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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Lia Abreu - Um caso que arrepia a gestão Udo Döhler



POR SALVADOR NETO

Finalmente Lia Abreu falou. Não diretamente por sua voz, mas falou. A Prefeitura de Joinville também falou. Assim, um quadro obscuro ficou agora escandalosamente claro. O modelo “moderno” de gestão de pessoas no governo Udo Döhler (PMDB) trilha os caminhos da tal “meritocracia” que o então candidato defendia em seu Plano de Governo em 2012 nas páginas 14 e 15?

Seria talvez uma “udomeritocracia”? Abuso de poder, perseguições, assédio moral, afastamentos e procedimentos administrativos em escala nunca antes vista seriam a base de medida desta gestão? Pelo menos é o que se mostra diante dos fatos que chegam a este humilde jornalista.



“(Eles queriam) primeiro temporariamente, em razão do ano letivo de 2015 que se iniciava, e posteriormente, criar o cenário ideal para se afastamento definitivo, ou seja, a exoneração da servidora”, disse à reportagem. 

E disse mais: “As denúncias variam de forma e tamanho, algumas beiram ao ridículo como, por exemplo, sorrir nas dependências de órgão público. Outras acusam Lia de conduta inadequada, manifestação de desapreço e maneira autoritária de agir”, observou o defensor.

Apurações feitas por este jornalista apontam que há parentes de deputados, ocupantes de cargo de alto escalão do governo estadual, envolvidos no ardil desta ação contra Lia Abreu. Mais espantoso é ver que após mais de 200 dias de processo administrativo, e do afastamento da fiscal de suas funções, ainda não tenham conclusão.

Não encontraram nada em tanto tempo de investigação, e tentam impingir à servidora uma punição. Seria essa a tal meritocracia? A udomeritocracia? Essa medida deixa as digitais da perseguição à mostra, e certamente será derrubada pela defesa da fiscal. Será este o modelo de “protagonismo” na gestão que propunha o então candidato Udo Döhler?

Há outras denúncias de mais setores, e todas as fontes garantem ter documentos em mãos para provar inocência, e também mostrando possíveis “interesses” não tão nobres nos processos, e também afastamentos.

Falta a prometida “nova e justa política de remuneração”, e o diálogo inexiste com os representantes da categoria. Some-se a isso a falta de condições de trabalho nas subprefeituras, faltam remédios, médicos, obras, o excesso de buracos nas ruas, etc, etc, etc, em todos os setores da Prefeitura.

Por Lia Abreu, falou seu advogado ao jornal Gazeta de Joinville na edição do dia 16 de setembro deste ano. Segundo Alexandre Rossi, o afastamento da fiscal sanitarista é puramente político.

Causa estupor ao cidadão que paga impostos a sanha perseguidora do Governo Udo a essa fiscal que tem mais de 20 anos de bons serviços prestados à cidade. Dura na fiscalização do abandono das escolas estaduais e municipais, ela granjeou inimigos poderosos. Desses agentes políticos que agem nos bastidores.

Mais que isso, decidiram pelo retorno dela ao posto original de 1996 sob alegação de não ter cumprido estágio probatório! Essa Secretaria de Gestão de Pessoas comandada por uma ex-candidata derrotada à vereança está mais para um Dops, DOI-CODI, ou até uma Gestapo.

Recebi denúncias que somente em um setor da Prefeitura de Joinville, que lida com obras e outras fiscalizações, há cerca de 20 processos administrativos disciplinares em andamento contra... fiscais! Essa ideologia de processos contra servidores seria uma prática comum e já corriqueira na atual gestão, uma forma de pressão para obrigar os servidores a realizarem atos que a administração deseja, mas não vê acontecer.

Tal modelo de gestão de pessoas remonta ao inicio da revolução industrial, portanto, ultrapassado, arcaico, que desmotiva e desmobiliza a máquina pública que é tocada por mais de 12 mil servidores. Recentemente houve a tentativa de corte da insalubridade dos servidores do velho Zequinha, o inabalável e insubstituível Hospital São José.

