segunda-feira, 31 de julho de 2017

Militantes e simpatizantes: os que vão à luta e os que ficam no sofá



POR JORDI CASTAN
A situação de abulia, marasmo e inação que Joinville atravessa exige cidadãos mais militantes e menos simpatizantes. Pessoalmente, sempre fui militante. Durante anos a fio participei de assembleias, reuniões, visitei moradores nas suas casas, distribui folhetos, convidei pessoalmente para audiências públicas, charlas e palestras. Nunca me furtei a participar. Fiz e faço com entusiasmo, dedicação e comprometimento.

Durante todo este tempo de militância defendendo uma cidade melhor, com mais verde, foco na sustentabilidade e com maior qualidade de vida impressionava-me o fato que houvesse tanta gente que apoiasse nosso movimento e as iniciativas que dele se originavam. Gente que me dizia a cada nova ação: "desta vez, espero que ganhemos!", "vai fundo, escreve, bota a boca no trombone", "continuem assim". Ou os que, com entusiasmo ainda maior, declaravam seu apoio irrestrito aos nossos pleitos. Mas não faziam nada.


Com um pequeno grupo de militantes voluntários,  distribuíamos cartazes, panfletos e participávamos das reuniões. Os que militamos por uma Joinville e por um país melhor temos uma palavra que define exatamente a essas pessoas que têm a mesma esperança e desejo que nós mas que não agem, porque não têm a mesma vontade que nós. São os que chamamos simpatizantes.

O que é um simpatizante? São os que, como nós, esperam e desejam a vitória. Ora, esperar a vitoria não custa nada, todos a esperamos e a desejamos ardentemente. Mas os simpatizantes renunciam a fazer algo para que essa vitória possa se concretizar. Em quanto o militante age, o simpatizante se omite. Tanto uns como outros tem a mesma esperança na vitoria. A diferença não esta na esperança, o que diferencia uns dos outros é a vontade e a ação.

As pessoas que fazem que as coisas mudem não são as que esperam, mas as que lutam. Sobram em Joinville simpatizantes das boas causas, aos que carinhosamente vou denominar militantes de sofá, ativistas de rede social. Mas faltam militantes com vontade e ações para mudar esse desastre em que estamos mergulhados.

O desafio que hoje temos como sociedade é assumir um lado e fazer aquilo que depende de nós. Ou seja, fazer aquilo que pode ser feito, partir da esperança inativa para a vontade ativa. Enfim, Joinville só está como está porque sobram simpatizantes e faltam militantes.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Trolls e bullies não são a mesma coisa. Mas ambos são infames...

POR LEO VORTIS
Muita gente confunde o “trolling” com o “cyberbullying”. O fato é que, segundo os especialistas, eles não são a mesma coisa. Em comum, há o fato de ambos passarem pelo processo conhecido por “online disinhibition effect” (perdem vergonha, ganham agressividade), mas há diferenças a considerar. Os trolls querem atenção e tentam incendiar as discussões, os cyberbullies são sádicos que querem magoar as suas vítimas.

Os trolls frequentam as caixas de comentários em blogs e jornais, por exemplo. As suas intervenções são feitas sempre de forma a interromper – ou impedir – a discussão proposta num texto, sobre a qual outros leitores provavelmente gostariam de opinar de forma séria. Um troll precisa da atenção das pessoas e, para ser notado, não se importa de fazer comentários infames e de mau gosto. Sexistas ou racistas, por exemplo.

Os cyberbullies têm outro objetivo. A intenção é atacar uma pessoa em específico (os tais comentários ad hominem, por exemplo) e em vez de declarações incendiárias preferem se concentrar numa única pessoa, de forma a ofender ou intimidar. Se encontram um motivo – uma foto, um post nas redes sociais ou uma fofoca – não perdem tempo em tentar provocar vergonha no seu alvo.

Os trolls tentam desviar o foco das pessoas de um texto e do seu autor, chamando a atenção para si mesmos. Fazem comentários estapafúrdios com a intenção de provocar comentários também estapafúrdios de outros leitores. Quando mais atenção um troll recebe, mais contente fica. Mas há o reverso da medalha: se não consegue a luz dos holofotes, o troll desanima e vai trolar noutro lugar.

Com os cyberbullies é diferente. Eles não querem chamar a atenção para si mesmos, porque o objetivo é aviltar e magoar as suas vítimas. Enquanto os trolls querem incendiar os ambientes, sem se importar se fazem alguém sofrer ou não, os bullies têm esse objetivo bem claro: a ideia é causar danos emocionais nos seus alvos. É claro que se aproveitam de pessoas mais vulneráveis.

Enfim, o que se tem são dois tipos espúrios de personalidade. Tão espúrios que sequer sabem o quão espúrios são...

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Pra dançar, dançar, dançar...


POR FAHYA KURY CASSINS

Desde criança eu vejo a cidade ficar bonita. O cinza dá um descanso aos nossos olhos e as ruas pouco habituadas à alegria se enchem de gente sorridente. Dizem que é o maior do mundo e lá se vão vinte anos que ele tem casa nova – nem mais tão nova assim. Eu vi. Eu vi o palco pequeno e a arquibancada apertada de tanta gente do velho ginásio. Eu vi as primeiras noites de casa nova, nos deram até almofada pra sentar no gelado das agora enormes arquibancadas. Quase todos os anos eu vejo a beleza subir ao palco. Aqui, na minha cidade.

Sabe a música, aquela? “Vão dançar com você...” a gente canta, ainda, todos os intervalos. Eu cresci cantando. Toda criança da cidade deveria ter a chance de crescer cantando. É assim que a gente cresce, de verdade. Eu quero crer que ninguém fica indiferente à beleza, à disciplina, aos movimentos executados com o coração. Eu quero crer que ninguém deixa de perceber como a cidade fica exultante com a horda de bailarinos que por aqui desembarcam em julho. Muitos vêm todos os anos. Alguns não virão porque daqui se lançam ao exterior, às carreiras profissionais tão sonhadas.

Sabe o governador, aquele? Deixou muitos políticos órfãos, mas sua morte deixou a Cultura deste Estado na penúria. Podem reclamar, mas um político erudito, amante das artes, tem lá seu valor. Ele trouxe a escola, aquela. Crianças do país todo vêm estudar, ali vidas mudam de perspectiva, vidas têm oportunidades. Eu conheci bailarinas que vieram pra cá, deixaram a família pela chance tão esperada de melhorar de vida. Melhorar de vida dançando. Quem não quer?

Desde criança eu vou. É meu orgulho particular sobre a cidade. Minha avó me levava, depois minha irmã, depois fui sozinha. É assim que se educa o olhar, o sentimento, o público. Tem gente que não vai, nunca foi. Nem param diante dos palcos nos shoppings e praças – dança de graça, quem não quer? Corações azedos, só pode. A dança faz bem pro coração. Ver a cidade naquele ginásio (só um pouco maior), as torcidas, a plateia sofrendo junto com cada escorregão do bailarino dispensa idas ao médico.

