terça-feira, 3 de maio de 2016

Lula, Janaína... o diploma, o amor e o ódio

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O terceiro mundo não é um lugar. É um estado da mente. E o Brasil é um país que, por suas contradições, acaba por se tornar um case study nesse capítulo: tem gente que quer ser a Suécia, mas defende coisas que empurram o país para o Sudão. Um exemplo recente é a proposta de emenda à Constituição para proibir candidaturas de pessoas que não tenham curso superior. É infrutífero. O planeta está cheio de gente que passou anos nos bancos escolares e não consegue fazer um zero com o fundo de uma garrafa.

Não dá para disfarçar. É uma emenda taylor-made, feita sob medida para um objetivo: impedir que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva possa concorrer ao Palácio do Planalto, em 2018. É perda de tempo discutir se a proposta é constitucional (não é) ou se Lula ficará impedido (em se tratando Justiça brasileira tudo pode acontecer). Mas tem gente que aplaude. Os políticos que temem enfrentar Lula nas urnas e os conservadores que, por preconceito de classe, não toleram um torneiro mecânico que ousou chegar à presidência. 

O autor da proposta é o deputado Irajá Abreu (PSD-TO), para quem uma visão acadêmica é capaz de elevar o nível dos pretendentes a cargos públicos. Diz ele que a dificuldade de leitura dos legisladores impede que “atuem de modo efetivo nas suas funções constitucionais”. Certo e errado. Certo porque os legisladores via de regra são fraquinhos. Errado porque nenhum diploma é garantia de qualidade ou de comportamento ético.

E para não ficar no plano acadêmico – não é a função de um texto de blog – vamos a uma comparação prática. De um lado temos o ex-presidente Lula, cognominado “apedeuta” pelos detratores (o tema do diploma é recorrente), e do outro a advogada Janaína Paschoal, que tem um doutorado e nos últimos tempos foi alçada à categoria de heroína pelos que apostam na economia de neurônios.

Lula não tem diploma. E está sempre sob o olhar crítico do "diplomados". Não é difícil encontrar as raízes do preconceito. Apenas 16% dos trabalhadores brasileiros têm curso superior completo. Ter um diploma na parede ainda confere estatuto. Mas é preciso ser muito alheado para não reconhecer em Lula um homem culto, mesmo com os pontapés na língua portuguesa. O ex-presidente tem a cultura de quem viu mundo. De quem precisou tomar importantes decisões. De quem transitou ao mais elevado nível. É uma escola.

Janaína Paschoal tem um doutorado. É um daqueles casos em que nulidades acabam elevadas a celebridades. O discurso teatralizado, a retórica violenta e o estilo mistificador têm o poder de falar aos que rejeitam o pensamento. Eis o perigo: por trás da ameaça de destruição do inimigo (lembram da república da cobra?) ou da salvação futura das crianças (no Senado) subjaz o mais abjeto fascismo. A história ensina que há algo de podre nesse tipo de discurso.

Enfim, os exemplos de Lula e Janaína são apenas uma forma de mostrar que o diploma per si não é sinal de uma “mente superior”, como acreditam muitos brasileiros. Aliás, nem é preciso ir longe para comprovar. As redes sociais, por exemplo, estão cheias de gente com diploma. O problema é que não passam de analfabetos (dis)funcionais a desfilar ignorância pelo ciberespaço. Ah... e não vamos esquecer a caixa de comentários do Chuva Ácida. É um delírio.

Faz sentido uma lei que feche as portas de cargos públicos a pessoas sem diploma? Não. Isso só interessa aos têm pavor de enfrentar Lula em eleições. Seria apenas outro tipo de golpe. A lei traria uma mudança pontual e inessencial. O que o país precisa é de uma reforma polícia ampla e séria. É preciso refundar o sistema. Porque nenhum país, por mais rico que seja, aguenta um Congresso Nacional como este que surgiu das eleições de 2014. Diploma é diploma. Ética é ética. E ambos não andam necessariamente juntos.

É a dança da chuva.



13 comentários:

  1. Também sou contrário à proposta, mas qualquer dispositivo que impeça esse sem-vergonha de enganar a população mais desinformada e disputar a presidência está valendo. Aliás, o cárcere na Papuda já é recompensador. Esperamos que o ministro petista Teori Zavascki (sinto vergonha por este homem!) tire as investigações sobre Lula de seu colo e as envie novamente para o juiz natural do caso.

    Quanto a Janaína Paschoal, parabéns pelo ato civil.

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    1. "População mais desinformada" a gente vê aqui nos comentários do Chuva Ácida.

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    2. Sobretudo do lado do Atlântico.

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    3. O mais engraçado aqui são os zurros e relinchos nos comentários.

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  2. Se essa PEC não passar, 'eles" partirão para a quantidade minima de dedos em cada mão. By Ácido

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    1. A PEC não passa. Mas ficam registradas as intenções de uma oposição que não ganha no voto e não tem escrúpulos. Mas que fique registrado: há parlamentares petistas que assinaram a proposição.

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  3. Será que título "honoris causa" vai contar?

    Porque, se for assim, Lula tem vários.

    Doutor honoris causa pela:
    - Universidade Federal de Viçosa,
    - Universidade de Coimbra (Portugal)
    - Universidade Federal de Pernambuco
    - Universidade Federal Rural de Pernambuco
    - Universidade de Pernambuco
    - Universidade Federal Fluminense
    - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
    - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
    - Universidade Federal do Rio de Janeiro
    - Universidade Federal da Bahia
    - Politécnica de Lausanne (Suíça)
    - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab)
    - Sciences-Po (Institut d'Etudes Politiques de Paris)
    - Universidade Federal do ABC
    - Universidad Nacional de La Matanza
    - Universidad Metropolitana de la Educación y el Trabajo (Argentina)

    Todos foram recebidos apenas após deixar o cargo de presidente.

    Sob o ponto de vista acadêmico, um título honoris causa é bastante importante, pois mostra o reconhecimento do trabalho da pessoa pela comunidade universitária.

    Não entro no mérito se o título foi bem atribuído ou não, mas tantos títulos assim não pode ser algo fruto do acaso. São muitos universidades e de diversos países (França, Argentina, Portugal, Brasil, etc.).

    E agora?

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    1. Depende dos regimes processuais das universidades que outorgam os títulos. Em alguns casos há equivalências...

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    2. Para quem nunca leu um livro, a quantidade de "honoris causa" assusta pelo fato de como tal título foi menosprezado, igualmente o campus que o concedeu.

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    3. O mais divertido é que pessoas com grau de doutor são as que mais respeitam o "honoris causa".

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    4. Interesses, Baço, interesses... Política é uma filhadaputice só.

      Honoris causa, para o Lula, é como aquele raminho de alecrim que o piá recebe na cabeça por ter finalizado a prova da corrida promovida pela escola: ele leva todo orgulhoso para casa, mas, dias depois, o raminho murcha e apodrece.

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    5. Legal Antônio Carlos, quantos títulos Honoris Causa o Sr. já recebeu? Eu não fiz por merecer nenhum.

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