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quinta-feira, 15 de setembro de 2016

E Lula foi, enfim, denunciado


POR CLÓVIS GRUNER

Um dos melhores comentários sobre a entrevista coletiva de ontem (14), em que o Ministério Público apresentou o teor das denúncias contra o ex-presidente Lula, e mais especificamente sobre o desempenho do procurador da República Deltan Dallagnol, veio do Facebook: “o cara anunciou os Rolling Stones e apresentou um Engenheiros do Hawaii”. Entre um discurso repleto de palavras e frases de efeito, em que se destaca o neologismo “propinocracia”, o procurador afirmou, aparentemente sem deixar margem para dúvidas, que Lula é o “comandante supremo”, “fundador” e “maestro” de uma “governabilidade corrompida”. 

O discurso de Dallagnol é, evidentemente, político, e seja na entrevista ou na denúncia apresentada pelo MPF, aquelas afirmações simplesmente não se sustentam – em linhas gerais, as 149  páginas da denúncia reiteram o que foi dito aos jornalistas durante a coletiva. De mais objetivo, há evidências para comprometer Lula como beneficiário das reformas no já famoso apartamento tríplex do Guarujá o que, do ponto de vista tanto jurídico como ético, deveria ser suficiente para os procuradores.

Obviamente não é o caso, e na ausência de provas abundam convicções. Não faltarão aqueles dispostos a acreditar nelas, convictos igualmente de que elas bastam para atestar a culpa de Lula. Mas não me parece tão simples. Primeiro porque, como resumiu o professor Pablo Ortellado, “não é verossímil que um esquema de corrupção da magnitude daquele apontado pela Lava Jato tenha como mentor e líder alguém cujo benefício sejam reformas num sítio e num apartamento. Não faz sentido roubar o equivalente ao PIB do Uruguai e a cota do chefe ser uns pedalinhos para os netos”. 

A essas alturas já é óbvio para muitos que os roubos bilionários na Petrobras são absurdamente escandalosos. Mas se o MPF pretende realmente implicar Lula como o principal beneficiário do esquema criminoso, deve ser capaz de apresentar mais que ilações ou, para voltar ao termo que desde ontem viralizou, “convicções”. Ele necessita de provas. Se não as possui, precisa se contentar em dar às coisas o tamanho que elas tem, para que se puna os responsáveis de forma coerente. A performance dos procuradores não oferece isso, e mesmo se fosse o caso de defende-la alegando tratar-se, os exageros, de “peça retórica”, a assimetria entre o discurso retórico e a peça jurídica é simplesmente gritante. 

Assimetria observada pelo insuspeito Reinaldo Azevedo, que há anos torce e se esforça para ver Lula na cadeia. Na sua coluna de ontem, o blogueiro da Veja reclamava que “a denúncia de Dallagnol serve para inflamar a opinião pública, mas constrange, na mesma medida, os meios jurídicos”. E o que provavelmente perturbará as noites de sono do colunista não é apenas a perspectiva de, ante uma peça tão frágil, Lula permanecer solto ou cumprir uma pena leve caso condenado pelo recebimento dos “mimos” da OAS. É que, em meio a uma verdadeira guerra de narrativas em curso no país, a denúncia contra Lula pode servir para reforçar, entre seus defensores, a tese de que o único objetivo da Lava Jato, a razão primeira de sua existência, é a criminalização e a destruição do PT e, consequentemente, das chances eleitorais de Lula em 2018. 

O espetáculo não pode parar – A depender da leitura que se faça dos eventos de ontem, as evidências disso podem ser ainda mais claras do que aquelas que ligam Lula ao tríplex do Guarujá. Até agora nada foi feito, por exemplo, em relação às gravações telefônicas entre Romero Jucá e Sérgio Machado, vazadas em maio. Corroboram a versão de que o impeachment foi orquestrado para prejudicar a Lava Jato a demissão, por telefone, do Advogado Geral da União, Fábio Medina Osório, que acusou o governo Temer de tentar obstruir as investigações que envolvam aliados. Sobre ambos os eventos reina um incômodo silêncio do Ministério Público, que sequer se pronunciou a respeito, o que poderia e deveria ter feito. 

Igualmente, provoca desconforto que a denúncia contra Lula use e abuse das delações premiadas como evidência de culpa, ignorando que essas mesmas delações implicam figuras graúdas do atual governo e de sua base aliada, que seguem sem serem perturbadas. A mesma tranquilidade de que parece gozar Michel Temer à medida que as possibilidades da cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE se apresentam cada vez mais distantes. No governo, avalia-se que a denúncia contra Lula pode ter impacto, além de eleitoral, também nas ruas, fazendo recuar as manifestações pelo “Fora Temer”. Mas isso pode ser um engano.

Poucos negarão que a postura do MP, sua obsessão em transformar Lula em um capo, independente do que as provas – ou a ausência delas – dizem ou permitem dizer, reafirma a imagem de um líder criminoso que tem sido fartamente utilizada pelo anti-petismo. Mas ela igualmente dá ao PT e seus defensores um mártir. Lula sobreviveu ao Mensalão em parte recorrendo a sua habilidade em acionar afetos mais que a razão, a adesão imediata e entusiasmada, porque afetiva principalmente. Não tenho dúvidas que ele fará o mesmo, e a defesa apaixonada de sua imagem desde ontem, principalmente nas redes sociais, aponta justamente para isso. Vítimas ele e o PT, ambos se eximem, novamente, de reconhecer seus erros e assumir suas respectivas cotas de responsabilidade pela crise política. 

Líder supremo da “República de Curitiba”, Sérgio Moro é também um estudioso e profundo conhecer da Mãos Limpas, sobre a qual escreveu e publicou um artigo em 2004, “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Ler o acadêmico Moro é reconhecer, em cada linha, os passos e estratégias do juiz Moro, porque parte de sua conduta à frente da Lava Jato reproduz, ou tenta, as estratégias adotadas pelos magistrados italianos, entre elas o uso das delações premiadas e a crença de que a “opinião pública”, na impossibilidade de prevalecer a lei, poderia lhe servir como um substituto, ainda que simbólico.