Tem quem vai mais ao sul visitar vinícolas, tem quem vai aos museus da metrópole, ou curtir as praias do nordeste, soube até de uns que vão à Disney, à Estátua da Liberdade (a verdadeira), ao Louvre e à Muralha da China. Uns são apaixonados frequentadores dos matsuris, das óperas e da Oktoberfest, há os que leem Sartre e Dostoiévski. E muitos desses nunca foram na Beira-rio encantar-se com horas e horas de um espetáculo que dança aos olhos – e eleva a alma.
Ainda há tempo. E se há quem não saiba completar “Pra dançar, dançar, dançar e...”, bom joinvilense não é.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

A dor dos outros vai nos unir

POR DOMINGOS MIRANDA
O negro continua sendo o pária de nossa sociedade. Mas nem tudo está perdido, pois em julho aconteceram dois fatos que tocaram a nossa sensibilidade. O primeiro foi a Unesco, órgão da ONU voltado para a cultura, ter reconhecido o Cais do Valongo, porto de entrada dos escravos africanos no Rio, como Patrimônio da Humanidade. O segundo fato foi a repercussão e a mobilização que houve contra a execução de um negro, catador de produtos recicláveis e morador de rua, em frente a um supermercado do bairro Pinheiros, em São Paulo.

Ricardo Nascimento estava armado com um pedaço de pau na mão e levou dois tiros no peito disparados pelos PMs que o abordaram. Na hora, as testemunhas chamaram os policiais de assassinos, mas no dia seguinte a classe média e os moradores de rua fizeram uma grande passeata contra este abuso do Estado. Na missa de sétimo dia, na catedral da Sé, a morte do carroceiro foi equiparada à do jornalista Vladimir Herzog, executado pela ditadura em 1975.

No Brasil, a maioria da população é formada por negros, que ainda são tratados como cidadãos de segunda classe. Portanto, este título dado ao Cais do Valongo pela Unesco poderá nos ajudar a fazer uma reflexão sobre os 350 anos de escravidão em nosso país. Dos 4 milhões de escravos africanos que aqui entraram, 1 milhão deles desembarcaram no cais do Valongo entre 1774 e 1831. Ele também foi reconhecido como um local de “Memória sensível” por causa do sofrimento daqueles que ali desembarcavam, da mesma maneira do campo de extermínio nazista de Auschwitz. Milhões de pessoas do mundo inteiro visitam os galpões de Auschwitz e podem sentir a que ponto chega a crueldade humana.

Se for feito um bom trabalho de divulgação, ao pisar as pedras do Cais do Valongo os visitantes terão oportunidade de repensar a dor causada a estes seres arrancados do seio de suas famílias na África para serem usados como animais de trabalho, sujeito a açoites, pancadas e nunca recebiam qualquer tipo de afeto por parte dos senhores. Nossas escolas não dão a dimensão desta hecatombe, pois para o holocausto negro não existe uma máquina eficiente de divulgação como acontece com o massacre dos judeus. Ainda não fizemos a reparação necessária a esta gente; as cotas nas universidades não paga o sofrimento causado pelos brancos contra os negros.

Passados 129 anos da promulgação da Lei Áurea, os negros continuam morando nas favelas, recebendo salários irrisórios e sendo a maioria das vítimas de execuções. Aquilo que aconteceu com o negro Ricardo Nascimento, em um bairro de classe média de São Paulo é o cotidiano nas favelas da periferia. O diferencial, e que a PM não imaginava que fosse acontecer, foi que a classe média viu nesta execução um abuso.

Os moradores de Pinheiros conheciam Ricardo, pois ele prestava um bom serviço à comunidade, recolhendo produtos descartáveis. Afinal, as pessoas estão cansadas da barbárie que tomou conta deste país. A vida não vale mais nada. Seria perfeitamente possível imobilizar uma pessoa indignada e armada com um pedaço de pau. Mas, habituados com a truculência nas favelas, os PMs fizeram dois disparos certeiros, jogaram o corpo na viatura e foram embora.

Uma semana depois a catedral da Sé estava lotada, não só com moradores de rua, mas, principalmente, com gente de classe média querendo mudar com estes crimes hediondos. Em 1975, nesta mesma catedral foi realizado um culto ecumênico para condenar a barbárie que resultou no assassinato de Vladimir Herzog. Ali começou o fim da ditadura militar. Esperamos que este ato do dia 19 de julho também represente uma virada nesta prática desvairada das autoridades contra os mais humildes.

Uma faixa pregada em cima da carroça de Ricardo expressava bem a vontade de todos ali presentes: “Parem de matar o povo! Queremos paz, amor e justiça”.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Lulinha: é mentira, mas eu quero acreditar. E daí?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A lancha de Lulinha. O jato de Lulinha. A mansão de Lulinha. A fazenda de Lulinha. A empresa de Lulinha (Friboi, claro). E a Ferrari pintada a ouro de Lulinha. Ontem juntei todas essas tontices num post (abaixo) para o Facebook. A coisa teve milhares de partilhas e hoje, ao acordar, tinha recebido quase uma centena de pedidos de amizade. Mas...

Muitas dessas pessoas eram aquilo que a fraseologia coletiva convencionou chamar “coxinhas” e os "pobres de direita". Foi estranho. O post terminava com uma ironia acerca dos “idiotas que acreditam nessas merdas”. Ora, se o objetivo era justamente escrachar o pessoal das camisas da CBF, então deve ter rolado uma má interpretação. Ou não.

O absurdo do post é tanto que parece impossível alguém levar a sério. Mas as pessoas padecem com déficits de compreensão. Não por acaso no ano passado ficamos a saber que, de acordo com o Indicador de Analfabetismo Funcional, apenas 8% dos brasileiros têm condições de compreender um texto e de se expressar. Interpretar o mundo, então...

É uma incapacidade séria. Essa gente só vê o que quer. E como quer. O acesso massificado às redes sociais tornou o Brasil um lugar onde a mentira e o auto-embuste são uma forma de vida. Não importam os fatos, mas aquilo em que eu quero acreditar. É uma reedição de Nelson Rodrigues: “se os fatos estão contra mim, pior para os fatos”.

Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é o alvo preferencial dessa perversidade coletiva. Qualquer absurdo, por mais inimaginável, ganha força quando associado ao nome Lulinha. O boato mais recente vai ao limite do escárnio: ele teria uma Ferrari pintada a ouro. E há quem acredite. Por quê? Porque sim. E basta.

É como se a verdade fosse uma questão de gosto, uma escolha à la carte. Qualquer conexão com os fatos e com a realidade pode ser dispensada. A minha versão é o meu casulo e ninguém me tira de lá. Lulinha tem a Ferrari. É a minha verdade e é com ela que eu quero viver. A mentira vira uma patologia. A sociedade fica cada vez mais doente.

É daí que vem o perigo. As pessoas fundam a própria identidade em miragens, ódios e amputação dos fatos. E é com essa visão distópica que vão interagir nos meios sociais. Não pode dar certo. Mentira e ódio são primos de primeiro grau. E o rebento dessa relação é o ambiente belicoso em que se tornaram relações, sejam reais ou virtuais.

Enfim, sobre Lulinha eu sei que é mentira. Mas vou acreditar e essa vai ser a minha verdade. E daí? E termino por onde a coisa começou. É óbvio que rejeitei a “amizade” da maioria. Amigos, prefiro ter poucos mas bons...

É a dança da chuva.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Udo Dohler: despreparado é quem governa tentando punir o cidadão



POR JORDI CASTAN
Não obteve o resultado desejado a ação impetrada pela Prefeitura Municipal de Joinville contra um grupo de representantes de associações de moradores e organizações sociais. São entidades que, durante o longo e escabroso processo de tramitação da LOT, assumiram uma posição crítica frente aos exageros, erros e a sistemática ausência de estudos técnicos e dados que permitissem uma amplia discussão com transparência e de forma democrática. É importante salientar que todos esses princípios estiveram ausentes desde o início do debate e foram atendidos só de maneira superficial e incompleta.

