sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A angústia do candidato na hora do TikTok

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O TikTok revolucionou a linguagem dos conteúdos digitais. No início, a rede era vista apenas como entretenimento rápido e banal. As marcas, muito focadas na própria seriedade, relutaram em aderir ao estilo da plataforma. Mas o que parecia passageiro acabou por se consolidar como linguagem dominante: vídeos curtos, rápidos e descomplicados. Tudo de forma a capturar a atenção em poucos segundos. Se não for assim, o vídeo pode morrer à nascença.

Se foi difícil para as marcas, pior ainda para os políticos na atual campanha para as prefeituras. Tem muita gente aos trambolhões nessa adaptação aos meios digitais. Há quem ainda resista à linguagem “titokiana”, com a paúra de que uma fala leve e efêmera não combina com a seriedade que desejam transmitir. Ou, parafraseando Belchior, tem muito político “angustiado na hora do TikTok ”. Mas não adianta. Essa relutância não vai evitar o inevitável.

A linguagem do digital desafia a tradição política, muito marcada por uma comunicação formal e controlada. Porque pede leveza, proximidade e, acima de tudo, autenticidade. Há uma mito: só por ser político o sujeito acha que tem que empostar a voz e falar sério. Não há tempo para issso. Para ter uma ideia, plataformas como o YouTube e o TikTok, por exemplo, adaptaram os seus algoritmos para priorizar conteúdos que engajam os usuários nos primeiros segundos. 

As marcas descobriram que não faz sentido recusar a forma. E que o desafio está em dominar a linguagem. Na política, quem conseguir o equilíbrio entre a informalidade do TikTok e a seriedade de suas propostas têm uma vantagem considerável. A atenção do eleitor é um bem escasso. Muito escasso. É o que se chama "economia da atenção". É um processo de segundos. A velocidade com que a informação é consumida pede uma comunicação capaz de criar conexões rápidas e eficazes. 

Quem está no mercado do digital consegue identificar essas evoluções. Mas há estudos. A Microsoft relata que o tempo médio de atenção dos usuários da internet caiu de 12 segundos (em 2000) para cerca de 8 segundos (em 2015). Um estudo do HubSpot sobre marketing digital indicou que a maioria dos usuários decide se vai continuar assistindo um vídeo nos primeiros 3 segundos. Esses segundos iniciais são fundamentais para atrair e manter o espectador.

O sucesso nas eleições não vem apenas das propostas, mas da embalagem. Ou seja, a capacidade de explicar as ideias de forma acessível, criativa e, acima de tudo, relevante para o público. Aliás, isso faz lembrar outro poeta, um certo Luís de Camões, quando escreveu “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança, todo o mundo é composto de mudança”. Tudo muda.

Enfim, este é o desafio. O que antes era considerado adequado ou eficaz em campanhas políticas ou das marcas – uma abordagem mais formal, controlada e tradicional – hoje precisa ser adaptado a novos formatos, como a linguagem do TikTok, que privilegia a rapidez, a autenticidade e a leveza. Ou seja, é preciso alinhar com as vontades dos eleitores e entender o novo inconsciente social.

É a dança da chuva.



sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Joinville é a Nº 1? Não. É a Nº 791...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Percepção versus realidade. A questão nasceu da filosofia, mas pode ser aplicada à política. Se a gente for ouvir o que diz o prefeito Adriano Silva, Joinville será a cidade número 1 de Santa Catarina, quiçá do mundo. Isso é percepção (a percepção que se tenta criar). Mas se a gente for perguntar para a Folha de S. Paulo, que acaba de lançar o REM-F (Ranking de Eficiência dos Municípios), então vamos encontrar Joinville num vexatório 791º lugar. Sim… 791º. Isso é realidade. O estudo avalia quem faz mais com menos.

A coisa fica pior quando olhamos para os vizinhos. O estudo considera fatores como o atendimento da prefeitura nas áreas da saúde, educação e saneamento. E Joinville leva uma surra antológica de cidades como Itajaí (44º), Blumenau (22º) e Florianópolis (9º), que são classificadas como eficientes. Para Joinville sobrou a classificação nada abonadora de “alguma eficiência”. Alguma? Diz o dicionário que a palavra "alguma" é usada para designar um infortúnio, uma notícia ruim ou algo impensado. Bull’s eye.

Dizem que contra os fatos não há argumentos. Até seria possível, com alguma bonomia, tentar livrar a cara do prefeito e dizer que o estudo da Folha, por ser o primeiro, pode ter insuficiências de análise. O problema é que não estamos a falar de perder por pouco. Joinville tomou uma sonora goleada. A distância entre Florianópolis e Joinville (de 9º para 791º), por exemplo, é acachapante e não deixa qualquer margem para dúvida. Os números não mentem. Joinville está a falhar. E muito.

Retomando a questão da realidade versus percepção. Muita gente tem a percepção de que a cidade está a ser bem gerida. Há mesmo quem diga que Adriano Silva se reelege no primeiro turno. Mas é preciso não ser vesgo: a maquiagem é capaz de resultar por algum tempo, mas uma hora a realidade bate à porta. E neste caso bateu 791 vezes. Enfim, é preciso ter um projeto de governo consistente e não viver de ações pontuais. Porque plantar florzinhas nunca resolveu os problemas estruturais de nenhuma cidade. 

É a dança da chuva.



quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Eleição e redes sociais: uma guerra onde todos perdem

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

De uma hora para outra, as redes sociais foram invadidas por hordas de candidatos à eleição de outubro. É uma autêntica guerra pela atenção dos eleitores. E tem uma ironia: estão todos a perder. A maioria ainda não percebeu a existência do fenômeno da “economia da atenção”. É um conceito com décadas, mas que ganhou nova força no digital, um ambiente em que a atenção das pessoas – neste caso, dos eleitores – é um recurso muito escasso e valioso. Numa sociedade saturada de estímulos, cada post tem que fisgar o olhar em poucos segundos... ou morre. 