Mas as virtudes da Mãos Limpas contribuíram também para sua fragilização. Acusada, entre outras coisas, de produzir um espetáculo midiático de resultados efetivos aquém do esperado, ela sucumbiu em parte porque perdeu o apoio da sociedade italiana, inicialmente uma entusiasta da operação. Muito próximos a Moro, com quem trabalham em um regime de franca e aberta cooperação, os procuradores da República precisam lembrar disso sempre que pretenderem protagonizar espetáculos midiáticos de consistência e resultados jurídicos duvidosos. Sob o risco de verem a Lava Jato reduzida a uma operação com potencial para inflamar ainda mais o país, mas desacreditada em sua capacidade de, efetivamente, desafiar a corrupção e seus agentes. 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Ao PMDB o que é do PMDB















POR SALVADOR NETO

O sistema político vigente passa por seu momento mais crítico com a iluminação dos intestinos do modo brasileiro de fazer política. Com a ampliação da liberdade de investigação do Ministério Público, Polícia Federal e a antiga Controladoria Geral da União, atual Ministério da Transparência no governo interino Michel Temer, que passou a existir, e cresceu nos governos Lula e Dilma, a operação Lava Jato e outras operações desnudaram a corrupção na Petrobras, Carf e outros órgãos. 

Finalmente as famosas delações premiadas mostram as entranhas do financiamento de campanhas políticas, partidos e políticos Brasil afora. Não é de hoje que as grandes empresas, inclusive empreiteiras que hoje aparecem com seus executivos presos, irrigam projetos, nacionalistas ou não. Caixa dois sempre foi igual ao jogo do bicho: todo mundo sabe, joga, mas convive. Sempre foi assim. 

O fato é que ao poder investigar a fundo os esquemas, sem engavetamentos que eram corriqueiros até o final dos anos 1990, os órgãos fiscalizadores chegaram à ponta do iceberg. Sim, porque o que vemos é apenas a parte visível da corrupção que deixa o país paralisado e refém. Vemos hoje que obras poderiam custar de 30 a 40% mais baratas aos cofres públicos. A institucionalização da corrupção pela velha política é um vírus resistente. Resiste porque ficou crônico no tecido social brasileiro.

Eis que esse vírus resistente começa agora a ser colocado abaixo de muita luz. Está hoje em todos os jornais que em sua delação premiada, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado citou 23 políticos de diferentes partidos. Segue a lista: PMDB - Michel Temer, Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá, José Sarney, Jader Barbalho, Henrique Eduardo Alves, Gabriel Chalita, Valdir Raupp, Garibaldi Alves, Walter Alves. PSDB - Aécio Neves, Sergio Guerra. PT - Candido Vaccarezza, Luis Sergio, Edson Santos, Ideli Salvatti, Jorge Bittar. PP - Francisco Dornelles. PCdoB Jandira Feghali. DEM - Agripino Maia, Felipe Maia. PSB - Heráclito Fortes.

O que há de novo? A cúpula do PMDB, partido que sempre escapou das lupas da imprensa e das investigações por concentrar muito poder a cada governo federal que ocupa o Planalto desde a redemocratização. O poder gigantesco do partido sempre ficou escondido, pois nunca comandou o poder central. Partido forte em municípios e tendo comandado alguns estados, jamais criou liderança capaz de liderar projeto nacional. Aliás, jamais foi interesse da turma citada agora por Sergio Machado ter o nome no topo, mas agir em suas pequenas repúblicas. Em silencio, nas sombras. Mas sempre forte, dando as cartas.

O PMDB chegou ao comando do país com Michel Temer, agora enrolado até o pescoço também na Lava Jato, fazendo o que sabe fazer melhor na política, articulando nos bastidores o golpe parlamentar que afastou a presidente eleita Dilma Rousseff. Estavam crentes que chegara a hora de saltar ao poder central para voltar aos tempos antigos onde nada se investigava, e claro, poder manter o formato velho e arcaico de fazer política. E voltaram a se unir como antes com PSDB, DEM e outros.

Comandos de estatais poderosas, ministérios endinheirados, com capilaridade nos estados e muita obra para tocar. Tudo isso ficou claro nos áudios que o próprio Sergio Machado, correligionário de longa data dos caciques peemedebistas, gravou. A trama ficou claríssima. Eduardo Cunha, agora radioativo ao PMDB e Temer, comandou até ontem a bancada na Câmara, onde foi presidente. Esse é o verdadeiro PMDB hoje. O MDB de 1965 não existe mais.

Ao PMDB o que é do PMDB. O poder sempre, nem que seja para ficar ocupando espaços secundários, sem a ribalta da Presidência. Em Santa Catarina foi assim, aliança com o DEM, antigo PFL nos tempos de Paulo Afonso. Depois com LHS, entregou os anéis ao grupo de Jorge Bornhausen (PFL, DEM, PSD, PSB) fazendo de Raimundo Colombo governador. Em Joinville, LHS entregou o governo ao PSDB para chegar ao governo do Estado, e quando não aceitou o caminho do ex-aliado, chegou a ajudar o PT com Carlito Merss em 2008. 

Ao sentirem-se desprestigiados, largaram Carlito e aceitaram o neófito Udo Döhler no partido, tudo ao empresariado para voltar ao poder mais fortes. Conseguiram vencer, e hoje comandam Prefeitura e Câmara de Vereadores. Com tudo isso, colocaram Joinville em marcha a ré. Algo deu errado em Brasília, e chega ao município mostrando que o PMDB não é aquilo tudo que vendem. Que avancem as investigações, porque a corrupção não está em um partido, está em vários, inclusive no antigo manda brasa. Mais luz por favor. 


É assim, nas teias do poder.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

A conta saiu cara


POR CLÓVIS GRUNER

"Tá todo mundo se cagando, presidente. Todo mundo se cagando. Então ou a gente age rápido”. As frases, ditas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a um dos principais caciques do PMDB, José Sarney, eram um apelo de Machado ao ex-presidente da República. Ele pretendia que ele usasse seu poder e influência para barrar as investigações da Lava Jato, com potencial para levar “toda a classe política para o saco”, e de preferência antes da delação premiada dos executivos da Odebrechet, porque “não há quem resista à Odebrecht”. Sarney propõe, como saída, a posse do então vice-presidente Michel Temer, que teria o apoio da oposição “diante de certas condições”.

O diálogo com Sarney deu sequência a uma conversa anterior, do mesmo Sérgio Machado, com Romero Jucá, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff, também senador pelo PMDB e por um breve período Ministro do Planejamento de Michel Temer. Ainda mais explícito, Jucá fala textualmente que é preciso “resolver essa porra. Tem que mudar o governo para poder estancar essa sangria”, e sugere uma “articulação política” envolvendo o PMDB, à época das gravações, em março, ainda na base aliada mas já ensaiando sua saída do governo petista, e a oposição, também na mira das investigações da Lava Jato.