Eis o fato. Não adianta querer cercear o direito que o cidadão tem de defender seus interesses. Pior ainda quando o objetivo é tolher esses direitos de forma truculenta e autoritária. Não faz sentido propor uma ação por litigância de má fé a cidadãos e cidadãs que exerceram seu direito legítimo de buscar, na Justiça, as informações e os processos que foram omitidos pelo poder público, mancomunado com os mais escandalosos interesses imobiliários.

A ação pretendia ainda punir economicamente essas pessoas, solicitando que fossem multados. Afortunadamente, o juiz Dr. Roberto Lepper não acatou a pretensão do Executivo e determinou que a ação não tinha cabimento.




É grave e preocupante a insistência do Executivo municipal, representado pelo prefeito, em agir de forma despótica, evidenciando a falta de preparo para governar, de forma democrática, uma cidade como Joinville. Este tipo de atitude não tem cabimento numa sociedade moderna, plural e democrática. Falta maturidade, temperança e capacidade de diálogo, sobram autoritarismo, prepotência e arrogância.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Vem um friozinho e o pessoal...


Robôs-sexuais serão as prostitutas do futuro

POR LEO VORTIS
POR LEO VORTIS
Quem já viu a série televisiva “Westworld” deve estar familiarizado com o tema dos robôs humanoides. A história tem lugar num futuro onde a tecnologia é capaz de produzir réplicas tão perfeitas que fica difícil saber quem é máquina e quem é humano. É um parque temático onde os robôs, chamados anfitriões, existem para servir os seres humanos. É uma terra sem lei. O visitante pode matar um robô sem que isso seja considerado crime.

Mas talvez o ponto que mais chame a atenção são as “robôs-sexuais”, que estão ali para servir os visitantes. O fato de serem sempre mulheres (o que não impede o contrário) mostra uma (cripto)sociedade que reproduz o poder do macho. Daí para a realidade é um pulinho. Porque a humanidade caminha a passos largos para a criação de androides (e ginoides) cada bez mais perfeitos. E ninguém duvida que uma das primeiras aplicações deve ser o entretenimento sexual.

Muitas das empresas que  hoje fabricam bonecas sexuais já estão a pesquisar – algumas muito avançadas – soluções tecnológicas que permitam criar modelos capazes de falar ou de se movimentar. A distância para Westworld ainda é longa, mas a indústria vai a caminho. Alguns especialistas em robótica estimam que serão necessários cerca de 50 anos até que os robôs quase humanos sejam uma realidade.

Eis um exemplo de hoje. A RealDoll Abyss Creations, uma empresa especializada no desenvolvimento de bonecas sexuais, tem “produtos” em dimensão real e com possibilidade de alguma interação. Mas a partir deste ano estão introduzindo elementos de inteligência artificial. É notável o design hipersexualizado das suas bonecas, desenvolvidas de forma a reproduzir os estereótipos da mulher destinada ao sexo.

A questão já levanta problemas éticos no mundo real. Será lícito produzir robôs para o prazer sexual dos humanos? Há quem aposte num futuro no qual “robôs-prostitutas” irão trabalhar em bordéis ou poderão ser companhia para pessoas solitárias. E há ainda quem fale em robôs usados para tratamento, em casos de violadores e pedófilos. É este último caso é o que mais levanta discussão e pede a intervenção dos estudiosos.

A questão é séria. Tanto que já existe um doutorado em Ética de Robôs e Inteligência Artificial, com uma perspectiva feminista sobre as novas tecnologias (aqui). Enfim, uma coisa é certa: são novos tempos... e exigem novas abordagens.


A empresa fabrica bonecas quem parecem mulheres verdadeiras...

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Cadê, afinal, a UFSC?



POR FAHYA KURY CASSINS

Na última semana, quem saísse de Joinville pela BR-101, sentido sul, ficaria surpreso ao encontrar uma fila a menos de dez minutos do trevo da Ottokar Döerffel. Ou não muito surpreso, afinal as filas na 101 no trecho de Santa Catarina têm sido frequentes. Acontece que o local da fila é o mesmo do ano passado, onde por meses as filas se prolongaram, pois havia obras. Novamente eram obras, de iluminação e sinalização. O local? Logo após a conhecida (pelo menos nos velhos tempos) Curva do Arroz. A razão? O trevo de entrada da UFSC de Joinville.

Lembram quando, há poucos meses, foi terminada a obra do trevo de acesso à UFSC? Saiu na TV e tudo. Um sucesso (depois de mais de ano). Agora parece que estavam só sinalizando e dando os últimos retoques. Ficou uma belezura, iluminada, bonitona mesmo. Uma baita entrada, um acesso supimpa. Seria um sucesso absoluto, não fosse o ridículo da situação. Cadê, afinal, a UFSC?

O acesso ficou pronto. E o esqueleto abandonado das obras jaz ao longe para nos lembrar a promessa de, finalmente, a “maior” cidade do Estado contar com uma universidade federal. Ah, mas ela já existe, num prédio na cidade, funcionando a pleno vapor. A vapor, entenderam? Tal qual as obras.
A instalação de uma universidade federal em Joinville tornou-se um épico, pois novelas são mais curtas.

O joinvilense nunca teve muita opção de ensino superior – público, então, bem menos - porque nos dizem que servimos para o chão de fábrica. Reina absoluta (e decadente) a UNIVILLE, pululam faculdades duvidosas pela cidade com mensalidades atraentes, uma ou outra faculdade com melhor estrutura surge com boas iniciativas, porém a maioria logo encara a desilusão (frente às mensalidades absurdas). Temos, claro, a UDESC, porém, nela se reduz o contingente intelectual de uma cidade toda a sua vocação metal-mecânica – e a promessa de transformar o Germano Timm no Centro de Artes com curso superior de Dança.

Para termos uma ideia: em Curitibanos o campus da UFSC iniciou as obras em 2009 e inaugurou em 2010; em Araranguá em 2010 o campus comemorava um ano de inauguração e novas instalações. Ambos foram criados na mesma época de Joinville, no plano do governo federal de interiorização da UFSC, como a Universidade da Fronteira Sul, sede em Chapecó, que visou abranger uma área historicamente abandonada pelo ensino público superior. Somente a de Joinville encontra-se abandonada. A quem interessa? A quem podemos culpar por não ter força, interesse e disposição de correr atrás da tão necessária implantação de ensino superior federal na “maior” cidade do Estado?

Vejamos outro ponto: os cursos disponíveis em Joinville são quase que exclusivamente engenharias, a exemplo da UDESC. Tais como Engenharia Aeroespacial, Engenharia Automotiva, Engenharia de Infraestrutura, Engenharia de Transporte e Logística, Engenharia Ferroviária e metroviária, etc.. Reparem que não há nenhuma opção de licenciatura – minha primeira crítica. Segundo o site o campus da cidade “é uma estrutura de ensino, pesquisa e extensão destinada à formação de pessoas de alta competência técnica e gerencial, com foco no desenvolvimento de sistemas técnicos” nas áreas dos cursos. Sobre o campus de Curitibanos encontramos “Gerar e disseminar conhecimento formando profissionais e contribuindo para atendimento de demandas regionais e o desenvolvimento da sociedade.”, é esse o ponto. Só eu fiquei surpresa com o curso de Engenharia Aeroespacial?

