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terça-feira, 21 de abril de 2015

O ódio está no ar...

Acreditem: o comentário não foi sarcástico.
POR PEDRO HENRIQUE LEAL

Parece me que o ódio está em alta. Nas últimas duas semanas, tivemos a campanha de insultos promovida por Danilo Gentili e a revolta contra a travesti Verônica Bolina (por gente que não entendeu qual era o problema). Teve também a islamofobia gritante com pessoas mandando Charlyane Silva de Souza “voltar pro seu pais” e a chamando de “terrorista” quando essa teve seu direito de uso de véu reconhecido pela OAB, uma onda de xenofobia contra imigrantes chineses após o caso da pastelaria que usava carne de cachorro. E no meio disso tudo, se reergueu um dos mais infames blogs de ódio da internet brasileira.


Vamos então por partes.


O Caso Verônica Bolina


A sucessão de eventos na prisão da travesti ainda não está clara. Sabe se que Verônica agrediu uma vizinha de 73 anos. Que foi colocada em uma cela masculina. Que se envolveu em uma confusão na cela em que estava detida e que mordeu a orelha de um carcereiro após dita confusão. Que foi agredida na prisão e no hospital. Que foi fotografada sem camisa e com o rosto desfigurado. E que foi coagida a gravar um depoimento onde negava ter sido agredida, em troca de redução de pena.


O caso atraiu a revolta de movimentos de direitos humanos e essa revolta atraiu o ódio dos defensores da lógica “bandido bom é bandido morto”. Enquanto o primeiro grupo questionava o tratamento dado à travesti, o segundo dizia que ela devia pagar por seus crimes e merecia “apanhar mais”. Sem entender que ninguém estava dizendo que Verônica não devia pagar, mas sim que esse “pagamento” deveria ser feito dentro dos termos da lei. Grande parte dos revoltosos contra movimentos como #SomosTodasVerônica parece incapaz de compreender o problema. A indignação não é com ela ter sido presa, mas com a maneira em que foi tratada pelas autoridades e pela qual foi privada de sua dignidade.


Ainda assim houveram aqueles, muitos dos quais policiais, que viram no caso justificativa para despejar seu ódio contra todas as travestis. Como se não apenas Verônica devesse pagar além dos limites da lei, como todas as mulheres trans devessem pagar pelos crimes de uma. E sem entender que existe uma maneira civilizada de se punir transgressões, sem precisar dos punhos para isso.


Pastel com recheio de xenofobia


Dois casos serviram para refogar a velha xenofobia a brasileira. O caso da pastelaria chinesa que usava mão de obra escrava e carne de cachorro no Rio de Janeiro ressuscitou o velho discurso da “ameaça amarela”, e não foram poucos os comentários pedindo a deportação imediata de todos os sino-descendentes do país.


O segundo caso foi o recurso da bacharel em direito Charlyane Silva de Souza, privada de fazer o exame da OAB caso não retirasse o véu (e violasse suas tradições religiosas). Convertida ao Islã no ano passado, o recurso de Charlyane atraiu comentaristas furiosos, exigindo que “voltasse ao seu país” e afirmando que se tentassem o contrário “no país dela” seriam executados. Charlyane é brasileira. O Islã, uma religião, e não uma nacionalidade. O maior país islâmico? O mesmo que tantos opinadores exaltados adoraram em janeiro, quando o traficante de drogas Marco Archer foi executado.


A revolta com Charlyane representa uma série de confusões que ainda nos marcam. Não foram poucos os comentaristas que usaram das tentativas de proibição de símbolos religiosos por repartições estatais para dizer que Charlyane deveria ser proibida de usar o véu “pois o estado é laico”. Por ser muçulmana, fora chamada de terrorista e “advogada bomba”. Vez após vez, a fé islâmica se vê confundida com o extremismo, como se fossem uma coisa só .Como se não bastasse, repetem o erro de achar que todo muçulmano é árabe e um imigrante árabe.



Rede de ódio, ódio na rede


Mas o choque de ódio maior, no meu ver, veio como resposta a uma campanha do Governo Federal. Tão logo foi criada a página Humaniza Redes e o perfil correlato no Twitter, surgiram as acusações de que o programa (uma ouvidoria para denuncias de violações de direitos humanos) era “censura”. E, de imediato, o humorista Danilo Gentili tratou de dar a sua resposta: Desumaniza Redes, incentivando um festival de ofensas sem fim que empesteia a página governamental.


O argumento para defender a campanha de insultos (e apologia a violência)? Que a proliferação de homofobia, machismo, racismo, xenofobia e até pornografia infantil na rede não passa de “zueira”, que não deve ser limitada nunca. Eis a liberdade de expressão defendida por Gentili: a liberdade de ofender, de ameaçar e de discriminar. Ironicamente, o “defensor da liberdade de expressão sem limites” se dedica ativamente a silenciar o outro lado da discussão.


E no rastro da campanha de Gentili, um velho vulto se reergueu nas sombras da blogosfera brasileira. Antes conhecido como “Homem de Bem”, agora como “Tio Astolfo”, um dos mais notórios pregadores do ódio do país, procurado desde 2013, voltou a ativa. Pregando a morte de gays e negros, o estupro de feministas e outras atrocidades, o imitador de outro blog de ódio (o extinto Silvio Koerich) demonstra uma fúria implacável - e assim como a Desumaniza Redes, justifica tudo dizendo que é “humor controverso”. Pois claramente, dizer “é uma piada” resolve tudo.


