quinta-feira, 15 de setembro de 2016

E Lula foi, enfim, denunciado


POR CLÓVIS GRUNER

Um dos melhores comentários sobre a entrevista coletiva de ontem (14), em que o Ministério Público apresentou o teor das denúncias contra o ex-presidente Lula, e mais especificamente sobre o desempenho do procurador da República Deltan Dallagnol, veio do Facebook: “o cara anunciou os Rolling Stones e apresentou um Engenheiros do Hawaii”. Entre um discurso repleto de palavras e frases de efeito, em que se destaca o neologismo “propinocracia”, o procurador afirmou, aparentemente sem deixar margem para dúvidas, que Lula é o “comandante supremo”, “fundador” e “maestro” de uma “governabilidade corrompida”. 

O discurso de Dallagnol é, evidentemente, político, e seja na entrevista ou na denúncia apresentada pelo MPF, aquelas afirmações simplesmente não se sustentam – em linhas gerais, as 149  páginas da denúncia reiteram o que foi dito aos jornalistas durante a coletiva. De mais objetivo, há evidências para comprometer Lula como beneficiário das reformas no já famoso apartamento tríplex do Guarujá o que, do ponto de vista tanto jurídico como ético, deveria ser suficiente para os procuradores.

Obviamente não é o caso, e na ausência de provas abundam convicções. Não faltarão aqueles dispostos a acreditar nelas, convictos igualmente de que elas bastam para atestar a culpa de Lula. Mas não me parece tão simples. Primeiro porque, como resumiu o professor Pablo Ortellado, “não é verossímil que um esquema de corrupção da magnitude daquele apontado pela Lava Jato tenha como mentor e líder alguém cujo benefício sejam reformas num sítio e num apartamento. Não faz sentido roubar o equivalente ao PIB do Uruguai e a cota do chefe ser uns pedalinhos para os netos”. 

A essas alturas já é óbvio para muitos que os roubos bilionários na Petrobras são absurdamente escandalosos. Mas se o MPF pretende realmente implicar Lula como o principal beneficiário do esquema criminoso, deve ser capaz de apresentar mais que ilações ou, para voltar ao termo que desde ontem viralizou, “convicções”. Ele necessita de provas. Se não as possui, precisa se contentar em dar às coisas o tamanho que elas tem, para que se puna os responsáveis de forma coerente. A performance dos procuradores não oferece isso, e mesmo se fosse o caso de defende-la alegando tratar-se, os exageros, de “peça retórica”, a assimetria entre o discurso retórico e a peça jurídica é simplesmente gritante. 

Assimetria observada pelo insuspeito Reinaldo Azevedo, que há anos torce e se esforça para ver Lula na cadeia. Na sua coluna de ontem, o blogueiro da Veja reclamava que “a denúncia de Dallagnol serve para inflamar a opinião pública, mas constrange, na mesma medida, os meios jurídicos”. E o que provavelmente perturbará as noites de sono do colunista não é apenas a perspectiva de, ante uma peça tão frágil, Lula permanecer solto ou cumprir uma pena leve caso condenado pelo recebimento dos “mimos” da OAS. É que, em meio a uma verdadeira guerra de narrativas em curso no país, a denúncia contra Lula pode servir para reforçar, entre seus defensores, a tese de que o único objetivo da Lava Jato, a razão primeira de sua existência, é a criminalização e a destruição do PT e, consequentemente, das chances eleitorais de Lula em 2018. 

O espetáculo não pode parar – A depender da leitura que se faça dos eventos de ontem, as evidências disso podem ser ainda mais claras do que aquelas que ligam Lula ao tríplex do Guarujá. Até agora nada foi feito, por exemplo, em relação às gravações telefônicas entre Romero Jucá e Sérgio Machado, vazadas em maio. Corroboram a versão de que o impeachment foi orquestrado para prejudicar a Lava Jato a demissão, por telefone, do Advogado Geral da União, Fábio Medina Osório, que acusou o governo Temer de tentar obstruir as investigações que envolvam aliados. Sobre ambos os eventos reina um incômodo silêncio do Ministério Público, que sequer se pronunciou a respeito, o que poderia e deveria ter feito. 

Igualmente, provoca desconforto que a denúncia contra Lula use e abuse das delações premiadas como evidência de culpa, ignorando que essas mesmas delações implicam figuras graúdas do atual governo e de sua base aliada, que seguem sem serem perturbadas. A mesma tranquilidade de que parece gozar Michel Temer à medida que as possibilidades da cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE se apresentam cada vez mais distantes. No governo, avalia-se que a denúncia contra Lula pode ter impacto, além de eleitoral, também nas ruas, fazendo recuar as manifestações pelo “Fora Temer”. Mas isso pode ser um engano.

Poucos negarão que a postura do MP, sua obsessão em transformar Lula em um capo, independente do que as provas – ou a ausência delas – dizem ou permitem dizer, reafirma a imagem de um líder criminoso que tem sido fartamente utilizada pelo anti-petismo. Mas ela igualmente dá ao PT e seus defensores um mártir. Lula sobreviveu ao Mensalão em parte recorrendo a sua habilidade em acionar afetos mais que a razão, a adesão imediata e entusiasmada, porque afetiva principalmente. Não tenho dúvidas que ele fará o mesmo, e a defesa apaixonada de sua imagem desde ontem, principalmente nas redes sociais, aponta justamente para isso. Vítimas ele e o PT, ambos se eximem, novamente, de reconhecer seus erros e assumir suas respectivas cotas de responsabilidade pela crise política. 

