de suprimir a dissidência em Hong Kong. A imprensa internacional diz que Jimmy Lai é acusado de crimes vagos e imprecisos, numa prática de silenciar os desafetos do governo chinês.

O julgamento está sendo realizado em clima de crescente repressão em Hong Kong. Desde a imposição da Lei de Segurança Nacional, o governo chinês tem tomado medidas para silenciar a oposição e restringir as liberdades civis. Os Estados Unidos e o Reino Unido, em particular, têm apelado à libertação imediata do prisioneiro. Democracia é uma que se escreve em chinês?

É a dança da chuva.



quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Fora, Hungria

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Se dependesse da minha vontade, a Hungria já estaria fora da União Europeia. Nada contra o país, que é um lugar fantástico (Budapeste já proporcionou uma das melhores férias da minha vida). Mas é um saco ter que aguentar um governante como Viktor Orbán, um sujeito muito pouco amigo da democracia. É só ver que era o único capaz de se sentar à mesa com Bolsonaro.

Ontem o primeiro-ministro da Hungria esteve no foco dos noticiários. Tudo por causa da negociação da adesão da Ucrânia à União Europeia. Orbán, que é aliado declarado de Vladimir Putin, pôs areia na engrenagem. Em primeiro lugar, pela relação que tem com Putin e depois porque sempre aproveita essas situações para chantagear a União Europeia e levar uns eurinhos para o seu país.

É provável que Orbán tenha razão ao afirmar que a Ucrânia ainda não preenche ainda as condições para integrar aUnião Europeia. O problema é a chantagem financeira, além de politicamente estar a pôr a unidade europeia em risco. A Hungria vive um enfraquecimento das instituições democráticas, com o aumento do poder do governo central e a redução da independência do judiciário, da imprensa e da sociedade civil. 

Orbán tem promovido uma agenda nacionalista e conservadora, muito criticada por organizações internacionais de direitos humanos. Há muitos episódios em que a Hungria tem voz dissonante dentro da UE. No plano europeu, por ter votado contra as sanções à Rússia. E no plano interno, por promover uma agenda conservadora, que inclui restrições ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O líder húngaro também tem sido criticado por organizações internacionais, como o Conselho da Europa e a Comissão Europeia, por medidas que enfraquecem o Estado de Direito no país. Estas posições têm gerado crescente tensão entre a Hungria e a União Europeia, com a Comissão Europeia a abrir vários processos de infração contra o país. O governo húngaro é um cavalo de troia dentro da União Europeia.

Em 2023, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que acusava a Hungria de violar os valores fundamentais da UE, incluindo o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos. A resolução recomendava que a Comissão Europeia suspendesse o financiamento da UE para a Hungria. Orbán argumenta que essa é a vontade do povo húngaro. 

Quanto à chantagem. Em 16 de março de 2023, a Comissão Europeia suspendeu o financiamento para a Hungria, no valor de 1,7 bilhões de euros, devido a questões sobre o Estado de Direito. A suspensão afetou o financiamento de projetos de infraestrutura, educação, investigação e desenvolvimento. A ação teve um forte impacto na economia do país. 

Mas ontem, 14 de dezembro de 2023, em meio a um impasse, a Comissão Europeia anunciou que iria descongelar 10 mil milhões de euros de fundos de coesão para a Hungria. A decisão foi tomada durante uma cúpula de líderes europeus, após o governo húngaro ter feito algumas concessões, incluindo a retirada dos seus nomeados dos conselhos de gestão das universidades.

A liberação do dinheiro para a Hungria pode ser vista como uma forma da UE de mostrar à Hungria que está disposta a negociar sobre a adesão da Ucrânia. Ou seja, a UE pode estar a tentar convencer a Hungria a apoiar a adesão da Ucrânia, oferecendo-lhe benefícios económicos. Enfim, o fato é que Viktor Orbán não é boa companhia para países que acreditam no estado de direito.


É a dança da chuva.


Orbán com Bolsonaro


quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Michael Hill: o homem que sobreviveu a uma facada no cérebro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Imagine que está a caminhar descontraidamente e, assim do nada, surge alguém que lhe dá uma facada na cabeça. Não uma facada qualquer, mas um corte que vai até perto do tronco cerebral. Estranho, não? Mas aconteceu. É a história de Michael Hill, que em 1998, na cidade de Birmingham, no Alabama, foi atacado por um homem desconhecido enquanto caminhava pela rua.


A arma era uma faca de sobrevivência de 20 centímetros, que perfurou profundamente no crânio de Hill. Levado para o Hospital UAB a faca foi retirada depois de uma intervenção que levou cerca de duas horas. O homem passou duas semanas no hospital para se recuperar e o mais incrível é que retomou a vida normal, apesar de algumas consequências.


Michael Hill, um vendedor de seguro que na altura tinha 26 anos, disse que as dores de cabeça foram as piores sequelas, por serem fortes e debilitantes. Um problema que piorava com o cansaço ou o estresse. Problemas de memória faziam com que esquecesse o que estava a fazer ou mesmo para onde estava a ir. Mas também afirmou estar feliz pela sorte de ter escapado com vida.


O ataque ocorreu em uma noite escura e chuvosa, o que impossibilitou Hill de ver o rosto do agressor. A radiografia do crânio de Hill foi publicada pela primeira vez no “The Birmingham News” e rapidamente se tornou viral, com a reprodução  jornais, revistas e sites de notícias. A história também foi apresentada em programas de televisão e documentários.


