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terça-feira, 20 de novembro de 2018

"Médicos cubanos" ou tráfico de pessoas?


POR JORDI CASTAN
Quando chegaram ao Brasil milhares de “médicos” cubanos, vestindo jalecos brancos, portando bandeiras cubanas e brasileiras. Gente que no marco do projeto “Mais Médicos” chegou para contribuir a reduzir o grave problema da saúde no país. Só alguém muito maldoso para enxergar nesse programa do governo Dilma Roussef, outro objetivo que não fosse o de melhorar o atendimento a essa boa parte da população que hoje está desatendida. Como alguém poderia identificar como sendo tráfico de pessoas o que é resultado de um convenio entre o governo brasileiro e o governo cubano, com a intermediação da OPS (Organização Panamericana da Saúde)?

É difícil estabelecer um grau de maldade ou de gravidade entre os diversos crimes que se cometem. Afirmar que um dos piores crimes é o tráfico de pessoas é arriscado, alguns dirão que o sequestro, o latrocínio ou o tráfico de drogas e será difícil discordar ou estabelecer critérios lógicos e objetivos para medir brutalidade, perversidade, premeditação ou aleivosia. Há no tráfico de pessoas, essa versão atual da milenar escravidão, extrema perversidade. As imagens de escravos sendo comercializados nas ruas de Trípoli ou Benghazi, são brutais. Como são brutais as imagens das meninas comercializadas como escravas sexuais, por poucos dólares, pelo Boko Haram no Níger, ou pelo Isis no Iraque.

Há no Brasil 2 médicos para cada 1.000 habitantes, pelas estatísticas o indicador não é ruim, seria o mesmo que tem o Japão, pero dos 1,9 da Coreia do Sul e não tão longe dos 2,6 do Estados Unidos. O problema era e continua a ser a péssima distribuição destes médicos pelo território nacional o que faz que muitas regiões remotas e no Brasil há muitas não tenham médicos na proporção necessária.

Importar profissionais para suprir uma carência é uma solução logica e praticada por muitos países ao longo da história. Canada, Austrália, Alemanha, entre outros, tem programas que estimulam esse tipo de imigração. Quando trabalhei em Sri Lanka tive oportunidade de conhecer a existência do Ministério para o Trabalho no exterior, com o objetivo de permitir a “exportação” de profissionais daquele país para outros países, principalmente nos EAU (Emirados Árabes Unidos), o objetivo do ministério era que não fossem explorados, que só partissem a trabalhar no exterior com contratos assinados e que lhes fossem garantidos seus direitos e condições de trabalho iguais ou equivalentes as do seu país. Em troca o país se beneficiava de um fluxo estável e regular de divisas para manter as famílias que ficavam em Sri Lanka.

“Importar médicos” tem, por tanto a sua lógica. O brasileiro em geral e os políticos em particular não fazem muitas perguntas, não gostam de fazer muitas perguntas, fazer perguntas expõe a sua ignorância, mostra o que não sabem e isso amedronta, mas fazer perguntas também quer dizer buscar respostas que não querem ser dadas. Questionar não é bem visto, cria incômodos, gera até conflitos. Se não houvesse havido um grande acordão entre a maioria dos políticos, para aprovar com rapidez e sem questionamentos o programa “Mais médicos” poderíamos saber:

- Por que não se exigiu que a titulação de médico fosse comprovada com proficiência? Alias o mesmo que já se exige a milhares de brasileiros que se formam na Bolívia, na Argentina ou em outros países.

- Por que o salário dos “médicos cubanos” não se pagava integralmente ao próprio médico e sim ao governo cubano, que acaba agindo como intermediador ou “gigolô” dos próprios médicos.

- Por que a situação legal dos “médicos cubanos” é a de intercambistas e com isso não podem ser contratados e sua relação de trabalho não se rege pela CLT?

- Por que os “médicos cubanos” não poderiam trazer as suas famílias? Ou permanecer no Brasil?

