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segunda-feira, 25 de junho de 2018

A sociedade que votará em outubro


POR JORDI CASTAN
Trump prende crianças em jaulas e as separa dos seus pais. Neste momento não é conveniente, para alguns, lembrar dos “coyotes” que atravessam a fronteira com crianças desacompanhadas e cobram caro por isso. Na Rússia, grupos de energúmenos incitam loirinhas desavisadas a repetir mantras ofensivos dos que desconhecem o sentido. A pátria de chuteiras está jogando cada dia pior e o herói nacional é, ao mesmo tempo, o atleta que acumula a maior dívida com a Receita Federal. Além de ser um menino malcriado.

A violência e os ataques de racismo, homofobia e machismo são tratados pela sociedade e especialmente pela imprensa, de forma diametralmente oposta dependendo de quem seja a fonte ou o alvo. Há esquecimento conveniente de alguns e glorificação de outros. No meio desta bagunça toda é interessante perceber qual é a reação e o papel de cada um dos segmentos que compõem o tecido social. A sociedade esta comporta por diversas tribos e cada uma delas tem comportamentos e atitudes diferentes. Entender e conhecer esse comportamento ajuda a compreender melhor o momento histórico que o país está vivendo.

Há os que não sabem. Hordas de ignaros convertidos em massa de manobra de uns e outros. Seguidores cegos de mitos, escravos da sua própria ignorância. Há os que não querem saber. E os que mesmo tendo o conhecimento e acesso a informação, preferem não saber. Acompanham a estes os que odeiam saber, os que não conseguem lidar com a verdade, que a deturpam, a tergiversam pela sua absoluta incapacidade de lidar com o seu ódio ou sua raiva.

Também há os que sofrem por não saber, os que carregam a sua incultura e desconhecimento como um pesado fardo que os prostra e os marca. Piores são os que sem saber, fingem que sabem, projetam a imagem de conhecedores, sábios de latão que refulgem com maior intensidade quanto maior é a ignorância que os rodeia. No Brasil de hoje, não são poucos os que triunfam sem saber. Tinha razão Rui Barbosa quando disse que aqui triunfavam as nulidades. Não há dia em que um deles triunfe e tenha seus quinze minutos de fama, alguns até mais de quinze, não são poucos os que tem sucesso durante anos, aclamados por multidões.

Mas nenhum grupo é mais nocivo e perverso, nem ocasiona males maiores, nem mais duradouros que o grupo formado pelos que vivem graças ao que os outros não sabem. Os que se aproveitam da ignorância e o desconhecimento dos demais são os que se denominam “políticos” e as vezes até usam o nome de “intelectuais”. Cada um dos grupos cumpre zelosamente sua missão na sociedade. O resultado do domínio de uns sobre os outros ou de predominância de outros sobre os uns define o modelo de sociedade e permite entender a importância e a forma de abordar cada um dos temas do quotidiano.

No que toca ao Brasil, é essa a sociedade que vota em outubro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reflexões sobre as eleições nos EUA: virá o fascismo?













POR RODRIGO BORNHOLDT

Logo que soube do resultado das eleições norte-americanas, postei em alguns grupos de whatsapp: os Estados Unidos elegeram um fascista. Depois, refletindo com calma, entendi que exagerei. Mas, repensando a própria reflexão, agora após alguns dias de uma semana com gosto amargo, entendo que há muitos traços fascistas no novo presidente.

Pela primeira vez na história, os Estados Unidos elegem alguém tão próximo à extrema direita. Reagan e os Bush eram conservadores, de direita, mas praticavam o chamado “compassionate conservatism”. Muito mais moderado do que aquilo que se pode esperar de Trump.

Há, porém, duas diferenças entre o novo presidente e o fascismo tradicional: esse coloca o Estado acima da própria atividade privada, suprimindo as várias liberdades, inclusive com fortes restrições à livre iniciativa. E, diante disso, tende a criar um Estado totalitário. É difícil que os EUA abandonem suas instituições democráticas e sucumbam ao totalitarismo, na definição dada por Hannah Arendt. Mas é muito possível que limite algumas liberdades e adote características autoritárias.

Como Trump é um negociante, os negócios tendem a falar em primeiro lugar. Para ele, o Estado deve servir aos negócios. Isso não retrata verdadeiramente o fascismo. Mas, sendo o novo presidente defensor dos grandes negócios, pretendendo inclusive revogar a lei antitruste, isso gera mais uma baita injustiça contra a maioria da população, inclusive pequenos e médios empresários.

O fascismo, aliás, andou de braços dados com o grande capital. Foi uma aliança sólida na Itália e na Alemanha. E, nos outros aspectos daquilo que é mais próprio de Trump, o fascismo volta a mostrar sua face abjeta: o desprezo ao outro e sua incompreensão. É assim com a depreciação ao negro, ao latino, ao muçulmano, ao oriental. Brasileiros já ameaçam voltar dos EUA; imigrantes, legais ou não, tendem a ser perseguidos pelo ódio das massas ou das instituições mais conservadoras.

A Alemanha não resistiu ao furor autocrático do nazismo. Mas era uma criança democrática. Tinha apenas 13 anos de Estado Democrático de Direito quando foi subjugada. Os EUA, com todos os defeitos de sua democracia, praticam-na há mais de 200 anos.

Sinto vergonha de minha geração, que contribuiu fortemente para esse resultado. Apenas espero que os valores democráticos estejam realmente incutidos nos EUA, para que se evite qualquer aventura autoritária mais profunda por parte do novo incumbente.