Um ponto crucial é que a maioria dos eleitores não acessa as redes sociais para tomar decisões eleitorais. Elas estão ali para se divertir, acompanhar a vida de outras pessoas, compartilhar conteúdos leves e desconectar-se de preocupações. Esse comportamento torna o ambiente das redes sociais pouco favorável para discussões políticas mais complexas, já que os usuários não estão, no plano geral, em busca de informações sobre candidatos e planos de governo. Isso é bom? Não. Mas é a realidade que temos...

É importante olhar para uma evolução histórica. Houve uma coisa chamada “edutaining”. O quê? É um conceito surgido há tempos, com o foco no universo infantil. Era uma mistura de educação e entretenimento, com os conteúdos apresentados de forma leve e acessível. Os marketeers perceberam o potencial da estratégia e adaptaram a fórmula para as marcas. Só que o inconsciente social tem mecanismos estranhos e a coisa degringolou. Com o passar do tempo, a coisa extrapolou para uma espécie de “infantilização” dos adultos.

Não significa que as mensagens devam ser feitas na medida da compreensão de uma criança. O buraco é mais em baixo. O excesso de informação e a sobrecarga cognitiva tornaram as pessoas mais receptivas a mensagens emocionalmente envolventes e fáceis de digerir. Ideias complexas e racionais raramente prosperam. No caso das eleições, não significa que os eleitores sejam tratados como crianças, mas que as mensagens devem ser simples e não exigir grande esforço para serem entendidas. O sucesso do bolsonarismo não é obra do acaso.

E temos questões técnicas. O alcance orgânico nas redes sociais é limitado. Os algoritmos privilegiam conteúdos que geram mais interação, com foco no entretenimento. No contexto político, onde a concorrência por visibilidade é forte, o sucesso de uma campanha depende de como o conteúdo é adaptado à percepção dos eleitores. Muitos candidatos acham que basta investir para impulsionar posts. Grande erro. Muitas plataformas passam pelo processo de “enshitification” (texto aqui) e estão saturadas de anúncios. Quase não há interação social.

Enfim, as redes sociais são importantes, mas preciso ter estratégias de longo curso. Um candidato que aparece dois meses antes das eleições não tem tempo suficiente para formar uma comunidade e obter engajamento orgânico. Outro erro é achar que é suficiente “impulsionar” (pagar) um post para chegar ao eleitor. Nem sempre chega. E sai caro. Os “custos por clique” para alcançar um público que pode não estar interessado em conteúdos políticos são indigestos. E o pior: mesmo que a mensagem chegue, não é garantia de conversão em voto.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Sargento Lima e o “embromation” sobre as obras de Bolsonaro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Vocês estão a ver os debates da eleição para prefeito de Joinville? Se não viram, eu conto. Tem sido uma coisa modorrenta, enfadonha, cacete. Os candidatos ficam amarrados por modelos que impedem as propostas e o contraditório. O que até é um alívio para alguns, porque tem uns tipos ali com a cabeça mais deserta que o Saara. Nenhuma ideia. Mas mesmo assim tem sido possível retirar um ou outro momento interessante.

Foi o caso do debate no ND+, na semana passada. Numa contenda monótona, houve um momento recreativo protagonizado pelo candidato bolsonarista Sargento Lima (que insiste em ser o único, porque o atual prefeito também quer sentar na cadeira do bolsonarismo). Foi assim. Durante a sua intervenção, o ex-prefeito Carlito Merss, do PT, perguntou ao sargento o que Bolsonaro tinha trazido de efetivo para Joinville nos seus quatro anos de governo.

Ora, qualquer pessoa que tenha estado com um olho aberto nesse tempo sabe a resposta: Bolsonaro não fez nadinha por Joinville. O deputado, na obrigação de defender a honra do quartel, deu aquela viajada. Foi a Marte, Saturno, Plutão e quando voltou à Terra começou com uma tremenda “embromation”. Daquelas coisas que só um bolsonarista consegue acreditar. Não vamos esquecer que a inteligência dessa gente está no nível “rezar para pneu”.

Mas lá no meio da arenga, o deputado deixou escapar uma frase para lá de reveladora: “toda vez que o presidente Bolsonaro esteve em Santa Catarina, ele veio também para ver os seus amigos”. É claro que a campanha de Carlito Merss aproveitou a derrapada para fazer um corte e postar nas suas redes sociais. Quando às obras, o candidato bolsonarista enrolou, enrolou, enrolou e não respondeu. Nem tinha como, né?

E eis a surpresa. O sargento também publicou um post sobre o mesmo episódio, usando a sua não-resposta como se fosse um grande feito intelectual. E até colocou aqueles oculozinhos do “lacrou” no final. E, imaginem, era uma fala desconexa, um tatibitate de dar dó. Mas no exato momento em que estou aqui a escrever, o post já tem 3682 “gostos” no Instagram. Ora, um número de pessoas mais que suficiente para abrir a Igreja do Santo Pneu da 72ª Hora.

Eu fico aqui na galhofa, mas houve duas coisas chocantes no corte. 1. Dizer que Bolsonaro foi responsável pela vacina que imunizou os joinvilenses. Depois dos horrores e de 700 mil mortes, é preciso ter muita cara de pau para dizer uma coisa dessas. 2. Dizer que vão reverter a reforma tributária. Diacho! Depois de décadas de discussões infrutíferas, o Brasil finalmente tem o modelo parecido com a Europa e os EUA. E o sargento promete o Sudão do Sul? Não brinca!