Experiente, o presidente do Senado Renan Calheiros, do PMDB, aconselha primeiro mudar as normas que regulamentam a delação premiada (“não pode fazer delação premiada preso”), instrumento fundamental da Operação, e negociar a transição com os ministros do STF, todos “putos com ela”, Dilma Rousseff. Feito isso, PMDB e oposição podiam “passar a borracha” e dar a posse a Michel Temer. Nos planos de peemedebistas e tucanos, a interinidade seria mera formalidade, porque a deposição definitiva de Dilma já era favas contadas, já que se tratava de componente fundamental à garantia de que terminariam todos, impunes.

As coisas não saíram exatamente como o esperado. Ontem, ficamos sabendo que Rodrigo Janot, o Procurador da República, pediu ao STF a prisão de Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney e do deputado afastado Eduardo Cunha. A alegação de Janot, com base nas gravações das conversas entre Machado e os senadores do PMDB, é de que eles estariam tramando para atrapalhar as investigações da Lava Jato. No caso de Cunha, o Procurador sustenta que, mesmo afastado, o deputado continua a interferir nas investigações contra ele na Justiça e na Câmara dos Deputados, inclusive ameaçando integrantes do Conselho de Ética. A decisão de acatar ou não os pedidos de prisão cabe agora ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF.

O PREÇO DA IMPUNIDADE – Não é novidade e nem uma surpresa que a notícia caiu como (mais) uma bomba no interino, ilegítimo e acuado governo Temer. Se desde antes da vergonhosa sessão da Câmara que votou pela admissibilidade do processo contra Dilma Rousseff já estava claro que o processo contra a presidenta era uma verdadeira chicana, as semanas de interinidade do nada novo governo não apenas confirmam aquela primeira impressão, mas lançam nova luz sobre a extensão e a profundidade do arranjo criminoso forjado para, justamente, empossar um governo feito sob medida para livrar corruptos da cadeia e garantir a sobrevivência política de quem se sentia ameaçado pelas investigações da Lava Jato.

Se os diálogos de Sérgio Machado com as lideranças peemedebistas já comprometiam irremediavelmente a versão de que a presidência de Temer surgia para “refundar” a nação, a possibilidade de que Sarney, Jucá, Calheiros e Cunha – um quarteto formado por um ex-presidente da República, dois senadores (um deles ex-ministro, outro presidente do Senado) e um deputado ex- presidente da Câmara – sejam encarcerados, sela a imagem do governo Temer como ilegítimo, e dá razão ao editorial do New York Times, que conferiu a ainda breve gestão do presidente interino a “medalha de ouro em corrupção”.

Mas se a tese moralizadora é hoje insustentável, as perspectivas a curto e médio prazo tampouco são animadoras. Acuado e fragilizado, é bastante provável que Temer não meça esforços para impor, em um curto espaço do tempo, a agenda que negociou em troca de apoio. E se já vivíamos, sob o governo Dilma, a ameaça da precarização dos direitos sociais, as chances aumentam consideravelmente agora que a Fiesp está disposta a mostrar, na prática, que não vai mesmo pagar o pato. A situação não é melhor no parlamento, não apenas o mais conservador desde a democratização, mas também o que levou a noção de fisiologismo a patamares vergonhosos.

De certo, apenas a incerteza, por mais contraditório e paradoxal que possa parecer. Obviamente, não há motivos para comemorar mais essa crise – até porque, não esqueçamos, a situação do PT e de algumas de suas principais lideranças não é nada confortável, as chances de Dilma voltar à presidência seguem mínimas e, caso volte, também não são alvissareiras as perspectivas para a continuidade de seu governo. Mas é preciso, mais que apenas lamentar, denunciar o fato de que as articulações escusas que visavam manipular a Constituição, derrubar uma presidenta eleita, empossar um vice disposto a barrar investigações e acobertar investigados para  livrar políticos corruptos da cadeia, não custou caro só ao governo. É o país, afinal, quem vai pagar a conta.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Três argumentos sobre a crise e o governo Temer












Por Clóvis Gruner

É ilegítimo, mas não é golpeO governo Temer não nasceu de um golpe. Ainda que o impeachment de Dilma Roussef seja uma verdadeira chicana conduzida para atender os interesses escusos justamente daqueles que a julgam – e que, não por coincidência, compõem o novo governo –, nem por isso o termo “golpe” serve para definir o processo movido contra a presidenta, e que culminou com seu afastamento no último dia 12. Não serve do ponto de vista estrito, como algo desferido de fora e cuja força é externa, já que a articulação para derrubar Dilma foi urdida principalmente desde dentro do governo e de sua base aliada. Mesmo depois da decisão de romper com um governo do qual fez parte por mais de uma década, tomada em míseros três minutos, o PMDB manteve, além do vice, um bom punhado de ministérios. Já que estava em curso um golpe, seria coerente a demissão dos ministros dissidentes pela presidenta, o que não aconteceu. 

Mas mesmo se a tomarmos em um sentido mais amplo, a ideia de golpe também é problemática. E não porque o rito seguiu a Constituição, garantindo ao menos formalmente ampla defesa do governo; nem tampouco porque a decisão pela abertura do processo foi votada por ampla maioria na Câmara dos Deputados: quem acompanhou o processo sabe que sua base jurídica, no mínimo frágil, foi ofuscada pelos arranjos e interesses políticos em jogo. Arranjos e interesses de que o governo participou, ao passar meses tentando construir alternativas à sua queda, incluindo negociações com os mesmos agentes políticos que hoje chama de “golpistas”. E continuariam a governar com eles se tivessem algo vantajoso a oferecer em troca do voto.

Por outro lado, a narrativa do golpe traz inúmeras vantagens, a começar pelo fato de que não é necessário um exame crítico das próprias condutas: um governo e um partido vítimas de um golpe, afinal, não precisam prestar contas de seus erros. E eles são muitos, a começar pela forma como o PT não apenas manteve, mas reproduziu as mesmas práticas fisiologistas de coalizão, incluindo a aliança com o PMDB e o PP (que já foi PPB, PPR, PDS e, em um passado nem tão longínquo, Arena). Ao mesmo tempo, foi em parte para minar o poder peemedebista que PT e governo incentivaram Gilberto Kassab a fundar o PSD, hoje também um dos principais articuladores do impeachment. E se hoje há quem se horrorize com os encontros de Temer com Malafaia, é recomendável não olvidar que a IURD já ocupou acento nas reuniões ministeriais do governo Dilma, e que a aproximação do PT com as igrejas evangélicas começou com Lula, que chamou José Alencar para seu vice.