É a dança da chuva.

A radiografia da facada


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Ditaduras e autocracias. Qual é a diferença?

POR JOSÉ ANTONIO BAÇO

Faz algum tempo, logo após a queda do Muro de Berlin, o pensador norte-americano Francis Fukuyama publicou o famoso livro “O Fim da História e o Último Homem”, que celebrava a vitória da democracia liberal e a realização da ideia kantiana da paz perpétua. Um momento de otimismo logo foi desmentido pela realidade. A história estava viva e a paz era passageira.

Quando tudo apontava para uma evolução rumo à democracia, o mundo começou a caminhar para novas convulsões. E daí surgiram autocracias e ditaduras. Um Bolsonaro, um Trump ou um Erdogan, por exemplo, não são frutos do acaso, mas sim resultados de um processo histórico. Porque há muitos fatores a contribuir para o crescimento dos regimes autoritários.

Em termos da geopolítica global, é importante considerar o declínio da influência dos Estados Unidos nas últimas décadas. Os norte-americanos são firmes na defesa da democracia liberal, mas têm cometido erros ao tentar importar o modelo a outros países que não têm essa tradição. Essa inegável perda de força dos EUA abre espaço para regimes autoritários.

Outro fator importante é a ascensão da China como potência global. O país asiático, que pode ser considerado um capitalismo de estado, tem uma matriz autoritária e é cada vez mais influente na política externa, mesmo sem precisar intervir diretamente em conflitos. A China reprime apoia regimes autoritários como Rússia, Irã, Venezuela ou Coreia do Norte.

No que se relaciona à política mais pedestre, é preciso ter em mente que a democracia liberal está numa encruzilhada. O sistema tem sido desafiado por uma série de fatores, como a ascensão da extrema-direita, a polarização política e a corrupção. Esses vetores contribuem para o enfraquecimento das instituições democráticas e a ascensão de regimes autoritários.

Também é importante considerar o papel da tecnologia, que pode ser usada para reprimir a dissidência e manter os povos sob controle. Os regimes autoritários estão cada vez mais a usar a tecnologia para fortalecer o seu poder. Hoje o WhatsApp é muito mais eficaz para passar uma mensagem do que um horário em prime time na televisão. A vitória de Bolsonaro não deixa mentir.

Hoje há muitas ditaduras e autocracias. Não são a mesma coisa? Há nuances. Podemos dizer que as ditaduras existem em países como a China, Coreia do Norte, Irã ou Birmânia. As autocracias estão instaladas em lugares como Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Vietnã. Qual a diferença? A separação nem sempre é clara, porque algumas características se sobrepõem.

O que define uma ditadura? Em primeiro lugar, o governo é centralizado nas mãos de um indivíduo ou de um pequeno grupo. Há repressão política, incluindo prisão, exílio e assassinato de opositores. E, claro, temos a restrição dos direitos políticos e civis, incluindo liberdade de expressão, reunião e associação. Os poderes não são independentes.

Em que diferem as autocracias? Em quase nada. Mas realizam eleições multipartidárias, apesar de os direitos políticos e civis serem restringidos. O governo também é controlado por um partido ou grupo dominante e a oposição é reprimida. Os poderes são cooptados pelos que detêm o poder, em especial no plano do executivo.

É claro que pode haver divergências conceituais, mas há um facto indesmentível: nenhum desses dois modelos é aceitável para quem prefere a democracia, mesmo com todos os seus defeitos. Mas, infelizmente, o bolsonarismo brasileiro é a prova de que há muita gente que não quer saber de democracia. Há gente disposta a abrir mão da própria liberdade, como já salientou Étienne de La Boétie

É a dança da chuva.

Foto: Sima Ghaffarzadeh


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

A guerra na Ucrânia já tem um vencedor: a indústria armamentista dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Só alguém muito distraído pode não ter percebido. A indústria das armas dos EUA está faturando na Ucrânia. E é bom ver um jornalão a falar do tema, já que a imprensa internacional tem dado pouca ou nenhuma atenção. O “The Washington Post” publicou, no ano passado, uma matéria a revelar que a ajuda armamentista dos EUA à Ucrânia estava a dar um enorme impulso à indústria de defesa americana.

A reportagem referia um estudo do Stimson Center, um think tank de Washington, segundo o qual mais de 90% do dinheiro da ajuda militar para a Ucrânia estavam a ser usados para comprar armas da indústria armamentista norte-americana. Eis os números: dos primeiros US$ 7,6 bilhões em ajuda militar à Ucrânia, US$ 7,3 bilhões teriam sido usados na compra de armas nos EUA.

Na semana passada, um novo texto voltou ao assunto, desta vez assinado por Marc Thiessen, colunista conservador do mesmo jornal. A denúncia é reforçada, mas como uma nuance a ter em conta. É que os conservadores - influenciados pelo trumpismo - ameaçam fechar as torneiras da ajuda à Ucrânia. É parte da estratégia para tentar detonar a candidatura de Joe Biden às eleições de 2024.

O argumento é que, sob o pretexto de ajudar a Ucrânia a se defender da invasão russa, foi criado um negocião para a indústria bélica norte-americana. Além disso, os republicanos argumentam que isso faz a aumentar as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia (Trump sonha ser um Putin). Mas há um contrassenso: será que o lobby da indústria das armas, que pende mais para o lado republicano, vai na conversa?

