terça-feira, 17 de outubro de 2023

A Polônia voltou!

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Bem-vinda de volta, Polônia.

Foram longos anos de um governo que nada ficou a dever à democracia. Mas os jovens, sempre eles, estão aí para corrigir os rumos erráticos desse governo autoritário. A participação eleitoral nas eleições parlamentares polonesas deste ano atingiu fantásticos 73,1%, a mais alta desde 2001. E o mais entusiasmante: a participação dos jovens foi elevada, com 59,5% dos eleitores com menos de 30 anos comparecendo para votar.

A alta participação eleitoral é um sinal positivo para a democracia polonesa. Não apenas porque os cidadãos poloneses estão interessados no processo político, mas porque assim se livraram do governo autoritário de Andrzej Duda. A mensagem é simples: chega de autoritarismo, de políticas anti-LGBTQ+ e de confronto com a União Europeia.

O futuro governo da Polônia, liderado por Donald Tusk, é de centro-esquerda. Tusk é um político experiente que já foi primeiro-ministro da Polônia e presidente do Conselho Europeu. Ele prometeu restaurar a democracia e o Estado de Direito na Polônia, além de fortalecer as relações com a União Europeia. Em tempo, o partido de Tusk não foi o mais votado, mas tem uma maioria em coligação.

As diferenças são óbvias e tendem para a volta da Polônia ao círculo dos países democráticos:
- Nas políticas sociais, uma vez que atual governo do PiS implementou uma série de políticas sociais conservadoras, como a proibição do aborto, a restrição dos direitos LGBT+ e a redução dos direitos dos trabalhadores. O governo de Tusk promete reverter essas políticas e promover a igualdade e a justiça social.

- Em termos de política externa, o governo de Andrzej Duda tem sido um crítico da União Europeia, adotando políticas que desafiam as normas do bloco. Tusk promete fortalecer as relações com a União Europeia e trabalhar em conjunto para resolver os desafios comuns.

- Na economia, o antigo governo do PiS adotou uma política econômica de austeridade, que reduziu os gastos públicos e aumentou os impostos. O governo de Tusk promete promover o crescimento econômico e o emprego, com investimentos em infraestrutura e educação. Um fator de peso nestas eleições.

Em 2021, a Comissão Europeia bloqueou o pagamento de 36 bilhões de euros em fundos europeus à Polônia, devido a preocupações com o estado de direito no país. A Comissão alega que a Polônia violou o princípio da independência do judiciário, o que representa uma ameaça à democracia. Ter dinheiro e não usar por ter líderes reacionários é apenas estúpido.

É a dança da chuva.

Donald Tusk, que deve formar governo na Polônia


segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Ucrânia, Israel e a morte do argumento

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Eis uma coisa que a invasão da Ucrânia e agora a guerra entre Israel e o Hamas ensinaram: há uma enorme infantilização dos argumentos. As pessoas já não se ocupam de uma argumentação a sério e qualquer besteirinha (senti)mental é alçada à qualidade de argumento. Ora, todos aprendemos na escola que "um argumento é um conjunto de afirmações conectadas, das quais pelo menos uma (a premissa) pretende oferecer razões para mostrar que a outra (a conclusão) é verdadeira". Esqueçam isso. O argumento está morto, pelo menos no reino das redes sociais.

É por essa razão que ficou impossível discutir questões como a invasão da Ucrânia e, por estes dias, a guerra entre Israel e o Hamas. Não há adultos na sala, quando o ambiente são as redes sociais. Tudo isso resultado deste novo modelo de sociedade que é a infocracia. O quê? O conceito foi cunhado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, no livro "Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia", publicado em 2022. É simples. O pensador define a infocracia como uma forma de governo em que o poder é exercido por aqueles que controlam a informação.

A infocracia é um produto da digitalização, que provocou um aumento exponencial da quantidade de informação disponível. Isto, por sua vez, tem tornado cada vez mais difícil, para os indivíduos, a distinção entre informação verdadeira e falsa. Na infocracia, os indivíduos são bombardeados com informações, o que leva a uma situação de "information overload" e, a partir daí, à alienação por excesso. É lógico inferir que a infocracia pode ser usada para manipular as pessoas e controlá-las, seja por governos ou pelas big techs. Todos sabemos.

O autor sul-coreano adverte que a infocracia representa uma ameaça à democracia, pois pode levar à desinformação, à propaganda e à manipulação. O conceito é relativamente novo, mas já está sendo discutido por uma ampla gama de estudiosos e especialistas, em especial no que toca à relação entre informação e o poder. O desenvolvimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial e a análise de dados, que permitem coletar e analisar grandes quantidades de dados de forma mais rápida e eficiente. Se isso serve para os governos, também serve para as big techs.

