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segunda-feira, 25 de junho de 2018

A sociedade que votará em outubro


POR JORDI CASTAN
Trump prende crianças em jaulas e as separa dos seus pais. Neste momento não é conveniente, para alguns, lembrar dos “coyotes” que atravessam a fronteira com crianças desacompanhadas e cobram caro por isso. Na Rússia, grupos de energúmenos incitam loirinhas desavisadas a repetir mantras ofensivos dos que desconhecem o sentido. A pátria de chuteiras está jogando cada dia pior e o herói nacional é, ao mesmo tempo, o atleta que acumula a maior dívida com a Receita Federal. Além de ser um menino malcriado.

A violência e os ataques de racismo, homofobia e machismo são tratados pela sociedade e especialmente pela imprensa, de forma diametralmente oposta dependendo de quem seja a fonte ou o alvo. Há esquecimento conveniente de alguns e glorificação de outros. No meio desta bagunça toda é interessante perceber qual é a reação e o papel de cada um dos segmentos que compõem o tecido social. A sociedade esta comporta por diversas tribos e cada uma delas tem comportamentos e atitudes diferentes. Entender e conhecer esse comportamento ajuda a compreender melhor o momento histórico que o país está vivendo.

Há os que não sabem. Hordas de ignaros convertidos em massa de manobra de uns e outros. Seguidores cegos de mitos, escravos da sua própria ignorância. Há os que não querem saber. E os que mesmo tendo o conhecimento e acesso a informação, preferem não saber. Acompanham a estes os que odeiam saber, os que não conseguem lidar com a verdade, que a deturpam, a tergiversam pela sua absoluta incapacidade de lidar com o seu ódio ou sua raiva.

Também há os que sofrem por não saber, os que carregam a sua incultura e desconhecimento como um pesado fardo que os prostra e os marca. Piores são os que sem saber, fingem que sabem, projetam a imagem de conhecedores, sábios de latão que refulgem com maior intensidade quanto maior é a ignorância que os rodeia. No Brasil de hoje, não são poucos os que triunfam sem saber. Tinha razão Rui Barbosa quando disse que aqui triunfavam as nulidades. Não há dia em que um deles triunfe e tenha seus quinze minutos de fama, alguns até mais de quinze, não são poucos os que tem sucesso durante anos, aclamados por multidões.

Mas nenhum grupo é mais nocivo e perverso, nem ocasiona males maiores, nem mais duradouros que o grupo formado pelos que vivem graças ao que os outros não sabem. Os que se aproveitam da ignorância e o desconhecimento dos demais são os que se denominam “políticos” e as vezes até usam o nome de “intelectuais”. Cada um dos grupos cumpre zelosamente sua missão na sociedade. O resultado do domínio de uns sobre os outros ou de predominância de outros sobre os uns define o modelo de sociedade e permite entender a importância e a forma de abordar cada um dos temas do quotidiano.

No que toca ao Brasil, é essa a sociedade que vota em outubro.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

"Fuja, Lula, fuja". Mas ele não foge...
















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Desde a sexta-feira passada circula a informação da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não é um fato de somenos. Se vier a acontecer, as consequências são imprevisíveis e nenhuma delas tem como contribuir para a estabilidade no país. Uma pergunta circula: a anunciada prisão teria base legal? Parece que não. E isso viria escancarar de vez a morte do estado de direito no Brasil. É a última pá de cal sobre a insipiente democracia brasileira.

Pessoas ligadas ao ex-presidente dizem que, mesmo tendo a liberdade em risco, ele se recusa a abandonar o Brasil. A principal razão é óbvia: um exílio prejudicaria a sua defesa, resultaria em perda de credibilidade e também contribuiria para enfraquecer o já combalido Partido dos Trabalhadores. E não podemos esquecer que obrigaria a abrir mão de concorrer à presidência em 2018. As mesmas pessoas dizem que, caso venha a ser preso, Lula pretende empreender o seu combate político a partir do cárcere.

Há o outro lado. Corre entre partidários do ex-presidente a tese de que ele deve pedir asilo político ou abrigar-se em alguma embaixada. Seria uma situação limite. Eis a questão: o que você, leitor ou leitora, faria se estivesse na pele de Lula, correndo o risco de ir para a prisão de forma arbitrária? Eu diria: “fuja, Lula, fuja”. Por quê? Porque é impossível contar com a Justiça num país onde o estado de direito tem sido atropelado repetidas vezes, sem qualquer reação dos poderes, da imprensa ou da sociedade. 