Em 13 anos os governos petistas não avançaram o suficiente, ou simplesmente não avançaram, em temas fundamentais: o imposto sobre grandes fortunas; o marco regulatório dos meios de comunicação; a descriminalização do aborto, a criminalização da homofobia e a legalização das drogas são apenas alguns deles. A política desenvolvimentista (não confundir com desenvolvimento), de que Belo Monte tornou-se símbolo, foi priorizada a um custo social altíssimo, especialmente para aquelas comunidades que vivem à margem dela. E há as inúmeras denúncias de corrupção. Se, por um lado, pode-se dizer que as investigações foram politizadas e espetacularizadas ao extremo, por outro é difícil apostar na inocência do PT e de algumas de suas lideranças, e acreditar que tudo não passa de uma grande conspiração da justiça, da mídia e da oposição, quiçá com apoio e participação internacionais, para perpetrar um “golpe” e voltar a ser governo.

A meta é não ir pra cadeiaO Ministério de Temer é constituído, à exceção de alguns quadros do PSDB e DEM, pelos mesmos partidos e políticos que em algum momento dos últimos trezes anos estiveram no governo ou próximo a ele. Em uma entrevista concedida quando a palavra impeachment saiu das ruas e adentrou os gabinetes e articulações políticas da base aliada e da oposição, o agora chanceler José Serra disse que Temer precisaria montar uma “equipe surpreendente”. O problema é que, fora Henrique Meirelles (aliás, um dos “homens fortes” da economia na gestão de Lula), um nome técnico, todos os demais são escolhas políticas, verdadeiras nulidades nas áreas que irão comandar e, não poucos, estão envolvidos em escândalos de corrupção, incluindo a Lava Jato.

Não há nada de surpreendente nisso: o governo Temer surgiu para frear as investigações de corrupção e assegurar a impunidade aos que sempre se souberam impunes. É um governo feito para livrar criminosos da cadeia e, nesse sentido, o impeachment foi, fundamentalmente, uma garantia de sobrevivência política. Os arranjos começaram a aparecer cedo. Na segunda seguinte (18/4) à vergonhosa votação na Câmara dos Deputados, o ministro do STF Gilmar Mendes sugeriu, em entrevista concedida ao programa “Roda Viva”, que Michel Temer poderá ser absolvido no TSE agora que Dilma, a cabeça de chapa, estava virtualmente deposta. Trata-se do mesmo ministro que na semana passada, em 24 horas, autorizou e depois suspendeu o pedido de abertura de inquérito contra Aécio Neves, do PSDB, pela Procuradoria Geral da República. Há alguns dias a Folha de São Paulo alertou para o fato de que a meta do PMDB é neutralizar e reduzir os danos da Lava Jato. Do PMDB e dos tucanos, eu acrescentaria.

A estratégia tem tudo para dar certo. Além de se apoderar dos mecanismos do Estado, o novo governo contará com a conivência cínica dos indignados que amassaram suas panelas e envergaram o uniforme verde amarelo da CBF não contra a corrupção, mas contra o PT. Além da disposição dos principais setores da mídia a cooperar com Temer e a nova situação em nome de uma intolerável “conciliação”. Restará, no parlamento, uma oposição à esquerda minoritária e fragilizada pela derrota, sem força para fazer frente a um esquema minuciosa e profissionalmente arquitetado para que tudo volte ao que sempre foi.

Além disso, o novo ministério revela um governo desconectado não apenas do país, mas do século em que vive. Temer e seus ministros não se veem à frente nem estão dispostos a governar um país moderno: plural, multicultural, multiétnico e recortado por diferentes clivagens (gênero, idade, orientação sexual, etc...). O Brasil do presidente interino é, fundamentalmente, masculino, branco e hetero, e sua composição diz muito sobre a sensibilidade social do governo (ou a ausência dela), bem como sua compreensão limitada do que significa, hoje, democracia. O mais irônico é que, com esse desenho, estamos mais próximos dos governos ditos bolivarianos, do que dos países norte americanos e europeus de democracia liberal já consolidada. Mas isso tampouco importa porque, no fim das contas, a meta não é unificar ou refundar o país: é simplesmente escapar da cadeia.

A culpa é do PT e dos “petistas”A mais nova onda é usar o voto na chapa Dilma Rousseff-Michel Temer para desqualificar toda e qualquer crítica ao presidente interino. A lógica do “eu não votei no Temer, vocês sim” não é nova. Ela atualiza a máxima “A culpa não é minha. Eu votei no Aécio”, corrente antes do próprio Aécio afundar na lama e os indignados arrancarem os adesivos dos carros e se justificarem com o bordão segundo o qual eles “não tem bandido de estimação”. Eu votei em Dilma no segundo turno, e é verdade que junto com ela ajudei a eleger Michel Temer, candidato a vice em um programa de governo que a 54 milhões de eleitores pareceu a melhor opção ou, como foi o meu caso, a menos pior.

Mas há nessa acusação de “culpa” alguns problemas. Dois mais imediatos. Primeiro, confunde propositalmente os eleitores de Dilma com “petistas”, como se voto e militância fossem equivalentes. O segundo: Temer, como acabei de dizer, era o candidato a vice em um programa de governo com o qual, supostamente, estava comprometido. Caso assumisse o governo, esperava-se que ele continuasse a implementá-lo. Que ele não o esteja, reforça o caráter oportunista, desonesto e ilegítimo de seu governo, além de dar munição a quem defende que o impeachment é, na verdade, um golpe de Estado encoberto com o manto da Constitucionalidade.

Mas não é só. Não foram, basicamente, os eleitores de Dilma que tensionaram para um impeachment que, embora legal, é ilegítimo. Não foram os eleitores de Dilma, basicamente, os que foram às ruas gritando que eram “milhões de Cunha” e que permaneceram indiferentes, às vezes agressivamente indiferentes, sempre que alguém alertava para os riscos de uma transição abrupta e, insisto, ilegítima como a que está a ocorrer. Então, vamos deixar claro: nós elegemos Temer. Mas não o fizemos presidente de um governo que fragilizou ainda mais nossa democracia para, unicamente, proteger e garantir a sobrevivência política da velha elite.

A falsa polêmica, entretanto, expõe problemas crônicos de nosso sistema político e, mais particularmente, de nosso modelo eleitoral que, entre outras coisas, promove uma política de alianças espúria que faz do fisiologismo a regra. Uma das consequências diretas é, justamente, a ausência de critérios partidários e programáticos na escolha dos candidatos a vice. Agrava esse quadro o fato de que no Brasil o voto não é baseado em critérios públicos, mas privados – vota-se na pessoa, não no partido ou no programa –, o que colabora ainda mais para não se discutir o lugar e o papel do vice na candidatura e em um eventual governo. 