Em Araranguá, além das engenharias, foi aberto curso de Fisioterapia e será implantado em 2018 o curso de Medicina. Em Chapecó há Medicina desde 2015, além de licenciaturas em Português, Espanhol, Filosofia, História, Geografia, Matemática, Pedagogia, como também Administração e Enfermagem. São cursos necessários à população que precisa de médicos, professores, profissionais de várias áreas que são exigidos numa cidade – de qualquer porte.

Se você quiser ser professor em Joinville, terá que pagar as duras mensalidades por longos anos. É disso que eu falo. Cursos de licenciatura fecham as portas na cidade. A título de encerramento do texto, para baixarmos a crista da “maior” cidade do Estado que é uma lamúria no quesito ensino superior: Blumenau contará com o primeiro curso de ensino superior de licenciatura em Dança, demanda antiga do Estado que sedia o maior Festival de Dança do mundo, além da única escola do teatro Bolshoi fora da Rússia (bem conhecidos esses slogans, não?). Perdemos mais essa.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Vereador socialista Rodrigo Coelho "detona" Lula


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇOPOR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Depois da discussão sobre os galos - vai para a panela, não vai para a panela - o vereador socialista Rodrigo Coelho, do PSB, voltou a ser destaque na Câmara de Vereadores de Joinville. O vereador protagonizou o momento pelo qual o Brasil esperava: subiu à tribuna para expressar a felicidade pelo anúncio da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o país parou para ouvir.

Com o seu conhecido talento para a oratória e num discurso mobilizador, o vereador falou em nome próprio e do PSB de Joinville. Uma ação que faz todo o sentido, uma vez que o seu partido é feito de gente incorruptível. É uma das poucas siglas que escapa incólume ao envolvimento com a corrupção ou mesmo apoio ao cada vez mais popular Michel Temer. Não confundam: o Sport na lista da Odebrecht nada tem a ver com o seu partido.

Sem meias palavras e num tom escorreito, o vereador afirmou que o ex-presidente Lula é o “chefe de todo o esquema que foi denunciado e comprovado pela Lava Jato”. Se ainda pairava qualquer dúvida sobre a culpa, parece que agora ficou tudo muito claro. O peso da afirmação do vereador vem esclarecer os fatos e pôr uma pedra sobre a questão. Detonado por Coelho, agora o ex-presidente Lula é carta fora do baralho. É Joinville fazendo história.

A greve geral de 1917 em Joinville


POR DOMINGOS MIRANDA
"Patrões cederam, mas depois perseguiram as lideranças".

Há exatos cem anos o proletariado se uniu numa greve geral e parou, na época, a segunda maior cidade do País. A partir daí os trabalhadores passaram a ter um papel de mais destaque na sociedade. Alguns resultados, frutos desta mobilização, vieram em seguida, tais como o surgimento do Partido Comunista do Brasil (1922), a primeira lei de seguridade social (1923) e a lei das oito horas de trabalho (1943). Até hoje, toda a conquista do trabalhador se deu através de muita luta e organização.

O descontentamento da classe operária já vinha num crescente desde o início do século por conta dos baixos salários e da carestia. A erupção deste vulcão social se deu em São Paulo, em 9 de julho de 1917, quando os operários de uma fábrica têxtil entraram em greve por melhoria salarial e das condições de trabalho. Mesmo com a repressão violenta, o movimento se espalhou como fogo em palha seca e em poucos dias 70 mil trabalhadores estavam em greve geral e a capital paulista parou totalmente durante uma semana. Após intensa negociação, chegou-se a um acordo e os grevistas conquistaram reajuste salarial de 20%, sem a dispensa de qualquer participante do movimento.

A vitória teve repercussão nacional e o movimento paredista se estendeu por outras cidades de vários Estados. Em Joinville, cidade de formação educacional prussiana baseada na ordem e no respeito aos chefes, o descontentamento escapou do controle. Em 23 de julho de 1917 estouraram greves em várias fábricas pela primeira vez. Por causa da 1ª Guerra Mundial, os preços das mercadorias dispararam, provocando grande carestia e gerando descontentamento geral. O exemplo de São Paulo foi a fagulha que incendiou as mentes dos operários. Com as máquinas paradas, os empregadores foram obrigados a chegar a um acordo e se comprometeram a vender alimentos por preço de custo. A greve se encerrou no dia 1º de agosto.

Pegos desprevenidos, os empresários se mobilizaram em torno de suas associações para evitar o aparecimento de  novos conflitos trabalhistas e fizeram intensa propaganda contra “os agitadores”. No dia 4 de agosto, o jornal Gazeta do Comércio publicou manifesto dos patrões pedindo ao operariado que fechasse os ouvidos aos pregoeiros da demagogia que “outra coisa não fazem senão fomentar agitações estéreis e perniciosas ao próprio operariado”. No entanto, para os líderes dos grevistas a repressão foi mais violenta. Foram publicadas as famosas “listas negras” – onde constavam os nomes dos trabalhadores ditos  desordeiros – que foram banidos do interior das fábricas.

Passados cem anos, muita coisa mudou. Mas a razão das greves permanece a mesma, pois o patrão busca maior lucro, geralmente em cima de salários reduzidos. Isto fica evidente quando se vê a mais recente pesquisa do IBGE, com dados do cadastro da Central de Empresas, mostrando que o nível dos salários dos operários de Joinville está abaixo da média do Brasil. A greve geral de 1917 mostrou o caminho, mas a luta não pode parar.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Matamos pessoas de frio e de desigualdade hoje

POR FELIPE SILVEIRA
Na semana passada, o Profissão Repórter mostrou um pouco da realidade de pessoas que moram na rua por N motivos. A imagem de uma criança tomando banho na água fria do metrô chocou muita gente. Outras nem ligaram, mas será que ainda são gente?

A imagem de pessoas em situação de rua, sejam elas crianças, mães, pessoas que perderam tudo ou outras em situação de drogadição não é novidade para quem se chocou vendo pela TV. Quem sempre se preocupou com os direitos básicos das pessoas sabe a dimensão do problema, os fatores causadores e o quanto estar na rua amplia os problemas dessa população que fica mais sujeita à violência, à falta de saúde, de educação…

E um comentário resume bem a contradição quando a questão é moradia: “Tanta gente sem casa, tanta casa sem gente”.

A quantidade de casas vazias poderia abrigar tranquilamente as famílias e pessoas que estão nas ruas, mas “nós” não queremos isso. Queremos a manutenção de um sistema que jogue gente na rua, sem importar se as crianças vão passar fome, tomar banho gelado e ficar doente. Ou se os mais velhos vão morrer de frio nas calçadas.

Hoje fez frio e muita gente ficou preocupada com gente na rua. Talvez até tenha doado algum cobertor, levado comida para alguém. É uma atitude louvável. Mas não é o que resolve o problema. Temos que resolver é este sistema que deixa pessoas sem casa e deixa as casas vazias.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Joinville é uma cidade governada pelo achismo



POR JORDI CASTAN

Alguém realmente acredita que quando foi alterada a circulação frente ao Mercado Público, os decisores sabiam o que faziam? Ou que, quando da aprovação da LOT, alguém apresentou os estudos técnicos que avalizem as decisões tomadas pelos técnicos do extinto IPPUJ, da Câmara de Vereadores e dos próprios vereadores? Ou do aumento escandaloso da COSIP?


Os prazos de execução das obras públicas, os custos dos projetos ou a falta de relação entre o projetado e os resultados alcançados são exemplos de ignorância supina. E fica a pergunta: por que Joinville não levanta cabeça?

