Mostrando postagens com marcador plebiscito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador plebiscito. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Recatados e do lar

POR CLÓVIS GRUNER

A derrota sofrida pelo governo no domingo dificilmente será revertida no Senado ou no STF: quem acompanha a política sabe que a decisão na Câmara dos Deputados é uma espécie de “aviso prévio”. Depois dela, vem o afastamento provisório até a cassação efetiva do mandato, o que só deve mesmo ocorrer no segundo semestre. Na contra mão de muitos amigos e colegas mais ou menos próximos ao PT, há algum tempo defendo uma saída alternativa ao impeachment, e me agradava particularmente a proposta apresentada pelo filósofo Vladimir Safatle, a de um plebiscito que permitisse aos eleitores escolher uma alternativa à crise: a continuidade do governo até o fim do mandato ou a convocação de eleições gerais.

A razão era óbvia: se o impedimento de Dilma, tal como conduzido pelo parlamento, é intolerável, sustentar um governo virtualmente acabado e sem sustentação, tampouco aparecia como solução. Uma consulta popular plebiscitária asseguraria, ao menos, a legitimidade mínima necessária, tanto para o prosseguimento do mandato, como para uma eventual nova administração. Governo e oposição negligenciaram tal alternativa, e tinham suas próprias razões. Da parte do primeiro, a baixíssima popularidade de Dilma indicava uma provável derrota no plebiscito. A aposta eleitoral, com a possibilidade da candidatura de Lula, também não era certa: candidato, Lula enfrentaria o desgaste da hiper exposição da campanha e da continuidade das investigações da Lava Jato. A isso, o governo preferiu negociar o que tinha pra oferecer, cargos, fundamentalmente.

E a oposição? Desde a derrota em 2014 e há até pouco tempo, a alternativa de novas eleições foi a bandeira erguida especialmente pelo PSDB. Mas isso quando Aécio Neves aparecia como preferência do eleitorado, o que mudou drasticamente depois que o nome do senador mineiro começou a ser incomodamente associado às mesmas investigações e aos mesmos crimes em que estão implicados os petistas. Com o nome de Marina Silva surgindo como alternativa, liderança pesquisas de intenção de votos ao mesmo tempo em que não só Aécio, mas qualquer candidato tucano amargava uma virtual derrota em qualquer cenário sugerido, mais a lista de políticos citados e investigados aumentando, o melhor a fazer foi acelerar o processo de impeachment, atraindo à oposição a base aliada do governo, por razões bastante óbvias.

O resultado da farsa foi o espetáculo grotesco do último domingo: uma sessão presidida por um deputado réu no STF, Eduardo Cunha, em que se votou em nome de tudo – Deus, família, corretores de seguro; e onde não faltou mesmo uma homenagem à memória de um torturador. Mas onde, certamente, a única preocupação com a corrupção era a garantia de que, passando o impeachment, os novos arranjos políticos forjados no processo de transição para o governo Temer trariam como bônus a segurança da impunidade. Em suma, o governo perdeu a votação de domingo porque sua moeda de troca valia menos que a de Temer e Cunha: entre cargos em uma gestão que, virtualmente, acabou, e a possibilidade da impunidade, venceu a segunda. Convenhamos, a escolha não era difícil.

O impeachment foi da Lava Jato – Os arranjos começaram cedo, e as notícias ao longo da semana dão conta que Temer, Cunha e a oposição tem pressa: já na segunda-feira, o espanhol “El Pais” trazia como principal manchete: “Cunha entrega o impeachment e deve receber ‘anistia’ em troca”. As boas notícias prosseguem. Na terça, “O Globo” repercute a entrevista que Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE concedeu ao “Roda Viva”, na segunda à noite. Nela, sugere que Michel Temer poderá ser absolvido no julgamento do TSE agora que Dilma, a cabeça de chapa, está virtualmente deposta. No mesmo dia, a “Gazeta do Povo”, de Curitiba, publica também em manchete, que o impeachment tem como objetivo travar a Lava Jato e blindar Cunha, Temer e Aécio, todos citados em delações premiadas.