Repito o que disse no artigo escrito há seis meses sobre o mesmo tema (clique aqui): o tempo da mordaça acabou há 30 anos. Lia Abreu e demais servidores. Desinterditem suas vozes. A sociedade que paga seus salários e espera seus bons serviços aguarda ansiosa.

É assim, nas teias do poder...

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A meritocracia e os corpos (roliços)

POR SABRINA IDALÊNCIO

A meritocracia não discrimina. Seja o montante da sua conta bancária ou o tamanho das suas calças, lá está ela. Em uma farmácia qualquer, após adquirir suplementos alimentares proteicos, a mocinha classe mérdia universitária se pesa satisfeita. A mesma satisfação de quando escolhe roupas novas. Eis o resultado de uma rotina de atividades físicas e alimentação bem balanceada. Nada vem de graça. Até as curvas do corpo representam uma conquista.

A moça ainda não ultrapassou os 25 anos, exala saúde perfeita e contabiliza zero caso de obesidade na família. Tem tempo para planejar e preparar as próprias refeições, embora não lave as próprias roupas, muito menos o banheiro que usa. Observa uma moça de formas arredondadas que aparenta idade semelhante à sua na fila do Subway (depois de tanto esforço ela merece fast food!). A gorda carrega consigo uma criança também acima do peso. A moça reflete. Eles nem deviam estar aqui, a menos que seja pra pedir salada, pensa. Que exemplo essa mãe pensa que está passando à criança? Pergunta-se a moça sem filho algum.

Repara quando até o menino pede um lanche com mais recheios que o dela. Absurdo! E a mãe não fica nem um pouco atrás... como conseguem. Aqui ignora-se a rotina da família, seus hábitos e a herança genética. Gente gorda não merece comidas gostosas. Não merece roupas bonitas. Não merece relacionamentos felizes. Lembrou-se do desgosto quando via pessoas com quem acabara de se relacionar logo aparecendo com meninas mais gordinhas. Cadê o bom gosto que tinha quando estava com ela, tão empenhada e cuidadosa?


É assim que a meritocracia dos corpos funciona. Gente gorda não merece amar, ser amada, ser feliz, comer bem. O único tópico da pauta dessas pessoas precisa ser uma reeducação alimentar aliada a treinos pesados – como se ser gordo fosse sinônimo direto de má alimentação e sedentarismo. Pela meritocracia, gente gorda não merece viver bem porque não se esforça o suficiente.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A meritocracia é uma utopia


POR CLÓVIS GRUNER

Há algumas semanas, José António Baço escreveu aqui no blog sobre meritocracia. Volto ao assunto, mas para abordá-lo sob outro prisma e motivado por um comentário ao texto do Murilo Cleto, publicado no final de semana. Eis o comentário, reproduzido apenas parcialmente:

(...)

Na sociedade de mercado não há essa utopia, há diferenças de classes (como também há nas ditaduras ditas comunistas), porém, quando a sociedade aceita meritocracia e a enxerga com bons olhos, TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida.
A ideia de que a riqueza se resume a um bolo fatiado é estapafúrdia! Riqueza produz mais riqueza, a população não tem de se contentar com aquele pedaço do bolo, pois ele se multiplica, basta o cidadão estudar, se qualificar, trabalhar... mas isso poucos querem, então, para muitos, sobra a utopia do comunismo.

Se o autor realmente acredita no que escreveu, e a seguir seu raciocínio, os milhões de corpos que diariamente agonizam de fome são, não em última, mas em primeira instância, os responsáveis pela sua própria miséria. Se “TODOS têm condições de alcançar uma qualidade de vida”, bastaria ao indivíduo “estudar, se qualificar, trabalhar” e melhorar de vida. Afinal, se a meritocracia provou que “TODOS tem condições” de viver dignamente, é óbvio que o gajo só continua a fuçar no lixão ou a viver em um campo de refugiados porque quer – e porque, no fim das contas, ainda lhe “sobra a utopia do comunismo” a compensar o mau cheiro e a condição degradante de refugiado.