Líder supremo da “República de Curitiba”, Sérgio Moro é também um estudioso e profundo conhecer da Mãos Limpas, sobre a qual escreveu e publicou um artigo em 2004, “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Ler o acadêmico Moro é reconhecer, em cada linha, os passos e estratégias do juiz Moro, porque parte de sua conduta à frente da Lava Jato reproduz, ou tenta, as estratégias adotadas pelos magistrados italianos, entre elas o uso das delações premiadas e a crença de que a “opinião pública”, na impossibilidade de prevalecer a lei, poderia lhe servir como um substituto, ainda que simbólico.

Mas as virtudes da Mãos Limpas contribuíram também para sua fragilização. Acusada, entre outras coisas, de produzir um espetáculo midiático de resultados efetivos aquém do esperado, ela sucumbiu em parte porque perdeu o apoio da sociedade italiana, inicialmente uma entusiasta da operação. Muito próximos a Moro, com quem trabalham em um regime de franca e aberta cooperação, os procuradores da República precisam lembrar disso sempre que pretenderem protagonizar espetáculos midiáticos de consistência e resultados jurídicos duvidosos. Sob o risco de verem a Lava Jato reduzida a uma operação com potencial para inflamar ainda mais o país, mas desacreditada em sua capacidade de, efetivamente, desafiar a corrupção e seus agentes. 

17 comentários:

  1. "Propinocracia" é um puta nome bonito né? Se falta legalidade, sobra discurso e retórica.

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  2. É? Leva para casa, dê um banho e deixe dormir na sua cama.

    Não temos bandidos de estimação, a esquerda burra e fascistóide, tem!

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  3. Como é que pode o MPF desconfiar do Lula? Logo ele, a pessoa mais honesta desse país? Cadê as provas? E essa imprensa golpista, dando espaço pra essas calúnias! Fora Temer! Fora PSDB, esse partidinho de direita!

    A esquerda agoniza.

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  4. Acho que Lula não é o principal beneficiário, mas sim, o articulador da coisa toda.

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    1. Francisco, pode ser. Aliás, me causou estranheza que os procuradores tenham falado muito pouco sobre o tráfico de influência, que também é considerado crime, e que beneficia muita gente entre políticos e empreiteiros.

      A mim parece claro que Lula deve explicações e que tem as suas nove digitais plantadas em muito esquema de desvio de verbas, funções, além do tráfico de influência já mencionado. Mas eu posso achar isso. O MPF tem de provar.

      E, por enquanto, eles podem no máximo provar o triplex no Guarujá. A ironia é que isso basta, porque já é bastante grave: um ex-presidente que recebeu "mimos" de uma grande empreiteira é, deveria ser, algo a ser tratado com seriedade.

      Mas parece que para o MPF isso não basta porque, a processar e, eventualmente, condenar Lula pelo que os procuradores parecem considerar "coisa pequena", eles estão mais empenhados em produzir um espetáculo midiático que, inclusive, compromete a própria Lava Jato.

      A BBC Brasil faz referência a uma matéria publicada no Chicago Tribune que é interessante dar uma olhada.

      http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37372884

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    2. Só para lembrar que numa denúncia não são necessárias provas, embora elas existem aos montes, inclusive algumas foram expostas ao público. Só porque um imóvel de fonte ilícita não consta no seu nome, não quer dizer que você não seja o beneficiário. Muito pelo contrário, a eliminação de qualquer documento no nome de Lula é um forte indício de ocultação de bens ilícitos oriundos de transações espúrias. Quem disse que a PF e MP não têm provas documentais e testemunhais?

      O fato de a PF e o MP não encontrarem o corpo de Eliza Samudio não impediu o júri de reconhecer o assassinato da mesma e justiça de condenar os criminosos.

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    3. Talvez você não tenha lido com atenção o artigo, então eu reproduzo aqui:

      "De mais objetivo, há evidências para comprometer Lula como beneficiário das reformas no já famoso apartamento tríplex do Guarujá o que, do ponto de vista tanto jurídico como ético, deveria ser suficiente para os procuradores".

      O resto é espetáculo, é discurso político do MPF. Compromete e desgasta, ainda mais, a imagem de Lula e do PT. Mas compromete e desgasta, igualmente, a imagem do MPF.

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  5. Primeiramente, o power point apresentado pelo procurador não é a “prova” do envolvimento de Lula. Não existe “ausência de provas”, as provas, muitas, foram corroboradas por um sem número de fiscais da fazenda (como bem frisou Dallangnol), são documentais e serão apreciadas pelo juiz. Não adianta tentar desqualificar a denúncia se atendo apenas a uma apresentação supérflua e a neologismos, sem o acesso às provas materiais.

