quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Gaza é o pior lugar do mundo para ser criança, mas há outros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A guerra entre Israel e Hamas transformou a faixa de Gaza no pior lugar do mundo para ser criança. De acordo com informações recentes do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, 3.542 crianças foram mortas e 6.890 ficaram feridas no território durante os primeiros 25 dias do conflito. Isso representa cerca de 40% do total de mortos e feridos, que foi de 8.525. A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) também divulgou dados que apontam para a vulnerabilidade das crianças. É uma tragédia sem-par.

Segundo a organização, 1,2 milhão de crianças em Gaza foram afetadas pela violência, incluindo 590.000 que tiveram que deixar suas casas. A imprensa internacional também tem dado ampla cobertura à questão. Há um clamor mundial que pede o fim da matança. No entanto, é um tanto absurdo que as mesmas pessoas que estão – e bem – preocupadas com as crianças palestinas não tenham demonstrado a mesma empatia em relação às crianças ucranianas, que têm vivido sob a invasão das tropas russas. Porque também ali as crianças são as maiores vítimas.

De acordo com a Unicef, mais de 540 crianças foram mortas e 1.700 ficaram feridas desde a invasão, em 24 de fevereiro de 2022. Por triste coincidência, isso também representa cerca de 40% do total de mortos e feridos, que é de 3.440. Mas não é apenas isso. Pelo menos 6.000 crianças ucranianas foram levadas para campos de reeducação na Rússia, numa clara violação dos direitos humanos. Essas crianças estão sendo alocadas em instituições de ensino, orfanatos e famílias adotivas russas.

Além de separadas de suas famílias, também estão sendo expostas à propaganda russa, que glorifica a guerra e demoniza a Ucrânia. Ente outras coisas, são obrigadas a aprender a língua russa e a cantar hinos da terra de Putin. A comunidade internacional tem condenado a reeducação das crianças ucranianas na Rússia. O Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que exige o fim imediato dessa prática.

No entanto, a Rússia não tem demonstrado sinais de que vai parar de “reeducar” as crianças ucranianas. Mas as crianças ucranianas não são um tema no Brasil, em especial para as esquerdas. Eis um caso de hipocrisia pura e dura. Para dois casos igualmente graves e deploráveis, há dois pesos e duas medidas: lágrimas pelas crianças palestinas e indiferença pelas crianças ucranianas. Quem entende?

É a dança da chuva.

Foto: Ahmed Akacha

Foto: Berke Arakli


terça-feira, 21 de novembro de 2023

Há presos políticos na Rússia. Esquerda brasileira olha para o lado

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A guerra na Ucrânia ensinou uma coisa. Há brasileiros (que se dizem) de esquerda que gostam de Putin. Ou seja, gostam de autocratas. A ironia é que pregam democracia no Brasil, mas defendem regimes fechados no exterior. É claro que essa gente pensa em Putin como herdeiro da União Soviética. Não é. Pensam que tem ligação ao comunismo. Não tem. E tenho a certeza de que, se fosse no Brasil, não aceitariam o caso de Sasha Skochilenko.

A ativista russa, que tem 31 anos, foi presa em março de 2023, por supostamente ter publicado mensagens anti-guerra. Ela foi acusada de "divulgação de informações falsas sobre as Forças Armadas da Federação Russa" sob a nova lei de censura da Rússia, que prevê penas de até 15 anos de prisão. Foi condenada a sete anos de prisão, sentença reduzida para cinco anos por causa de uma pressão internacional, que incluiu apelos do Papa Francisco e do Presidente francês Emmanuel Macron. Ainda assim, a pena de cinco anos é uma sentença severa para uma pessoa que simplesmente expressou sua opinião sobre a guerra.

A condenação de Skochilenko é um lembrete de que, sob Putin, a liberdade de expressão na Rússia tem estado sob ataque. A pena de prisão da ativista é a mais longa já imposta a alguém por protestar contra a guerra na Rússia. E é bom lembrar que centenas de pessoas que foram presas por se insurgirem contra a guerra. A lei de censura foi aprovada em março de 2022, depois invasão da Ucrânia. O objetivo era criminalizar a divulgação de informações que o governo russo considere falsas sobre a guerra. 

Essa lei tem sido usada para reprimir a dissidência e a liberdade de expressão na Rússia. A condenação de Skochilenko é um sinal do declínio da liberdade de expressão na Rússia. A lei de censura da Rússia tem criado um clima de medo e autocensura no país. Mas Putin é um “queridinho” da esquerda brasileira que, em teoria, deveria estar a defender a democracia. Mas que nada. Essa gente não se importa de defender uma ditadura, pela simples nostalgia da URSS. Só que Putin e a URSS estão nos antípodas.

É a dança da chuva.