Enfim, se estivesse no lugar de Lula dava um jeito de ir viver em outro país. Há impedimentos éticos e morais a considerar porque, como diz o povo, “quem não deve não teme”. Mas isso só se aplica a estados de direito e há tempos o Brasil abandonou essa condição. A presunção de inocência foi substituída por uma (i)lógica perversa: primeiro escolhe o “criminoso”, depois tenta saber qual é o crime. Lula vai ficar, claro. Mas a que preço?

A velha imprensa não disfarça a opção pelos torcionários. E está à espera de um espetáculo que permita obter audiências. Não vamos esquecer que o juiz Sérgio Moro é um homem tocado pela vaidade. E os ególatras adoram show off. A prisão seria televisionada. Haveria uma profusão de imagens. Lula algemado é um pitéu pelo qual a velha comunicação social saliva há muito. Tudo para gáudio de uma plateia de neanderthals políticos que babam na gravata... e nas redes sociais.

É arbitrário? Claro.  O que pode resultar daí? A patuleia conservadora, tonta pelo ódio de classe, vai comemorar. Mas entre os apoiadores do ex-presidente há quem fale em sair às ruas em reação. É aí que mora o perigo. Ninguém sabe o que pode acontecer. Aliás, é apenas isso o que impede a direita e os seus áulicos togados de darem esse passo: a prisão de Lula pode gerar um furdunço danado. Quem arrisca?

O Brasil virou uma babel jurídica, moral e ética. Para uns há a condução coercitiva, para outros endereços nunca encontrados. As “convicções” substituem as provas. Arbitrariedades cometidas de “boa-fé” têm valor de lei. Juízes instituem as penas mesmo antes do julgamento. Sob o manto da delação, corruptos viram heróis das massas ignaras. O linchamento midiático vem antes dos processos.

A inquisição promovida por Moro e a sua camarilha não deixa espaço para a racionalidade. Não se deseja justiça, mas vingança. De qualquer forma, ninguém duvida que Lula vai enfrentar a situação de peito aberto, porque tem uma história por zelar. Mas todos devem temer pela vitória da irracionalidade e as suas consequências. Porque a morte do estado de direito é a ditadura a mostrar a sua cara. 

É a dança da chuva.

terça-feira, 26 de abril de 2016

O cheiro da podridão chegou aqui*

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Houve um tempo em que a imprensa europeia – e mesmo a norte-americana – projetava uma imagem favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Mas há alguns meses houve uma mudança de agulha. E a razão é simples. Num primeiro momento, a comunicação social internacional reproduziu a versão dos veículos da velha mídia no Brasil. Ou seja, Globo, Veja, Estadão, Folha, Época e assemelhados.

Deu chabu. Mais recentemente, os jornalistas estrangeiros perceberam que essas fontes eram duvidosas e passaram a usar outros meios para a averiguação dos fatos. E a tese do golpe contra a presidente ganhou força. A machadada final foi o espetáculo deprimente na votação do impeachment na Câmara dos Deputados. O mundo viu um país a caminhar alheadamente para a putrefação.

Há um ponto a destacar. Uma pessoa que viva numa democracia a sério (definitivamente não é o caso do Brasil) só pode ficar estarrecida com o comportamento promíscuo da imprensa brasileira. É certo que a comunicação social estrangeira também tem lado. Há projetos editoriais que alinham com visões mais ou menos liberais, progressistas ou conservadoras. Mas não se perde o pudor, como acontece no Brasil.

Fazer a comparação entre a imprensa do hemisfério norte e a brasileira leva a uma obviedade. Apesar de terem posição ideológica, os meios de comunicação europeus e norte-americanos não vão ao ponto de comprometer o rigor da informação (não quer dizer que não possa acontecer). Desgraçadamente, essa lógica não serve para a velha mídia brasileira, onde a mentira, a distorção e a ausência de contraditório são quase regra.

O golpe contra Dilma Rousseff ficou evidente e já não dá para disfarçar. O Brasil virou motivo de piada e o cheiro de podridão chegou a outras latitudes. Mas também caiu a máscara de uma certa imprensa, useira e vezeira de métodos inaceitáveis em democracia. Exemplos? O jornal português Diário de Notícias definiu a Veja com “conservadora, de direta e obstinadamente antigoverno”. O Le Monde pediu desculpas por ter feito uma matéria tendenciosa, a partir de imprensa brasileira.