Em um editorial bastante duro – daqueles que não se costuma ler na imprensa brasileira –, publicado na última sexta (13), o inglês “The Guardian” afirma, sobre o impeachment, que o “que deveria estar em julgamento acima de tudo é o modelo político brasileiro que falhou”, e não Dilma Rousseff que, de acordo com outro jornal estrangeiro, o “New York Times”, paga um preço desproporcionalmente alto pelos seus erros administrativos. Para o “The Guardian”, uma reforma política é não apenas necessária, mas urgente. E lamenta que o governo Temer seja “muito duvidoso” para dar esse salto. Eu também.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Recatados e do lar

POR CLÓVIS GRUNER

A derrota sofrida pelo governo no domingo dificilmente será revertida no Senado ou no STF: quem acompanha a política sabe que a decisão na Câmara dos Deputados é uma espécie de “aviso prévio”. Depois dela, vem o afastamento provisório até a cassação efetiva do mandato, o que só deve mesmo ocorrer no segundo semestre. Na contra mão de muitos amigos e colegas mais ou menos próximos ao PT, há algum tempo defendo uma saída alternativa ao impeachment, e me agradava particularmente a proposta apresentada pelo filósofo Vladimir Safatle, a de um plebiscito que permitisse aos eleitores escolher uma alternativa à crise: a continuidade do governo até o fim do mandato ou a convocação de eleições gerais.

A razão era óbvia: se o impedimento de Dilma, tal como conduzido pelo parlamento, é intolerável, sustentar um governo virtualmente acabado e sem sustentação, tampouco aparecia como solução. Uma consulta popular plebiscitária asseguraria, ao menos, a legitimidade mínima necessária, tanto para o prosseguimento do mandato, como para uma eventual nova administração. Governo e oposição negligenciaram tal alternativa, e tinham suas próprias razões. Da parte do primeiro, a baixíssima popularidade de Dilma indicava uma provável derrota no plebiscito. A aposta eleitoral, com a possibilidade da candidatura de Lula, também não era certa: candidato, Lula enfrentaria o desgaste da hiper exposição da campanha e da continuidade das investigações da Lava Jato. A isso, o governo preferiu negociar o que tinha pra oferecer, cargos, fundamentalmente.

E a oposição? Desde a derrota em 2014 e há até pouco tempo, a alternativa de novas eleições foi a bandeira erguida especialmente pelo PSDB. Mas isso quando Aécio Neves aparecia como preferência do eleitorado, o que mudou drasticamente depois que o nome do senador mineiro começou a ser incomodamente associado às mesmas investigações e aos mesmos crimes em que estão implicados os petistas. Com o nome de Marina Silva surgindo como alternativa, liderança pesquisas de intenção de votos ao mesmo tempo em que não só Aécio, mas qualquer candidato tucano amargava uma virtual derrota em qualquer cenário sugerido, mais a lista de políticos citados e investigados aumentando, o melhor a fazer foi acelerar o processo de impeachment, atraindo à oposição a base aliada do governo, por razões bastante óbvias.

O resultado da farsa foi o espetáculo grotesco do último domingo: uma sessão presidida por um deputado réu no STF, Eduardo Cunha, em que se votou em nome de tudo – Deus, família, corretores de seguro; e onde não faltou mesmo uma homenagem à memória de um torturador. Mas onde, certamente, a única preocupação com a corrupção era a garantia de que, passando o impeachment, os novos arranjos políticos forjados no processo de transição para o governo Temer trariam como bônus a segurança da impunidade. Em suma, o governo perdeu a votação de domingo porque sua moeda de troca valia menos que a de Temer e Cunha: entre cargos em uma gestão que, virtualmente, acabou, e a possibilidade da impunidade, venceu a segunda. Convenhamos, a escolha não era difícil.

O impeachment foi da Lava Jato – Os arranjos começaram cedo, e as notícias ao longo da semana dão conta que Temer, Cunha e a oposição tem pressa: já na segunda-feira, o espanhol “El Pais” trazia como principal manchete: “Cunha entrega o impeachment e deve receber ‘anistia’ em troca”. As boas notícias prosseguem. Na terça, “O Globo” repercute a entrevista que Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE concedeu ao “Roda Viva”, na segunda à noite. Nela, sugere que Michel Temer poderá ser absolvido no julgamento do TSE agora que Dilma, a cabeça de chapa, está virtualmente deposta. No mesmo dia, a “Gazeta do Povo”, de Curitiba, publica também em manchete, que o impeachment tem como objetivo travar a Lava Jato e blindar Cunha, Temer e Aécio, todos citados em delações premiadas.

Ontem na “Folha”, o vice-presidente da Câmara, o deputado Waldir Maranhão, informa que o julgamento de Eduardo Cunha na Comissão de Ética será limitado a suspeita de que ele mentiu sobre a existência de contas secretas no exterior em depoimento à CPI da Petrobras. Sobre sua participação no esquema da Lava Jato, nada. O concorrente “Estadão” não deixou por menos: tucanos negociam com o Conselho de Ética do senado estratégias para forçar Delcídio do Amaral, ex-líder do governo na casa, a recuar em suas declarações comprometedoras contra Aécio Neves em depoimento ao juiz Sérgio Moro. O objetivo é usar o depoimento de Delcídio no Senado como pretexto para fragilizar as investigações contra Aécio no MPF – isso, claro, no caso de Moro decidir mesmo investigá-lo, o que parece cada vez menos provável. Não sei vocês, mas eu já sinto entrando pela janela do meu apartamento o inconfundível cheiro de orégano.

Em artigo publicado no “New York Times”, o sociólogo brasileiro Celso Rocha de Barros, também colunista da “Folha”, se refere ao impeachment de Dilma não como um “coup”, mas um “cover-up”, ou seja, não um golpe, mas uma estratégia para acobertar e encobrir a enormidade de falcatruas em que estão metidos os políticos brasileiros, inclusive e principalmente os principais líderes da oposição e o ainda vice-presidente Michel Temer. E sugere que o impeachment, longe de ser o anúncio de uma “nova era”, é a maneira pela qual a velha classe política pretende retomar o controle do país – e escapar da cadeia. A estratégia tem tudo para dar certo porque, além de se apoderar dos mecanismos do Estado, o novo governo contará com o silêncio e a conivência dos indignados, que amassaram suas panelas e envergaram o uniforme verde amarelo da CBF não contra a corrupção, mas contra o PT. Restará, no parlamento, uma oposição à esquerda minoritária e fragilizada pela derrota, sem força para fazer frente a um esquema minuciosa e profissionalmente arquitetado para que tudo volte ao que sempre foi.