Isso é só um pequeno recorte do que acontece em todas as áreas, não só na internet. As vezes pelos motivos mais banais. Quem nunca se viu insultado por gostar das “coisas erradas”? No estado americano do Oklahoma, dois colegas de quarto se golpearam com garrafas de cerveja em uma disputa sobre iPhone versus Android. O ódio está em alta e qualquer coisa parece justificá-lo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

"Casos isolados"




POR PEDRO HENRIQUE LEAL

A história todo mundo já está cansado de ouvir. No dia 19 deste mês, o policial militar Luis Paulo Mota Brentano desferiu dois tiros contra o surfista Ricardo dos Santos, na Guarda do Embaú, após uma discussão. Rapidamente surgiram as tradicionais defesas: “ele não era santo”, “tem que ouvir os dois lados” (onde por ouvir os dois lados, leia: acusar a família da vítima de ocultar evidência e pintar o atirador como a vítima), “ele era um bom policial” (com acusações de abuso de autoridade e de tortura) e a mais importante: “é um incidente isolado”.

A pergunta é: quantos “incidentes isolados” precisa para que se torne um padrão? Neste “incidente isolado”, rapidamente vieram as duas defesas para os “casos isolados”: a que não há comoção quando bandido mata e que não há como saber de antemão se não era “bandido” e que o trabalho das polícias é “vida ou morte”. Na primeira situação é importante ressaltar que sim, existe comoção, e que não, não se espera que criminosos mantenham a lei. Já na segunda defesa, fica evidente que a questão toda não trata-se de “casos isolados”, mas de um problema ideológico das PMs. Peço também que notem um padrão em uma grande parte das vítimas.

Não é o único caso em que essas duas defesas foram usadas. O que se segue são incidentes tanto nacionais, quanto da polícia dos EUA (tomada pelos emissores desse tipo de fala como exemplo) que foram justificados e até elogiados por comentaristas online. E antes de seguir com essa série de “casos isolados”, friso que no Reino Unido, entre 2009 e 2012, a polícia abriu fogo apenas 18 vezes, com nove mortes. Enquanot isso, a polícia brasileira mata cinco pessoas por dia.

16 de março de 2014. A dona de casa Claudia Silvia Ferreira, 38 anos, leva dois tiros em um confronto entre policiais e traficantes na zona norte do Rio. Após o embate, seu corpo é colocado no porta-malas de uma viatura, e arrastado pelo asfalto por cerca de 250 metros. Apesar de motoristas tentarem alertar do que estava acontecendo, os PMs só pararam a viatura quando chegaram a um sinal vermelho. Posteriormente, a polícia carioca alegou que o porta-malas fora aberto por um motoqueiro não identificado. Claudia era negra e favelada.

22 de Janeiro de 2015. Kristiana Cognard, uma adolescente de 17 anos de Longview, Texas, é baleada quatro vezes no interior de uma delegacia de polícia. Bipolar, Cognard teria “ameaçado os policiais” com uma arma branca (não identificada e não apresentada pela polícia”, o que justificaria a ação). Não houve tentativa de detê-la através de métodos não letais.

19 de Julho de 2014. Eric Garner, 43 anos, morador de Statten Island, morre após ser estrangulado por um policial. Suas últimas palavras eram “eu não consigo respirar”. O crime de Garner: vender cigarros. O confronto fatal foi filmado por um transeunte - para o qual foi emitido um mandado de prisão. No vídeo, não se vê comportamento agressivo por parte do falecido (que teria “violentamente resistido a prisão”). Garner era negro.

2 de agosto de 2014. Haíssa Vargas Motta é baleada fatalmente em uma perseguição no Rio de Janeiro. Motta e três amigos estavam de carro quando passaram em frente a uma viatura que procurava um veículo suspeito. Foram dados dez disparos; normas operacionais da PM não autorizam que se abra fogo contra um veículo por este não obedecer ordem de parada. Haíssa era negra.

22 de janeiro de 2014. Vinícius de Souza Ruiz tem R$ 984 apreendidos pela PM ao ser detido em protesto contra a Copa do Mundo. O dinheiro era parte do seu salário, tomado pela polícia como evidência do pagamento de manifestantes. Ruiz foi um dos 262 manifestantes presos somente naquela manifestação.

15 de maio de 2014. Patrícia Rodsenko é atingida no olho por estilhaços de uma bomba de gás lacrimogênio enquanto voltava de um protesto na capital paulista. A manifestação contra o mundial durou apenas 20 minutos antes de ser violentamente reprimida pela PMSP.

14 de setembro de 2013. O servente de pedreiro, José Guilherme da Silva, 20 anos, é encontrado morto, algemado, com um tiro na cabeça, por sua mãe dentro de um camburão da PM, no interior de São Paulo. A polícia alega suicídio, mas a família contesta a versão, dizendo que “foi executado pelos policiais que prenderam”. Da Silva estava algemado quando “atirou na própria cabeça”.

22 de novembro de 2014. Tamir Rice, um menino de 12 anos de Cleveland, é baleado fatalmente por dois policiais que atendiam uma chamada de emergência. Rice carregava uma arma de brinquedo, e o porte de armas é legalizado no estado. Enquanto defensores da ação alegavam que o menino “era uma ameaça” e “devia ter acatado as ordens da polícia”, vídeos demonstram que os oficiais dispararam dois segundos após chegar ao local. Rice era negro.

6 de agosto de 2014. John Crawford, 22 anos, é morto a tiros no interior de um Walmart em Beavercreek, Ohio. Crawford carregava uma arma de ar comprimido das prateleiras da loja quando foi alvejado pela polícia. Segundo sua esposa, com quem falava ao celular antes de ser baleado, suas últimas palavras eram “não é de verdade”. Crawford era negro.