Enfim, hoje o mundo todo sabe que a imprensa brasileira não é parte da solução, mas parte do problema.


É a dança da chuva.

* José António Baço vive em Portugal.


terça-feira, 29 de março de 2016

É golpe, sim senhor!



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há um movimento que tenta dar um ar de legitimidade ao golpe. Os articuladores do impeachment já entenderam que Dilma Rousseff não vai renunciar – o que faria o golpe parecer legítimo – e agora tentam construir uma narrativa própria. A intenção é criar um discurso que inocente a palavra “golpe”. Não adianta. Golpe é golpe. Quem adere ao golpe é golpista. E golpistas odeiam a democracia.

Nos últimos dias, surgiu uma meia dúzia de juristas pingados a defender a tese de que impeachment sem crime não é golpe. Traduzindo o palavrório: é conversa para boi dormir. Por mais gente togada que apareça a dizer o contrário, golpe é golpe. Essa gente quer esculhambar o estado de direito. A construção da tal narrativa em juridiquês só tem um objetivo: dar um álibi moral para os sacripantas cívicos. “Não é golpe, é legal”, dirão aliviados.

A “gente de bem” que adere ao golpe vive numa espécie de terceiro mundo mental. Não importa se o impeachment está a ser articulado pela pandilha Temer-Cunha-Aécio-Serra, políticos de caráter duvidoso (para ser simpático) e sobre os quais recaem indícios mais que suficientes para serem investigados. Mas se for para apear Dilma Rousseff do poder, os adesistas do golpe não se importam de chafurdar na mesma lama. É o grau zero da moralidade.

Os golpistas se esforçam por construir uma narrativa auto-indulgente. Mas é gato escondido com o rabo de fora. Não dá para disfarçar, apesar da ajuda sentenciosa de velha imprensa nacional. Em sentido contrário, no exterior a comunicação social despertou para o tema e denuncia a existência de golpe. A palavra começa a aparecer cada vez com maior frequência nas manchetes dos jornais. A opinião pública mundial também começa a acompanhar essa tendência.

E, por fim, que tal um exercício de imaginação? Se Dilma Rousseff for impedida, como será o dia seguinte? Os políticos articuladores do golpe, por terem uma agenda própria, já sabem o que vão fazer. Tremei, incautos! Mas e a tal “gente de bem” que se deixou manipular e aderiu à narrativa golpista? Terá noção do que aconteceria no dia a seguir ao golpe? Pensem. Porque se pensarem vão perceber que a agulha da bússola não está a apontar para o Norte.


É a dança da chuva.

A imprensa internacional chama o golpe de golpe

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Uma imprensa caquética...



POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há alguns dias, o Chuva Ácida publicou um artigo do vereador Maycon Cesar, presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara de Joinville. O texto era sobre a LOT – Lei de Ordenamento Territorial e incidia mais especificamente na questão das faixas viárias. O vereador apresentava uma posição discordante dos atuais inquilinos da Hermann Lepper, que estariam a impor uma espécie de vale tudo no tratamento desse dossier.

Quando o texto foi publicado, eu pessoalmente recebi algumas mensagens. Todas a indagar a razão pela qual o blog estaria a publicar um texto do vereador, pessoa sobre a qual fizeram algumas críticas contundentes. A resposta foi sempre a mesma: é a liberdade de expressão. Nenhuma sociedade civilizada tem o direito de cortar a voz às pessoas e o Chuva Ácida surgiu exatamente com a missão de ser um espaço para a democracia e a diversidade de pensamento.

Aliás, vale lembrar um fato que chegou até alguns integrantes do blog. O vereador estaria a procurar novos meios – no caso a blogosfera – para expor as suas ideias, uma vez que a velha imprensa joinvilense já não estaria tão receptiva aos seus argumentos. E quando escrevo “velha imprensa” é apenas uma forma de localizar certos meios de comunicação no espectro onde eles se encontram: o passado. Entra década, sai década e o registro dessa imprensa bafienta é o mesmo, só que mais caquético. Nada evolui.