A melhor metáfora da “nova era” anunciada pelo processo de impeachment foi a matéria publicada pelo site da revista Veja com a possível primeira dama, Marcela Temer. “Bela, recatada e do lar”, Marcela é o contraponto perfeito de Dilma sob a perspectiva de uma cultura política francamente machista, e que nunca tolerou a ideia de estar subordinada a uma mulher – o que ficou ainda mais claro na sessão de domingo, também um espetáculo deplorável de misoginia. Mas a figura bela e recatada de Marcela, que para sorte de Temer é também discreta e do lar, é a imagem projetada e metaforizada do que o futuro governo espera de nós: que voltemos às nossas casas, recatados e discretos, e deixemos a política e a coisa pública a eles, os homens que foram eleitos para isso. A reação à matéria da semanal foi imediata: como um rastilho de pólvora, milhares de mulheres usaram as redes sociais para manifestar, com o devido escracho, seu repúdio a essa “feminização” subordinada e subalterna sugerida pela revista. Nossa postura em relação ao novo governo deve ser a mesma: contestadora, rebelde, agressiva. Temer, Cunha e a quadrilha que eles lideram pretendem governar o país para seu próprio benefício. Seu governo pode até ser, porque amparado na Constituição, legal. Mas será ilegítimo. Cabe a nós lembrar disso, e não permitir que eles governem.

sexta-feira, 18 de março de 2016

A história não nos absolverá *















POR SALVADOR NETO


Vivemos tempos tumultuados, agitados. Tempos em que o ódio vem superando a razão e a tolerância. A crise política chega a temperaturas altíssimas com uma sucessão inimaginável de fatos estapafúrdios em um estado democrático de direito. A investigação da corrupção via Operação Lava Jato, que parecia ser um serviço de limpeza das instituições do país, saiu de um roteiro de descobertas dos cartéis de empreiteiras para seguir um enredo de partidarização da justiça. Um perigo para a nossa jovem democracia.

Quem estuda um pouco de história sabe que a “luta” contra a corrupção foi usada sempre que interesses escusos foram contrariados por governos legitimamente eleitos pelo voto. Foi assim com Getúlio Vargas (1954), e não por acaso já na ocasião o nosso petróleo estava ao fundo da tal luta. Todos sabem como acabou a história. Em seguida, JK teve que suar para disputar a eleição, ganhar e tomar posse. Mesmo assim construiu Brasília, a capital onde dizem, nasceu o “modelo” empreiteiro de fazer política.

A corrupção, ela novamente, ajudou a eleger o udenista Jânio Quadros em 1960 com a sua “vassourinha”, que ia varrer a bandalheira do Brasil. JK foi tachado como o mais corrupto homem público pelos grandes conglomerados de mídia da época. Nada mais atual. Jamais provaram nada contra ele, que teria morte estranha após longo exílio por conta da tão saudosa – ainda bem que para poucos – ditadura militar (1964-1985). Também Jango, que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros, sucumbiu aos brados da união entre tradição, família e propriedade contra a corrupção e o tal “comunismo”.

Por incrível que pareça, há quem acredite que no regime militar não houve corrupção. Como saber se a livre manifestação, as liberdades individuais e de reunião, a censura, encobriam o país com o manto do terror, da perseguição a quem pensasse diferente? Sugiro a quem duvide disso estudar... história do Brasil, ou vá neste link para começar a pesquisa. Durante o regime militar foram realizadas obras gigantes como a Transamazônica, Ponte Rio Niterói, Usinas de Itaipu e Tucuruí, entre outras. Quem as construiu? As famosas empreiteiras, praticamente as mesmas que você sabe envolvidas na Lava Jato.

Após a redemocratização, que é bom que se repita, foi conquistada com a luta de muitos brasileiros e brasileiras contra as arbitrariedades e torturas do regime militar – e com a concessão de uma anistia geral até hoje contestada – construímos uma Constituição Federal de 1988. Ela é a lei maior do país, que devolveu aos brasileiros e brasileiras os seus direitos individuais, a cidadania, e direitos que foram negados por séculos ao povo trabalhador. Até hoje essas conquistas ainda são implementadas lentamente, pois são discutidas e aprovadas – ou não – no Congresso Nacional. E lá, o conservadorismo permanece forte, até hoje.

Hoje ao ver o atual quadro de pré-convulsão social provocado por uma ação sincronizada entre parte do MPF, Justiça, Polícia Federal e a grande mídia que já comandou os golpes e tentativas de golpes já citados, tomando por base a “corrupção”, temo pelo futuro do meu país. Como jornalista não posso me furtar a opinar sobre o que vejo, pelo que estudei, e por ver tamanha manipulação midiática que joga irmãos contra irmãos. Quando o maior grupo de mídia do país passa quase 10 horas ao dia divulgando situações somente contra um grupo político, e apenas contra a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, não há como disfarçar. O modelo do passado voltou a agir. E sem o menor constrangimento.

Mesmo contra a maré odiosa que só repete o que vê na grande mídia como verdade sem a necessária reflexão, comparação e estudo, é preciso denunciar esses atos que são vendidos como normais. Não, não é normal e tampouco legal levar um ex-presidente sob coerção a um depoimento em um aeroporto sem que ele tenha se negado alguma vez a isto. O ex-presidente não está indiciado, é investigado com toda a força, e até sua prisão preventiva sem qualquer prova já foi pedida. Aos olhos da massa pode ser o máximo. Mas sempre há um detalhe, ele já foi condenado pela mídia.

Não, não é legal, e tampouco natural, que um juiz de primeira instância determine grampos à advogados e seus clientes, à Presidente da República, a Ministros de Estado (todos com foro privilegiado pela CF e Código Penal), os divulgue diretamente à mídia sem o devido processo ao STF. É uma afronta ao estado democrático de direito que conquistamos a duras penas. Atos como esse podem ser a fresta que promove um estado de exceção.

Não, não é natural que enquanto a Câmara dos Deputados é comandada por um denunciado por corrupção, Eduardo Cunha do PMDB - que deveria estar fora do cargo exatamente por isso - o próprio coloca um processo de impeachment da presidente Dilma para tramitar com “urgência” sem qualquer base legal, sem provas, apenas por vingança política e interesses de quem o financiou até aqui. Para lembrar, o processo contra Cunha no Conselho de Ética está paralisado há quase seis meses.

Não, brasileiros e brasileiras, não é legal nem natural que estejamos à beira de uma guerra civil por manipulações midiático-oposicionistas/oposicionistas/judiciais que inflam a massa popular, que emanam uma cortina de fumaça que esconde interesses inconfessáveis pelo poder, pelo nosso petróleo, sem que pelo menos desconfiemos de tudo que se lê, vê, ouve, e claro, compartilha.