Com certeza há muitas razões para que Joinville esteja no atoleiro em que está metida. Uns dizem que a cidade anda em círculos. Outros que anda para trás, como os caranguejos. A verdade é que a cidade não sobrevive à comparação com cidades próximas em muitos quesitos, como segurança, mobilidade, qualidade de vida, saúde ou qualquer outro que utilizemos.

Assumo o risco de ser simplista demais, de reduzir o debate a um único critério. Mas mesmo assim vou propor uma análise sobre o processo de decisão municipal. É importante esclarecer que este processo de decisão e de tomada de decisão não é novo. Vem sendo praticado faz décadas e o resultado é que sem estudos, sem informações precisas e sem conhecimento adequado, as decisões tomadas pelos gestores municipais são puro achismo. 

O resultado não é o previsto, porque Joinville está cada dia pior. Um gestor precisa tomar decisões a cada dia. E, grosso modo, podemos dizer que há três processos que envolvem a forma de decidir. 

1. Há decisões das que sabemos os resultados. Esse é o jeito melhor e mais simples de tomar decisões. Se solto a bola que tenho na mão ela cairá no chão, não tem erro. O resultado da decisão é conhecido e não é preciso ser um Isaac Newton para saber.

2. Há aquelas em que os resultados são desconhecidos, mas as probabilidades são conhecidas. Em esse caso há um risco inerente à decisão que estamos tomando. É como entrar num casino e apostar, pois sabemos quanto estamos apostando e quais as probabilidades. Não há surpresas e não há resultados que possam ser alterados por uma terceira pessoa.


3. Finalmente há aquelas em que os resultados são desconhecidos, assim como as probabilidades. Isso é incerteza. É não saber o que vai acontecer como resultado das decisões que acabamos de tomar. É essa incerteza a que tem pautado as decisões tomadas em Joinville e que estão  transformando a cidade no que é hoje.

Os gestores acreditam que tomam suas decisões baseados no segundo modelo. Mas o fato é que estão prisioneiros do terceiro modelo, o da incerteza. Porque acham que estão tomando as decisões a partir do conhecimento as probabilidades, mas na verdade não as conhecem. Porque as ignoram, não têm a menor ideia de qual será o resultado e tampouco das probabilidades envolvidas.

Joinville poderia até se desenvolver se as decisões fossem tomadas a partir do risco, se houvesse um coeficiente de risco e os nossos gestores e os técnicos que os subsidiam e os abastecem com informações corressem riscos, riscos calculados, riscos conhecidos, riscos que a cidade pudesse correr.


Mas Joinville está gerenciada desde a ignorância, desde o desconhecimento, desde o mais puro achismo.  A cidade segue à deriva comandada por uma tripulação sem bússola, sem cartas náuticas e por comandantes que insistem teimosamente em sinalizar o rumo da barca sem conhecimento e guiados pela pertinaz ignorância. Por isso Sêneca esta mais atual que nunca: “Não há bons ventos para quem não sabe aonde vai”.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Lula: ser solidário é estar contra a perseguição política


POR MARIA ELISA MAXIMO
Contra as reformas, contra a retirada de direitos e contra a condenação do Lula. Sim, uma coisa não exclui a outra e precisamos ocupar todos os espaços, na rua e por aqui.

Sem me arvorar em uma análise política profunda (que nem tenho propriedade para fazer), apenas partilho minhas singelas percepções: o repúdio à condenação do Lula não significa, neste momento, estar cego aos seu erros e à sua eventual parcela de responsabilidade no cenário que se apresenta.

Definitivamente, ele não está sendo condenado pelos seus erros enquanto presidente. Quem foi condenado ontem foi o líder político, metalúrgico, representante dos pobres, que curiosamente ainda representa uma ameaça aos interesses de uma elite política e econômica.

Por isso, o repúdio à condenação de Lula é análogo à defesa da democracia. Não se trata de "ter políticos de estimação". Aliás, que expressão mais tola e infantil, que só poderia vir de setores da direita bestializada que têm se esforçado para banalizar a política.

Estar solidária ao Lula é, agora, estar contra a perseguição política que criminaliza a esquerda e só a esquerda. É estar em defesa dos seus acertos, do pouco de justiça social alcançada e que está sendo aniquilada de forma galopante. Estar solidária ao Lula é, ao mesmo tempo, repudiar a mesma dinâmica persecutória que se concretiza nas escolas, dia a dia, pelas mãos da Escola sem Partido. Estar solidária ao Lula é estar em defesa de todos os presos políticos e de todas as vítimas da violência policial que escolhe seus alvos pela cor da pele, pelas palavras de ordem, pela cor da camisa e das bandeiras.

Do outro lado, a "selfie" com policiais, outrora viralizadas pelos manifestantes de final de semana, vestidos de verde e amarelo, equivale ao aceno camarada aos Aécios que não saem de onde estão independentemente do tamanho da mala de dinheiro, das delações, das provas.

Portanto, sair às ruas em defesa do Lula é arregimentar a pouca energia que nos resta na esperança de uma saída para 2018, contra uma "justiça" parcial e seletiva que, sem rodeios, não age "no combate à corrupção". Não é possível que alguém ainda acredite que seja isso...

Fora.


quinta-feira, 13 de julho de 2017

Lula foi pro paredão


POR CLÓVIS GRUNER
Eu tenho dúvidas quanto à inocência de Lula, mas tampouco estou certo sobre qual a extensão de sua culpa. Sérgio Moro, obviamente, não compartilha minhas relutâncias: sua sentença, proferida na quarta-feira (12), é um calhamaço de 238 páginas de muitas certezas. Nela, o juiz curitibano condena o ex-presidente a nove anos e seis meses de reclusão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Como era esperado, a publicação da sentença causou furor nas mídias e redes. No segundo caso, entre os eleitores e simpatizantes de Lula, viu-se um misto de indignação e surpresa. Consigo entender a primeira reação. Se eu, que não estou convencido da plena inocência de Lula, sempre achei uma excrescência o processo movido contra ele por Moro, é ainda mais fácil entende-la vindo de quem parece disposto a queimar mais que as duas mãos por ele.

Agora, surpresa? Alguém mesmo achava que seria diferente? Desde que o processo começou, Moro torrou milhões de recursos públicos em uma espécie de reality show jurídico; foi alçado à condição de novo herói e salvador da pátria; viu seu rosto estampado em capas de periódicos e adesivos nas traseiros de veículos; atropelou garantias legais e se comportou como um inquisidor; agiu de maneira truculenta quando lhe interessou, e xavecou sorridente no ouvido de amigos quando a ocasião lhe agradava. 

Enfim, alguém achava que Sérgio Moro faria algo diferente do que fez? Não porque ele foi “treinado pela CIA”, essa bobagem que vem sendo repetida à exaustão por parte da militância petista. Mas porque essa era a única opção que lhe cabia, a única possível. O próprio Moro parece ter clareza disso, e assume em vários momentos da sentença um viés que procura reafirmar seu caráter eminentemente jurídico, sem contaminação política. 

Logo no começo, por exemplo, ele se defende das acusações de abuso de poder e de estar à frente de uma “guerra jurídica” contra o ex-presidente: “Em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu Governo. (...) Não tem qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos”.

Há outras passagens semelhantes, e uma das mais significativas é o exercício teleológico de Moro na tentativa de justificar, a posteriori, a condução coercitiva de Lula em março do ano passado, afirmando que ela serviu para impedir eventos que poderiam ter acontecido, mas que não ocorreram graças à medida. Um pouco confuso? Eu sei, mas desconfio que seja exatamente essa a intenção. Mas por detrás da tagarelice jurídica, há uma intenção bastante clara: Moro investe boa parte da sentença na tentativa de “despolitizá-la”.