Ontem na “Folha”, o vice-presidente da Câmara, o deputado Waldir Maranhão, informa que o julgamento de Eduardo Cunha na Comissão de Ética será limitado a suspeita de que ele mentiu sobre a existência de contas secretas no exterior em depoimento à CPI da Petrobras. Sobre sua participação no esquema da Lava Jato, nada. O concorrente “Estadão” não deixou por menos: tucanos negociam com o Conselho de Ética do senado estratégias para forçar Delcídio do Amaral, ex-líder do governo na casa, a recuar em suas declarações comprometedoras contra Aécio Neves em depoimento ao juiz Sérgio Moro. O objetivo é usar o depoimento de Delcídio no Senado como pretexto para fragilizar as investigações contra Aécio no MPF – isso, claro, no caso de Moro decidir mesmo investigá-lo, o que parece cada vez menos provável. Não sei vocês, mas eu já sinto entrando pela janela do meu apartamento o inconfundível cheiro de orégano.

Em artigo publicado no “New York Times”, o sociólogo brasileiro Celso Rocha de Barros, também colunista da “Folha”, se refere ao impeachment de Dilma não como um “coup”, mas um “cover-up”, ou seja, não um golpe, mas uma estratégia para acobertar e encobrir a enormidade de falcatruas em que estão metidos os políticos brasileiros, inclusive e principalmente os principais líderes da oposição e o ainda vice-presidente Michel Temer. E sugere que o impeachment, longe de ser o anúncio de uma “nova era”, é a maneira pela qual a velha classe política pretende retomar o controle do país – e escapar da cadeia. A estratégia tem tudo para dar certo porque, além de se apoderar dos mecanismos do Estado, o novo governo contará com o silêncio e a conivência dos indignados, que amassaram suas panelas e envergaram o uniforme verde amarelo da CBF não contra a corrupção, mas contra o PT. Restará, no parlamento, uma oposição à esquerda minoritária e fragilizada pela derrota, sem força para fazer frente a um esquema minuciosa e profissionalmente arquitetado para que tudo volte ao que sempre foi.


A melhor metáfora da “nova era” anunciada pelo processo de impeachment foi a matéria publicada pelo site da revista Veja com a possível primeira dama, Marcela Temer. “Bela, recatada e do lar”, Marcela é o contraponto perfeito de Dilma sob a perspectiva de uma cultura política francamente machista, e que nunca tolerou a ideia de estar subordinada a uma mulher – o que ficou ainda mais claro na sessão de domingo, também um espetáculo deplorável de misoginia. Mas a figura bela e recatada de Marcela, que para sorte de Temer é também discreta e do lar, é a imagem projetada e metaforizada do que o futuro governo espera de nós: que voltemos às nossas casas, recatados e discretos, e deixemos a política e a coisa pública a eles, os homens que foram eleitos para isso. A reação à matéria da semanal foi imediata: como um rastilho de pólvora, milhares de mulheres usaram as redes sociais para manifestar, com o devido escracho, seu repúdio a essa “feminização” subordinada e subalterna sugerida pela revista. Nossa postura em relação ao novo governo deve ser a mesma: contestadora, rebelde, agressiva. Temer, Cunha e a quadrilha que eles lideram pretendem governar o país para seu próprio benefício. Seu governo pode até ser, porque amparado na Constituição, legal. Mas será ilegítimo. Cabe a nós lembrar disso, e não permitir que eles governem.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os plebiscitos e o Estado Laico


POR CAROLINA PETERS

Lembrou bem o Zé Baço: essa história de recomeço das eleições presidenciais não passa do desejo de alguns. “Com o andar do caminhão, as melancias se ajeitam” ele disse e, no limite, acrescento que desde o pleito passado esse desorganizar e reordenar das melancias se dá na boleia brasileira.