Não é razoável que joguemos nossos direitos e garantias fundamentais nas mãos de qualquer pessoa do poder após uma longa luta para tê-los!

Hoje você pode achar legal o espetáculo midiático, a espetacularização dos fatos (?!) veiculados. Mas pense, amanhã podem estar atrás de você, com ou sem provas, com escutas, transcrições pela metade, manipuladas.

Aí você pode pensar: mas depois você se defende. Quem não deve, não teme. Será? É tempo de frear os sentimentos, de pensar muito antes de atacar alguém, um amigo, uma outra pessoa. De acusar sem provas. Você pode estar cometendo uma injustiça gigante, que poderá jamais ser reparada.

E mais: você poderá ser também a vítima, jogando os seus direitos conquistados via democracia, na vala comum que muitos desejam que você jogue. Construir uma sociedade democrática, com todos os vícios e erros que ela tem é muito difícil. Agora, destruir é fácil. Pense nisso. Pense no país. Pense em você. Pense nos seus. Se errarmos mais uma vez, a história não nos absolverá.


É assim nas teias do poder...


Em 16 de outubro de 1953, o jovem advogado Fidel Castro pronunciava a sua autodefesa, após ser preso pelo assalto ao quartel Moncada, em Cuba, – quando tentou derrubar o então presidente e ditador Fulgêncio Batista. “A história me absolverá”, foi a última frase proferida pelo líder da Revolução Cubana e como ficou conhecido o documento que reúne este célebre discurso, que completa 60 anos . Título adapta a frase histórica a esse momento histórico que vivemos.

* Sugiro também a leitura do texto "A culpa é das estrelas?", que escrevi aqui no Chuva há pouco mais de um ano falando sobre essa força propagandista que levou ao nazismo, clique aqui para ler.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Nos fios da teia #3


POR SALVADOR NETO












Vamos tecendo mais alguns fios dessa teia do poder, este emaranhado difícil de decifrar e compreender!

Udo Navalha – O Prefeito de Joinville acaba de apagar de vez sua fama de “gestor” construída ao longo de anos, e principalmente na campanha eleitoral de 2012. Ao anunciar cortes pífios para “gerir” a Prefeitura, cortando direitos dos servidores municipais, fazendo maquiagens de mudanças de secretarias e outras ações que não farão as contas equilibrarem, ele assina embaixo: falta dinheiro, mas também falta gestão, e muita!

Udo Navalha 2 – Os cortes do Natal Luz, e do Carnaval, festas que motivam a população e ajudam o comércio em épocas de vagas magras, e jogar dinheiro público fora na tal de “Bierville”, mostram a falta de planejamento, de visão e principalmente, de apreço à população mais pobre, com menor poder aquisitivo. Não temos obras, não temos ruas sem buracos e sinalizadas, não temos praças limpas, falta saúde conforme o prometido em 2012, a insegurança aumentou significativamente. Esses são os grandes presentes do prefeito Udo a quem apostou seu voto. O povo já diz: 2016, venha logo.

País da lama – O desastre ambiental que acabou com o meio ambiente em mais de 600km a partir de Mariana (MG) até o litoral do Espírito Santo, matando toda a fauna, flora e impedindo a renda e ganho de vida de milhares de pessoas, mostra que vivemos em uma grande lama suja que envolve ganância empresarial, falta de fiscalização efetiva por parte de órgãos governamentais das três esferas públicas, e a incapacidade de agirmos rápida e emergencialmente em casos de catástrofes.

País da lama 2 – Mais risível é a multa que anunciam. R$ 1 bilhão pelo MP, e R$ 250 milhões pelo Ibama. Piada de mau gosto. Somente a Samarco lucrou, apenas no ano passado, R$ 2,8 bilhões. Lucro, limpinho. O lucro de um mês é suficiente para pagar a multa de R$ 250 milhões. A exploração que vivemos nos tempos coloniais, hoje revive após a “entrega” feita pelo governo tucano de FHC da nossa maior mineradora, a Vale. O entreguismo nos deu isso: mais exploração, menos recursos para o Estado, e prejuízos incalculáveis para o meio ambiente e as pessoas. E tentam enganar o povão via grande mídia largando um bilhão como se fosse muito!!

País da lama 3 – Só para os leitores entenderem mais ainda o que é o poder, principalmente o econômico. Mesmo em meio à crise econômica do Brasil e com a redução do preço do minério, tanto a Vale quanto a BHP Billiton, controladoras da Samarco de Mariana, têm conseguido se manter estáveis. Este ano, a Vale acumulou receita líquida de R$ 62,8 bilhões. No último trimestre, ela foi de R$ 23,3 bilhões, valor 117% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Já a gigante BHP Billiton, maior mineradora do mundo, registrou lucro de US$ 6,4 bilhões de junho de 2014 a junho deste ano. A empresa, que divide com a Vale os capitais da Samarco, estipulou a meta de investimento de US$ 8,5 bilhões até junho do próximo ano. Que tal? Deu pra entender?

Delcídio – Realmente surpreendente a determinação de prisão ao senador petista Delcídio do Amaral, decidida pelo STF. Primeiro por ter ele sido inocentado meses atrás pelas investigações da Lava Jato, por falta de provas. Segundo por não ter sequer processo aberto para ser determinada a prisão preventiva. E claro, era um senador bem quisto pelos seus pares tanto na Câmara como no Senado. Mas mais surpreendente foi a decisão do Senado de entregar um dos seus aos lobos do STF.

Delcídio 2 – Será que a decisão do STF foi motivada pelo aparecimento dos nomes de vários ministros da alta corte nas gravações? Assustaram-se com a chegada da investigação no Poder Judiciário? O STF é o guardião da nossa lei maior, a Constituição Brasileira. Lá diz que artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”. O STF pensa que é Deus. O Senado se ajoelhou. Os direitos fundamentais choram.

Delcídio 3 - Criaram uma exceção à regra da Constituição que pode ser um tiro mortal na democracia, e no Estado Democrático de Direito. Flexibilizar a lei ao gosto do clamor, ou desejo, ou torpor da massa, é um risco alto para um Estado de exceção. O senador deve responder sim, mas dentro do rito legal existente, com ampla defesa. Prisões preventivas que viram prisões eternas, uma espécie de tortura psicológica até que se aceite o que alguém deseja, são inaceitáveis. Estejamos alertas, e não sejamos enredados nas teias do poder midiático, e dos poderosos do capital, do judiciário, do legislativo e do executivo. Pensemos. Povo que não pensa, será sempre um povo escravo.


É assim, os fios da teia nas teias do poder...