DESDOBRAMENTOS POLÍTICOS – Ocorre que um jurista supostamente bem formado e informado como Moro deveria saber que, em Direito, não existem decisões puramente “técnicas”, o que é dizer: não existem decisões que não sejam também políticas. E não menos importante: se ela é principalmente técnica e não tem motivação política, não seria preciso dizê-lo. É uma armadilha semântica antiga, e ao cair nela Moro só confirma aquilo que, supostamente, nega.

E se a decisão é também, ou principalmente, política, não há porque escapar de fazer dela uma avaliação que leve em conta seus desdobramentos... políticos. E, de imediato, duas questões se colocam, nenhuma de fácil resposta. A primeira, e mais óbvia: afinal, a culpa de Lula está provada “sem dúvida razoável”, para usar o jargão das séries americanas de tribunal? Não. Mas a sentença tampouco prova o contrário.

Explico melhor. Em uma leitura desapaixonada – o que a essas alturas, reconheço, é muito difícil – é difícil encontrar nela evidências suficientes para sustentar a condenação. Moro chega a afirmar, com base em entrevistas de Lula, que este foi conivente com o “comportamento criminoso dos subordinados” após o Mensalão (você não leu errado), e que a ausência de uma postura condenatória mais explícita “pode ser considerado como elemento de prova” no julgamento que ele, Moro, conduz.  

Há, além disso, um uso flagrantemente desigual dos depoimentos da acusação e da defesa, e afirmações sustentadas quase que exclusivamente nos depoimentos orais das testemunhas. A impressão, ao final da leitura, é que Lula já estava condenado, pouco importa o que o processo trouxe de evidências. Um pouco como aquele pesquisador que vai a campo munido de hipóteses mais do que de problemas, Moro já sabia de antemão qual o resultado final do julgamento e o processo apenas lhe forneceu os argumentos de que precisava para a condenação.

Mas se não há evidências suficientes de culpa, isso tampouco significa que o Lula que surge da sentença seja de todo insonte. Se já era difícil sustentar a sua inocência antes, tantas são as vezes que seu nome aparece mencionado em processos e delações, a leitura das duas centenas de páginas dificulta ainda mais proclamá-la com a convicção característica de seus defensores. E exatamente pelos mesmos motivos já expostos.

Explico de novo: a sentença é inconclusiva, apesar das convicções de Moro. E há nela evidências suficientes para colocar muitas pulgas atrás da orelha a respeito das relações no mínimo suspeitas de Lula com executivos e outros dirigentes da OAS, e dessa com a cúpula dirigente do Partido dos Trabalhadores. Se não há provas materiais suficientes para condenar Lula juridicamente, há evidências inquietantes que colocam em dúvida sua postura ética e do PT à frente do governo. 

A ELEIÇÃO ESTÁ LOGO ALI – A segunda questão: e como a sentença afeta o cenário político a curto e médio prazo? Para a tristeza de muito marmanjo, a condenação em primeira instância não envia Lula para a prisão, porque ele pode recorrer da sentença em liberdade. Além disso, ela tampouco tira Lula da corrida presidencial de 2018, que ele lidera com relativa folga em todas as pesquisas até aqui. Como a condenação se deu na primeira instância, a decisão não basta para barrar as pretensões eleitorais de Lula.

É que a Lei da Ficha Limpa incide apenas sobre candidatos condenados a partir da segunda instância – no caso do ex-presidente e virtual candidato, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem poucas chances de julgar o caso antes de iniciada a campanha eleitoral. E mesmo que a sentença seja confirmada, o tribunal não pode afastá-lo da disputa eleitoral se sua candidatura já tiver sido admitida pelo TSE.

Isso embaralha tudo e, claro, torna qualquer prognóstico para o próximo ano no mínimo bastante arriscado. Mas a condenação pela Vara de Curitiba, no fim das contas, serve tanto aos interesses políticos petistas como de seus opositores, que por enquanto estão no governo – na verdade, alguns já estavam nele antes, com o PT. Eles não precisarão ver Lula preso para usar a decisão de Moro contra ele e o partido – aliás, já estão a fazer isso. 

Claro, não há garantias que isso lhe tire as intenções de voto. Mas em se tratando de partidos, principalmente PMDB e PSDB, também envolvidos em esquemas de corrupção, com alguns de seus principais nomes praticamente inviabilizados eleitoralmente – como é o caso de Aécio Neves – e cujo único projeto imediato é escapar da cadeia, a simples condenação pode ser suficiente para desviar o foco de parte do eleitorado de seus próprios crimes. Mero diversionismo, mas pode dar certo por um tempo. 

Para o PT, arrastar a situação também tem suas vantagens, porque sua situação não é muito diferente. Como seus adversários, o partido não tem, hoje, um programa e um projeto para o país, investindo o que lhe resta de energia na tentativa de garantir a candidatura e a eleição de Lula. 

A condenação pode servir, aos petistas, para inflar ainda mais a imagem de um Lula martirizado por uma “justiça burguesa” que, mancomunada com interesses nacionais e internacionais escusos, pretende levá-lo à cadeia. Nessa narrativa, sua prisão seria o desenlace do golpe iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff. Também há algo de diversionismo nisso. Mas também pode dar certo por um tempo.

O empresariamento urbano matou o IPPUJ


 POR CHARLES HENRIQUE VOOS
Há algum tempo, quando Udo iniciou o seu primeiro mandato, apareceu a vontade do executivo municipal em extinguir as fundações municipais. Alegou-se, desde então, a pouca efetividade destes órgãos e que supostamente dariam "prejuízo" para os cofres públicos (mesmo que a função do Estado seja, realmente, gastar com políticas públicas). Assim, as extinções se sucederam rapidamente por meio de várias reformas administrativas: Instituto de Trânsito, Fundação de Esportes, Fundação Cultural, Promotur, até chegar no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville, o IPPUJ.

Apesar de ter copiado as estruturas curitibanas de planejamento urbano (por lá existe o IPPUC), a cidade de Joinville deu um grande passo, no início dos anos 1990, ao criar um setor específico na Prefeitura para se pensar a cidade e sua política de desenvolvimento urbano.

Desde o governo Luiz Gomes, criador da pasta, vários projetos importantes passaram pela colaboração técnica do IPPUJ: lei de uso e ocupação do solo de 1996, reformulação do transporte coletivo (completado no começo dos anos 2000), Plano Diretor de 2008, Macrozoneamento, Plano de Mobilidade, LOT e tantos outros que não cabem citar agora, assim como a discussão do mérito dos lembrados. Ocorre que, com a criação do Estatuto da Cidade em 2001, estimava-se a ampliação da influência do IPPUJ nas decisões públicas, o que não ocorreu.

Pelo contrário, o instituto foi se apequenando, por diversos motivos, que vão desde o seu desvio de função (grande parte dos setores era dedicado aos projetos de reformas de prédios públicos e de otimização dos layouts dos espaços), passando pela baixa renovação do corpo técnico (o que fez sumir a ousadia necessária ao se pensar uma cidade e gerou uma baixa adaptabilidade dos seus funcionários às novas concepções urbanísticas contemporâneas, como cidade para pessoas, gestão democrática das cidades etc.), e chegando até o domínio absoluto do empresariamento urbano, conforme visto nos últimos anos.