- Por que para os “médicos cubanos” se estabeleceram critérios laborais, profissionais diferentes dos demais profissionais?

- Por que o Brasil prefere pagar R$ 7 bilhões para Cuba e não desenvolve uma proposta para que os médicos formados nas universidades públicas prestem serviços “voluntários” para devolver ao país o custo ou parte do custo da sua formação?

É importante saber que dos mais de 85 mil médicos cubanos, 15 mil estão em missões espalhados por 60 países. Lá, geralmente fazem o trabalho em áreas onde médicos locais não vão. Em retorno, trazem para Cuba um valor estimado em US$ 5 bilhões por ano. É muito: dá duas vezes o que Cuba ganha com exportações. E representa 7% do PIB da ilha – de US$ 70 bilhões. Para comparar: o Brasil exportou US$ 243 bilhões em 2012. Dá 11% do nosso PIB. Ou seja: proporcionalmente ao PIB, Cuba fatura quase tanto com seus médicos quanto o Brasil levanta exportando petróleo, soja, minério de ferro, carros e aviões. O Mais Médicos é uma importante fonte de divisas para a ditadura cubana.

Aliás bom lembrar que a decisão irrevogável de retirar os “médicos cubanos” a partir do dia 25 de novembro, foi uma decisão unilateral do governo cubano, tomada antes mesmo que o novo governo assuma em janeiro, e que surpreendentemente 196 já tinham retornado a ilha. Atitude que reforça o caráter eminentemente político da decisão.

(*) em quanto a titulação dos “Médicos cubanos” não seja validada por uma revalida igual a dos médicos brasileiros ou de outras nacionalidades formados no exterior, devemos olhar com suspeição a capacidade profissional dos ditos “Médicos cubanos”.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Medicina sem partido


POR CLÓVIS GRUNER
Em 1999, na gestão FHC, eles eram “o milagre que veio de Cuba”. Em 2013, no governo Dilma, conheceram bem de perto do que é possível a cordialidade brasileira. Apesar do preconceito, médicos cubanos seguiram atuando no Brasil nos últimos cinco anos, especialmente nas periferias urbanas ou em regiões do interior, cuidando especialmente do que se chama “medicina primária”, uma das nossas principais carências.

Na quarta (14), o governo cubano anunciou que deixará o “Mais Médicos” depois das declarações e das condições anunciadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. O resultado dessa “medicina sem partido” preconizada pelo fascista serão cerca de nove mil médicos a menos, justamente naqueles lugares onde sua presença é fundamental.

Para se ter uma ideia do impacto da decisão, são 2.885 municípios no país atendidos pelo programa, a maioria em áreas vulneráveis: no Norte e no semiárido nordestino, cidades com baixo IDH, reservas indígenas e periferias dos grandes centros urbanos. Desse total, pelo menos 1.575 municípios só possuem médicos cubanos do Programa.

Os inúmeros especialistas em Cuba e no “Programa Mais Médicos” que surgiram nas redes sociais desde a quarta, defendem Bolsonaro argumentando que os cubanos trabalhavam sob um regime escravo e que o presidente eleito não fez mais que confrontar Cuba, exigindo do regime que respeitasse os profissionais que atuam aqui.

A imaginação é o limite - Sabemos que não é o caso, mas vamos admitir como verdade por um minuto (pra deixar fluir a conversa), que Bolsonaro estivesse mesmo preocupado com a situação talvez precária dos médicos cubanos no Brasil. Vamos fazer de conta que o presidente que prometeu eliminar opositores na Ponta da Praia e tem como referência um estuprador, torturador e assassino, de repente se preocupou com os Direitos Humanos, que sempre desprezou.

Vamos supor ainda que o presidente disposto a retirar direitos de trabalhadores brasileiros queira, algo contraditoriamente, garantir os mesmos direitos a trabalhadores de outro país. E enfim, vamos imaginar que Bolsonaro, depois de prometer em uma canetada mandar 14 mil "médicos" (as aspas são dele) para Guantánamo cuidar dos petistas (os que não morrerem na Ponta da Praia), reconhece a importância dos de nove mil (não 14) cubanos que atuam no Brasil.