Os republicanos estão a criar problemas para a renovação das ajudas à Ucrânia, o que pode ter algum efeito sobre a opinião dos trumpistas. É a interpretação do slogan "America First". A indústria armamentista sempre contou com os republicanos, mais propensos aos gastos na defesa e à manutenção do poder militar dos EUA, não vai assistir tudo passivamente. Afinal, a pátria dos capitalistas é o dinheiro. 

É a dança da chuva.

Foto: Алесь Усцінаў


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Svetlana Alliluyeva, a filha rebelde de Stalin

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Uma história de amor e ódio. Em 1942, a jovem Svetlana Alliluyeva, filha de Joseph Stalin, se apaixonou por Alexei Kapler, um cineasta judeu. Nessa época, ela tinha 16 anos e ele era já tinha feito 40 anos. É claro que Stalin desaprovou o romance, não apenas pela idade de Kapler, mas também por ser judeu e de origem social inferior.

Os dois se conheceram quando ela foi assistir a um filme que ele dirigiu e começaram a se encontrar em segredo. O romance rapidamente se tornou sério. A filha do ditador soviético ficou grávida, mas sofreu um aborto espontâneo. Stalin soube do romance e ordenou que Kapler fosse preso. Em 1943, o cineasta foi preso e sentenciado a dez anos de confinamento em um gulag, uma prisão de trabalho forçado na União Soviética.

A causa exata da prisão não é clara, mas acredita-se que Stalin tenha usado o romance como pretexto para se livrar de um inimigo potencial. Kapler era um homem culto e bem-sucedido e Stalin pode ter temido que ele influenciasse sua filha de forma negativa. O romance entre Svetlana e Kapler, um exemplo trágico do poder e da brutalidade de Stalin, teve um impacto profundo na vida de ambos. 

A jovem nunca se recuperou da perda de seu amor e ele nunca foi o mesmo depois de sua prisão. Aleksei Yakovlevich Kapler nasceu em Kiev, na Ucrânia, em 1903, e morreu em Moscou, Rússia, em 1979. Trabalhou como cineasta, roteirista, ator e escritor proeminente. Foi conhecido pelo seu trabalho em filmes como "Lênin em 1918", "Homem Anfíbio" e "O Pássaro Azul". 

Svetlana Alliluyeva teve uma vida conturbada e cheia de tragédias. Teve três casamentos e dois filhos. Em 1967, Svetlana fugiu da União Soviética para a Índia, num episódio de grande repercussão internacional. Dois anos depois, mudou para os Estados Unidos, onde se naturalizou e viveu até sua morte, em 2011 (ensaiou uma volta à URSS por causa da doença de um filho, mas acabou por sair novamente).

É a dança da chuva.

Svetlana e Joseph Stalin




quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Está aberta a temporada de caça ao Dino

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É o tema do momento. A oposição ranhosa não quer ver Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal. Os "argumentos" vão se sucedendo. Os opositores políticos e a velha imprensa vendilhona apostaram tudo na negação do “notório saber jurídico”, que é uma das condições para a ascensão à máxima corte. E chegamos ao ridículo de ver um “formador de opinião” de notória ignorância jurídica a bater de forma insistente e irritante nessa tecla.

É tudo conversa para boi dormir. O currículo de Flávio Dino indica que ele possui um conhecimento jurídico amplo e profundo, sustentado uma sólida formação acadêmica e experiência profissional. Além de que a ideia de notório saber é subjetiva. Em termos práticos, caberá ao Senado Federal, através de arguição, decidir se Flávio Dino possui o conhecimento necessário para o cargo de ministro do STF. Não será a imprensa a dar o veredito. E ponto final.

Os motivos de natureza política são evidentes na crítica. Os opositores apontam uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de consolidar a hegemonia da esquerda no STF. A tese é de que Dino seria um aliado fiel de Lula (e do PT) e que a sua atuação no tribunal seria pautada por interesses políticos. É irônico. Porque essas mesmas pessoas assobiaram para o lado nas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que Bolsonaro considerou os seus 20% no Supremo.

A atuação como ministro da Justiça é outro dos argumentos falhados. Os opositores acusam Flávio Dino de ser parcial na condução de investigações e até tentaram pôr a conta do 8 de janeiro no seu currículo. Teses tão frágeis que beiram o ridículo. Aliás, para alguns parlamentares pretendem. uma retaliação pelas tareias que Flávio Dino aplicou em muitos deles, nas infindáveis convocações para debates no parlamento. Os deputados bolsonaristas não cansam de passar vergonha.

E agora surge um bruaá capitaneado pela inenarrável Michelle Bolsonaro, que surge com o argumento de que comunista não pode ser cristão. “Se ele é comunista, ele é contra os valores e princípios cristãos. Não existe comunista cristão, isso é de contramão com a Palavra de Deus. A gente não pode aceitar esse tipo de gente no poder. Já imaginou se esse homem chegar ao STF o que vai acontecer com a gente?”, questionou Michelle Bolsonaro.

Enfim, seguindo o script bolsonarista, a ex-primeira-dama usa o medo como arma. “O que vai acontecer com a gente?”. Ora, o mesmo que tem acontecido até agora. Nada. As igrejas continuam abertas, nenhum fiel foi incomodado. O bolsonarismo está apenas a tentar ressuscitar o espectro do comunismo como um bicho-papão. É como as crianças com medo de monstros em baixo da cama. Para os bolsonaristas, comunismo é toda pessoa que pense diferente. Ou melhor, toda pessoa que pense.