Empresariamento urbano é um conceito que surgiu ao final dos anos 1970 pelo geógrafo britânico David Harvey para explicar como as ideias empresariais tomaram também o planejamento das cidades. Tanto que o termo "gestão urbana" começa a aflorar no mesmo período sob a aurora do neoliberalismo. Anos mais tarde, a primeira expressão global do empresariamento urbano acontecerá em Barcelona, graças aos jogos olímpicos de 1992.

Com o boom imobiliário que o Brasil sofreu do início do segundo governo Lula até as crises da Lava Jato e companhia, o cenário era perfeito para tornar as cidades o palco da expansão imobiliária. Não importava se planos e leis deixavam de ser seguidos, o importante era interligar o crescimento econômico ao uso do espaço, dando ao planejamento uma roupagem empresarial e conectada aos megaprojetos, megaeventos, multinacionais e afins. O projeto global do Berrini, em São Paulo, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram expressões vivas de como o planejamento das cidades brasileiras ganhou a alma de empresa.

Ou seja, a parte política do processo, de discussão, debates com a comunidade, e todo aquele processo lento de construção social ficou engavetado, culminando em poucas iniciativas sólidas que ocorreram sob a égide do Estatuto das Cidades. Aqui em Joinville esse processo foi evidenciado a partir da LOT, já que o empresariado local levou uma enorme derrota na confecção do Plano Diretor de 2008. O empresariamento urbano ditou boa parte das regras a partir do governo Merss, sendo explicitado à milionésima potência a partir de Dohler, quando este leva as vontades da ACIJ para dentro da Prefeitura¹. Álvaro Cauduro foi eleito presidente do Conselho da Cidade com apoio maciço dos representantes do executivo municipal.

Para sacramentar os fatos, após alguns gestando as mudanças, o IPPUJ foi extinto e se fundiu com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, surgindo a famigerada Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável. Capitaneada por um ex-dirigente da ACIJ, a nova pasta tem a audácia de confundir o seu propósito, quando lança mão do conceito de Smart Cities (segundo a visão da gestão, seria uma nova forma de alavancar os negócios, ao invés de utilizar a tecnologia para melhorar a vida das pessoas, como a noção original prega), quando vai à imprensa para falar coisas relativas aos anseios dos empresários ou quando é submissa às vontades empresariais para alterações da novíssima LOT, criando um fazejamento administrativo em prol da especulação imobiliária e da flexibilização urbana, no mais puro tom maquiavélico da coisa.

Deve-se lembrar que o IPPUJ foi criado com o intuito maior de melhorar a vida das pessoas na cidade, mas agora há um espaço para potencializar os negócios na cidade. E isto é, sem sombra de dúvidas, uma grave inversão da visão sobre quem constrói Joinville e para quem ela é,  sem qualquer espaço para o contraditório, considerando que a sua morte foi silenciosa e ninguém chorou a sua perda, sobretudo aqueles que deveriam mas estão intimamente atrelados aos donos da cidade.

Ruim com IPPUJ, desastroso sem ele.
 
¹ https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/158257

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Homens (e mulheres) bons com armas...

POR ET BARTHES
Vez por outra, o tema das armas volta à discussão. Muita gente quer ter armas em casa e acredita no mito do “a única coisa que impede um homem mau com uma arma é um homem bom com outra arma”. As estatísticas mostram o contrário, mas ainda tem quem faça fé nessa lógica. O filme faz uma sátira – nem tão longe da realidade – do tema. E como seria viver numa cidade onde todos são homens bons com armas? É mais um trabalho da escritora, diretora e produtora de sketchs de comédia Michelle Boley. O texto original é em inglês, mas é fácil de entender a história. Afinal, neste filme a língua que se entende é a língua das armas.


Reforma trabalhista está a ser indigesta para a maioria


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Dinheiro público? Nós desperdiçamos...

POR JORDI CASTAN

Apesar do discurso do prefeito, que insiste em dizer que cuida de cada centavo, a verdade é que não só não cuida como continua desperdiçando como um manirroto.

Semana passada escrevi aqui sobre as ciclofaixas e a sua inutilidade quando desvinculadas de um projeto de mobilidade. O desperdício de recursos tem como causa o constante atabalhoamento na forma de gerir o planejamento urbano. E, claro, é o resultado desastroso destas intervenções pontuais e desconexas. Teve quem não gostou. Teve quem acha que está tudo certo. Teve até quem aproveitou para me acusar de ser um crítico contumaz desta gestão. É importante precisar que sou um crítico contumaz da inépcia e do descalabro. E neste plano não tem faltado nem tema, nem protagonistas.

Hoje o tema é o monstrengo que o a Prefeitura Municipal tem construído junto ao terminal Tupy. Uma obra que tem se alastrado por quase meio ano. Os trabalhos iniciaram no final de 2016 e foram concluídos em junho de 2017. É muito tempo para uma obra menor. Ainda não teve o foguetório e os discursos, mas não devem demorar.

Em prol da mobilidade dos ciclistas e de uma teórica integração entre o transporte coletivo e os ciclistas a ideia é interessante. Interessante e só. Chega tarde. É cara demais. Aliás, o risco é que esse seja o modelo que os técnicos do planejamento sonhem implantar por toda a cidade.
Da forma como está concebida, a sua estrutura é supérflua. Caso tivesse demanda estaria subdimensionada. Caso não tenha, como parece, está sobredimensionada. Mas dimensionamento não é o prato forte da galera. Foi mal projetada e pior executada. Em outras palavras, segue o padrão. Na verdade nada disso seria notícia. Obras públicas com todos estes quesitos vemos todos os dias.

Há duas possibilidades para poder seguir a conversa. Uma seria você levantar da cadeira e ver com seus próprios olhos o que os técnicos da Prefeitura projetaram. A outra é dar uma olhada nas imagens e entrar na brincadeira dos sete erros. Da fato, aqui neste espaço já identificamos mais de 10 erros, mas vamos deixar mais fácil e pedir que identifique só 7.

Não vamos incluir na análise a qualidade do material utilizado e nem as especificações técnicas. De seguir o padrão das outras obras, deve ter sido executado em aço biodegradável, o mesmo utilizado no guarda corpo do malfadado Boulevard Cachoeira, na frente da Prefeitura, enferrujado e caindo aos pedaços. Um tema que também já abordamos aqui.

Para facilitar ainda mais para o leitor interessado, incluímos umas imagens de equipamentos urbanos semelhantes na Alemanha, nas cidades de Munster e Freiburg. Cada um tira as suas conclusões. Mas a minha é que nem eles acreditam na bicicleta como uma alternativa real para a mobilidade urbana. Se acreditassem não teriam feito aquele projeto tão fajuto.


domingo, 9 de julho de 2017

G20 passa a ser “G19 e uma alma penada”


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Quem esteve atento às notícias do encontro do G20, em Hamburgo, pode achar que a presença de Michel Temer em solo germânico foi inútil. Mas não. O presidente brasileiro foi o responsável por uma grande mudança no G20, que reúne os líderes das 20 maiores economias do mundo. A partir desta edição o grupo passou a ser chamado “G19 e uma alma penada”.

O que Michel Temer foi fazer na Alemanha? É simples. Foi dar mais um empurrãozinho para afundar a imagem do Brasil no pantanal de falta de credibilidade. O mundo está ligado e sabe que Michel Temer é um presidente ilegítimo. Aliás, talvez um presidente a prazo. Afinal, acabou voltando à base mais cedo, por causa da “crise política”. Tem gente prometendo que não fica na cadeira por mais 15 dias.

