POR ANA CAROLINE TEIXEIRA
Estamos
vivendo em uma época em que parece haver um excesso de direitos às
"pessoas do mal em detrimento das "pessoas do bem" (pessoas do
bem x pessoas do mal: dicotomia fictícia, mas que serve para ilustrar).
Os
questionamentos são muitos: foi condenado, mas por que recorrer em liberdade?
Foi pego em flagrante, por que foi solto? Confessou, por que ainda se falar em
produção de provas?
A
resposta é simples: porque ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória! É o artigo 5º, LVII, da Constituição
da República. Parece balela, mas não é.
É
justo o anseio da população (dentro da qual me enquadro) para que a justiça
seja feita rapidamente, para garantir que aquele que matou friamente alguém não
esteja solto por aí, podendo a qualquer hora matar outra pessoa. Também é justa
a revolta com a quantidade de crimes brutais que a cada dia parecem aumentar.
Mas
não podemos esquecer que vivemos em uma sociedade em que se tem uma polícia
deficitária, mal preparada, sem estrutura, e mesmo havendo boa vontade, é muito
difícil fazer um bom trabalho.
Que
temos uma mídia sensacionalista e irresponsável que publica matérias condenando
pessoas sem mesmo ter havido o mínimo de investigação. Mostram seus nomes, seus
rostos, marcas essas que mesmo com uma futura absolvição nunca serão apagadas.
Temos
uma Defensoria Pública que caminha a passos de tartaruga. Em Santa Catarina,os
primeiros defensores tomaram posse esse ano. No Paraná já houve concurso, mas o
senhor governador ainda não nomeou defensores (ele diz que não tem dinheiro,
mas um levantamento aponta que o número de cargos comissionado aumentou em 10%
em sua gestão).
O resultado de tudo isso – e
muito mais – sem as garantias citadas é: injustiça (não que com garantias haja
sempre justiça).
Estamos vivenciando um caso muito
simbólico aqui no Paraná.
No dia 28 de junho foi encontrado
na cidade de Colombo (região metropolitana de Curitiba) o corpo da Tayná, jovem
de 14 anos que estava desaparecida há três dias. A família obteve a informação
de que os responsáveis pelo delito eram três funcionários do parque de
diversões da redondeza. A câmera de segurança do parque mostrou que ela havia
passado ali pela frente no dia que sumiu. Revoltada (de fato foi terrível o
crime: estupro e homicídio), a população local incendiou o parque de diversões.
Saiu na Veja: “Adolescente é estuprada e morta por funcionários de parque de
diversões no PR”. Os três suspeitos confessaram o delito. Ou seja, caso praticamente
solucionado. Cadeia neles! Pena de Morte! Castração química!
No entanto, dias depois,
descobre-se que o sêmen encontrado na garota não era dos acusados. A OAB foi
averiguar e descobriu que um dos “acusados” estava com suspeita de perfuração
intestinal e com a costela quebrada; outro está com ossos à mostra de tantos
ferimentos e está surdo, pois teve o tímpano rompido; o outro não tinha ferimentos
aparentes. Eles então afirmaram que não cometeram o delito e que confessaram
sob tortura. A polícia admite um possível erro.
E agora? O que mudou? Será que
não teria que se ter aguardado a perícia antes da mídia estampar nos jornais o
nome e os rostos dos garotos? Será que as pessoas não teriam que ter aguardado
a investigação criminal antes de atear fogo no parque? Antes disso ainda, será
que a polícia não deveria ter investigado ao invés de torturar três pessoas
para dar uma “solução” ao crime? Mas vale a pena torturar, Jack Bauer salvou
muitos americanos assim.
Não estou dizendo que esses
jovens não mataram a garota, pode ser que tenham matado. Mas isso só vai se
descobrir ouvindo testemunhas; fazendo perícia; colhendo demais provas. Não se
faz em um dia, em uma hora.
Enfim, esse é um caso emblemático
para exemplificar o quão importante é não se ter um julgamento imaturo. Nem
pela polícia, nem pelo judiciário, nem pela mídia, nem pela população. Casos iguais
a esse existem diversos por aí.
Isso não nos tira o direito de nos
indignar com a maldade humana, nem de cobrar que se apurem os delitos com
agilidade, pelo contrário, devemos cobrar o governo para que ele estruture a
polícia, devemos cobrar do judiciário que os casos sejam julgados.
Mas nunca se devem suprimir as
garantias processuais, até mesmo porque qualquer dia pode ser nossa vez na fila
dos condenados, por estar no lugar errado, na hora errada.
*Ana Caroline Teixeira é advogada, formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com especialização na Fundação Escola do Ministério Público.