É a dança da chuva.





terça-feira, 3 de setembro de 2024

Adriano Silva e Sargento Lima em guerra... de travesseiros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O deputado Sargento Lima e o prefeito Adriano Silva, um candidato e outro recandidato à Prefeitura de Joinville, entraram em guerra. Eis um fato que podia animar a campanha, que anda modorrenta, mas parece ser apenas uma guerra de travesseiros. Umas penas para lá, outras penas para cá e fica tudo na mesma. Sem ideias relevantes para apresentar, os dois ficam com picuinhices. O que, em bom português, significa dar excessiva atenção a coisas desimportantes. 

ROUND 1: A campanha do candidato Sargento Lima denunciou erros nos adesivos “perfurades” (é aquela coisa do vidro dos carros), que Adriano Silva está a dar aos seus apoiantes. Dizem que o diabo está nos detalhes: a peça publicitária não tinha a legenda de todos os partidos integrantes da coligação “Unidos por Joinville”. Não foi legal. Terá sido descuido? Há quem diga que o prefeito tem aliados incômodos porque há partidos fazem parte do governo Lula. O eleitorado bolsonarista não perdoa essas traições.

ROUND 2: Adriano Silva subiu nas tamancas e deu o troco no mesmo nível. Ou seja, um tema tão definidor quanto um unicórnio a fazer compras numa farmácia. A campanha do atual prefeito entrou com uma representação contra a propaganda do adversário. Ao que parece, a janela do intérprete de libras nos filmes do Sargento Lima não estava no tamanho certo. E a justiça suspendeu a propaganda. Coisa de bolsonarista. É uma briga por tamanho. Parece que os centímetros do sargento não são suficientes para Adriano.

Enfim, esse é o retrato da política de Joinville. Na total ausência de ideias, dois bolsonaristas se engalfinham por... coisa nenhuma. Ou melhor, é uma briga de perros querendo demarcar o território (sabiam que os cães mijam nos lugares para delimitar o próprio espaço?). Eis a briga: ambos querem ser reconhecidos como bolsonaristas. E eu fico a pensar. Mas qual é a pessoa com dois dedinhos de testa que quer ser vista como bolsonarista? Até pode ajudar a ganhar a eleição (estamos a falar de Joinville), mas a imagem fica toda cheia de lama. Irremediavelmente.

É a dança da chuva.






segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Palácio das Orquídeas deixa Adriano Silva numa saia justa

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Adriano Silva tem um abacaxi para descascar. A denúncia do uso indevido de verbas da educação, aplicadas num projeto de turismo, abre uma rachadura na imagem de bom gestor que ele tenta projetar. Pode até nem haver consequências legais, mas a sua credibilidade deve sofrer algum abalo. A denúncia feita pelo advogado Rodrigo Bornholdt, candidato a prefeito pelo PSB, deixou Adriano Silva numa saia justa. 

Que tal relembrar a sequência do escândalo do Palácio das Orquídeas? O caso começou com Bornholdt a fazer a denúncia. Adriano foi a uma rádio acusá-lo de fake news. Rodrigo fez um “react” nas redes sociais e mostrou o contrato da Prefeitura para provar as afirmações. E fechou com um desafio a Adriano: “fica aí o teu direito de resposta para esclarecer de onde está vindo o dinheiro do suposto Palácio das Orquídeas”. A bola está com Adriano. 

As implicações administrativas e políticas são relevantes, claro, mas o escândalo traz algo novo. É que depois de chegar à prefeitura quase por obra de Nossa Senhora do Acaso, o atual prefeito teve uma vida muito fácil. Ninguém peitou. Adriano Silva navegou sempre em águas calmas, sem oposição. Os bolsonaristas (que têm muito em comum com o prefeito) alinharam alegremente. A oposição mais à esquerda não foi além de pequenas troças nas redes sociais.

Eis a novidade. Este é o primeiro chacoalhão a sério sofrido pelo atual prefeito. Não dá para dizer que vai causar mossa na sua imagem, claro. Até porque a imprensa, sempre muito meiguinha, deve permanecer no seu “rigor mortis”. Quer dizer que a pendenga só pode prosperar nas redes sociais. E se os outros candidatos pegarem carona na denúncia. Então, é possível que a coisa escale e que surjam outros fatos. 

Enfim, é só os opositores fazerem oposição. É certo que o atual prefeito nada de braçada nas redes sociais. Nem tanto por talento, mas porque sempre esteve sozinho na piscina. Mas o chato de governar pelo Instagram é que isso cria um mundo virtual e dá a ilusão de que Joinville é uma Shangri-La. A diatribe do Palácio das Orquídeas mostra uma nova face do jogo: o prefeito sendo obrigado a descer ao mundo real, onde estão as pessoas de carne e osso, para se explicar. E aí o jogo é outro. 

 Ah... mas não dá para chamar de escândalo. Dá sim. Tudo o que aponte para mau uso de dinheiro da educação é sempre um escândalo. E este episódio mostra que nem tudo são flores para Adriano Silva. A imagem dessa Joinville-Shangri-La criada no Instagram está a ser abalroada por um choque de realidade. Bem-vindo ao mundo real, prefeito. Mas fica a constatação: não existe filtro de Instagram para maquiar a realidade.

É a dança da chuva.

Rodrigo Bornholdt fez a denúncia, Adriano Silva ainda não apresentou uma explicação.


domingo, 1 de setembro de 2024

Musk pensa que o Brasil é a casa da mãe-joana

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O ministro Alexandre de Moraes tornou-se uma figura de dimensão mundial. Ao tirar o X/Twitter do ar no Brasil, o magistrado abriu um predecente importante: agora o mundo sabe que é possível fazer frente à arrogância dos bilionários das redes sociais, que tendem a dar de ombros para as leis nacionais. O caso de Elon Musk, um sujeito que anda pelo mundo a fazer favores à extrema-direita, é o mais notório. 