E é um passado distante, porque o fenômeno dura há muitas décadas. Joinville sempre viveu de relações incestuosas entre a velha imprensa e o poder público. O toma-lá-dá-cá originou um ethos (não confundir com ética) segundo o qual quase tudo pode ser negociado. Silêncios, omissões, falas. Uma vezes por interesses quantificáveis, outras por simples servidão voluntária. O sabujismo acabou por se tornar uma forma de vida no seio dessa velha imprensa.

Qual o problema? Essa gente está presa ao passado – empresários, jornalistas e, inclusive, os manda-chuvas políticos – ao ponto de não perceber a real dimensão do problema. Há uma relação entre mídia e economia. Quanto mais moderna for uma, mais evoluída será a outra. Aliás, há estudos acadêmicos a demonstrar a teoria de que uma imprensa cediça representa um atraso econômico. Mas nem precisamos de teses. Os países mais desenvolvidos são aqueles onde a liberdade de expressão é mais respeitada.

Uma imprensa velha faz uma cidade velha.


É a dança da chuva.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Pit stop, demagogia e austeridade

POR CLÓVIS GRUNER

Pra começo de conversa: são hipócritas e eleitoreiras a imensa maioria das críticas aos gastos presidenciais em Lisboa no final de semana. O assunto só mereceu tamanho destaque porque se trata de uma presidenta de esquerda, e sempre há gente disposta a compartilhar factóides vindos da direita e masturbar-se indignar-se com eles, principalmente em ano eleitoral. Por outro lado, ele serviu para expor uma vez mais a pobreza - de idéias, argumentos, proposições - em que estão mergulhados a oposição e parte da chamada grande imprensa - o que, no Brasil, é praticamente a mesma coisa. 

Há muito que criticar no governo Dilma. As políticas de segurança pública e de direitos humanos engataram marcha à ré nos últimos quatro anos; pode-se dizer o mesmo da política indigenista. Na educação, os índices continuam muito aquém do esperado, a mostrar que o propalado aumento no número de vagas, principalmente nas universidades, é medida insuficiente sem investimentos estruturais em todos os níveis. Além disso, a ampliação do arco de alianças comprometeu ainda mais o outrora projeto político petista. Os resultados todos conhecem: a co-responsabilidade do governo na eleição de Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos no ano passado é um deles. A presença da senadora ruralista Kátia Abreu entre os aliados do governo, outro.

O problema é que a oposição não está disposta a um confronto político pautado em projetos e programas. Em parte, porque tem teto de vidro: é difícil criticar as alianças e os aliados petistas depois de ter feito o mesmo nos anos de gestão tucana. Além disso, é delicado posicionar-se sobre temas para os quais ela tem pouco a mostrar no passado, quando foi governo, e ainda menos a oferecer em um futuro próximo, quando pretende ser governo. Mesmo o esforço por transformar as manifestações de junho passado em grandes atos “contra tudo” resultou em um grande nada: Dilma segue liderando as pesquisas, e nem mesmo a entrada em cena de um político de carreira como Aécio Neves conseguiu mudar o quadro. Sobra pouco, e daí protestar contra a Copa e fazer de dois dias em Lisboa um escândalo político parece ser uma boa opção.

DINHEIRO PÚBLICO, CAPRICHOS PRIVADOS – Li gente defendendo os valores gastos no pit stop presidencial argumentando que, afinal, ela estava em missão oficial, que nada há de ilegal nos gastos e que eles são compatíveis com a dignidade do cargo. Outros lembraram que Dilma apenas repete o que é prática comum entre nossos governantes e, por certo, não faltou quem lembrasse das muitas viagens de Fernando Henrique, uma delas com Regina “eu tenho medo” Duarte como convidada, sabe-se lá porque. É tudo verdade. Mas o buraco é mais embaixo. A gastança de Dilma em Lisboa – e em Roma, no ano passado – é sintoma de um mal antigo. Ela, Lula, FHC, todos sem exceção, reiteram um comportamento recorrente em nossos representantes políticos: a ostentação à custa do dinheiro público.

A coisa vem de longe e os exemplos abundam. Basta ler as crônicas de Machado de Assis sobre a vida na corte durante o Segundo Reinado, ou o panorama nada alvissareiro que faz Lima Barreto dos primeiros anos da República: não satisfeitos em fazer da coisa pública extensão de seus interesses e vícios privados, nossas elites políticas se acostumaram a usar o dinheiro público para sustentar e alardear seus muitos caprichos. Em uma cultura onde o consumo e a ostentação são dois dos principais signos de distinção social, não chega a ser uma surpresa ver os governantes valendo-se de uma coisa e outra para reafirmarem os privilégios que seus cargos lhes conferem. Também não surpreende ouvir vozes antes emudecidas apenas agora reagindo, só aparentemente preocupadas com a austeridade. Ostentar não é em si um problema; problema é quando um ex-operário e uma ex-guerrilheira decidem dar um rolezinho.  