Não é possível antecipar se Flávio Dino vai ser aprovado ou não. Mas há leituras que podem ser feitas nesse xadrez político. O presidente Lula tem muitos anos de janela e não ia atirar Flávio Dino aos leões. E a aproximação a Rodrigo Pacheco, atual presidente do Senado, muito provavelmente tem relação com a aprovação de Dino. O presidente é um negociador exímio e não faria uma indicação que corresse o risco de ser rejeitada. É esperar para ver.

É a dança da chuva.



terça-feira, 5 de dezembro de 2023

E se a Rússia anexasse Portugal?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É um fait-divers, mas não resisto a comentar. Sabem qual a última da terra de Putin? Um dia destes uns estranhões começaram a falar na anexação de Portugal. Foi durante um programa de debates na televisão estatal russa. O apresentador Vladimir Solovyov defendeu a ideia: a Rússia deveria anexar Portugal.

Por quê? O argumento é de que Portugal seria um aliado no contexto da guerra na Ucrânia. Já começou mal, amigo. Fora o Partido Comunista Português, ninguém no país tem demonstrado qualquer simpatia pelos russos no caso da invasão da Ucrânia. E os comunistas aprenderam que essa posição traz perdas eleitorais.

Solovyov afirmou que Portugal é um país "pró-russo", com uma longa história de relações com o país. Mas é uma besteira tomar Portugal como aliado na guerra da Ucrânia. E o tipo também argumentou que a anexação de Portugal daria à Rússia um acesso estratégico ao Oceano Atlântico. Bobinho esse Solovyov. 

O olho no Atlântico tem razões de ser. É que apesar de Portugal ser o 16º país da Europa em termos terrestres, tudo muda quando estamos a falar do mar, porque o país sobe para o 5.º posto em termos dimensão marítima. O potencial estratégico e económico do mar, a tal economia azul, pode vir a ser o futuro do país.

Portugal está alinhado na defesa da Ucrânia, como todo o bloco europeu (à exceção de Orbán, da Hungria). Os portugueses devem ficar preocupados? Claro que não. É tolice. Mas o fato dessa ideia ter vindo a público mostra que, sob a batuta de Putin, os russos andam com ímpetos imperialistas.

A ideia é tonta, mas há uma coisa a salientar. Margarita Simonyan, uma das principais propagandistas do Kremlin e editora-chefe do Russia Today, disse na ocasião que a Rússia não precisa da nação portuguesa, mas que “gostaria muito" de a ter. Enfim, parece que o imperialismo é o sonho molhado dos putinistas.

É a dança da chuva.




segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A menina que recusou dar a mão ao ditador

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Há imagens que escapam aos fatos e acabam se tornando ícones de uma época. É o caso da fotografia que Rachel Clemens, uma menina de cinco anos que, em setembro de 1979, se recusou a cumprimentar o presidente João Batista Figueiredo. Não é o que ela pretendia fazer (até porque não tinha maturidade para isso), mas a imagem acabou por se tornar um símbolo da resistência à ditadura.

A foto da menina, com o rosto sério e os braços cruzados, foi registrada pelo fotógrafo Guinaldo Nicolaevsky (ele fez o clique mas nunca a conheceu pessoalmente) e se tornou uma das imagens mais emblemáticas do final dos anos de chumbo. A foto foi publicada em diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais, tornando-se um símbolo da decadência da ditadura militar no Brasil.

Mineira de Juiz de Fora, Rachel morreu em 2015, aos 41 anos de idade, de parada cardíaca. Mas antes de morrer, tinha explicado, em entrevista, que o gesto foi coisa de criança. As pessoas insistiam para que apertasse a mão do presidente e, por birra, ela se recusou. “Detesto que me mandem fazer as coisas. Não dei a mão porque eu não queria dar a mão”, revelou. Mas não sem salientar que tinha um certo medo de Figueiredo.

Nada consegue impedir a criação de mitos. A recusa de Rachel ainda hoje é encarada como um ato de coragem e determinação, mostrando que mesmo as crianças podiam resistir à ditadura. A imagem tornou-se um ícone da rebeldia para muitos brasileiros que lutavam pela democracia. Mas a realidade não foi assim. “Sou de uma época que criança era só criança e se preocupava mais em brincar e se divertir”, contou.

É a dança da chuva.

Rachel Clemens e João Figueiredo, na foto mítica.


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Putin não gosta dos LGBTQIA+, mas a esquerda brasileira gosta de Putin

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há muita gente na "esquerda" brasileira que nem pensou duas vezes antes de tomar o lado de Putin na invasão da Ucrânia. Ora, qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que há ali um flagrante desrespeito pelo direito internacional e um ataque à autodeterminação de um povo. A coisa é simples: os ucranianos não querem ser russos. Ponto final. Mas para essa esquerda falou mais alto uma certa nostalgia da URSS e, mesmo sabendo que estão do lado do bandido, essas pessoas deixaram-se levar pela cantiga da “desnazificação” e mais um par de botas.