A desfaçatez de Elon Musk já tinha ficado explícita na declaração sobre a Bolívia, há alguns anos. “Vamos dar golpe em quem quisermos. Habituem-se”. Ao que parece, os donos de redes sociais julgam ser intocáveis. E no caso do X/Twitter, o seu dono não se importa de estar ligado ao que há de mais reacionário. Musk tem ligações a líderes como Modi, Trump, Órban ou Erdogan, pessoas com tiques autoritários e que pouco devem à democracia.

Os bilionários das redes sociais tendem a ser fortes com os fracos. Musk tentou encurralar a Justiça brasileira, ignorando as leis do país. Achou que tinha uma boa mão e decidiu subir a parada. Mas Moraes, que parece ter os tomates no lugar, não caiu no blefe e tirou o X/Twitter do ar. É um golpe duro para o bilionário, porque o Brasil é um dos principais mercados mundiais do X/Twitter, tanto em número de usuários quando de faturamento. E a rede anda mal das pernas.

Musk blefou e perdeu. O problema é que a decisão de Moraes pode contagiar outros mercados. A Comissão Europeia, por exemplo, tem advertido o X/Twitter sobre a possibilidade de multas pesadas e até a proibição da plataforma na Europa, caso não sejam cumpridas as exigências da Lei de Serviços Digitais. A União Europeia tem poder para multar empresas em até 6% do seu faturamento global se não respeitarem as regulamentações ou tiverem violações contínuas.

Um dos pontos de atrito entre o X/Twitter e as autoridades europeias é o problema da desinformação. A rede tem sido advertida por não tomar as medidas necessárias para combater a desinformação, além de não remover conteúdos nocivos. Musk tem uma posição ambígua na Europa: diz que vai cumprir as regras, mas na prática não é bem assim. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. A diferença é que ele achou que o Brasil é a casa da mãe-joana.

Mas o mais ridículo é ver brasileiros da extrema-direita – até gente que nunca foi ao X/Twitter – pagando pau para um gringo que se considera acima da lei. Os caras estão a favor de Musk e contra Moraes (o que até faz sentido, porque é o ódio número um dos bolsonaristas). Mas para completar o pacote de burrice, tentam associar a decisão do magistrado ao presidente Lula. Cuma?! Tem que ser muito mau carater ou idiota... ou as duas coisas ao mesmo tempo.

É a dança da chuva.





quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A comunicação de Lula não é ruim: o trabalho é que é muito difícil

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Tem muita gente batendo forte na comunicação do governo Lula. Dizem que o pessoal não consegue atinar com estes tempos do digital. Pode ser. Mas não é assim tão simples. Porque as armas são desiguais. Tentar levar a verdade a um mundo onde impera a falsificação é um trabalho de Sísifo. Imaginem que hoje a mentira deixou de ser mentira: virou um “outro tipo” de verdade, a tal da “pós-verdade”. A extrema direita, que produz desinformação em doses cavalares, está a nadar de braçada. 

O leitor e a leitora estão familiarizados com a expressão “information overload”? Ora, não é coisa nova. O termo foi usado pela primeira vez na década de 60 do século passado, em ambiente acadêmico, e acabou popularizado pelo escritor americano Alvin Toffler. O cara é muito conhecido pelas suas previsões sobre a sociedade da informação. Mas o que significa essa sobrecarga (overload)? Que a quantidade de informações disponíveis supera a capacidade que o ser humano tem de processá-las de forma adequada. Daí resultam leituras da realidade muito equivocadas.

E a coisa piorou. A tecnologia e as redes sociais evoluíram, tornando o desafio ainda maior. O excesso de informação deixou de ser uma sobrecarga quantitativa. Não há qualquer dúvida de que o mundo evoluiu da “information overload” para uma “desinformation overload” (ou “infoxication”). É a expressão exata para descrever um cenário onde, além da abundância, há uma proliferação de informações falsas ou intencionalmente enganosas. As pessoas perderam a capacidade de distinguir as  linhas que separam a verdade da mentira. 

Há atores políticos que têm o objetivo confundir as pessoas e minar a confiança em fontes de informação confiáveis. É só lembrar a declaração de Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump, quando disse que a verdadeira oposição não são os rivais políticos, mas a mídia, e que a estratégia é “inundar a zona com merda”. É a estratégia do quanto pior, melhor. O objetivo é saturar o espaço informacional com tantas narrativas fajutas que o cidadão comum se vê desorientado, incapaz de discernir o que é real.

Exemplos práticos dessa lógica estão nas raízes do trumpismo e do bolsonarismo. Neste momento, Donald Trump está em campanha para voltar à Casa Branca. No debate que teve com Joe Biden (antes da desistência), em junho último, Trump fez tantas alegações falsas que muita gente perdeu a conta. A imprensa mostrou dezenas de afirmações enganosas ou imprecisas. Um exemplo do absurdo. Trump repetiu a ideia de que os democratas apoiam abortos “depois do nascimento”. É a esquizofrenia total. Até porque aí já seria assassinato e não aborto.

O bolsonarismo seguiu roteiros parecidos. Falsificações grosseiras como a “mamadeira de piroca”, o “kit gay” ou o “banheiro unissex” foram usadas para impulsionar o nome de Jair Bolsonaro. A proliferação de “fake news” no WhatsApp, por exemplo, criou uma legião de idiotas. É gente que rejeita qualquer informação que não esteja em linha com as suas crenças. Já não se trata do direito de ter a própria opinião, porque eles reivindicam o direito de ter os próprios fatos. 

Enfim, essa “desinformation overload” é um extremo que confunde e impede o diálogo democrático. O resultado é a polarização e a fragmentação do tecido social, como vemos no Brasil. Num mundo onde a verdade se torna líquida (para citar Bauman), a confiança nas instituições é corroída. As sociedades democráticas enfrentam um desafio sem precedentes: restaurar a ideia de verdade em meio a esse mar de merda proposto por Steve Bannon. O futuro das democracias depende disso. É difícil, muito difícil. Que o digam os homens da comunicação do governo Lula. 

É a dança da chuva.