Não, não estou aqui a defender que Dilma deva hospedar-se em um albergue e comer um PF no boteco da esquina. Mas oito mil dinheiros a diária, mesmo a de uma suíte presidencial, é muito. Sei também que não resolveríamos nossos problemas economizando os poucos “trocados” gastos em Lisboa. Mas seria no mínimo simpático, além de um gesto simbolicamente significativo, a presidenta de um país onde milhões ainda contam com o Bolsa Família para complementar a renda, dar o exemplo e hospedar-se em um bom hotel mais barato que o Ritz ou o Westin Excelsior. Parafraseando um ex-candidato a prefeito de Joinville: dá pra fazer.

O presidente do Uruguai, José Alberto Mujica, tem sua própria receita; ela não precisa obviamente ser seguida à risca, mas poderia servir como parâmetro. Por outro lado, difícil não anotar a esquizofrenia: os mesmos – colunistas, políticos de oposição – que hoje criticam a ostentação de Dilma, provavelmente a chamariam de demagoga – que é como se referem a Mujica – se ela decidisse praticar uma política da “não ostentação”. Ser um presidente ou presidenta de esquerda é meter-se em uma encruzilhada: se gasta e ostenta, esbanjou dinheiro público; se não gasta e é humilde, é demagogia populista. Mas é este o nível da disputa política no país. E não vai melhorar. Ruim para nós, que teremos de ver o debate público reduzido a isso ou a algo pior nos próximos meses, até pelo menos as eleições.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Bizarro, muito bizarro!



POR CLÓVIS GRUNER

Em seu último texto, o Charles Henrique listou alguns dos eventos bizarros que marcaram a semana em Joinville e região. Gostei da ideia, nacionalizei os parâmetros de busca e inspirado no Stanislaw Ponte Preta, decidi listar o meu próprio Febiapa, o Festival de Bizarrices que Assola o País. A lista, claro, não é definitiva. Bizarrice é como ônibus em Joinville: sempre cabe mais um.

ERA PRA SER UM FESTIVAL DE ROCK – Mas virou um samba do crioulo doido. Pode ser purismo, mas mesmo com o showzaço do Bruce Springsteen é difícil engolir Beyoncé e Justin Timberlake. “Ah, mas o Brasil é um país rico e eclético musicalmente, então é super normal ver a Ivete Sangalo no Rock In Rio”. Tudo bem, mas então por que ninguém chama o Iron Maiden para tocar no carnaval da Bahia?
Pelo menos o espírito rebelde do rock esteve presente na noite em que tocou o Capital Inicial. Claro, já não se fazem discursos como antigamente, mas ninguém tem culpa do Dinho Ouro-Preto não ter a mesma eloquência, sei lá, de um Renato Russo. A ironia é que no auge do Brock, os anos de 1980, o Capital era uma banda meio coadjuvante; quem frequentava a primeira divisão eram a Legião Urbana, Ira!, Titãs. Mas como as bandas da primeirona ou acabaram ou viraram caricaturas de si mesmas, inesperadamente sobrou ao Capital encarnar nos palcos o que restou da década. É foda cara, diria Dinho Ouro-Preto. Eu acho bizarro.

UM PARTIDO PARA OS “HOMENS DE BEM” – Cansados de passar os dias de pijamas lendo Reinaldo Azevedo, os militares decidiram que é hora de colocar o bloco na rua e estão empenhados na viabilização do Partido Militar Brasileiro (PMB). E que ninguém os acuse de serem despretensiosos: “100% democrática”, a sigla pretende mandar menores infratores para a cadeia, garantir o porte de armas para homens de bem (não dizem nada sobre as mulheres) e instituir a prisão perpétua. E se depender do PMB, beneficiados pelo Bolsa Família não votam – talvez o primeiro passo para a volta do voto censitário.
O embasamento teórico do novo partido vem da fina flor do pós-estruturalismo. Diz a cartilha do PMB que o “filósofo Michel Foucault pregava a segregação das pessoas nocivas à sociedade, para evitar que elas viessem a cometer novos crimes, protegendo a população de bem”. O PMB jura que está tudo lá no “Vigiar e punir”, o mesmo livro onde, segundo Reinaldo Azevedo, Foucault defendeu que “o castigo físico é preferível às formas que entende veladas de repressão postas em prática pelo estado moderno”. Eu nunca li nada disso em Foucault, apesar de conhecer toda a sua obra. O PMB e o “tio Rei” ou não conhecem ou não entenderam Foucault, apesar da referência. São desonestos ou ignorantes, portanto. Bizarros, de qualquer forma.
  