Nessa semana, até o 7 de setembro, movimentos sociais e organizações políticas colocarão na rua, nas escolas, universidades e bairros as urnas para o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva da Reforma Política. Essa mobilização que vem tomando corpo desde o ano passado visa dialogar com a população sobre as deficiências do nosso sistema político e apresentar um conjunto de propostas capazes de ampliar a democracia institucional, proporcionando mais espaços de participação popular e privilegiando o debate político-ideológico ao levantar, entre outras bandeiras, a proposta de fim do financiamento privado de campanhas; e colocando o dedo na ferida do fisiologismo questionando as coligações proporcionais.

É uma leitura com a qual eu concordo que a alta influência do poder econômico e a forma de distribuição do horário político gratuito têm cada vez mais esvaziado de política as disputas eleitorais, atribuindo sobretudo ao marketing o papel de consolidar a imagem de tal ou qual candidata (ou candidato) como o melhor gestor para a máquina pública.

No geral, entre as maiores candidaturas, que a mídia carinhosamente chama “principais” e às quais destina privilégios na cobertura jornalística – aquelas candidaturas que contam com maiores recursos financeiros e amplas coligações absolutamente heterogêneas – não há muita diferença. Nuances, talvez. Mas nem bem assumiram as candidaturas, Dilma, Aécio e então Campos reafirmaram seu compromisso sacrossanto com a manutenção do tripé macro-econômico. Em bom português: no limite, tudo fica como está. E a temerosa inflação continua a ser (des)controlada através da alta da taxa de juros, para alegria do capital especulativo, e a pequena produção agrícola familiar, que alimenta os brasileiros, continua sendo escanteada pelos latifúndios de soja e gado para exportação.

Ao mesmo tempo, enxergo outro movimento simultâneo no tabuleiro eleitoral: a volta de um debate mais ideológico à agenda política do país, protagonizado pela direita. A caricata figura do pastor Everaldo cumpre esse papel trazendo às claras uma linha que interessaria, por exemplo, ao PSDB, mas que os tucanos para buscar viabilizar a natimorta candidatura de Aécio não puderam assumir. Pautas que uma Marina Silva, com menor rejeição e inesperadamente recolocada no tabuleiro político pode abraçar sem pudor.

Os direitos das pessoas, de amar, de se relacionar e de crer, são dependentes do seu peso no jogo político. Um tuíde de Malafaia vale mais no jogo da vida do que eu e você. É a defesa de um Estado tão mínimo e privativo que atua somente no campo do privado, com preferência sobre os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas.

É certo que o pleito não se dá em esfera única, e por vezes nos atemos em demasiado à corrida presidencial e deixamos livres de reflexão os concorrentes ao legislativo. O que representa o aumento de 70% no número de pastores concorrentes ao cargo? A liberdade religiosa e de culto deve ser irrestrita, mas qual o limite entre o foro íntimo e a intervenção de determinada crença (com maior poder financeiro, não esqueçamos, pois as mães de santo não tem nem representação no Congresso Nacional e sequer o direito de crença respeitado, sofrendo com recorrente ações arbitrárias policiais em seus terreiros) na esfera politica? Qual o limite entre o direito legítimo e fundamental de expressão e solapar as indualidades por uma crença hegemônica, que conta com vergonhosas isenções fiscais e insumos financeiros do governo para a construção de empreendimentos de negócios – de fé, mas ainda assim, e mais absurdo, negócios? Aproveito e pontuo que a que chamamos Bancada Fundamentalista não atua somente no campo dos costumes, mas mantém relação orgânica com o setor do agronegócio.

Como eu falava no começo: o Plebiscito. Eu voto SIM pela reforma política.

Em tempo, antes que me julguem principista ou contraditória, não se leva a voto direitos individuais. Não se vota pela descriminalização do aborto ou pelo casamento civil igualitário. Se vota pela permissão ou não de doações de pessoas jurídicas a campanhas políticas. Se leva a plebiscito a proposta de desarmamento versus porte de armas. Se leva a plebiscito a reeleição (que aliás voltou recentemente a ser comentada como votação comprada no Congresso...).

É preciso voltar o debate às claras, dar espaço pras opiniões. Permitir espaço para o confronto público. Votar em ideias, não em figuras. Isso faz bem pra democracia.