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A visita da velha senhora

POR CLÓVIS GRUNER

Em novembro de 1831, logo após a renúncia do imperador Pedro I, o senado brasileiro votou e aprovou lei que proibia o tráfico negreiro no Brasil. Ela determinava principalmente duas coisas: que a partir daquela data todos os negros que entrassem no país, trazidos da África para serem vendidos como escravos seriam livres. Além disso, estabelecia ainda penas severas para quem participasse do contrabando. Seu efeito foi tão ridiculamente inócuo, que em setembro de 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, que legislava sobre basicamente a mesma coisa.

No espaço de quase duas décadas entre ambas, o tráfico vicejou: há vários estudos a mostrar que o número de negros ingressos ilegalmente no Brasil nos anos posteriores à primeira legislação, aumentou sensivelmente – estima-se que algo em torno de 700 mil. Não é demais dizer o óbvio: os agentes do mercado negreiro só continuaram a operar impunemente durante anos, porque contavam com a frouxidão da lei, ou seja, com a conivência do Estado, que deliberadamente tolerou práticas que o próprio Estado apontava como ilegais e, portanto, criminosas. Não se sabe exatamente qual a extensão, mas é certo que os lucros foram amplos e gerais, embora certamente não irrestritos.

Recorro a este episódio para dizer o que também deveria ser óbvio, mas não é: diferente do que se lê naqueles depoimentos eivados de uma indignação muitíssimo seletiva, a corrupção é um mal que atravessa nossa história. E não apenas a mais recente: não faltam estudos a mostrar que o trato suspeito com a coisa pública remonta ao período colonial. Por caminhos interpretativos distintos, dois de nossos maiores historiadores, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, ofereceram sobre o tema conclusões bastante próximas. A corrupção, afirmaram, é uma das heranças de nossa colonização ibérica, fruto de uma relação patrimonialista entre Estado e sociedade ou, nos termos de Sérgio Buarque, de nossa incapacidade de separarmos as esferas e os interesses públicos e privados, tendendo a tratar os primeiros como extensão dos segundos.

UMA HERANÇA COM MUITOS HERDEIROS – Histórica, a corrupção contaminou Império e República, desde a Primeira, e não poupou os 20 anos de ditadura, apesar da pataquada sobre o tal fusquinha que um dos marechais mandou o irmão devolver. Para os corruptos, aliás, aqueles foram anos de bonança: com os meios de comunicação silenciados pela conivência ou censura, pode-se prender, torturar, matar e fazer desaparecer sem contestação. E superfaturar ou desviar verbas milionárias em obras como a ponte Rio–Niterói, que custou 11 vezes o orçamento original, e a Rodovia Transamazônica, construídas pelos empreiteiros e empreiteiras que frequentam agora as páginas policiais. Em uma das edições de 1981, a revista “Times” informava que empresas europeias deram, às autoridades brasileiras, 140 milhões de dólares em propinas e suborno para garantirem sua participação nas obras da usina de Itaipu. A confortar corruptos de todas as espécies e em todas as épocas, a certeza da impunidade.

No dia seguinte ao segundo turno, meu colega de blog, Jordi Castan, publicou um texto fazendo um balanço, entre analítico e apaixonado, da reeleição de Dilma. Sem esconder sua decepção, ele dizia em uma passagem: “Os próximos capítulos desta história estão ainda por ser escritos. Fala-se de impeachment, e já houve no Brasil presidente “impichado” por muito menos”. E concluía: “Mas aqueles eram outros tempos. Hoje o nível de tolerância – ou deveríamos dizer de conivência do eleitor com a corrupção, a roubalheira e a falta de ética – é muito menos estrito.”

Ele estava a ser irônico, suponho. O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor não foi “impichado” por ser corrupto (e ele era), mas porque já havia exercido o papel que lhe cabia naquele contexto, impedir a eleição de Lula, e por isso podia ser dispensado. Os milhares que pediram o impeachment, eu entre eles, deram um lastro de legitimidade social a uma movimentação política cujo roteiro seria o mesmo sem ou apesar das ruas, mas que certamente foi bem melhor ter sido escrito com elas. O mais importante, no entanto: se o nível de conivência ou tolerância com a corrupção hoje é outro, e eu acredito que sim, não é porque somos mais, mas certamente porque somos menos tolerantes e coniventes com ela.

CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA – Neste sentido, o “evento Petrobras” é emblemático. Primeiro porque, diferente do chamado Mensalão, não será possível tecer sobre ele uma narrativa monofônica já que as tentativas esbarram em evidências históricas que as contradizem: em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um Prêmio Esso por denunciar os esquemas de corrupção na empresa. Em 1997, Paulo Francis fez o mesmo no Manhattan Connection. Nada foi investigado por nenhum dos governos da época. Responsáveis pela Operação Lava Jato afirmam que o esquema só agora desbaratado funcionava há pelo menos 15 anos; e as informações criminosamente vazadas para servir a interesses eleitorais durante a campanha, começam a respingar fora do governo: entre outras coisas, à medida que as investigações avançam, surgem dados comprometedores sobre as relações algo promíscuas entre empreiteiras e políticos da oposição.

Tudo isso é lamentável? Certamente sim. Por outro lado, também é parte e resultado de nosso amadurecimento democrático, e é fundamental não perdermos isso de vista. Não, não estamos mais tolerantes com a corrupção; nem tampouco vivemos hoje um estado de coisas inédito nem pior do que há anos ou mesmo décadas atrás. Pode parecer contraditório, mas a crise que atravessamos talvez nos traga, ao final, benefícios: é possível – mas não é certo – que saíamos dela melhores, mais críticos e exigentes, menos e não mais coniventes com a corrupção. É possível – mas não é certo – que ao final da crise sejamos uma sociedade mais madura e mais democrática.

Mas a condição para que isso ocorra é, justamente, reconhecer a importância da trajetória construída ao longo das últimas três décadas, desde o fim da ditadura. Renunciar a este percurso é retroceder ao autoritarismo, este sim, conivente com a corrupção, disposto a premiar corruptos com a impunidade, quando não com vantajosas promoções hierárquicas. Mas a democracia é imperfeita e precária, retrucarão alguns. E não podia ser diferente: é da natureza das democracias que elas sejam precárias, porque esta é a condição para evitarmos sua estagnação e a fazermos avançar, para melhorá-la e aprofundá-la. Indignar-se com a corrupção e exigir um Estado e governos honestos, reivindicar uma política ética e que respeite a coisa pública: tudo isso é necessário e fundamental. Mas isso só se faz nos limites da democracia. E sempre para ampliá-los.