Mas Putin é Putin. E a Rússia é uma autocracia. Fico a perguntar como reagirão agora essas pessoas à notícia de que o Supremo Tribunal da Rússia, a pedido do Ministério da Justiça, acaba de considerar qualquer "movimento LGBTQIA+" uma organização "extremista”. Vejam que belo argumento: o Ministério argumenta que o movimento LGBTQIA+ é uma ameaça à segurança nacional, pois promove a ideologia de gênero e a "destruição da família tradicional". Como? Mas isso não é o bolsonarismo? Fiquei confuso.

A decisão representa um retrocesso significativo nos direitos da comunidade LGBTQIA+ no país. A partir de agora, qualquer pessoa que seja considerada associada ao movimento LGBTQIA+ pode ser acusada de extremismo e punida com penas de prisão de até 10 anos.  A determinação tem o potencial de ter um impacto significativo na vida das pessoas LGBTQIA+ na Rússia. Pode levar a uma maior repressão às organizações, a um aumento da violência e a uma diminuição da visibilidade e da aceitação da comunidade LGBTQIA+.

E Putin? Sem surpresas. O autocrata russo tem tido posições consistentemente contrárias aos direitos LGBTQIA+. Ele já se referiu à homossexualidade como uma perversão e uma doença. Em 2013, assinou uma lei que criminaliza aquilo que chama de “propaganda LGBTQIA+” entre menores, o que levou a uma onda de repressão às organizações LGBTQIA+ no país. Em 2021, fez um discurso no qual atacou os direitos dos transgêneros, dizendo que “ensinar crianças sobre menino poder se tornar menina e vice-versa beira um crime contra a humanidade”. 

Ou seja, a decisão do Supremo Tribunal da Rússia está em perfeita sintonia com as posições de Putin. E os passadores de pano no Brasil? Vão continuar deambulando pelas redes sociais com a flanela na mão e a dizer que Putin é a encarnação do bem. E até que ele é comunista (permitam-me uma gargalhada).

É a dança da chuva.

Foto: Alexander Grey


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Gaza é o pior lugar do mundo para ser criança, mas há outros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A guerra entre Israel e Hamas transformou a faixa de Gaza no pior lugar do mundo para ser criança. De acordo com informações recentes do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, 3.542 crianças foram mortas e 6.890 ficaram feridas no território durante os primeiros 25 dias do conflito. Isso representa cerca de 40% do total de mortos e feridos, que foi de 8.525. A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) também divulgou dados que apontam para a vulnerabilidade das crianças. É uma tragédia sem-par.

Segundo a organização, 1,2 milhão de crianças em Gaza foram afetadas pela violência, incluindo 590.000 que tiveram que deixar suas casas. A imprensa internacional também tem dado ampla cobertura à questão. Há um clamor mundial que pede o fim da matança. No entanto, é um tanto absurdo que as mesmas pessoas que estão – e bem – preocupadas com as crianças palestinas não tenham demonstrado a mesma empatia em relação às crianças ucranianas, que têm vivido sob a invasão das tropas russas. Porque também ali as crianças são as maiores vítimas.

De acordo com a Unicef, mais de 540 crianças foram mortas e 1.700 ficaram feridas desde a invasão, em 24 de fevereiro de 2022. Por triste coincidência, isso também representa cerca de 40% do total de mortos e feridos, que é de 3.440. Mas não é apenas isso. Pelo menos 6.000 crianças ucranianas foram levadas para campos de reeducação na Rússia, numa clara violação dos direitos humanos. Essas crianças estão sendo alocadas em instituições de ensino, orfanatos e famílias adotivas russas.

Além de separadas de suas famílias, também estão sendo expostas à propaganda russa, que glorifica a guerra e demoniza a Ucrânia. Ente outras coisas, são obrigadas a aprender a língua russa e a cantar hinos da terra de Putin. A comunidade internacional tem condenado a reeducação das crianças ucranianas na Rússia. O Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que exige o fim imediato dessa prática.

No entanto, a Rússia não tem demonstrado sinais de que vai parar de “reeducar” as crianças ucranianas. Mas as crianças ucranianas não são um tema no Brasil, em especial para as esquerdas. Eis um caso de hipocrisia pura e dura. Para dois casos igualmente graves e deploráveis, há dois pesos e duas medidas: lágrimas pelas crianças palestinas e indiferença pelas crianças ucranianas. Quem entende?

É a dança da chuva.

Foto: Ahmed Akacha

Foto: Berke Arakli


terça-feira, 21 de novembro de 2023

Há presos políticos na Rússia. Esquerda brasileira olha para o lado

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A guerra na Ucrânia ensinou uma coisa. Há brasileiros (que se dizem) de esquerda que gostam de Putin. Ou seja, gostam de autocratas. A ironia é que pregam democracia no Brasil, mas defendem regimes fechados no exterior. É claro que essa gente pensa em Putin como herdeiro da União Soviética. Não é. Pensam que tem ligação ao comunismo. Não tem. E tenho a certeza de que, se fosse no Brasil, não aceitariam o caso de Sasha Skochilenko.

A ativista russa, que tem 31 anos, foi presa em março de 2023, por supostamente ter publicado mensagens anti-guerra. Ela foi acusada de "divulgação de informações falsas sobre as Forças Armadas da Federação Russa" sob a nova lei de censura da Rússia, que prevê penas de até 15 anos de prisão. Foi condenada a sete anos de prisão, sentença reduzida para cinco anos por causa de uma pressão internacional, que incluiu apelos do Papa Francisco e do Presidente francês Emmanuel Macron. Ainda assim, a pena de cinco anos é uma sentença severa para uma pessoa que simplesmente expressou sua opinião sobre a guerra.