“UM CHUTE NOS BAGOS INFRINGENTES” – Foi assim que o Sandro definiu a aprovação dos tais “embargos infringentes” em mais um episódio do maior julgamento da história do mundo de todos os tempos. Claro, quem levou o tal chute foi o Joaquim Barbosa, mas os sacos doeram Brasil afora. Não se contendo de tanta indignação, o joinvilense Roger Robleño postou em seu Facebook foto de uma página da biografia de José Dirceu onde ficamos a saber que ele e o ministro Celso de Mello dividiram um quarto em alguma república, ainda estudantes. Talvez na ocasião Dirceu lhe trouxesse quitutes sempre que retornava das visitas à família no interior e agora lhe cobra o favor. Robleño também simulou espanto com a falta de coerência do ministro, mas bastaria uma googlada para lembrar que Celso de Mello foi bastante coerente em seu voto: ele já havia afirmado, em 2012, ser favorável aos réus recorrerem do julgamento, se necessário, lançando mão justamente dos embargos infringentes, previstos no regimento do STF.
Mas nenhuma reação repercutiu como a das atrizes globais que postaram foto no Instagram, em gesto rapidamente copiado pela família da ex-É o Tchan Carla Perez. E o que era pra ser um protesto, foi rapidamente transformado em piada. Além do exagero, há mais em comum na indignação de Robleño e do elenco da novela das nove: seletiva, ela revela o baixíssimo nível de informação de seus protagonistas. Bastaria ler o editorial da Folha de São Paulo sobre o assunto, um jornal que desde a ditadura civil militar já ofereceu carros e credenciais o suficiente para provar que não faz parte de nenhuma conspiração lulo-petista para acabar com o Brasil. Por que, em tempos onde informação não é mais monopólio de alguns poucos e o acesso é não apenas relativamente fácil como democrático, há quem prefira brincar de Teletubbies, é algo que não sei responder. Mas é bizarro. De novo, de novo: bizarro.

LEU A VEJA? AZAR O SEU – Saiu em “O Globo” e repercutiu nas redes sociais: o governador Sérgio Cabral seria alçado à condição de Ministro de Estado no início do ano que vem. Um assessor da presidenta tratou de desmentir a informação, mas em se tratando dos arranjos partidários, fico com o apóstolo Tomé: só acredito vendo. Em todo caso, antes de se mudar de mala e cuia para Brasília, Cabral ainda nos deve  resposta a uma pergunta tão simples quanto vergonhosa: onde, afinal, está Amarildo?
Enquanto isso, Dilma foi à ONU, onde discursou condenando a espionagem americana e exigindo maior equidade no Conselho de Segurança. Nada de excepcional: ela fez exatamente o que se espera de uma chefe de Estado que viu a soberania do país ser tripudiada pela arrogância de uma grande potência. A repercussão na imprensa internacional foi positiva. O inglês The Guardian destacou: Brazilian president: US surveillance a ‘breach of international law’. O espanhol El Pais foi na mesma direção: Rousseff condena las prácticas de espionaje ante las Naciones Unidas. E o francês Le Monde foi incisivo: A l’ONU, Dilma Rousseff qualifie l’espionnage américain d’“affront”.
A repercutir a fala da presidenta, Veja preferiu ecoar uma combalida oposição: “Dilma critica EUA e faz discurso na ONU de olho em 2014”, tascou a revistona, sem deixar muito claro o que alhos tem a ver com bugalhos pois, até onde sei, os embaixadores estrangeiros nas Organizações Unidas não votam nas eleições presidenciais brasileiras. No ano passado outro periódico inglês, a revista The Week, chamou a Veja de “gossip magazine”. Se trabalhasse em uma revista de fofoca, eu ficaria indignado. Bizarro, muito bizarro!