Combinados? Então, como presidente eleito, o que ele deveria ter feito era chamar os representantes do governo cubano para uma rodada de negociações oficiais, expor suas preocupações e tentar construir um novo acordo, algo mais próximo do que considerasse razoável. E o que ela fez? Tripudia e desqualifica os profissionais, e ameaça um país, independente do que se pense dele, soberano. E tudo, basicamente, pelo Twitter. Esse é o presidente que elegemos e nosso pesadelo pelos próximos quatro anos.

Um começo seria ele entender que, agora, qualquer declaração sua não repercute mais apenas entre seus eleitores. Não estamos mais falando de kit gay e mamadeira com bico de piroca, mas de políticas de governo. Alguém precisa explicar a Bolsonaro a diferença. Mas não contem pra isso com seu futuro Ministro das Relações Exteriores.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Desculpa aí, Juan

POR FABIANA A. VIEIRA

 


Juan Melquiades Delgado, passaria despercebido esse ano, não fosse aquele fato vergonhoso em Fortaleza. Cubano, negro, foi hostilizado assim que chegou no Brasil por um grupo de "doutores" vestindo jaleco branco que o aguardava no aeroporto. Aliás, se é pra eleger o mico do ano, com certeza foi esse.
O discurso cheio de xenofobia causou "vergonha alheia" até naqueles que fazem oposição ao governo. Não se trata aqui de ser governista, ou não. De apoiar o programa Mais Médicos, ou não. O que eu estou falando é de respeito ao próximo e do discurso hipócrita de que não existe racismo no Brasil.Existe racismo, existe muita ignorância e existe ódio. 
Ele não falou nada. Ele não revidou. Eu nem sei se compartilho das suas ideias para escolhê-lo como personalidade do ano. Mas gostaria de homenageá-lo com um pedido de desculpas. Aliás, se eu encontrasse com o Juan mil vezes, eu pediria desculpa mil vezes.
E, pra quem não sabe, o Juan hoje está morando em Zé Doca, no interior do interior do Maranhão. Lá ele trata da saúde de uma comunidade indígena, que há tempos não via um médico. Valeu, Juan.



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Hay que endurecerse, pero con la ternura jamás



POR CLÓVIS GRUNER

Os médicos cubanos chegaram. E tiveram uma recepção digna de um país cuja elite é não apenas pouco solidária, mas pouco civilizada. Tudo muito diferente da experiência de 1999, quando os médicos trazidos por FHC e José Serra foram festejados como o “milagre que veio de Cuba”. O discurso do Conselho Federal de Medicina também era outro. Não se falava em falta de estrutura ou condições de trabalho. O problema era a ausência de uma política de interiorização que incentivasse médicos a atuarem em cidades longínquas. O principal contratempo, dizia-se, era salarial. Outra legenda, outros discursos.
 
Das inúmeras manifestações, algumas se destacaram pelo grau de indignidade. A mais vergonhosa foi a do aeroporto de Fortaleza, que reafirmou a imagem que insistimos em negar: a de um país racista, intolerante, preconceituoso e elitista. A cor regional quem deu foi o jornalista Paulo Eduardo Martins, titular de uma coluna em um dos telejornais de Curitiba (veja o vídeo aqui). A primeira parte da argumentação se sustenta em uma mentira. É claro que a situação da saúde pública no interior é problemática, mas as condições são precárias também nas grandes cidades. Não é por falta de estrutura e condições de trabalho que a maioria dos brasileiros se recusa a trabalhar no interior, e disso já sabia o CFM há mais de uma década. Sobre a segunda parte do argumento, reconheço-lhe um mérito: não é qualquer um que se expõe ao ridículo e consegue preservar certo ar de dignidade. Há coisas que só Olavo de Carvalho faz por você.