Minha fé na humanidade anda quase no negativo, mas mesmo assim me choca a ideia de alguém expressar em tão poucas linhas tanto desprezo e insensibilidade pelo sofrimento alheio. Quero acreditar que não foi intencional: ele apenas repetiu o que deve ter lido em algum lugar – uma página do Facebook, algum blog de direita, talvez um artigo assinado por um dos profetas do neoliberalismo que pipocam nas colunas de opinião. Nesse caso, o problema não é a indiferença, ou não só ela, mas a ignorância conceitual e histórica. E para isso há chance de cura: basta o cidadão estudar e se qualificar. O que, no fim das contas, dá sempre um pouco de trabalho.

MÉRITO PARA QUEM? – A ideia de “meritocracia” tem sua história, e ela é mais ou menos recente. Filha dileta e direta do liberalismo iluminista, ela surge em um contexto onde imperavam o privilégio dinástico e hereditário, em detrimento dos valores e qualidades individuais. Falo das chamadas “sociedades de corte”, com sua hierarquia social no limite da imobilidade e onde se decidia, desde o berço, quais as posições e funções sociais a serem ocupadas e exercidas. No Antigo Regime, e quem passou por um banco escolar sabe disso, imperava o “privilégio” em detrimento do “mérito”.

Os liberais dos séculos XVII e XVIII teceram severas críticas a uma sociedade que produzia permanentemente as condições – culturais, sociais, políticas, econômicas – de sua própria reprodução, privilegiando sempre os já privilegiados. Um dos alicerces dos seguidos ataques desferidos contra a aristocracia e a nobreza, a meritocracia surge radicalmente subversiva: por meio dela, não apenas se defendia o valor individual em detrimento das posições nobiliárquicas, como ao fazê-lo se asseverava a possibilidade de mobilidade e ascensão daqueles indivíduos dispostos a fazer um bom uso de sua inteligência (a expressão é kantiana) para ascender e conquistar, por merecimento, melhores e mais vantajosas posições sociais e econômicas.

Mas há um elemento fundamental que não escapou à sensibilidade dos primeiros liberais: o mérito, por individual que seja, não aflora senão em uma sociedade de igualdade; igualdade não ontológica, mas de condições e de oportunidades para todos os homens diferentes entre si. A meritocracia, noção tão castigada pelos liberais de internet, é produto de uma utopia, a do liberalismo, que opõem a uma sociedade atravessada por muitas desigualdades, a promessa de uma isonomia necessária para que os indivíduos pudessem exercer seus talentos sem que as condições desiguais entre eles favorecessem uns em detrimento de outros.

ASPIRAR A IGUALDADE – Diferente do comentário que motivou esse texto, a meritocracia não é uma panaceia a justificar a desigualdade social apelando à competência de alguns poucos enquanto acusa, irresponsavelmente, a indolência da maioria. Ela contém, desde o berço, a possibilidade utópica de que as condições objetivas mínimas de igualdade serão asseguradas para que os indivíduos possam, livremente, exercer seus talentos. Daí o projeto, acalentado pelos iluministas do setecentos, de uma educação universal, entendida como condição primária à aquisição das habilidades necessárias para que se pudesse, efetivamente, falar em uma sociedade baseada no mérito.

E não é preciso devorar tratados filosóficos, porque tudo isso está nos documentos fundadores do liberalismo político e da noção moderna de democracia: a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; e as Constituições americana e francesa, ambas de 1791. Em que pese as diferenças, há neles alguns conceitos chaves firmemente reiterados: todos os homens nascem e são iguais, e a cada um deles deve ser assegurado o direito à liberdade, a propriedade e a busca da felicidade.