A condenação de Skochilenko é um lembrete de que, sob Putin, a liberdade de expressão na Rússia tem estado sob ataque. A pena de prisão da ativista é a mais longa já imposta a alguém por protestar contra a guerra na Rússia. E é bom lembrar que centenas de pessoas que foram presas por se insurgirem contra a guerra. A lei de censura foi aprovada em março de 2022, depois invasão da Ucrânia. O objetivo era criminalizar a divulgação de informações que o governo russo considere falsas sobre a guerra. 

Essa lei tem sido usada para reprimir a dissidência e a liberdade de expressão na Rússia. A condenação de Skochilenko é um sinal do declínio da liberdade de expressão na Rússia. A lei de censura da Rússia tem criado um clima de medo e autocensura no país. Mas Putin é um “queridinho” da esquerda brasileira que, em teoria, deveria estar a defender a democracia. Mas que nada. Essa gente não se importa de defender uma ditadura, pela simples nostalgia da URSS. Só que Putin e a URSS estão nos antípodas.

É a dança da chuva.

A artista e ativista Sasha Skochilenko




domingo, 19 de novembro de 2023

Vai uma picanha sintética?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É domingo e você já está à espera para acender a churrasqueira e começar a fazer aquela picanha. Eis uma tradição que muito certamente vai mudar no futuro, com a inevitável introdução de carne sintética no mercado mundial. Muita gente nem sonha que isso existe, mas há mercados onde as carnes sintéticas já estão a ser comercializadas. A carne sintética é produzida a partir de células extraídas de animais, que são cultivadas em laboratório. As células mais utilizadas são as células-tronco.

O primeiro país a autorizar a comercialização de carne sintética foi Cingapura, em 2022. A empresa israelense Aleph Farms foi a primeira a vender carne de bife cultivada em laboratório naquele país. Neste ano, os Estados Unidos também autorizaram a comercialização de carne sintética. As empresas Eat Just e Upside Foods foram as primeiras a vender carne de frango cultivada em laboratório nos EUA.

Se atualmente apenas Cingapura e os EUA permitem a comercialização de carne sintética, há outros países a considerar a aprovação da comercialização desse tipo de produto. No Brasil, por exemplo, a Anvisa está a avaliar essa possibilidade e deve ter uma posição até o próximo ano.

O mundo empresarial do setor está a se preparar. A brasileira JBS, por exemplo, está a investir nessa área. Em 2021, a empresa adquiriu uma participação majoritária na espanhola BioTech Foods, líder europeia no setor de proteína cultivada. A BioTech Foods está construindo uma fábrica na Espanha que será capaz de produzir 1.000 toneladas de carne cultivada por ano. A empresa tem projetos também no Brasil.

Ainda é cedo para dizer qual será o impacto das carnes sintéticas no mercado global. É certo que vai haver muita resistência cultural, como já está a acontecer na Itália, onde o executivo de Giorgia Meloni aprovou uma lei que proíbe a produção, venda e importação de carne cultivada em laboratório. O objetivo é proteger a "tradição italiana". A lembrar que a produção de carne sintética ainda não está autorizada na União Europeia. 

O fato é que será impossível deter os avanços nessa área. Porque esse tipo de produto tem o potencial de revolucionar a indústria da carne, oferecendo uma alternativa mais sustentável e ética.

É a dança da chuva.



sábado, 11 de novembro de 2023

Santa Catarina: o autoritarismo não gosta de livros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Ora, ora, ora... parece que em Santa Catarina há quem esteja dedicado à proibição de livros. Surpreende? Claro que não. É preciso ter em mente que o autoritarismo faz parte do código genético de muitos catarinenses e dos muitos governantes que ao longo de décadas se sucedem no poder. Afinal, em que outro lugar o bolsonarismo e as suas "ideias" espúrias teriam tanto eco? Em Santa Catarina, claro. E onde entra o bolsonarismo, a inteligência sai de cena.

A história do mundo está cheia de exemplos de ataques dos autoritários a livros e bibliotecas, com proibições, queimas e a destruição de obras consideradas “perigosas” para o poder. O Brasil tem páginas escritas nesse plano, porque durante a ditadura militar houve centenas de livros proibidos, de autores como Jorge Amado, Graciliano Ramos ou até Nelson Rodrigues. Na vigência do AI-5, a ditadura censurou a torto e a direita: filmes, peças de teatro ou livros.

O fato é que as mentes autoritárias detestam livros. E adivinhem. Um dos textos censurados nos anos de chumbo de Garrastazu Médici foi o "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess, acusado de ser “subversivo” e “perigoso para a juventude”. O texto, que faz uma crítica à violência e ao autoritarismo, foi visto pela ditadura militar como uma ameaça. E só foi liberado em 1981, quando os ditadores estertoravam.

“Laranja Mecânica”? Opa! Essa lembrança fez acender uma luz quando veio a público a notícia de que o poder em Santa Catarina havia feito uma lista de livros “proibidos”, que deveriam ser recolhidos das escolas públicas. E adivinhem: o “Laranja Mecânica” está lá. Outra vez. As “otoridades” tentaram explicar, mas mexer com livro é coisa que não tem explicação. É apenas a evidência da precariedade intelectual dessa gente que namora firme com o Bolsonarismo.