Janeiro de 2015. Um morador de rua esquizofrênico em Blumenau é agredido por policiais. O vídeo da agressão foi postado em redes sociais por parentes da vítima. A PM-SC tentou justificar o caso alegando que o homem, que aparenta desarmado e desorientado, estava tentando cometer um homicídio.

Julho de 2012. Milton Hall, um morador de rua de 49 de Saginaw, Michigan, é morto com 48 tiros por oito policiais após uma discussão. Hall portava um abridor de cartas. 14 dos tiros o atingiram. Após o tiroteio, os policiais algemaram o cadáver. A justiça local se recusou a fazer uma investigação, alegando que Hall era uma grave ameaça para oito policiais armados. Hall era negro.

26 de dezembro de 2014. o entregador de pizza Ruzivel Alencar de Oliveira, 19 anos, é morto com um tiro na boca e um no peito por um policial militar, no ABC Paulista. Ruzivel sonhava ser policial. O PM que o matou atendia uma chamada de “perturbação da ordem pública”: um grupo de jovens ouvia som alto demais em um carro. O policial se defendeu alegando que achou que o rapaz estava sacando uma arma. O corpo e o local do crime não foram periciados, e a delegada responsável pela apuração ouviu apenas os policiais envolvidos.

Isso tudo é só um pequeno recorte de casos que foram defendidos (a unhas e dentes) como “ser duro com o crime”, e até parabenizados. Em todas as situações, culpou-se a vítima, e tentou-se reescrever o que aconteceu como algo “normal”. Talvez seja “normal”, porque aceitamos isso rotineiramente. Mas há de haver uma raiz por trás disso, e talvez tenhamos um Ouroboros (a serpente circular, comendo seu próprio rabo) de violência em mãos.

A mentalidade de “matar ou morrer”, algo que deveria ser inaceitável por parte dos agentes da lei, é uma constante em grande parte das forças policiais do país (e o mesmo ocorre nos EUA). De fato os policiais estão sujeitos a uma grande dose de violência, e um grau elevado de risco. No entanto, ao agir com base em temor (como expôs o artigo do El País linkado mais acima) tem levado agentes de “segurança” pública freqüentemente a agirem como agentes de violência pública.

Isso para não mencionar os grupos (com e sem ligação com a polícia) que promovem esse tipo de mentalidade de “atire primeiro, pergunte depois”. Não são poucos os grupos, políticos e partidos que promovem a mentalidade do “bandido bom é bandido morto” e “se morreu algo de errado fez”. Nenhum para e pensa a polícia possa por vezes estar errada. Ao invés disso, veem os policiais como super-humanos infalíveis e prescientes. E menos ainda que ao defender incondicionalmente a polícia em seus erros mais brutos, esteja promovendo ainda mais violência.



Você tem de entender meu mundo. A todo momento eu acho que vou morrer. Não posso falar um ‘por favor’ ou um ‘muito obrigado’ para uma pessoa que pode estar querendo me matar” - PM entrevistado pelo El País




quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O rolezinho e a ostentação do preconceito

POR CLÓVIS GRUNER

Filhas da crença que o século XIX nutriu pelo progresso, as cidades contemporâneas nascem sob o signo da utopia. Lugar ao mesmo tempo de desnaturalização e fabricação da vida, nelas e por meio delas pretendeu-se realizar uma das promessas da cultura moderna: a de um espaço racionalizado, capaz de conjugar, pelo recurso ao saber científico e aplicação da técnica, o que a modernidade produziu de melhor, sem se deixar contaminar pelos seus excessos e desvios.

Os urbanistas viram desaparecer rapidamente seus sonhos de uma cidade planejada e sem males: as utopias não cabem na realidade porque ela contém sempre algo de improvável e incontrolável. O futuro, afinal, é indisciplinado. O shopping center surgiu na paisagem urbana do século XX para tentar cumprir aquilo que gerações de planejadores urbanos não puderam. Em um nível ideal, ele deveria reproduzir a experiência de estar na cidade: nele, podemos realizar praticamente todas as atividades concernentes ao espaço urbano – comer, beber, descansar, consumir, entreter-se, etc...

Mas ao mesmo tempo, o shopping estabelece um corte em relação à cidade, que permanece lá fora, com suas mazelas e contradições, suas periferias e a poluição. No seu interior, tudo é asséptico: a luz e a temperatura, sempre amenas; o ar permanentemente renovado; os corredores amplos, por onde se circula sem atropelos, não raro sem contato; a vigilância constante, a neutralizar eventuais contratempos. “A cidade não existe para o shopping”, diz a ensaísta argentina Beatriz Sarlo, “que foi construído para substituí-la”.

Substituição não apenas territorial, mas simbólica e política. A cidade é o lugar do desacordo, do confronto e do conflito. O shopping é onde toda dissensão se anula, principalmente porque geralmente vai-se a ele com um mesmo e único objetivo: consumir. E se o acesso ao mercado e ao consumo são hoje condições primas para o exercício da cidadania, eles estão na vanguarda de uma inédita forma de civismo. O shopping center tornou-se a nova ágora.

CULTURA DA OSTENTAÇÃO – Nas últimas semanas, no entanto, assistimos a um deslocamento. De ágora a Casa Grande, os shopping centers mostraram o que qualquer um com um mínimo de bom senso já sabia: o mercado não substitui a polis porque lhe falta algo fundamental ao funcionamento daquela, a democracia. Frequentá-los não é um direito assegurado a todos, como ficou claro nos episódios de proibição judicial e repressão policial aos chamados rolezinhos. O fenômeno não é inteiramente novo. Aqui em Curitiba, há uns dois ou três anos seguranças de dois shoppings tentaram impedir grupos de jovens de entrar nos estabelecimentos, porque eles tentavam fazer o que todo mundo faz, passear no shopping, mas tinham a cor de pele errada, usavam a roupa errada e moravam nos bairros errados. Soube de eventos similares em outras cidades.