Poucas ideias trazem uma energia tão utópica quanto essas. E poucas doutrinas aspiraram tanto à igualdade quanto o liberalismo. E é lamentável que o que sobrou foi pouco, tão pouco, ao ponto de poder-se  hoje resumir ideias e projetos políticos tão engenhosa e criativamente urdidos em meia dúzia de sentenças doutrinárias infelizes, que cabem na caixa de comentários de um blog.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Igreja Universal do Reino da Meritocracia


POR JOSE ANTÓNIO BAÇO


Houve um comentário ao meu texto da semana passada que chamou a atenção. Um dos leitores anônimos (tinha que ser), na sua fúria pessoal contra tudo que cheire a ideias de esquerda, soltou esta pérola: “os esquerdistas (derrotados profissionalmente, intelectualmente e culturalmente) nunca aceitarão a meritocracia”. É um fiel da Igreja Universal do Reino da Meritocracia.

O fato é que eu, um dos tais derrotados, tenho a ilusão de que o tema merece uma discussão. Primeiro porque o tal leitor apenas se limita a repetir um clichezão, sem apresentar argumentos sobre o tema. Afinal, o que é a meritocracia (essa nova religião)? Para o tal leitor deve ser uma espécie de “merecimento” que diferencia os derrotados dos vencedores. Os que são e os que não são.


Há pessoas para quem  mérito é trabalhar para ganhar dinheiro e, sobretudo, inscrever o seu nome o mais alto possível na escala social. Infelizmente para essa gente é um ideário que prevaleceu até aos anos 70 ou 80 do século passado. A lógica que estruturava as existências sobre os objetos (casa, carro etc) começa a perder vigor. As economias são culturais e a cultura já mudou muito, pelo menos no tal Primeiro Mundo.

O que é o mérito?  Há muitas variáveis a ter em consideração. Um torturador nos tempos da ditadura militar poderia ascender a posições de destaque na burocracia governamental com base no número de pessoas que levou ao pau de arara? Você seria capaz de rezar para esse santo? Ou, nas empresas, quem de nós não conhece algum “yes man” que subiu sendo apenas capacho dos superiores.

Os seguidores da meritocracia são crentes inamovíveis, portanto incapazes de ver que o mérito é algo relativo. Aposto que o tal leitor vê mérito na astrologia-filosófica dos textos de um Olavo de Carvalho mas nunca ouviu falar – e nem quer ouvir – de um Michel Lowy, um dos maiores intelectuais brasileiros, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, na França. Lembremos que Lowy é de esquerda, onde não há mérito.

Sou capaz de apostar todas as minhas fichas na ideia de que o tal leitor vê mérito no jovem burguês bem alimentado e educado em escolas particulares que consegue vaga numa universidade federal. Mas é contra as cotas porque não vê mérito num jovem negro, pobre e que estudou numa escola com ensino precário. Ora, se fosse uma corrida de Fórmula 1, o primeiro estaria a largar com muitas voltas de avanço sobre o segundo. Qual é o mérito?

A meritocracia é um método – como tantos outros – que pode ser usado pelas empresas ou pelos governos nas suas hierarquias. Mas não é uma fórmula rígida, nem matemática, capaz de ser uma bíblia da gestão. Se a meritocracia tem alguma vantagem para o sistema produtivo é despertar a ambição (qualidade que em tempos foi defeito) e a competição entre os trabalhadores. Mas isso interessa mais aos donos do capital do que aos trabalhadores.

E deixo para o fim deste texto o exemplo de alguém que certamente acreditava no poder da meritocracia. A redatora de publicidade Mita Diran, da Y&R da Indonésia, que morreu após uma jornada de três dias seguidos a trabalhar. Antes de morrer, cheia de orgulho ela escreveu no Twitter: “trabalhando há 30 horas e ainda firme e forte”. O mérito foi todo dela.

P.S.: Que fique claro. Não rejeito a noção de mérito, mas quem faz dele uma religião e uma arma a favor de um certo apartheid social: os derrotados e os vencedores. Porque isso não é meritocracia. É arrivismo. Favor não confundir.