Os conservadores que puseram Michel Temer no poder podem não estar preocupados com esse aviltamento da imagem do país no exterior. Mas o fato é que o Brasil saiu de uma posição de player internacional, construída nos últimos anos, para um lugar pária nas relações exteriores. Não custa lembrar que todos os ex-presidentes desde FHC estiveram em posição de negociadores relevantes no G20.

Quem pôs Michel Temer nessa saia justa? Ora, o nome do responsável pelo vexame na Alemanha é evidente: estamos a falar do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, que até pode ser bom coadjuvante para um golpe, mas nunca alguém a ter em conta quando o assunto é política internacional. Não vamos esquecer o desastre que foi a viagem anterior à Rússia e à Noruega.

Michel Temer é responsável pelo próprio fracasso. Muito porque entregou um cargo importante como as Relações Exteriores a um incompetente que sequer consegue salvar as aparências. O filme abaixo mostra a inexpressividade a que o Brasil foi relegado. Michel Temer não participa no encontro, apenas arrasta o seu espectro pelas salas de Hamburgo. É triste ver. Até porque arrasta a imagem do Brasil para o limbo diplomático.

É a dança da chuva.


sexta-feira, 7 de julho de 2017

Cai a ficha... e Geddel chora

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Geddel Vieira Lima é o personagem da vez. Mas mais do que a notícia da sua prisão, foi o seu choro ao saber que continuaria preso a encher as manchetes. O juiz da 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal negou o pleito da defesa, que pedia a troca da prisão pelo uso de tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar.

Não tenhamos dúvidas. As lágrimas de Geddel Vieira de Lima são verdadeiras. É certo que o político tentou fazer parecer que o motivo é a própria honra (chegou mesmo a evocar o próprio filho, para criar alguma empatia), mas a coisa é mais simples: caiu a ficha. O problema aqui é o choque de realidade. É ver o sol aos quadrados.

O ex-ministro, personagem com décadas de trânsito nas estruturas do poder, “cresceu” habituado à ideia de impunidade dos poderosos. Há uma geração de políticos brasileiros que à décadas opera por essa lógica. Os apelidos Caju, Botafogo, Missa, Mineirinho, Primo, Justiça ou Babel, por exemplo, não são obra do acaso.

O sentimento de impunidade continua a existir, claro. Mas há um problema: o que antes era uma certeza hoje tornou-se aleatório. Antes os caras andavam pelos corredores do poder com enorme à vontade, mas hoje muitos têm que pisar miudinho, não vá o diabo tecer as suas tramas. Foi o que aconteceu a Geddel, um alvo dessa randomização das prisões.

Mas o que se pretende aqui não é julgar o homem. Isso é trabalho da Justiça. A ideia passa por mostrar dois momentos na vida de Geddel Vieira Lima. O primeiro na pose de moralista anticorrupção e outro a encher a telinha de lágrimas, no momento em que cai a ficha. Enfim, é um caso em que fica apropriado dizer: nada como um dia atrás do outro.

É a dança da chuva.





quinta-feira, 6 de julho de 2017

Não nos deixemos enganar: não há interesse em resolver a mobilidade da cidade



POR FAHYA KURY CASSINS



Parece haver um problema crônico na cidade, que emperra o sucesso das tentativas de viabilizar a mobilidade de Joinville. Chama-se licitação. Nem se fala mais, mas aguardamos as licitações do transporte coletivo, das vagas de estacionamento e das bicicletas de aluguel. Sem isso, podemos discutir muito, a prefeitura pode fazer obras e mudanças aqui e ali, e os resultados não serão satisfatórios.
Ao contrário do Felipe, no seu último texto, não tenho dúvida que o prefeito não mudou de ideia a respeito da sua política. Ele não fez nenhum movimento na direção de resolver estas três licitações. O que me preocupa, em relação à cidade, é que muitos estão ganhando – e muito - com isso, enquanto a cidade perde em vários aspectos. A política atual é gastar tempo e poucos recursos em mudanças caóticas e mal pensadas, como fazer ciclovias/faixas e corredores de ônibus (ambos essenciais, diga-se de passagem), sem estudos e diálogo com os cidadãos, para constar nos relatórios de verbas e investimentos do governo federal para médias e grandes cidades. Foi o que aconteceu com o desastre de fechar a Beira-rio até o Mercado, foram centenas de metros para as estatísticas.

Na casa que existia aqui teve um famoso serviço de buffet e depois pizzaria - e era linda.

Enquanto isso, alastra-se pela cidade, pois nem é mais só na região central, a especulação imobiliária atrelada ao interesse de explorar o uso excessivo que fazemos do carro. Perdemos a conta de quantos casarões históricos foram (e continuam sendo) demolidos para dar espaço a terrenos baldios, que em pouco tempo viram “estacionamentos” - ou seja, continuam baldios, sem estrutura, feios, mal-acabados. O que se faz em Joinville é um desrespeito ao patrimônio arquitetônico e cultural. As últimas notícias, como a intervenção do Ministério Público e a assistência da Fundação Catarinense de Cultura no departamento de patrimônio e tombamento da Secretaria de Cultura de Joinville, nos dão a dimensão do problema. Quer-se pôr tudo no chão. Uma cidade grande e desenvolvida tem que dar um fim nessas casas velhas, obviamente. Melhor, quem sabe, é conviver com terrenos que aumentam a insegurança na vizinhança, onde todo tipo de criminalidade ocorre. A cidade parece abandonada.
E está, como sabemos. Ao contrário da boa-fé do Felipe, eu, de natureza desconfiada, me pergunto se essas ciclofaixas (só gastaram aquela tinta que apaga em poucos dias) como, por exemplo, as das ruas Lages e Inácio Bastos, que surgem do nada não são uma forma de tirar mais vagas de estacionamentos das ruas, forçando a procura pelos estacionamentos privados, de baixíssimo custo e de lucro certo (para os que investiram em terrenos “com potencial” e aguardam para encher mais seus bolsos). Em verdade, a mim é a única explicação.
Há tempos que se sabe que o governo anda de conluio com os interesses privados (de poucos). E voltamos ao começo, pois a falta de licitação do transporte público e das vagas de estacionamento contribuem, e muito, com o lucro dos donos desses terrenos/estacionamentos. Enquanto cidades pensam em fechar regiões centrais aos carros, nós exploramos o uso deles, poluindo, gerando transtornos, consumindo nossa saúde. A preocupação com corredores de ônibus e espaços de circulação para bicicletas é fachada. Não nos deixemos enganar.
Ande aí por qualquer cidade, como citei no artigo anterior, da redondeza e veja parquímetros eficientes funcionando a pleno vapor – e estacionamentos inteligentes, com construções que abrigam uma grande quantidade de veículos num único terreno, mas aí requer investimento de verdade. As inúmeras placas de estacionamento nas nossas ruas do centro lembram uma cidade parada no tempo. Dá vergonha ver uma pessoa de fora, ao estacionar, procurando onde “comprar o cartão”. Aqui não temos dessas modernidades, caro forasteiro. Enquanto isso, nossos vereadores dispendem seu precioso tempo votando a regulamentação da cobrança fracionada do tempo nos estacionamentos privados – pois preocupam-se com os nossos direitos, obviamente.
Insisto, não nos deixemos enganar. Quem quer, de fato, faz.

Aqui existia uma casa em UIP (Unidade de Interesse de Preservação). Demoliram para evitar o tombamento e agora serve até pra cortar caminho.