Foto: Ricardo Stuckert



segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Se é preciso apoiar autocratas, então não sou de esquerda

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É uma coisa muito doida. Um dia destes ouvi que não posso me considerar de esquerda. Por quê? Porque eu não vou à bola com Putin ou Maduro. E para uma certa esquerda (por sorte minoritária) isso é uma forma de dissidência, uma heresia ideológica. O fato é que são dois autocratas. Há alguma diferença entre os dois? Sim. É que Putin faz eleições para ganhar de goleada (nada abaixo dos 80% é aceitável), enquanto Maduro faz eleições em que corre o risco de perder. É por isso que hoje o presidente venezuelano está metido nessa alhada.

Um pouco de história. Quando Hugo Chávez tomou as rédeas na Venezuela, senti uma certa simpatia. Porque ele implementou políticas de nacionalização da indústria petrolífera, amentando o controle sobre a PDVSA (Petróleos de Venezuela, S.A.), e direcionou os lucros do petróleo para programas sociais. É óbvio que isso causou um ranger de dentes nos grupos de interesse que mamavam na teta do petróleo venezuelano, tanto dentro quanto fora do país. E, como seria de esperar, seguiu-se um autêntico massacre midiático contra Hugo Chávez. 

As mídias local e internacional atacaram sem dó nem piedade. Lembro de ter escrito um texto chamado “o nome do jogo é petróleo”, em que falava desse ataque da imprensa, na tentativa de criar a ideia de que Hugo Chávez era um tirano. É claro que isso deixou marcas na sua imagem. Mas há os fatos: a dependência das verbas do petróleo era demasiada. O governo chavista cometeu o erro de pouco (ou nada) investir na diversificação da economia. O país acabou refém da própria inação e a distribuição da riqueza foi sol de pouca dura. 

Não é arriscado dizer que Chávez subestimou a história. Muitos dos governantes que se opuseram aos interesses do Tio Sam na América Latina (à exceção de Cuba) tiveram um destino infausto: foram apeados do poder. Getúlio Vargas, João Goulart, Juan Domingo Perón ou Salvador Allende. Os países gulosos pelo petróleo nunca iam deixar barato. O fato é que, muito pressionado, Chávez adotou um estilo messiânico e de fanfarronice verbal, o que serviu para provocar profundas fraturas na vontade dos venezuelanos. E detonou a imagem do líder.

Quando os preços do petróleo caíram de forma drástica, a má gestão ficou escancarada. Em especial porque a PDVSA, primordial na economia do país, estava a ser mal gerida e corroída pela corrupção. E chegamos a Nicolas Maduro. Quando o atual presidente chegou ao poder, o controle das instituições já era muito apertado. O discurso era de socialismo, mas a prática ia no sentido do autoritarismo. Os problemas não desapareceram (até aumentaram) e com o tempo Maduro garroteou ainda mais estruturas de poder. A democracia cambaleou e soçobrou.

O que temos hoje? Um governo enquistado de militares (ele chama “cívico-militar”). Denúncias infindáveis de corrupção. Estruturas de milícia entranhadas no tecido social. O aparelhamento do poder judiciário. A comunicação social na alça de mira. A oposição silenciada ou posta de lado. Os serviços de segurança acusados de repressão e violações dos direitos humanos. As sanções, sobretudo dos EUA, a provocar danos. A excessiva dependência da China e da Rússia. Um sistema eleitoral sob controle do governo. E deu no que deu.

E, no que interessa aos brasileiros, Maduro deixou Lula numa sinuca de bico. O “Acordo de Barbados”, assinado no ano passado com o empenho da diplomacia do Brasil, foi para o vinagre. O governo de Nicolás Maduro e os líderes da oposição venezuelana concordaram com o modelo da eleição de julho passado. O acordo previa um pleito livre e justo, além de incluir a liberação de presos políticos e a reabertura do espaço democrático. Mas, como sabemos, nem o governo e nem as oposições da Venezuela são muito chegados ao cumprimento das promessas.

Agora Lula e a sua diplomacia têm que decidir qual é a posição do Brasil. Se aceitar a vitória de Maduro, agrada a essa parte da esquerda brasileira (que tem métodos próximos de um bolsonarismo às avessas). Mas, por outro lado, corre o risco de perder o capital internacional que conquistou ao longo da sua vida política. Aliás, existe uma coisa elementar: se Maduro ganhou as eleições e as tais atas comprovam isso, nada mais natural que apresentar no tempo certo. Não apresentou? Até uma criança de seis anos de idade vai achar isso esquisito.

Enfim, traduzindo para o português do Brasil: Maduro é tudo o que Bolsonaro queria ser. E é aí que essas “esquerdas” brasileiras são zarolhas. Porque ser de esquerda é defender democracias e não regimes autocráticos. Então fica a auto-análise: será que eu posso me considerar de esquerda. Ora, se para ser de esquerda eu tiver que defender ditadores e autocratas, então podem rasgar a minha carteirinha. Essa linha eu não cruzo. Enfim, podem contar com a minha bonomia, mas nunca com a minha ingenuidade.

É a dança da chuva. 

 Foto: Ricardo Stuckert





quarta-feira, 31 de julho de 2024

O Trump esquisitão e o poder das palavras

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As palavras têm poder e o uso estratégico da linguagem não é novidade na política. Os ciclos eleitorais têm o condão de revelar a semântica como uma arma poderosa. Uma palavra bem escolhida ou uma expressão bem articulada podem influenciar opiniões, direcionar narrativas e, em última instância, afetar o voto dos eleitores. Os norte-americanos são craques nisso. Quem não se lembra do “Yes, We Can”, na campanha de Obama? Ou o “sem medo de ser feliz” de Lula? São dois clássicos. 