Enfim, sabem o que têm em comum ditadores como Adolf Hitler, Joseph Stalin, Mao Tsé-tung, Francisco Franco ou Saddam Hussein? Todos eles perpetraram ataques contra livros (e autores) que consideravam incômodos. Portanto, fica a dica: se um governo não quer parecer autoritário, não repita atitudes autoritárias. E evite eventos muito cheios de simbologia, como ataques a livros. Porque, acreditem, os livros de história não perdoam.

É a dança da chuva



terça-feira, 24 de outubro de 2023

Xandão foi à pesca? Se foi, pegou peixe graúdo

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Quando o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, houve quem falasse em "fishing expedition". O que é isso? Quer dizer que o ministro estaria a usar uma manobra: prender uma pessoa para "pescar" provas que evidenciassem crimes. Parece que funcionou em cheio. A leitura das mensagens no telefone de Mauro Cid abriu a porta para uma série de indícios de malversações no governo Bolsonaro.

A delação premiada de Mauro Cid é o inferno de ex-presidente e algumas pessoas do seu entorno. O dado mais recente, divulgado agora pela imprensa, diz que Bolsonaro ordenou a fraude dos cartões de vacina e o ex-ajudante apenas obedeceu. A vida de Jair Bolsonaro já estava complicada e cada vez mais parece que a cadeia é um destino inevitável. Alexandre de Moraes fisgou usou uma rêmora como isca... e vai pegar um tubarão.

A prisão de Mauro Cid, decretada pelo ministro, que é relator do inquérito das supostas ameaças à democracia no Brasil, foi criticada por alguns juristas. A alegação era de que teria sido feita sem uma base razoável para acreditar que Cid cometeu algum crime. Esses juristas argumentavam que Moraes não apresentou evidências concretas de que Cid estaria envolvido em qualquer crime.

Os críticos alegam que Moraes ordenou a prisão para que Mauro Cid pudesse ser interrogado e para permitir que a polícia realizasse uma busca nos seus bens. Essas críticas sugerem que estaríamos a falar de uma "fishing expedition". Mas é  importante lembrar que a Procuradoria-Geral da República (PGR) também concordou com a prisão, alegando que Mauro Cid é figura central no inquérito que investiga as ameaças à democracia. Mesmo assim, na altura a vice-procuradora geral da República, Lindora Araújo, introduziu a expressão "fishing expedition" na semântica do caso. 

Fishing ou não, o fato é que a pescaria rendeu e vem peixe graúdo na rede. Sob a proteção de uma delação premiada, Mauro Cid está a entalar Bolsonaro e muitos dos seus sequazes. Afogado em indícios, é só uma questão de tempo até o ex-presidente ver o sol nascer quadrado. Os resultados da ação de Alexandre de Moraes estão aí. É como diz a expressão latina “finis coronat opus” (o fim coroa a obra). 

É a dança da chuva.




A rede social de Donald Trump está a afundar

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O que você faria se fosse excluído de uma rede social? Não há muito a fazer nesses casos. Mas se você for um milionário egocêntrico há uma solução. É só criar a sua própria rede social. Foi o que fez o ex-presidente Donald Trump, depois de ser banido do Twitter (hoje X) após os ataques ao Capitólio dos Estados Unidos. A justificação foi a violação das regras contra o incitamento à violência. Trump até contestou a rede social, mas um tribunal federal recusou-se a revogar a decisão.

Com a recusa, o ex-presidente decidiu criar a sua própria rede social, chamada Truth Social. É simples assim? Não. Há pessoas que contestam a capacidade de Trump como gestor de empresas. E talvez tenham razão. A coisa não está a correr bem e a Truth Social enfrenta problemas financeiros. A empresa controladora da plataforma, Trump Media & Technology Group (TMTG), perdeu US$ 1,2 bilhão em 2022, e está à procura de novos financiamentos para evitar a falência.

Os problemas financeiros da TMTG são causados por uma série de fatores, incluindo a baixa base de usuários da Truth Social. A plataforma tinha cerca de 513.000 usuários ativos diários em abril de 2022, um número muito inferior aos 217 milhões de usuários ativos diários do Twitter, atual X. Há quem afirme que outra causa para os problemas financeiros da TMTG é a má gestão. A empresa foi acusada de nepotismo e de desperdício de recursos.

Em agosto de 2022, a TMTG anunciou que ia demitir 30% de sua força de trabalho. Mas (porque tem sempre um mas) a Truth Social continua a ser popular entre os apoiadores de Trump. A plataforma é vista como um espaço onde os conservadores podem expressar as suas opiniões sem censura. Em outra ponta, a empresa lançou uma versão do aplicativo para Android e aumentou o número de usuários inscritos.

No entanto, é difícil dizer se a Truth Social terá sucesso a longo prazo. A plataforma precisará aumentar sua base de usuários e melhorar sua gestão para se tornar lucrativa. Hoje tem uma base  muito menor do que as principais plataformas de mídia social, como o Twitter e o Facebook. E a rede trumpiana ainda não encontrou uma maneira de gerar receitas num outro patamar.

A Truth Social precisará resolver os problemas se quiser sobreviver. De acordo com o relatório financeiro da própria TMTG, a plataforma tinha 2,2 milhões de usuários inscritos em dezembro de 2022. Destes, apenas 771.000 eram usuários ativos diários. E todos sabemos que o número de inscritos não é necessariamente igual ao número de usuários ativos.