Os acontecimentos em São Paulo repercutiram em parte e mais uma vez, graças à dinâmica das redes sociais. Mas a reação revela algo mais além do preconceito. Falo da dificuldade de setores das classes médias de aceitar que dois dos seus principais signos de distinção social – o consumo e a ostentação – já não são mais um privilégio exclusivo, acionados agora por jovens da periferia que se reconhecem neles, ao ponto de fazerem de ambos sua trilha sonora, o “funk da ostentação”. E não se pode culpá-los: passamos muitos anos acreditando e multiplicando uma cultura do consumo e da ostentação que tinha nos shoppings seu lócus privilegiado. E por que continuar habitando a periferia, das cidades e do mercado, se basta marcar dia e hora para ir até onde é possível experimentar, mesmo provisoriamente, o gosto que tem os excessos e a liberdade tão propalados?

Nos últimos dias imagens de jovens “vandalizando” os corredores dos shoppings paulistanos forneceram ainda mais argumentos aqueles que insistem em criminalizar os rolês. Um senador tucano, Aloysio Nunes, chamou-os de um “bando de cavalões”, e traduziu exemplarmente o sentimento de nossa elite em relação à periferia. Nenhum deles percebeu o que a meu ver é elementar: a garotada da periferia desejava fazer justamente aquilo que cada um de nós faz quando vai a um shopping: ver, principalmente; consumir, se possível. Desejo que é em grande medida fruto de uma inclusão social algo torpe e torta: a expansão das possibilidades de consumo por meio da ascensão social e econômica, nem sempre foi acompanhada pelo fortalecimento dos outros mecanismos que são – ou deveriam ser – inerentes à cidadania.

Não fosse a insensibilidade dos administradores dos shoppings e das autoridades públicas, estendida na violência física e simbólica, os rolês provavelmente continuariam a cumprir o percurso a que se destinavam. Ou, quem sabe, pudessem se tornar uma oportunidade de negócios. Mas para isso faz-se necessária uma certa dose de inteligência. E nosso capitalismo é, além de predatório, preconceituoso e violento, burro.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Desmilitarizar a polícia e a política



POR CLÓVIS GRUNER

Na mesma semana em que as imagens da polícia carioca reprimindo violentamente professores em greve correram o país, confirma-se que Amarildo foi torturado e assassinado por policiais da UPP da Rocinha, onde morava. Ambas as notícias reforçam a sensação de desacerto entre uma polícia militarizada e violenta e uma sociedade que se pretende democrática. Como já disse em outro texto, as instituições prisionais e policiais funcionam como imensos reservatórios da arbitrariedade e da violência cultivadas durante a ditadura civil militar. O gradual desmonte do aparato repressivo não alcançou o interior das penitenciárias, presídios, delegacias e quarteis de polícia, sinalizando o antagonismo entre as políticas de segurança pública e os esforços pela consolidação da democracia iniciado há quase três décadas.

Tal contradição é estrutural e consagrada pela Constituição de 1988, que prevê em seu artigo 144 a divisão de tarefas entre as polícias Militar (a quem cabe realizar o policiamento ostensivo) e Civil (responsável pela investigação policial). Trata-se de uma verdadeira distorção dos modelos que, supostamente, inspiraram a organização da polícia brasileira. Ainda que muitos países europeus possuam forças militares com funções de polícia – como são os casos da Gendarmerie Nationale, na França; dos Carabinieri, na Itália; da Guardia Civil, na Espanha; ou da Guarda Nacional Republicana, em Portugal –, sua estrutura e funcionamento são diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais. Além disso, as atribuições de policiamento destas forças se restringem prioritariamente às áreas rurais; os policiamentos ostensivos e investigativos nas áreas urbanas são de responsabilidade das polícias civis. As gendarmarias europeias são, ainda, de ciclo completo, no que se assemelham às polícias americanas e inglesas. Nestes dois países, aliás, as polícias são exclusivamente civis.

REPENSAR E REESTRUTURAR A POLÍCIA – No Brasil, o treinamento militarizado é um dos responsáveis pela criação de uma das mais violentas polícias do mundo. Os números são assustadores. Em São Paulo, cerca de 2.200 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a PM entre 2006 e 2010. No Rio de Janeiro, foram mais de 10 mil mortes entre 2001 e 2011. A atuação dos policiais nas manifestações iniciadas em junho evidencia uma cultura de confronto que está arraigada na PM e é velha conhecida dos moradores das periferias, historicamente os mais sujeitados à violência policial – e é sintomática a declaração do ex-membro do BOPE, Rodrigo Pimentel, ao ver um policial descarregar uma metralhadora para o alto durante um dos confrontos: “Isso é desastroso, uma arma de guerra, uma arma de operação policial em favelas, não é uma arma pra ser usada no ambiente urbano…” [os grifos são meus].

O recrudescimento da violência e o aumento de sua percepção (coisas próximas, mas ainda assim distintas) por um público mais amplo – o que se deve em parte à mobilização virtual nas redes sociais –, tirou das margens da agenda política o debate sobre a desmilitarização da polícia. No âmbito mais estritamente institucional, no começo desta semana um passo importante foi finalmente dado, com a apresentação da PEC 51, já batizada de PEC da Desmilitarização (clique no ícone "Texto inicial"). O projeto é extenso e não cabe aqui comentá-lo step by step. Mas há alguns pontos centrais que merecem ser destacados. 