 Os últimos dias foram pródigos em reviravoltas nos EUA. Saiu Joe Biden, entrou Kamala Harris. E tudo mudou, inclusive o uso da linguagem. Um exemplo recente é a tática dos democratas, que passaram a chamar Donald Trump de “weird” (estranhão) nas suas intervenções. A escolha da palavra não é aleatória. Há uma estratégia bem pensada por trás da ideia. Porque Trump é mesmo esquisitão. Ao longo dos últimos anos, os norte-americanos conviveram com o estilo doidão do ex-presidente. Mas lá em casa, sentados no sofá, os eleitores pensavam:
- Este tipo é mesmo estranhão.

O fato é que a coisa pegou. Porque só cola se houver alguma razão. O mais formidável é que a ideia da esquisitice contaminou também os eleitores de Trump (que, vale dizer, não são menos esquisitos). O fato é que a termo carrega conotações que podem dar uma chacoalhada na imagem do republicano. “Estranhão” sugere que ele é imprevisível, fora do comum e, de certa forma, desconectado da realidade convencional. E é fácil acreditar. O epíteto é muito eficaz em contrastar Trump com a imagem de estabilidade e normalidade que o país precisa.

No ambiente político, em especial nos EUA, as palavras são cuidadosamente escolhidas de forma a evocar reações emocionais e cognitivas específicas no eleitorado. Kamala Harris traz uma imagem de competência, firmeza e inovação. Ou seja, é o oposto de um Trump “estranhão”. Quando os democratas dizem que o opositor é esquisitão, a crítica não é apenas às suas políticas ou comportamentos específicos. A ideia é criar uma narrativa que “infantiliza” o candidato republicano.

A semântica das eleições é um campo de batalha onde cada palavra conta. Na era da comunicação instantânea e das redes sociais, a capacidade de capturar a atenção do público com uma palavra ou frase pode ser decisiva. A caracterização de Trump como “estranhão” pelos democratas é uma jogada calculada para dominar a narrativa e influenciar as conversas nas mídias sociais, nos debates e nas discussões cotidianas dos eleitores.

É o que faz lembrar do caso Bolsonaro. Talvez os seus opositores não tenham encontrado as palavras certas para criar uma narrativa desmoralizadora. Ou talvez a culpa seja da seriedade de políticos que ainda não perceberam uma coisa elementar: em tempos de comunicação digital, a semântica é tão importante quanto a substância. E por vezes é preciso sair das vestes vetustas. Porque em ambiente político as palavras podem moldar percepções.

É a dança da chuva.




















terça-feira, 30 de julho de 2024

O mundo precisa de mitoclastas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Poucos intelectuais desenvolveram um pensamento tão refinado quanto Roland Barthes. A sua obra é tão extensa quanto densa e um dos conceitos mais instigantes é o de “mitoclastia”. Ou seja, destruir mitos. Para situar o leitor menos familiarizado com os escritos do pensador francês, o mito é uma distorção que resulta da des-historicização dos signos. Trocando em miúdos, são aquelas coisas que todos nós entendemos como “naturais”, mas que na realidade são históricas, portanto socialmente construídas (é mais complexo do que isso, claro). 

Um mitoclasta duvida, quer ver o mundo pelo viés da história. E por isso questiona todas as verdades, em especial aquelas que parecem mais afirmativas. Para ficar mais claro, vamos a um exemplo prático do nosso dia-a-dia (já escrevi sobre isto antes). O Brasil tem um presidente da República sem diploma. O pequeno-burguês torce o nariz. Porque ele acredita no mito, construído ao longo dos tempos, que divide os homens entre diplomados e não-diplomados, cultos e não-cultos, apesar de diploma e cultura nem sempre viverem na mesma casa.

As "verdades absolutas" são aquelas noções que, de tão arraigadas no pensamento coletivo, são aceitas sem questionamento. Essas verdades estão também na história do cotidiano. Outro exemplo mundano? Os padrões de beleza. Muitos acham que não universais. Mas não. A beleza também é histórica. Nos tempos da peste, as pessoas mais “cheinhas” podiam ser consideradas as mais belas, porque resistentes. O pintor flamengo Peter Paul Rubens ficou conhecido por suas representações de mulheres mais fofinhas, um ideal de beleza daquela época.

O mitoclasta é um destruidor de certezas. Porque ao desafiar as convicções absolutas, o mitoclasta força a reconsiderar crenças. Mais do que isto, obriga a ver que muitas delas são produtos de contextos históricos específicos e não verdades universais. Outro exemplo daquilo que se insiste ser natural: hoje é comum, em especial entre os políticos de direita, dizer que um casal é formado por um homem e uma mulher. É uma “verdade” destes tempos, mas que logo será engolida pela tempestade da história. Porque tudo passa. Tudo é histórico. 

A função do mitoclasta é desconstruir as ideias de “normalidade” e “naturalidade”, noções quase sempre moldadas por forças históricas e culturais. O mitoclasta é inimigo daqueles que se apegam a simplificações e generalizações, seja à esquerda, à direita ou ao centro. Enfim, nas sociedades hodiernas, tomadas por logros, mistificações e desinformações, o mitoclasta tem o papel de tentar trazer a clareza. É um trabalho difícil. Mas o mundo precisa deles.

É a dança da chuva.


Anna e os Anciãos, de Rubens



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Soldado caído ou o fotógrafo caído?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

“Soldado Caído” (“Falling Soldier”) é uma das imagens mais icônicas e controversas da história da fotografia de guerra. Feita por Robert Capa, um dos mais importantes fotojornalistas do século XX, a imagem foi supostamente tirada em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola. A imagem é de um soldado republicano no momento exato em que parece ser atingido por um tiro e cai para trás.

A fotografia foi publicada pela primeira vez na revista francesa “Vu” e depois em outras publicações. Muito rápido virou um símbolo do conflito e do sacrifício humano na guerra. Mas a imagem enfrenta uma controvérsia sobre a veracidade e desde a sua publicação tem sido alvo de debates intensos sobre sua autenticidade.