Pintado este quadro, fica a pergunta: a rede de Donald Trump vai sobreviver? Tudo pode acontecer, mas o horizonte é estreito. A plataforma está trabalhando para aumentar o número de usuários ativos, mas enfrenta uma concorrência feroz de outras redes de mídia social, que são mais populares e oferecem mais recursos. Além de que, sendo uma rede que pertence a Donald Trump, poderá sempre contar com a rejeição dos democratas.

É a dança da chuva.



domingo, 22 de outubro de 2023

Brasileiros em Portugal: população carcerária cresce

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
É cada vez maior o número de brasileiros em Portugal. Se vem muita gente boa, também há as frutas podres. Tanto é assim que hoje há 524 brasileiros presos em Portugal, o que representa 3,4% do total de prisioneiros do país. Os números são oficiais e remetem para a situação em dezembro de 2022. É um tema pouco discutido, mas que merece uma análise mais detida.

Os brasileiros são a maior comunidade estrangeira residente em Portugal. De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, em outubro de 2023 havia 393 mil brasileiros residentes legalmente em Portugal. São números oficiais, mas todos sabemos que há muitos ilegais e muita gente projeta que no total sejam à volta de 500 mil. É 5% do total da população atual do país.

Tudo bem. O país precisa de trabalhadores que paguem impostos. O problema é que também vem muita gente torta. Hoje os brasileiros são a terceira nacionalidade mais representada no sistema prisional português, atrás de cidadãos portugueses (86,7%) e romenos (6,3%). Os principais crimes são o tráfico de drogas (24,2%), crimes contra a pessoa (22,6%) e crimes contra o património (19,6%).

Crimes contra a pessoa, contra a vida: eis algo que assusta os portugueses. É um tipo de crime que acontece em Portugal, mas numa escala muito inferior ao Brasil. Para se ter uma ideia, basta dizer que a palavra “latrocínio”, muito comum no Brasil, raramente é ouvida em Portugal. O número de brasileiros presos em Portugal tem aumentado nos últimos anos.

Essa tendência pode indicar que Portugal está se tornando um destino popular para criminosos brasileiros. De acordo com uma análise do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, 82,6% dos brasileiros presos no país têm antecedentes criminais. O SEF verifica os antecedentes criminais dos estrangeiros que solicitam visto para Portugal. Mas é fácil burlar o sistema.

O SEF está trabalhando para melhorar a verificação de antecedentes criminais de estrangeiros que solicitam visto para Portugal. Mas é importante ressaltar que é impossível impedir completamente que criminosos com antecedentes criminais entrem no país. Resumo da ópera: os brasileiros são necessários a Portugal, mas a mentalidade da violência não... 

É a dança da chuva.



quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Milei pode vencer. O que há com nuestros hermanos?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O que há com os argentinos? Será que vão eleger o estroina Javier Milei nas eleições presidenciais? Uma pesquisa recente da Atlas Intel diz que ele lidera as preferências, com 36,5% das intenções de voto, seguido por Sergio Massa, com 29,7%, e Patricia Bullrich, com 23,8%. Tudo indica que haverá um segundo turno, mas Milei mantém um enorme potencial de votos. Mas a mesma pesquisa traz uma revelação inquietante: Milei tem o maior apoio entre os eleitores com idade entre 18 e 30 anos.

O candidato usa uma motosserra como símbolo de campanha, numa metáfora para a proposta de “cortar o Estado”. Milei usa essa simbologia para sugerir que ele está disposto a tomar medidas radicais para reformar o Estado argentino. Mas, afinal, quais são as propostas do candidato do partido La Libertad Avanza? Há a promessa de um liberalismo econômico radical. Milei, que nunca administrou sequer uma mercearia, tem como prioridade e promessa de redução do gasto público. Isso sempre pega bem, em qualquer país.

O candidato vai ainda mais longe e promete a privatização de empresas públicas, como as Aerolíneas Argentinas e a Correo Argentino. Uma ampla liberalização da economia é outra promessa, que inclui ainda a redução de impostos. Mas além dessas propostas econômicas, Milei defende uma série de medidas conservadoras no plano social, como o aumento da pena de morte, a proibição do aborto e a legalização da venda de armas de fogo. Não é por acaso a admiração que ele tem por Donald Trump ou Jair Bolsonaro. 

Os opositores de Javier Milei não perdoam e produzem um chorrilho de críticas. A começar pelo fato de acusaram as suas propostas econômicas de serem radicais e inviáveis. Mais do que isso, a redução drástica do gasto público e a privatização de empresas públicas levariam ao desemprego, à pobreza e à instabilidade econômica. No plano social, a pena de morte, a proibição do aborto e a legalização da venda de armas de fogo são medidas capazes de produzir enormes retrocessos em termos de direitos humanos. 

Os críticos de Milei também apontam a sua postura, considerada arrogante e desrespeitosa. E afirmam ser apenas um populista oportunista que se aproveita do descontentamento da população. Mas a ideia mais fora da casinha tem a ver com a venda de órgãos humanos. O candidato argumenta que a venda de órgãos é uma forma de aumentar a autonomia individual e de permitir que as pessoas possam tomar suas próprias decisões sobre os seus corpos (um contrassenso em relação ao corpo das mulheres e o aborto).

Enfim, o domingo está à porta. Os argentinos parecem resistir, mas há um antídoto para evitar a catástrofe: é só olhar para o vizinho Brasil e ver a desgraça que foi o governo Bolsonaro.

É a dança da chuva.