GARANTIR DIREITOS – O primeiro é a definição e a função da polícia como instituição cujo propósito não é garantir a segurança do Estado, nem fazer a guerra contra suspeitos ou criminalizar movimentos sociais, mas promover e garantir os direitos dos cidadãos. Com a desmilitarização, a PM (hoje, força de reserva do Exército, “formada, treinada e organizada para combater o inimigo”) deixa de existir e cria-se uma polícia unificada e com carreira única. Além disso, toda polícia deve realizar o ciclo completo, exercendo o trabalho preventivo, ostensivo e investigativo e colocando fim ao fracionamento hoje característico da atividade policial. São os estados que definem o formato a ser adotado por suas polícias, bem como o grau de responsabilidade dos municípios na manutenção da segurança pública. Na prática, rompe-se com o modelo centralizado hoje previsto na Constituição e confere-se maior autoridade e autonomia aos estados e municípios na implementação de políticas de segurança pública. Não menos importante, aumentam os mecanismos de controle social, com a extinção, por exemplo, da Justiça Militar, e a criação de Ouvidorias externas.

Não apenas o trâmite da PEC será certamente demorado como, provavelmente, ela enfrentará a oposição de setores corporativos e de conservadores em geral, para quem pouco importa uma polícia democratizada e menos violenta e uma política de segurança realmente pública. Ciente desta e de outras dificuldades, o próprio texto prevê uma “implementação cuidadosa”, caso aprovado. Sua efetivação depende agora da mobilização daqueles realmente interessados em romper o ciclo de violência de nosso passado autoritário tão recente e hoje ainda presente nas instituições militares. Pessoalmente, acredito que poucas causas merecem tanto nosso engajamento.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Satisfeita, Chauí?



POR CLÓVIS GRUNER

A filósofa Marilena Chauí não gosta dos Black Blocs. Em palestra proferida na Academia da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em agosto, Chauí afirmou que o grupo tem “inclinações fascistas”: “Temos três formas de se colocar. Coloco os blacks’ na fascista. Não é anarquismo, embora se apresentem assim. Porque, no caso do anarquista, o outro [indivíduo] nunca é seu alvo. Com os blacks’, as outras pessoas são o alvo, tanto quanto as coisas”.

Um pouco de história nunca é demais mesmo para quem já recebeu título honoris causa pela Sorbonne. Tanto os estudantes franceses que tomaram de assalto o bairro latino em Maio de 68 tinham, sim, “demandas institucionais ao poder” – a reforma universitária, por exemplo –, como os blacks não são uma invenção brasileira nem tampouco recente. Eles estão por aí desde o final dos anos de 1980, e já atuaram em eventos e lugares tão distintos como os protestos antinucleares em Berlim, ainda no fim da Guerra Fria, a reunião de 1999 da OMC em Seattle, e o encontro do G-20 em Toronto. Mais recentemente, estiveram presentes em manifestações na Grécia, Turquia e Egito.

Pode-se questionar e criticar as táticas utilizadas pelos Black Blocs. O recurso à violência – que, ao contrário do que diz Chauí, não mira as pessoas, mas instituições e patrimônios públicos e privados, bancos principalmente – é sempre controverso. Ainda que historicamente ela seja parte dos movimentos que, por razões e com finais distintos, provocaram alguns deles rupturas significativas e necessárias – a conquista do voto feminino e os direitos trabalhistas, por exemplo –, seu aparecimento é sempre intempestivo e, no limite, incontrolável. Mas chamar o grupo de fascista é de uma estultice que beira à irresponsabilidade e denuncia, uma vez mais, a incapacidade de Chauí – outrora referência à esquerda brasileira – de compreender os novos movimentos e manifestações sociais, que escapam do convencionalismo à gauche da filósofa uspiana.

ADESISMO E FALÊNCIA DA CRÍTICA Ela não está sozinha. Ante o incompreensível, alguns pensadores – no plano internacional, Zizek e Badiou, por exemplo – optaram por reafirmar sua profissão de fé em uma esquerda revolucionária e messiânica. Inatuais, ainda que contemporâneos, desqualificam os novos movimentos sociais cobrando-lhes justamente o que eles não pretendem oferecer: um futuro. No Brasil, a perplexidade de Chauí ou de um Emir Sader, entre outros, pode ser explicada também pelo compromisso militante. Alçados indiretamente à condição de governo, não foram poucos os intelectuais que tiveram minada sua capacidade crítica em função do adesismo.

Sob este ponto de vista, tudo o que pode colocar em risco, mesmo que apenas hipoteticamente, o projeto de governo e de poder hoje vitorioso, precisa ser duramente criticado, combatido e, se necessário, desqualificado – como foram as manifestações de junho e, agora, os Black Blocs. Não é casual que a tagarelice contra o “fascismo” dos blacks caminhe pari passu com um silêncio vergonhoso sobre as incômodas permanências, quando não o simples retrocesso, em setores como os direitos humanos e a segurança pública, áreas onde os governos petistas se limitaram basicamente a dar continuidade às inconsistentes (ou inexistentes)políticas anteriores.

Penso que mais pertinente que tratar por “fascista” quem não é, seja tentar apreender o que de significativo, para além da violência e dos chavões anticapitalistas, as manifestações recentes tem a dizer à esquerda. Entre outros, há dois elementos  fundamentais. De um lado, a necessidade de abandonar as pretensões messiânicas e encarar o mundo e a política a partir do presente. Isso implica, obviamente, uma revisão de discursos e práticas cristalizados entre muitos militantes e intelectuais, desatentos à miudeza das reivindicações cotidianas porque empenhados em fazer o parto do futuro.