Qual é a controvérsia? Para começar, a localização e as circunstâncias, porque originalmente ela teria sido feita perto de Cerro Muriano, na Espanha. No entanto, alguns estudos e investigações sugerem que a localização poderia ser outra, como Espejo. A principal questão é se a foto realmente captura o momento exato da morte de um soldado ou se foi encenada.

Robert Capa afirmou que a imagem era genuína, mas a ausência de documentação sólida e testemunhas diretas alimentou as dúvidas. Muitas análises foram conduzidas ao longo dos anos, incluindo estudos forenses e históricos. Algumas sugerem que a posição do soldado e o contexto da foto não são consistentes com um ferimento fatal. Além disso, foram encontradas fotos adicionais de soldados em posições similares que sugerem que poderiam estar posando.

Relatos de pessoas próximas do fotógrafo durante a Guerra Civil Espanhola, incluindo outros jornalistas, às vezes contradizem a narrativa oficial. Há quem afirme que Robert Capa frequentemente pedia aos soldados que posassem para ele. Mas mesmo com a controvérsia, “Falling Soldier” teve muito impacto. A foto se tornou um ícone do fotojornalismo de guerra, simbolizando a brutalidade e o sacrifício inerentes aos conflitos armados.

A controvérsia levantou questões importantes sobre a ética no fotojornalismo, incluindo a responsabilidade dos fotógrafos em representar a verdade e a linha tênue entre documentário e encenação. Há um fato importante: a imagem ajudou a consolidar a reputação de Robert Capa como um dos grandes fotojornalistas do século XX, embora a controvérsia tenha, em parte, manchado o seu legado.





quarta-feira, 3 de julho de 2024

Corpos negros são frutos estranhos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há fotografias que capturam um momento e que acabam por marcar a história das sociedades. Algumas, de tão poderosas, acabam até por originar canções. É o caso de "Strange Fruit" (Estranhos Frutos), célebre na voz da inigualável Billie Holiday. Composta por Abel Meeropol (sob o pseudônimo de Lewis Allan) em 1937, é uma música de protesto contra o linchamento de negros nos Estados Unidos. E acabou por se tornar um marco cultural e um hino do movimento pelos direitos civis.

A letra foi inspirada por uma fotografia de 1930, feita por Lawrence Beitler, onde são mostrados os corpos de dois negros, linchados e pendurados em árvores no Mississipi. A imagem chocante e brutal comoveu Meeropol, que a incorporou nos seus versos poéticos. Inicialmente, ele escreveu a letra como um poema, publicado na revista marxista "The New Masses". A canção utiliza uma linguagem carregada de simbolismo.

Os "estranhos frutos" do título são metáforas para os corpos dos negros linchados, pendurados em árvores como macabros frutos da árvore do ódio e da violência racial. A letra denuncia a brutalidade e a injustiça dos linchamentos, expondo o racismo sistêmico e a crueldade da segregação racial nos EUA da época (e que ainda durou por muito tempo). A voz de Billie Holiday, que popularizou a canção em 1939, transmite a dor profunda e o sofrimento causados pela violência racial. 

A performance de Billie Holiday, sempre muito intimista e pesarosa, é poderosa. Mas gerou reações negativas do público branco, principalmente nos estados do sul dos EUA. A canção era frequentemente proibida em clubes e casas noturnas, especialmente em locais onde ainda havia segregação (lugares interditados aos negros). As autoridades também atuaram para censurar a performance de Holiday, pressionando-a a não cantar a música. A insistência em incluir a peça nas suas aparições custou muito à cantora.



terça-feira, 2 de julho de 2024

A inteligência artificial já consegue criar o banal

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há muita gente respeitável a dizer que, em tempos de tecnologias digitais, em consequência do uso intensivo dos telefones móveis, os jovens estão a usar apenas 800 palavras para comunicar no dia a dia. É muito pouco se tivermos em consideração que o VOP – Vocabulário Ortográfico do Português refere 210 mil entradas, enquanto o dicionário brasileiro Houaiss, talvez o mais robusto, tem quase 400 mil palavras. Se mantivermos a análise no plano estrito dos números, isso significaria o uso de menos de 1% de todas as possibilidades da língua portuguesa.

É de lembrar que o ponto de partida para a análise não vem de um país lusófono. A tese foi popularizada há mais de uma década pela linguista Jean Gross, conselheira do governo britânico para o discurso das crianças. Ela usou como referência um trabalho do pesquisador Tony McEnery, professor de linguística da Universidade de Lancaster. Uma reportagem do “Daily Mail” contribuiu para difundir a ideia por todo o mundo. A análise de Gross tem um dado interessante: ela diz que, aos 16 anos, um jovem deveria ter um vocabulário próximo das 40 mil palavras.

Importante salientar que a teoria é contestada por outros estudiosos, que apontam precariedades na análise da pesquisadora. Não interessa aqui discutir a fiabilidade ou não dos dados, mas sim presumir que há um problema. Afinal, onde há fumaça há fogo. E se alguém decidiu lançar um número para cima da mesa, é sinal que devemos estar atentos à questão da precariedade linguística dos jovens. Porque, nas palavras de Wittengstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ou seja, uma linguagem pouco sofisticada leva a uma interpretação pouco sofisticada do mundo.

Mas o que isso tem a ver com a criação publicitária? Tudo. Criar é fazer sinapses. E as sinapses estão alicerçadas nas palavras. É importante repetir: pensamento é linguagem. O encolhimento do vocabulário das novas gerações de publicitários – em todas as linhas – só pode produzir um encurtamento da capacidade criativa. Afinal, as sinapses já não conseguem ir tão longe. Tudo isso explica a mudança nos padrões criativos nas últimas décadas. A tecnologia liberta, mas também oprime. Se por um lado o digital facilita a vida, por outro tira capacidade analítica.