A artista e ativista Sasha Skochilenko




domingo, 19 de novembro de 2023

Vai uma picanha sintética?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É domingo e você já está à espera para acender a churrasqueira e começar a fazer aquela picanha. Eis uma tradição que muito certamente vai mudar no futuro, com a inevitável introdução de carne sintética no mercado mundial. Muita gente nem sonha que isso existe, mas há mercados onde as carnes sintéticas já estão a ser comercializadas. A carne sintética é produzida a partir de células extraídas de animais, que são cultivadas em laboratório. As células mais utilizadas são as células-tronco.

O primeiro país a autorizar a comercialização de carne sintética foi Cingapura, em 2022. A empresa israelense Aleph Farms foi a primeira a vender carne de bife cultivada em laboratório naquele país. Neste ano, os Estados Unidos também autorizaram a comercialização de carne sintética. As empresas Eat Just e Upside Foods foram as primeiras a vender carne de frango cultivada em laboratório nos EUA.

Se atualmente apenas Cingapura e os EUA permitem a comercialização de carne sintética, há outros países a considerar a aprovação da comercialização desse tipo de produto. No Brasil, por exemplo, a Anvisa está a avaliar essa possibilidade e deve ter uma posição até o próximo ano.

O mundo empresarial do setor está a se preparar. A brasileira JBS, por exemplo, está a investir nessa área. Em 2021, a empresa adquiriu uma participação majoritária na espanhola BioTech Foods, líder europeia no setor de proteína cultivada. A BioTech Foods está construindo uma fábrica na Espanha que será capaz de produzir 1.000 toneladas de carne cultivada por ano. A empresa tem projetos também no Brasil.

Ainda é cedo para dizer qual será o impacto das carnes sintéticas no mercado global. É certo que vai haver muita resistência cultural, como já está a acontecer na Itália, onde o executivo de Giorgia Meloni aprovou uma lei que proíbe a produção, venda e importação de carne cultivada em laboratório. O objetivo é proteger a "tradição italiana". A lembrar que a produção de carne sintética ainda não está autorizada na União Europeia. 

O fato é que será impossível deter os avanços nessa área. Porque esse tipo de produto tem o potencial de revolucionar a indústria da carne, oferecendo uma alternativa mais sustentável e ética.

É a dança da chuva.



sábado, 11 de novembro de 2023

Santa Catarina: o autoritarismo não gosta de livros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Ora, ora, ora... parece que em Santa Catarina há quem esteja dedicado à proibição de livros. Surpreende? Claro que não. É preciso ter em mente que o autoritarismo faz parte do código genético de muitos catarinenses e dos muitos governantes que ao longo de décadas se sucedem no poder. Afinal, em que outro lugar o bolsonarismo e as suas "ideias" espúrias teriam tanto eco? Em Santa Catarina, claro. E onde entra o bolsonarismo, a inteligência sai de cena.

A história do mundo está cheia de exemplos de ataques dos autoritários a livros e bibliotecas, com proibições, queimas e a destruição de obras consideradas “perigosas” para o poder. O Brasil tem páginas escritas nesse plano, porque durante a ditadura militar houve centenas de livros proibidos, de autores como Jorge Amado, Graciliano Ramos ou até Nelson Rodrigues. Na vigência do AI-5, a ditadura censurou a torto e a direita: filmes, peças de teatro ou livros.

O fato é que as mentes autoritárias detestam livros. E adivinhem. Um dos textos censurados nos anos de chumbo de Garrastazu Médici foi o "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess, acusado de ser “subversivo” e “perigoso para a juventude”. O texto, que faz uma crítica à violência e ao autoritarismo, foi visto pela ditadura militar como uma ameaça. E só foi liberado em 1981, quando os ditadores estertoravam.

“Laranja Mecânica”? Opa! Essa lembrança fez acender uma luz quando veio a público a notícia de que o poder em Santa Catarina havia feito uma lista de livros “proibidos”, que deveriam ser recolhidos das escolas públicas. E adivinhem: o “Laranja Mecânica” está lá. Outra vez. As “otoridades” tentaram explicar, mas mexer com livro é coisa que não tem explicação. É apenas a evidência da precariedade intelectual dessa gente que namora firme com o Bolsonarismo.

Enfim, sabem o que têm em comum ditadores como Adolf Hitler, Joseph Stalin, Mao Tsé-tung, Francisco Franco ou Saddam Hussein? Todos eles perpetraram ataques contra livros (e autores) que consideravam incômodos. Portanto, fica a dica: se um governo não quer parecer autoritário, não repita atitudes autoritárias. E evite eventos muito cheios de simbologia, como ataques a livros. Porque, acreditem, os livros de história não perdoam.

É a dança da chuva