As pessoas caminham alegremente nesse universo infocrático, crentes de que têm poder de expressão. Na verdade, são simples peões no jogo, reféns da tecnologia e expostas à vigilância e à manipulação. E sequer têm noção disso, porque é parte do processo de alienação: o exercício do poder tem que parecer natural e sem coerção.

É a dança de chuva.




domingo, 8 de outubro de 2023

A Armênia pode desaparecer enquanto estado soberano?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As relações entre Rússia e Armênia passam por um período de tensão, devido à guerra na Ucrânia e à perda do território de Nagorno-Karabakh para o Azerbaijão em 2020. A Rússia tem sido um aliado tradicional da Armênia, fornecendo apoio militar, econômico e diplomático, mas deixou o país à míngua nos episódios mais recentes. Há a percepção de que Vladimir Putin não tem feito o suficiente e isso levou a um aumento do sentimento anti-russo. As relações entre Rússia e Armênia devem continuar tensas no futuro próximo, o que levou o país a buscar uma maior aproximação com a União Europeia e os EUA. E não existe vazio em política

Há poucos dias, a União Europeia decidiu ampliar a ajuda humanitária à Armênia. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, voltou a condenar a ação militar do Azerbaijão no enclave separatista de Nagorno-Karabakh. O alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, disse que não é possível ficar indiferente ao fato de que mais de 100 mil pessoas tenham sido obrigadas a abandonar as suas casas. No entanto, a posição da União Europeia tem ambiguidades, por causa da dependência do petróleo e, sobretudo, do gás natural do Azerbaijão, cujos gasodutos não passam pela Rússia.

A situação da Armênia é complexa e há quem sustente a ideia de que, no limite, o país corre o risco de desaparecer enquanto estado autônomo. Há muitos os argumentos a apontar nesse sentido. A Arménia é do tamanho de Santa Catarina e tem uma população de apenas três milhões de pessoas. Isso torna o país mais vulnerável a pressões externas. A geografia também é um aspecto a ter em conta, uma vez que o país está cercado por países pouco amigos, como o Azerbaijão, a Turquia e o Irã. Do ponto de vista econômico, a Arménia é um país pobre e sem recursos naturais, o que torna mais difícil ter uma “moeda de troca” para se defender de agressões externas.

Os acontecimentos recentes parecem confirmar esses argumentos. Em 2020, o Azerbaijão, com o apoio da Turquia, lançou uma ofensiva contra o Nagorno Karabakh, um enclave armênio em solo azeri. A ofensiva foi bem-sucedida e o Azerbaijão recuperou o controle de grande parte do território do Nagorno Karabakh. A Rússia, aliada da Arménia, nada fez para impedir a ofensiva do Azerbaijão. Um player importante nesse conflito é a Turquia, uma vez que Taip Erdogan está a negociar a construção de um oleoduto em território azeri, mas que passa pela Arménia. É um importante avanço estratégico para a Turquia que vem aumentando a sua influência na região. Por questões históricas, Taip Erdogan é hostil à Arménia e a sua interferência aumenta o risco de que o país seja forçado a ceder territórios ou a se tornar um estado vassalo da Turquia. O passado entre os dois povos é marcado por muita complexidade.

Em 1915, o Império Otomano prendeu e executou líderes armênios. A partir daí, o governo otomano deportou e massacrou sistematicamente a população armênia. Cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos. A Turquia nega o genocídio – e até tenta um branqueamento desse passado – mas a maioria dos historiadores concorda que o genocídio aconteceu. Não é seguro afirmar que a Armênia vai desaparecer enquanto estado autónomo, porque isso não acontece do nada e há os equilíbrios internacionais. Mas os acontecimentos recentes mostram que o país está a enfrentar sérios desafios e que seu futuro é incerto. É importante olhar para alguns depoimentos sobre a questão:

- O ex-presidente armênio Robert Kocharyan disse, em 2021, que o país está em perigo de "desaparecer do mapa".

- O ex-primeiro-ministro Nikol Pashinyan disse, em 2022, que a Armênia precisa "reavaliar sua estratégia de segurança" para lidar com os novos desafios.

- O analista político armênio Ruben Safrastyan disse, ainda este ano, que a Armênia está "em uma situação muito difícil" e que o país precisa "tomar medidas urgentes" para se proteger.




sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Em merenda que está ganhando não se mexe

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma frase do futebol que funciona quase como um mandamento: "em time que ganha não se mexe". O problema é que a regra não vale para a atual administração da Prefeitura de Joinville, com os seus frêmitos novidadeiros. É o caso das mudanças no sistema da merenda escolar da rede municipal. Mantendo a semântica futebolística, podemos dizer que o técnico mudou, o time marcou um gol contra e a torcida não perdoou.

