POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O
terceiro mundo não é um lugar. É um estado da mente. E o Brasil é um país que, por suas contradições, acaba por se tornar um case study nesse capítulo: tem gente que quer
ser a Suécia, mas defende coisas que empurram o país para o Sudão. Um exemplo
recente é a proposta de emenda à Constituição para proibir
candidaturas de pessoas que não tenham curso superior. É infrutífero. O planeta está cheio de gente que passou anos nos bancos escolares e não consegue fazer um zero com o fundo de uma garrafa.
Não
dá para disfarçar. É uma emenda taylor-made,
feita sob medida para um objetivo: impedir que o ex-presidente Luiz Inácio da
Silva possa concorrer ao Palácio do Planalto, em 2018. É perda de tempo
discutir se a proposta é constitucional (não é) ou se Lula ficará impedido (em se tratando Justiça brasileira tudo pode acontecer). Mas tem gente que aplaude. Os políticos que temem enfrentar Lula nas urnas e os conservadores que, por preconceito de classe, não toleram um torneiro mecânico que ousou chegar à presidência.
O
autor da proposta é o deputado Irajá Abreu (PSD-TO), para quem uma visão
acadêmica é capaz de elevar o nível dos pretendentes a cargos públicos. Diz ele
que a dificuldade de leitura dos legisladores impede que “atuem de modo efetivo
nas suas funções constitucionais”. Certo e errado. Certo porque os legisladores via de regra são fraquinhos. Errado porque nenhum diploma é garantia de
qualidade ou de comportamento ético.
E
para não ficar no plano acadêmico – não é a função de um texto de blog – vamos
a uma comparação prática. De um lado temos o ex-presidente Lula, cognominado
“apedeuta” pelos detratores (o tema do diploma é recorrente), e do outro a advogada Janaína Paschoal, que tem um
doutorado e nos últimos tempos foi alçada à categoria de heroína pelos que
apostam na economia de neurônios.
Lula
não tem diploma. E está sempre sob o olhar crítico do "diplomados". Não é difícil encontrar as raízes do preconceito. Apenas 16% dos trabalhadores brasileiros têm curso superior completo. Ter
um diploma na parede ainda confere estatuto. Mas é preciso ser muito
alheado para não reconhecer em Lula um homem culto, mesmo com os pontapés na língua portuguesa. O ex-presidente tem a cultura de quem viu mundo. De quem precisou tomar importantes decisões. De quem transitou ao mais
elevado nível. É uma escola.
Janaína
Paschoal tem um doutorado. É um daqueles casos em que nulidades
acabam elevadas a celebridades. O discurso teatralizado, a retórica violenta e
o estilo mistificador têm o poder de falar aos que rejeitam o
pensamento. Eis o perigo: por trás da ameaça de destruição do inimigo (lembram
da república da cobra?) ou da salvação futura das crianças (no Senado) subjaz o
mais abjeto fascismo. A história ensina que há algo de podre nesse tipo de discurso.
Enfim,
os exemplos de Lula e Janaína são apenas uma forma de mostrar que o diploma per si não é sinal de uma “mente
superior”, como acreditam muitos brasileiros. Aliás, nem é preciso ir longe
para comprovar. As redes sociais, por exemplo, estão cheias de gente com
diploma. O problema é que não passam de analfabetos (dis)funcionais a desfilar ignorância pelo ciberespaço. Ah... e não vamos esquecer a caixa de comentários
do Chuva Ácida. É um delírio.
Faz
sentido uma lei que feche as portas de cargos públicos a pessoas sem diploma? Não. Isso só interessa aos têm pavor de enfrentar Lula em eleições. Seria apenas
outro tipo de golpe. A lei traria uma mudança pontual e inessencial. O que o país precisa é
de uma reforma polícia ampla e séria. É preciso refundar o sistema. Porque
nenhum país, por mais rico que seja, aguenta um Congresso Nacional como este
que surgiu das eleições de 2014. Diploma é diploma. Ética é ética. E ambos não andam necessariamente juntos.
É
a dança da chuva.