A linguagem é elemento constituinte do sujeito e das subjetividades. E se as pessoas vivem num estágio lúmpen-linguístico, o resultado só pode ser o aplainar das capacidades criativas. E o risco vem daí. Porque a inteligência artificial já consegue criar o banal.



sábado, 13 de abril de 2024

O Musk está emerdando a sua vida

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


Dei um tempo no X/Twitter. Cansado, farto, saturado daquilo em que as redes sociais tradicionais, como Twitter, Facebook e TikTok, se tornaram: terrenos férteis para a "enshittification". E no caso do Twitter, em específico, por causa do cretino do Elon Musk. Sim, ele é a prova de que um multimilionário pode ser um cretino.

Mas que raio é isso de "enshittification"? O termo, cunhado pelo autor canadense-britânico-americano Cory Doctorow, descreve o processo de declínio na qualidade das plataformas online. Essa degradação pode se manifestar de diversas maneiras, como a proliferação de conteúdos tóxicos, a priorização dos anúncios, os algoritmos manipuladores e a coleta excessiva de dados.

Como a minha rede preferencial sempre foi o Twitter, acabei refém de discursos de ódio, desinformação, ataques pessoais e conteúdos violentos se tornam cada vez mais comuns, criando um ambiente hostil e negativo. Porque os algoritmos privilegiam o engajamento e o ódio produz maior engsajamento. O bolsonarismo faz disso uma base para a própria existência.

Nas redes sociais tradicionais, esses problemas se intensificaram nos últimos anos, tornando a experiência online cada vez mais frustrante. Um saco. Até porque o engajamento orgânico desapareceu. Foi por isso que decidi ir para o BlueSky. É uma plataforma que está no começo e promete ser mais democrática, de forma a priorizar a transparência. É, como disse, a primeira fase. Vamos ver.

Ah... mas esse tema tem alguma importância? Claro que tem. As redes sociais são parte da vida de todos nós. Mais do que isso, hoje são uma prótese de sentido para as novas gerações. O que traz um grande perigo: esse processo de "enshittification" já atua na formação do inconsciente social dos mais jovens. E nem são precisos estudos ou pesquisas: é só prestar atenção.



sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Eleições em Taiwan: partido pró-China e pró-independencia vão a votos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

13 de janeiro de 2024 é um dia decisivo. As eleições em Taiwan são as mais importantes da história da ilha em décadas. O resultado determinará o rumo das relações entre Taiwan e a China, assim como a política interna da ilha nos próximos anos. As eleições terão implicações significativas para a paz e a estabilidade na região. É um evento importante não apenas para a região, mas para o mundo.

Há três candidatos à presidência. William Lai (DPP), atual vice-presidente e candidato do Partido Democrático Progressista (DPP), que é pró-independência de Taiwan. Outro candidato é Han Kuo-yu, ex-prefeito de Kaohsiung e candidato do Partido Nacionalista Chinês (KMT), que é pró-reunificação com a China. E por fim temos Hsu Hsin-ying, candidata do Partido Progressista Taiwanês (PTP), que é de esquerda que defende a independência de Taiwan de forma mais radical do que o DPP.

As pesquisas de opinião indicam que Lai é o favorito. No entanto, a campanha tem sido acirrada e Han Kuo-yu tem conseguido ganhar terreno. O resultado é incerto e pode ter implicações significativas para a paz e a estabilidade na região. A China considera Taiwan como uma província rebelde e tem ameaçado usar a força para reunificar a ilha com o continente. Um governo pró-independência em Taiwan poderia aumentar a tensão entre as duas partes e aumentar o risco de um conflito armado.

O resultado também terá implicações para a política interna de Taiwan. O DPP, se for reeleito, provavelmente continuará a seguir uma política de defesa da independência da ilha. O KMT, por outro lado, se for eleito, poderia buscar um diálogo com a China com o objetivo de reunificar a ilha. Há uma ironia aí. O partido é ligado a Chang Kai-shek, que foi o líder de 1925 a 1975. Ele foi o presidente da República da China, de 1928 a 1949, e depois de Taiwan de 1950 a 1975.

O KMT é um partido nacionalista que defende a reunificação da China sob o seu controle. Chiang Kai-shek era um nacionalista fervoroso e acreditava que a China deveria ser um país unificado. Lutou contra os comunistas chineses na Guerra Civil Chinesa, que terminou com a derrota dos nacionalistas e a fuga de Chiang Kai-shek para Taiwan. O KMT é o principal partido de oposição ao Partido Democrático Progressista (DPP).

Chang Kai-shek governou Taiwan em ditadura. Ele estabeleceu um regime autoritário que reprimia a oposição política e os direitos humanos. Em 1949, quando Chiang Kai-shek e o KMT fugiram para Taiwan, eles levaram um governo autoritário que havia sido estabelecido na China continental. Esse governo era caracterizado por um controle rígido sobre a sociedade, uma censura rigorosa da mídia e a perseguição da oposição política.

Em Taiwan, Chiang Kai-shek continuou a implementar esse regime autoritário. Ele criou a Agência de Segurança Nacional (NSA), que tinha poderes para prender, torturar e executar dissidentes políticos. Ele também dissolveu o parlamento e estabeleceu um sistema de governo unipartidário.

O regime de Chiang Kai-shek foi responsável por uma série de violações dos direitos humanos, incluindo o massacre de 28 de fevereiro de 1947, no qual milhares de taiwaneses foram mortos. A ditadura de Chiang Kai-shek começou a ser gradualmente desmantelada após a sua morte em 1975. O seu filho, Chiang Ching-kuo, iniciou um processo de liberalização política que culminou na democratização de Taiwan na década de 1980.

Hoje o partido de Chiang Kai-shek é a favor de uma integração na China. Enfim, a história é mais complexa do que imaginam alguns.

Chiang Kai-shek