Nos últimos dias, as redes sociais foram invadidas de reclamações de pais, alunos ou mesmo funcionários. E, claro, dos políticos. “Por que terceirizar? Governo Federal aumentou o repasse para alimentação escolar. Joinville já foi referência na qualidade da merenda, ganhando prêmios! As cozinheiras se sentem prejudicadas com essas mudanças e as crianças também com filas e porções menores”, questionou a vereadora Ana Lúcia Martins, na sua conta na rede social X (ex-Twitter).

É preciso reavivar a história recente. Em 2010, Carlito Merss, então prefeito de Joinville, recebeu o prêmio de melhor gestor da merenda escolar do Brasil, na categoria Grandes Cidades e Capitais. O prêmio foi concedido pelo Ministério da Educação, em parceria com a Associação Brasileira de Municípios, num reconhecimento ao trabalho da gestão municipal de Joinville na área da merenda escolar.

Quais foram as razões para a distinção? A prefeitura implementou uma série de ações para melhorar a qualidade da alimentação oferecida aos alunos da rede pública municipal, incluindo a aquisição de alimentos de qualidade, produzidos localmente, o desenvolvimento de cardápios saudáveis e nutritivos, a implementação de um sistema de controle de qualidade e a capacitação dos profissionais da área de alimentação escolar. 

O problema é que a moçada do Novo, partido que hoje ocupa a Hermann Lepper, é muito chegada em modernices. E vai que decidiram implantar um sistema que exige até o uso de QR Codes. OK... vamos contemporizar. Toda vez que um novo sistema é implantado existe o risco de haver confusão. Só que as reclamações não param. É menos comida, dizem uns. Não pode repetir, reclamam muitos. Não pode perder o cartão de controle, alertam outros.  Até houve alguém a dizer que chegou a faltar comida. 

Por que essas coisas acontecem? Vamos voltar à linguagem do futebol, com uma frase de Nelson Rodrigues: “o escritor brasileiro não sabe bater um escanteio". O que ele quis dizer com isso? Que muitas vezes as elites estão desconectadas da realidade do povo. Neste caso, alguém acredita que o atual prefeito já esteve numa fila de merenda de escola pública? Nem por sonho. É uma questão de classes sociais. Pois como diziam os mais antigos,  “quem nunca fez um bolo, não sabe como se cozinha".

É a dança da chuva.



quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Bolsonaro, Osair e a cultura do estupro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Duas notícias destes dias que estão muito ligadas. 1. A primeira diz que Bolsonaro virou réu na Justiça por incitação ao crime de estupro. Estamos a falar do conhecido caso da deputada Maria do Rosário, quando o bonitão disse que ela "não merecia ser estuprada" por ser "muito feia". 2. Em segundo lugar a notícia, publicada por alguma imprensa alternativa, de que Osair Antonio Souza, secretário municipal de São João do Itaperiú (tão pertinho, né?) teria afirmado que a ministra Rosa Weber, do TSF, merece "ser eternamente estuprada".

O que há de comum entre os dois episódios? A "cultura do estupro", claro. É um produto da sociedade patriarcal, que ao longo da história foi causando assimetrias entre homens e mulheres. E o pior: ainda hoje é a moldura do quadro mental de homens com a cabeça no século XVIII. O caso é sério no Brasil, onde a cultura do estupro é um problema real e silencioso. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que uma em cada cinco mulheres já foi vítima de violência sexual. E apenas um em cada 10 estupros é denunciado.

Para muitos homens as mulheres ainda são simples objetos sexuais. A violência de gênero – física e simbólica – é usada como mecanismo de controle e dominação. É o que torna comum a aceitação da violência sexual, a culpabilização das vítimas e a normalização do estupro. Daí o discurso carcomido do patriarcado: as mulheres são responsáveis pelo estupro, os homens não podem controlar seus impulsos sexuais ou que é normal agir de forma sexista.

Quando uma pessoa tem a atenção da mídia, como é o caso de um presidente da República, esse comportamento acaba virando referência para muitos. Jair diz uma anormalidade lá em Brasília e Osair se sente à vontade para repetir aqui em São João do Itaperiú. E assim a cultura do estupro vai se reproduzindo e tarda em desaparecer. Menos mal que a lei pode atuar nesses casos. Jair é réu. É esperar que Osair também venha a ser.

É a dança da chuva.