    Diga ao professor Pablo Ortellado que essa denúncia é “apenas” pelo envolvimento comprovado da OAS num apartamento que a esposa de Lula desembolsou R$ 190 mil e, com “regalos” da construtora, passou a valer mais de R$ 1,8 mi. Documentos rasurados, visitas escondidas, pagamentos pelas benesses comprovados pela construtora... Essa denúncia é “exclusivamente” sobre um tríplex e alugueis dos supostos pertences de Lula em galpões cujos valores também foram pagos pela OAS, com mensalidade de R$ 22 mil cada, desembolsando um total de R$ 1,3 mi desde 2011. (Sem contar outra investigação sobre os “pertences” de Lula encontrados nos galpões que não seriam necessariamente de Lula, mas da União, mas esse é uma outra história). Tudo isso é “café pequeno”? Por enquanto. Ainda restam, entre outras investigações, os “pedalinhos dos netos” com o sítio de Atibaia de brinde. Lula também terá de explicar as “palestras” de U$ 250 cada, pagas por empreiteiras. Diga ao professor para não se surpreender sobre novas denúncias do envolvimento de Lula na Operação Acrônimo sobre os investimentos-caixa-preta do BNDES em republiquetas ditatoriais.

    Mais de 160 pessoas foram indiciadas na Lava-Jato, dos quais 120 estão cumprindo pena. A performance da PF e dos procuradores nas investigações e dos juízes no julgamento estão muito bem, obrigado. Não é preciso ser gênio para correlacionar os fatos e chegar a conclusão que o mensalão e petrolão contêm as mesmas personagens, elas estão intrinsicamente ligadas ao poder central do partido, Lula, pois os entes das duas operações podem não se conhecerem, mas todos têm alguma relação como capo. Os mais de 160 investigados são a prova que a criminalização e a destruição do partido mais corrupto da história deste país são apenas consequências.

    Sobre a defesa apaixonada dos minguados defensores de Lula e do PT, não passam de pelegos canalhas mamando em alguma teta em algum órgão público.

    Se nós, liberais, queremos a destruição do PT? Destruir a ratoeira e deixar os ratos fugirem para outras fendas, claro que não!

    Eduardo, Jlle

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    1. "Ratos", "ratoeiras"... Esse era o vocabulário com que os nazistas se referiam aos judeus. Interessante como um simples ato falho revela tanto da gente, não é?

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    2. Não sou nazista. Embora eu pareça um para você, essa declaração não me surpreende quando vem de alguém que perece defender ideias semelhantes, da mesma época, que surgiram ao lado do Tibre.

      Eduardo, Jlle

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    3. Eu não chamei você de nazista. Leia direito.

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  6. O Zé cantou a pedra lá no Facebook: pessoal vai ver Lula no título e nem vai ler o artigo. Eu, pessoalmente, desconfio que raramente leem. Em todo caso, parece, ele acerto na mosca.

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  7. Lula no céu ou Lula no inferno não mudam o fato que a presentação do MPF do Paraná foi pura esculhambação, explicitamente política, sujando a imagem de uma instituição que é cara para a democracia brasileira. Parece que atualmente o despotismo virou moda dentro do funcionalismo público, Kafka faz uma ótima analise de pra onde esse tipo de atitude nos leva .

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    1. William, me parece que a denúncia tem um viés político mais forte que o jurídico. Há algum tempo li em algum lugar (tentei recuperar o link para postar aqui, mas não consegui), que estavam em operação duas Lava Jatos, uma em Brasília, com um pessoal mais próximo do Janot, o Procurador Geral, e outra em Curitiba, com o povo ligado ao Moro.

      Basicamente, o que as diferenciava, é que o pessoal de Brasília, embora mire o PT, está disposto a levar a investigação adiante e atirar para todos os lados. Já o povo de Curitiba está imbuído da missão quase religiosa de prender o Lula, que é o que importa ao Moro e sua equipe.

      Pode haver algo de caricato nisso, mas o espetáculo de quarta confirma, em linhas gerais, essa leitura.

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  8. "O espetáculo não pode parar – A depender da leitura que se faça dos eventos de ontem, as evidências disso podem ser ainda mais claras do que aquelas que ligam Lula ao tríplex do Guarujá. Até agora nada foi feito, por exemplo, em relação às gravações telefônicas entre Romero Jucá e Sérgio Machado, vazadas em maio. Corroboram a versão de que o impeachment foi orquestrado para prejudicar a Lava Jato a demissão, por telefone, do Advogado Geral da União, Fábio Medina Osório, que acusou o governo Temer de tentar obstruir as investigações que envolvam aliados. Sobre ambos os eventos reina um incômodo silêncio do Ministério Público." Só gostaria de lembrar que quem acusa deputados federais, senadores e ministros é o Procurador Geral da República e o faz ao Supremo Tribunal Federal. Portanto, não compete aos procuradores federais de Curitiba acusar Renan, ministros e companhia limitada, bem como não compete ao Sérgio Moro julgá-los.

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    1. Não acho que eu tenha dito nada diferente disso. Mas obrigado pelo esclarecimento. E para evitar outros mal entendidos, fiz lá uma inserção que talvez deixe o texto mais claro.

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