Há ainda o desgaste dos modelos tradicionais de política. Particularmente no Brasil, a chegada ao governo de um partido de esquerda, se tornou possível principalmente progressos em alguns de nossos indicadores sociais, representou igualmente um esvaziamento dos movimentos e movimentações sociais, inclusive com a criminalização de alguns deles. Este afastamento lento, gradual e seguro, que se fez em parte para atender as alianças espúrias firmadas entre o governo e suas bases aliadas – a bancada evangélica, os ruralistas, etc... – teve seu ápice nas lamentáveis cenas presenciadas no último 7 de setembro: cidadãos, nem todos mascarados, sendo violentamente agredidos e humilhados; enquanto policiais militares – provavelmente, entre eles, alguns a quem Chauí se dirigiu semanas antes – protegiam-se atrás do anonimato de suas máscaras ou da segurança do corporativismo e do aparato estatal.

Dos blacks pode-se dizer que eles são violentos, equivocados ou ingênuos. Mas certamente não são fascistas. Pode-se dizer o mesmo do Estado e sua polícia? 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Dane-se a Toulon! Cadê o Amarildo?

POR CLÓVIS GRUNER 

Uma imagem e uma pergunta circularam intensamente pelas redes sociais nos últimos dias. A imagem é esta ao lado: a de um homem comum, 47 anos, casado, pai de seis filhos, pedreiro e morador da Rocinha, no Rio de Janeiro. No dia 14 de julho, ele foi levado por policiais para averiguações à sede da UPP – Unidade de Polícia Pacificadora – que ocupa a favela desde setembro de 2012. Não voltou para casa e está desaparecido desde então. “Cadê o Amarildo?” é a pergunta que vem sendo feita, repetidamente, desde a semana passada. Mas nem mesmo o humilde Papa Francisco, certamente interessado no destino de Amarildo, um pobre, conseguiu resposta.

O Comando de Polícia Pacificadora (CPP), disse que ele foi levado à base da unidade por se parecer com um suspeito procurado e que foi liberado quando se constatou não se tratar da mesma pessoa. À imprensa – ou ao menos aqueles jornalistas interessados no desaparecimento de seu marido –, Elizabeth Gomes afirmou não ter esperanças de encontrá-lo vivo e pede apenas o corpo para enterrá-lo. Nem o comando da UPP, nem a secretaria de Segurança Pública e muito menos o governador Sérgio Cabral parecem dispostos a lhe dar alguma satisfação.

O silêncio contrasta com a reação do governo quando a loja Toulon, no elitizado Leblon, foi atacada durante manifestação na noite de 17 de julho. Bastaram apenas seis horas para o governador convocar a cúpula da segurança pública e instituir uma bizarra Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas. A chacina na Favela da Maré, ocorrida no final de junho, não apenas não mereceu nenhuma comissão especial de investigação, como foi necessário mais de uma semana até que Cabral lamentasse a morte de dez pessoas, barbaramente assassinadas por soldados do BOPE, a tal “Tropa de Elite” da polícia guanabara.

O QUE RESTA DA DITADURA – É claro que a violência policial não é exclusividade do Rio de Janeiro. Pelo contrário, ela é prática recorrente, especialmente nas capitais e grandes cidades, onde não apenas o aparato militar é maior, mas também a demanda por sua presença mais ostensiva, uma coisa alimentando e justificando a outra. Por paradoxal que pareça, nossa crescente obsessão por proteção e segurança fez aumentar justamente a sensação de insegurança e o medo, estimulando ações defensivas que tornam tangíveis e conferem proximidade e credibilidade às ameaças de violência, mesmo às mais imaginadas e imaginárias.

O resultado é que tornamo-nos cada vez mais, e com o estímulo estratégico dos grandes meios de comunicação e de uma verdadeira "indústria do medo", reféns de uma política de segurança baseada, fundamentalmente, no aparato policial repressivo e na sua crescente necessidade de produzir sempre mais e mais inimigos. Historicamente, este inimigo foi personificado na figura do pobre, quase sempre negro. Um roteiro típico, em que se nomeia o outro a partir de certos atributos principalmente de classe e etnia – um processo definido por um sociólogo carioca, já nos anos de 1970, de marginalização da criminalidade e criminalização da marginalidade –, permitiu principalmente às camadas médias urbanas uma indiferença crônica sempre que o assunto era a violência policial. Especialmente se ela recaía sobre territórios e grupos não apenas periféricos – as favelas e os favelados, por exemplo –, mas considerados marginais e desviantes, como os oito menores assassinados na Candelária, os 111 presos massacrados no Carandiru ou as dez vítimas na chacina da Maré.

Nas últimas semanas, no entanto, algo mudou. A repressão policial recaiu também sobre jovens de classe média e jornalistas; profissionais foram ameaçados, virtual ou presencialmente, e pelo menos um sociólogo foi sequestrado por soldados depois de uma entrevista onde criticava as ações da PM carioca; nas mídias sociais pipocaram denúncias de infiltração de policiais à paisana nas manifestações, com o propósito de incitar a violência e justificar a repressão e prisão de manifestantes – tática, aliás, que remonta aos anos de exceção. Descobrimos, enfim, que o inimigo nem sempre precisa ser pobre e negro – embora ele continue sendo preferencialmente pobre e negro. 

A polícia militar brasileira é uma das instituições onde se percebe mais claramente os resquícios da ditadura e o profundo descompasso entre as políticas de segurança pública e o processo de democratização iniciado há quase três décadas. Discutir seu papel, sua estrutura e o lugar que deve ocupar na sociedade é uma tarefa urgente, porque não é tolerável a um país que pretende consolidar sua democracia conviver com a truculência institucionalizada. Precisamos de uma política de segurança que não se limite a investimentos vultosos e eleitoreiros no aparato militar e prisional – duas faces da mesma moeda –, e de uma polícia que não aja como se estivesse em uma guerra permanente. A rua não é um front e cidadãos não são inimigos a serem combatidos, independente da idade, posição social, etnia ou de seus antecedentes.