No segmento dito sério da chamada grande imprensa, a preocupação foi com as condições de trabalho dos médicos. Ver profissionais manifestarem sua apreensão para uma inexistente condição escrava chega a ser comovente. Mas eles mereceriam algum crédito se o tivessem feito já em 1999, por exemplo. Ou se demonstrassem a mesma indignação quando das denúncias de trabalho escravo nas fazendas brasileiras, ou nas confecções que fornecem para grifes chiques como a Zara e Le Lis Blanc. Não tenho ilusões: é o prazer inconfessável de chamarem impunemente de “escravo” um negro, o que explica a repentina preocupação de alguns manifestantes, jornalistas ou não, antes indiferentes a situações, além de pertinentes, reais.

POR QUE MÉDICOS ESTRANGEIROS? – É óbvio que a chegada de médicos estrangeiros não resolve nossos problemas. E deveria ser igualmente óbvio que distribuir profissionais pelo interior do país não significa deixar de investir no fortalecimento da saúde pública em todos os seus aspectos. O que se pretende é suprir uma de suas demandas, a da chamada “medicina básica”, para a qual os médicos ditos generalistas são tão fundamentais e necessários quanto aparelhos de última geração - e em alguns casos, até mais. É má fé tentar nos convencer que o que está em jogo é uma preocupação legítima com a saúde pública, como tentam formadores de opinião e dirigentes de classe. Aliás, nesse sentido é absolutamente esclarecedora a entrevista de Henrique Prata, diretor do Hospital de Câncer de Barretos: o interior do Brasil, diz, carece de atendimento primário, de médicos dispostos a fazer o que ele define como “triagem” (veja a primeira parte do programa aqui).

E é para esse tipo de trabalho que foram recrutados os médicos cubanos. Indaga-se sobre suas formações. Pois bem, em geral eles têm mais de uma década de formados e fizeram residência; a maioria já atuou em outros países em missões semelhantes à brasileira; cerca de 20% cursou mestrado e 40% tem mais de uma especialização. Se isso não é o suficiente, há a experiência cubana que, em parte justamente pelas precárias condições econômicas do país, investiu nas últimas décadas em uma medicina assistencial e preventiva, responsável entre outras coisas pelo mais baixo índice de mortalidade infantil das Américas, da ordem de 4,5 por cada 1.000 nascimentos. Garantiu assim tanto assistência interna quanto a possibilidade de trazer divisas por meio da “exportação” de seu modelo e seus profissionais.

A expectativa não é que eles atuem em áreas especializadas ou lidem com maquinários e procedimentos de ponta, ainda que certamente alguns deles pudessem fazê-lo melhor que muitos brasileiros. Mas que exerçam algo próximo ao que se chamava, em passado não tão distante, de “medicina familiar”, de caráter – insisto nisso porque é importante – mais assistencial e preventivo. E não é demais lembrar que eles vieram principalmente porque a oferta feita aos médicos brasileiros foi solene e arrogantemente recusada, quando não simplesmente boicotada pelas entidades de classe.

Não tenho dúvidas: a esmagadora maioria dos que criticam o Mais Médicos e a atuação dos profissionais cubanos, o fazem movido por razões que são corporativas e ideológicas, quando não puramente partidárias. Há, especialmente entre os médicos, os que temem a alteração nas expectativas da população em relação ao padrão do serviço hoje oferecido, enfatizando-se o atendimento público e preventivo, exatamente aquilo que a maioria dos nossos profissionais não está disposta a fazer. Muitos críticos, consciente ou inconscientemente, legitimam os interesses das corporações privadas de consultórios, planos de saúde, laboratórios e da indústria farmacêutica, pouco se lixando para as necessidades das populações interioranas e carentes, necessitadas e dependentes do atendimento público – exatamente aquele de que não precisam os que vaiam os médicos que vieram de Cuba.

Como é comum na postura de nossas elites, mais uma vez a empatia com o outro é zero. E como mostra a imagem no alto deste texto, onde faltam empatia, civilidade e solidariedade, sobram os males que carecem de diploma para serem diagnosticados: o ódio, a raiva, o ressentimento e o preconceito.