quarta-feira, 3 de julho de 2024

Corpos negros são frutos estranhos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há fotografias que capturam um momento e que acabam por marcar a história das sociedades. Algumas, de tão poderosas, acabam até por originar canções. É o caso de "Strange Fruit" (Estranhos Frutos), célebre na voz da inigualável Billie Holiday. Composta por Abel Meeropol (sob o pseudônimo de Lewis Allan) em 1937, é uma música de protesto contra o linchamento de negros nos Estados Unidos. E acabou por se tornar um marco cultural e um hino do movimento pelos direitos civis.

A letra foi inspirada por uma fotografia de 1930, feita por Lawrence Beitler, onde são mostrados os corpos de dois negros, linchados e pendurados em árvores no Mississipi. A imagem chocante e brutal comoveu Meeropol, que a incorporou nos seus versos poéticos. Inicialmente, ele escreveu a letra como um poema, publicado na revista marxista "The New Masses". A canção utiliza uma linguagem carregada de simbolismo.

Os "estranhos frutos" do título são metáforas para os corpos dos negros linchados, pendurados em árvores como macabros frutos da árvore do ódio e da violência racial. A letra denuncia a brutalidade e a injustiça dos linchamentos, expondo o racismo sistêmico e a crueldade da segregação racial nos EUA da época (e que ainda durou por muito tempo). A voz de Billie Holiday, que popularizou a canção em 1939, transmite a dor profunda e o sofrimento causados pela violência racial. 

A performance de Billie Holiday, sempre muito intimista e pesarosa, é poderosa. Mas gerou reações negativas do público branco, principalmente nos estados do sul dos EUA. A canção era frequentemente proibida em clubes e casas noturnas, especialmente em locais onde ainda havia segregação (lugares interditados aos negros). As autoridades também atuaram para censurar a performance de Holiday, pressionando-a a não cantar a música. A insistência em incluir a peça nas suas aparições custou muito à cantora.



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