Sempre questionei a remarcada influência da televisão e a pouca formação cultural da maioria dos cidadãos. O Estado Democrático de Direito exige vigilância e um mínimo de cidadãos cultos e críticos, que defendam e (re)construam, permanentemente, os valores em que ele se embasa: liberdade de expressão, uma maioria formada racionalmente, o debate das grandes questões públicas; o respeito à vontade popular; o devido processo legal; um mínimo de direitos sociais. 

E deveria também figurar, nesse rol, como preconiza Michael Sandel, a defesa de uma economia política voltada à formação de verdadeiros cidadãos ativos, tanto pela predominância de uma economia baseada em pequenas e médias empresas, como pela efetiva aplicação de um sólido direito antitruste.

Há também um curioso lado populista em Trump, que por vezes parece compreender os pobres que mais sofrem com o processo de globalização. Mas parece pedir muito a ele que tenha um pouco de compaixão por todos e se dispa daquela escala de valores mais próxima de Wall Street e da divisão de mundo entre winners e losers. Aí Trump já não seria Trump. 


O mais provável é que ele realmente exerça, na medida em que consiga, o papel de um tipo de fascista norte-americano que encontro na seguinte passagem da descrição de John Lee Brook, um personagem fictício, criado por Roberto Bolaño em seu indizível “La literatura nazi en America:

- Sus temas preferidos y que se repiten a lo largo de todos sus poemas de manera a veces obsessiva, son la pobreza extrema en algunos sectores de la población blanca, los negros y los abusos sexuales carcelarios, los mexicanos siempre pintados como diminutos diablillos o como cocineros misteriosos, la ausência de mujeres (talvez aqui o único ponto em que Trump difira)... la decadencia de América, los guerreros solitários. (Anagrama: Barcelona, 2010, p. 160)

O estrago parece feito. Com um congresso conservador, e ao nomear um ou talvez até mais novos juízes da Suprema Corte, Trump consolidará a guinada conservadora nos Estados Unidos. Tomara não descambe ela para o fascismo. E, se isso acontecer, que a Califórnia consiga mesmo se separar da União.



Rodrigo Bornholdt é advogado, doutor em direito
e professor universitário

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Este não é um texto sobre o Trump
















POR FILIPE FERRARI


Eric Hobsbawn, um dos maiores historiadores do século XX, certa vez falou que o tempo mais difícil para um historiador é escrever, é aquela na qual ele vive. Afinal, ele está imerso em seu próprio tempo, sem a distância que muitas vezes o objeto científico demanda, e o sujeito histórico, que escreve sua própria história e de seus contemporâneos está sujeito a um bombardeio de opiniões, sejam ela dos pares, da mídia ou de qualquer outro meio. E nesse ponto, Hobsbawn brilhou ao descrever o seu século, o século XX, na obra A Era dos Extremos.

Senti isso na pele ao querer escrever um texto sobre a eleição do Donald Trump, e no processo, me deparei com mais de dez abas abertas no meu navegador com os mais diversos textos. Desde a análise apocalíptica de John Carlin para o El País, até o ponderamento ao avesso do filósofo Slavoj Žižek. Tanta gente melhor do que eu estava tendo dificuldades para entender o fenômeno, então por que eu conseguiria? O Clóvis Gruner colocou essa semana em sua conta no Facebook uma fala que traduz exatamente o que eu senti:
“Quer dizer, a gente não consegue serenidade pra tentar entender o que "realmente aconteceu" nas nossas eleições municipais, e acha que vai conseguir fazer análise sensata das eleições estadunidenses?”

Já que eu não sou nenhum Hobsbawn, e não tenho essa pretensão, vou discorrer sobre o uso de termos. O Felipe Silveira foi brilhante ao pedir que “Melhoremos” a algumas semanas atrás, especialmente quando falamos. Nessas eleições estadunidenses, o que muito se viu foi a comparação de Trump a Hitler, e muitos chamando o estadunidense de fascista. Esse é um excelente exemplo. O termo “fascista” não pode ser usado levianamente. Senão, acaba que nem no conto do menino que gritava “lobo! Lobo!”. Quando aparecer o fascismo, ninguém mais vai acreditar. Trump é racista, misógino, sexista, e insulta sempre que pode mexicanos, muçulmanos, negros, emigrantes e mulheres (e fala fino com o Putin). Obviamente Trump é um problema, mas ainda creio que ele vai ser mais um problema para os próprios estadunidenses (e para os mexicanos) do que para o resto do mundo. E agora, pensar que a maioria do eleitorado estadunidense concorda cegamente com esse discurso de ódio, é fazer uma análise tão rasa quanto falar que o Rio de Janeiro é em sua maioria fundamentalista religioso. Os problemas são outros.

Os Estados Unidos jamais se tornarão um país fascista, no sentido histórico-sociológico da palavra, pois as próprias instituições da democracia norte-americana impedem esse movimento. A história do Grande Irmão do norte é construída obviamente na exclusão social dos negros, do genocídio indígena e outras problemáticas, mas é lá também que surgiu um Martin Luther King, um Harvey Milk, um Muhammed Ali, e várias outras figuras que lutaram pela liberdade e pela justiça social. Como eu sou um otimista, e gosto das simbologias, ouso dizer que os Estados Unidos são maior do que Trump. A América (o continente, óbvio), é maior que Trump. Que nossos irmãos americanos do norte lembrem-se sempre das suas palavras fundadoras, escritas por Thomas Jefferson (com uma grande pitada de John Locke): “que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estas são a vida, liberdade e busca pela felicidade”.