terça-feira, 2 de julho de 2024

A inteligência artificial já consegue criar o banal

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há muita gente respeitável a dizer que, em tempos de tecnologias digitais, em consequência do uso intensivo dos telefones móveis, os jovens estão a usar apenas 800 palavras para comunicar no dia a dia. É muito pouco se tivermos em consideração que o VOP – Vocabulário Ortográfico do Português refere 210 mil entradas, enquanto o dicionário brasileiro Houaiss, talvez o mais robusto, tem quase 400 mil palavras. Se mantivermos a análise no plano estrito dos números, isso significaria o uso de menos de 1% de todas as possibilidades da língua portuguesa.

É de lembrar que o ponto de partida para a análise não vem de um país lusófono. A tese foi popularizada há mais de uma década pela linguista Jean Gross, conselheira do governo britânico para o discurso das crianças. Ela usou como referência um trabalho do pesquisador Tony McEnery, professor de linguística da Universidade de Lancaster. Uma reportagem do “Daily Mail” contribuiu para difundir a ideia por todo o mundo. A análise de Gross tem um dado interessante: ela diz que, aos 16 anos, um jovem deveria ter um vocabulário próximo das 40 mil palavras.

Importante salientar que a teoria é contestada por outros estudiosos, que apontam precariedades na análise da pesquisadora. Não interessa aqui discutir a fiabilidade ou não dos dados, mas sim presumir que há um problema. Afinal, onde há fumaça há fogo. E se alguém decidiu lançar um número para cima da mesa, é sinal que devemos estar atentos à questão da precariedade linguística dos jovens. Porque, nas palavras de Wittengstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ou seja, uma linguagem pouco sofisticada leva a uma interpretação pouco sofisticada do mundo.

Mas o que isso tem a ver com a criação publicitária? Tudo. Criar é fazer sinapses. E as sinapses estão alicerçadas nas palavras. É importante repetir: pensamento é linguagem. O encolhimento do vocabulário das novas gerações de publicitários – em todas as linhas – só pode produzir um encurtamento da capacidade criativa. Afinal, as sinapses já não conseguem ir tão longe. Tudo isso explica a mudança nos padrões criativos nas últimas décadas. A tecnologia liberta, mas também oprime. Se por um lado o digital facilita a vida, por outro tira capacidade analítica.

A linguagem é elemento constituinte do sujeito e das subjetividades. E se as pessoas vivem num estágio lúmpen-linguístico, o resultado só pode ser o aplainar das capacidades criativas. E o risco vem daí. Porque a inteligência artificial já consegue criar o banal.



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