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sexta-feira, 1 de abril de 2016
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Pit stop, demagogia e austeridade
POR CLÓVIS
GRUNER
Pra começo de
conversa: são hipócritas e eleitoreiras a imensa maioria das críticas aos
gastos presidenciais em Lisboa no final de semana. O assunto só mereceu tamanho destaque porque se trata de uma presidenta de esquerda, e sempre há
gente disposta a compartilhar factóides vindos da direita e masturbar-se indignar-se com eles, principalmente em ano eleitoral. Por outro lado, ele serviu para expor uma vez mais a pobreza - de idéias, argumentos, proposições - em que estão mergulhados a oposição e parte da chamada grande imprensa - o que, no Brasil, é praticamente a mesma coisa.
Há muito que
criticar no governo Dilma. As políticas de segurança pública e de direitos
humanos engataram marcha à ré nos últimos quatro anos; pode-se dizer o mesmo da
política indigenista. Na educação, os índices continuam muito aquém do
esperado, a mostrar que o propalado aumento no número de vagas, principalmente
nas universidades, é medida insuficiente sem investimentos estruturais em todos
os níveis. Além disso, a ampliação do arco de alianças comprometeu ainda mais o
outrora projeto político petista. Os resultados todos conhecem: a
co-responsabilidade do governo na eleição de Marco Feliciano à presidência da
Comissão de Direitos Humanos no ano passado é um deles. A presença da senadora
ruralista Kátia Abreu entre os aliados do governo, outro.
O problema é que
a oposição não está disposta a um confronto político pautado em projetos e
programas. Em parte, porque tem teto de vidro: é difícil criticar as alianças e
os aliados petistas depois de ter feito o mesmo nos anos de gestão tucana. Além
disso, é delicado posicionar-se sobre temas para os quais ela tem pouco a
mostrar no passado, quando foi governo, e ainda menos a oferecer em um futuro
próximo, quando pretende ser governo. Mesmo o esforço por transformar as
manifestações de junho passado em grandes atos “contra tudo” resultou em um
grande nada: Dilma segue liderando as pesquisas, e nem mesmo a entrada em cena
de um político de carreira como Aécio Neves conseguiu mudar o quadro. Sobra
pouco, e daí protestar contra a Copa e fazer de dois dias em Lisboa um
escândalo político parece ser uma boa opção.
DINHEIRO
PÚBLICO, CAPRICHOS PRIVADOS – Li gente defendendo os valores gastos no pit stop
presidencial argumentando que, afinal, ela estava em missão oficial, que nada
há de ilegal nos gastos e que eles são compatíveis com a dignidade do cargo.
Outros lembraram que Dilma apenas repete o que é prática comum entre nossos governantes e, por certo, não faltou quem lembrasse das muitas viagens de Fernando Henrique, uma delas com Regina “eu tenho medo” Duarte como convidada, sabe-se lá porque. É tudo verdade. Mas o buraco é mais embaixo. A
gastança de Dilma em Lisboa – e em Roma, no ano passado – é sintoma de um mal
antigo. Ela, Lula, FHC, todos sem exceção, reiteram um comportamento
recorrente em nossos representantes políticos: a ostentação à custa do dinheiro
público.
A coisa vem de
longe e os exemplos abundam. Basta ler as crônicas de Machado de Assis
sobre a vida na corte durante o Segundo Reinado, ou o panorama nada
alvissareiro que faz Lima Barreto dos primeiros anos da República: não satisfeitos
em fazer da coisa pública extensão de seus interesses e vícios privados, nossas
elites políticas se acostumaram a usar o dinheiro público para sustentar e alardear seus muitos
caprichos. Em uma cultura onde o consumo e a ostentação são dois dos principais
signos de distinção social, não chega a ser uma surpresa ver os
governantes valendo-se de uma coisa e outra para reafirmarem os privilégios que
seus cargos lhes conferem. Também não surpreende ouvir vozes antes emudecidas apenas agora reagindo, só aparentemente preocupadas com a austeridade. Ostentar não
é em si um problema; problema é quando um ex-operário e uma ex-guerrilheira
decidem dar um rolezinho.
Não, não estou
aqui a defender que Dilma deva hospedar-se em um albergue e comer um PF no
boteco da esquina. Mas oito mil dinheiros a diária, mesmo a de uma suíte presidencial,
é muito. Sei também que não resolveríamos nossos problemas economizando os
poucos “trocados” gastos em Lisboa. Mas seria no mínimo simpático, além de um
gesto simbolicamente significativo, a presidenta de um país onde milhões ainda
contam com o Bolsa Família para complementar a renda, dar o exemplo e hospedar-se em um bom hotel mais barato que o Ritz ou o Westin Excelsior. Parafraseando um ex-candidato a
prefeito de Joinville: dá pra fazer.
O presidente do
Uruguai, José Alberto Mujica, tem sua própria receita; ela não precisa
obviamente ser seguida à risca, mas poderia servir como parâmetro. Por outro
lado, difícil não anotar a esquizofrenia: os mesmos – colunistas, políticos de
oposição – que hoje criticam a ostentação de Dilma, provavelmente a chamariam de
demagoga – que é como se referem a Mujica – se ela decidisse praticar uma
política da “não ostentação”. Ser um presidente ou presidenta de
esquerda é meter-se em uma encruzilhada: se gasta e ostenta, esbanjou dinheiro público; se não gasta e é humilde, é demagogia populista. Mas é
este o nível da disputa política no país. E não vai melhorar. Ruim para
nós, que teremos de ver o debate público reduzido a
isso ou a algo pior nos próximos meses, até pelo menos as eleições.
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