A desmilitarização da polícia, assunto para um próximo texto, é uma discussão não apenas necessária como urgente. Mas, neste momento, ainda mais urgente é saber onde está Amarildo. Embora, desconfie, todos nós saibamos a resposta.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Afinal, por que tantas garantias aos criminosos?


Fonte foto - CB Notícias.
POR ANA CAROLINE TEIXEIRA

Estamos vivendo em uma época em que parece haver um excesso de direitos às "pessoas do mal em detrimento das "pessoas do bem" (pessoas do bem x pessoas do mal: dicotomia fictícia, mas que serve para ilustrar).
Os questionamentos são muitos: foi condenado, mas por que recorrer em liberdade? Foi pego em flagrante, por que foi solto? Confessou, por que ainda se falar em produção de provas?
A resposta é simples: porque ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória! É o artigo 5º, LVII, da Constituição da República. Parece balela, mas não é.
É justo o anseio da população (dentro da qual me enquadro) para que a justiça seja feita rapidamente, para garantir que aquele que matou friamente alguém não esteja solto por aí, podendo a qualquer hora matar outra pessoa. Também é justa a revolta com a quantidade de crimes brutais que a cada dia parecem aumentar.
Mas não podemos esquecer que vivemos em uma sociedade em que se tem uma polícia deficitária, mal preparada, sem estrutura, e mesmo havendo boa vontade, é muito difícil fazer um bom trabalho.
Que temos uma mídia sensacionalista e irresponsável que publica matérias condenando pessoas sem mesmo ter havido o mínimo de investigação. Mostram seus nomes, seus rostos, marcas essas que mesmo com uma futura absolvição nunca serão apagadas.
Temos uma Defensoria Pública que caminha a passos de tartaruga. Em Santa Catarina,os primeiros defensores tomaram posse esse ano. No Paraná já houve concurso, mas o senhor governador ainda não nomeou defensores (ele diz que não tem dinheiro, mas um levantamento aponta que o número de cargos comissionado aumentou em 10% em sua gestão).
O resultado de tudo isso – e muito mais – sem as garantias citadas é: injustiça (não que com garantias haja sempre justiça).

Estamos vivenciando um caso muito simbólico aqui no Paraná.
No dia 28 de junho foi encontrado na cidade de Colombo (região metropolitana de Curitiba) o corpo da Tayná, jovem de 14 anos que estava desaparecida há três dias. A família obteve a informação de que os responsáveis pelo delito eram três funcionários do parque de diversões da redondeza. A câmera de segurança do parque mostrou que ela havia passado ali pela frente no dia que sumiu. Revoltada (de fato foi terrível o crime: estupro e homicídio), a população local incendiou o parque de diversões. Saiu na Veja: “Adolescente é estuprada e morta por funcionários de parque de diversões no PR”. Os três suspeitos confessaram o delito. Ou seja, caso praticamente solucionado. Cadeia neles! Pena de Morte! Castração química!

No entanto, dias depois, descobre-se que o sêmen encontrado na garota não era dos acusados. A OAB foi averiguar e descobriu que um dos “acusados” estava com suspeita de perfuração intestinal e com a costela quebrada; outro está com ossos à mostra de tantos ferimentos e está surdo, pois teve o tímpano rompido; o outro não tinha ferimentos aparentes. Eles então afirmaram que não cometeram o delito e que confessaram sob tortura. A polícia admite um possível erro.

E agora? O que mudou? Será que não teria que se ter aguardado a perícia antes da mídia estampar nos jornais o nome e os rostos dos garotos? Será que as pessoas não teriam que ter aguardado a investigação criminal antes de atear fogo no parque? Antes disso ainda, será que a polícia não deveria ter investigado ao invés de torturar três pessoas para dar uma “solução” ao crime? Mas vale a pena torturar, Jack Bauer salvou muitos americanos assim.
Não estou dizendo que esses jovens não mataram a garota, pode ser que tenham matado. Mas isso só vai se descobrir ouvindo testemunhas; fazendo perícia; colhendo demais provas. Não se faz em um dia, em uma hora.

Enfim, esse é um caso emblemático para exemplificar o quão importante é não se ter um julgamento imaturo. Nem pela polícia, nem pelo judiciário, nem pela mídia, nem pela população. Casos iguais a esse existem diversos por aí.
Isso não nos tira o direito de nos indignar com a maldade humana, nem de cobrar que se apurem os delitos com agilidade, pelo contrário, devemos cobrar o governo para que ele estruture a polícia, devemos cobrar do judiciário que os casos sejam julgados.

Mas nunca se devem suprimir as garantias processuais, até mesmo porque qualquer dia pode ser nossa vez na fila dos condenados, por estar no lugar errado, na hora errada.

*Ana Caroline Teixeira é advogada, formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com especialização na Fundação Escola do Ministério Público.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Violência sem sentido

POR JORDI CASTAN

A constante exposição a elevados níveis de violência nos deixa insensíveis. O Brasil - e Santa Catarina não é uma exceção - é um dos países mais violentos do mundo. O número de mortos por arma de fogo no ano 2011 foi de 35.556, três vezes maior que nos Estados Unidos que, no mesmo período, teve 9.484 mortos.

No Brasil, o que surpreende e impressiona não são os números absolutos, que são aterradores. Os números são mais graves porque superam os de todos os países no mundo, inclusive os de países que vivem conflitos armados, como Afeganistão, Paquistão, Iraque, a Republica Democrática do Congo e dezenas de outros países e são levemente inferiores aos de países como a Síria que vive uma autêntica guerra civil. A ONU informou que desde março de 2011 até novembro de 2012 o número de mortos naquele país é de mais de 50.000. Considerando o período analisado, o Brasil corre o risco de superar os números da própria Síria.

O grave desta situação é principalmente a naturalidade com que aceitamos estes níveis de violência, a passividade com que a sociedade recebe as informações de corpos queimados, assassinatos a sangue frio de vítimas indefesas. A extrema violência contra idosos e crianças. A virulência e a sanha dos criminosos e a futilidade. Se nos centramos nas notícias divulgadas durante os últimos dias, um jovem foi assassinado por uma diferença de R$ 7,00 na conta de um restaurante, um idoso foi brutalmente assassinado pelo pouco dinheiro que tinha em casa. Mortos aparecem com mostras de tortura, corpos queimados são abandonados em estradas rurais, um jovem foi esfaqueado até a morte, na praia Brava, por um grupo, por uma discussão banal e sem sentido, testemunhas dizem que chegaram com intenção de matar. Outras vezes o motivo é o roubo de um relógio ou de um tênis de marca.

Frente a esta situação de violência e insegurança absoluta, corremos o risco de defender a violência policial que impotente e aparentemente pouco preparada passa a contribuir com boa parte dos dados das estatísticas. Sem querer cair na armadilha fácil de criticar a violência policial e defender os direitos dos criminosos de forma desproporcional, é evidente que a violência gera mais violência e que a situação atual esta fora de controle.

Neste quadro de violência generalizada devemos olhar com sumo cuidado a proposta apresentada pelo prefeito de Joinville de criar uma guarda armada com 500 efetivos. Enquanto dados da ONU recomendam um policial para cada 250 habitantes, a média no Brasil esta mais próxima dos 650 habitantes por policial, chegando alguns estados a quase 1.000 habitantes para cada policial. Como dado adicional no Estado de São Paulo, o número é de 10 homicídios por 100.000 habitantes. Já o de Alagoas é de 70 homicídios por 100.000 habitantes, enquanto o número de policiais por cada 100.000 é maior em Alagoas. Neste ponto é importante destacar que em Joinville, no ano de 2012, o número foi de aproximadamente 70, num índice que se mantém relativamente estável nos últimos anos e que representa 15 homicídios por cada 100.000 habitantes.

O risco neste caso é discutir estatísticas sem considerar o grau de preparo, o nível de equipamento e profissionalismo e a eficiência dos diferentes corpos de policia e de seguridade do estado.

Relação de habitantes por policial em alguns países

# 1 Montserrat: 7.81501 per 1,000 people

# 2 Mauritius: 7.28432 per 1,000 people

# 3 Dominica: 6.40311 per 1,000 people

# 4 Italy: 5.55565 per 1,000 people

# 5 Hong Kong: 4.79374 per 1,000 people

# 6 Macedonia, The Former Yugoslav Republic of: 4.7868 per 1,000 people

# 7 Portugal: 4.64878 per 1,000 people

# 8 Kazakhstan: 4.54998 per 1,000 people

# 9 Latvia: 4.51878 per 1,000 people

# 10 Czech Republic: 4.47613 per 1,000 people

# 11 Slovakia: 3.72086 per 1,000 people

# 12 Lithuania: 3.53934 per 1,000 people

# 13 Malaysia: 3.43936 per 1,000 people

# 14 Thailand: 3.35665 per 1,000 people

# 15 Kyrgyzstan: 3.25049 per 1,000 people

# 16 Slovenia: 3.14023 per 1,000 people

# 17 Moldova: 3.01481 per 1,000 people

# 18 Germany: 2.91153 per 1,000 people

# 19 Ireland: 2.8989 per 1,000 people

# 20 Hungary: 2.88528 per 1,000 people

# 21 Spain: 2.86696 per 1,000 people

# 22 South Africa: 2.7668 per 1,000 people

# 23 Estonia: 2.72543 per 1,000 people

# 24 Poland: 2.61367 per 1,000 people

# 25 Jamaica: 2.57054 per 1,000 people

# 26 Georgia: 2.46034 per 1,000 people

# 27 Norway: 2.42412 per 1,000 people

# 28 Turkey: 2.38057 per 1,000 people

# 29 Iceland: 2.24441 per 1,000 people

# 30 Romania: 2.18728 per 1,000 people

# 31 Colombia: 2.12215 per 1,000 people

# 32 Australia: 2.09293 per 1,000 people

# 33 France: 2.049 per 1,000 people

# 34 United Kingdom: 2.04871 per 1,000 people

# 35 Switzerland: 1.93617 per 1,000 people

# 36 Netherlands
: 1.92448 per 1,000 people

# 37 
Denmark: 1.91716 per 1,000 people

# 38 
Chile: 1.85583 per 1,000 people

# 39 
Korea, South: 1.85461 per 1,000 people

# 40 
Japan: 1.81103 per 1,000 people

# 41 
Sri Lanka: 1.72484 per 1,000 people

# 42 
Canada: 1.70767 per 1,000 people

# 43 
Zimbabwe: 1.68859 per 1,000 people

# 44 
Finland: 1.56347 per 1,000 people

# 45 
Zambia: 1.13674 per 1,000 people

# 46 
Papua New Guinea: 0.985032 per 1,000 people

# 47 
India: 0.956207 per 1,000 people

# 48 
Costa Rica: 0.370767 per 1,000 people

Media de 3.0 policiais para cada per 1,000 habitantes.