POR CLÓVIS GRUNER
Uma imagem e uma pergunta circularam intensamente pelas redes sociais nos últimos dias. A imagem é esta ao lado: a de um homem comum, 47 anos, casado, pai de seis filhos, pedreiro e morador da Rocinha, no Rio de Janeiro. No dia 14 de julho, ele foi levado por policiais para averiguações à sede da UPP – Unidade de Polícia Pacificadora – que ocupa a favela desde setembro de 2012. Não voltou para casa e está desaparecido desde então. “Cadê o Amarildo?” é a pergunta que vem sendo feita, repetidamente, desde a semana passada. Mas nem mesmo o humilde Papa Francisco, certamente interessado no destino de Amarildo, um pobre, conseguiu resposta.
O Comando de Polícia
Pacificadora (CPP), disse que ele foi levado à base da unidade por se
parecer com um suspeito procurado e que foi liberado quando se constatou não se
tratar da mesma pessoa. À imprensa – ou ao menos aqueles jornalistas
interessados no desaparecimento de seu marido –, Elizabeth Gomes afirmou não
ter esperanças de encontrá-lo vivo e pede apenas o corpo para enterrá-lo. Nem o comando da UPP, nem a secretaria de Segurança Pública e muito
menos o governador Sérgio Cabral parecem dispostos a lhe dar alguma satisfação.
O silêncio contrasta com
a reação do governo quando a loja Toulon, no elitizado Leblon, foi atacada
durante manifestação na noite de 17 de julho. Bastaram apenas seis horas para o
governador convocar a cúpula da segurança pública e instituir uma bizarra Comissão
Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas. A chacina
na Favela da Maré, ocorrida no final de junho, não apenas não mereceu nenhuma comissão
especial de investigação, como foi necessário mais de uma semana até que
Cabral lamentasse a morte de dez pessoas, barbaramente assassinadas por soldados
do BOPE, a tal “Tropa de Elite” da polícia guanabara.
O QUE RESTA DA DITADURA – É claro que a violência policial não é
exclusividade do Rio de Janeiro. Pelo contrário, ela é prática recorrente, especialmente
nas capitais e grandes cidades, onde não apenas o aparato militar é maior, mas também
a demanda por sua presença mais ostensiva, uma coisa alimentando e justificando
a outra. Por paradoxal que pareça, nossa crescente obsessão por proteção e segurança
fez aumentar justamente a sensação de insegurança e o medo, estimulando ações
defensivas que tornam tangíveis e conferem proximidade e credibilidade às
ameaças de violência, mesmo às mais imaginadas e imaginárias.
O resultado é que tornamo-nos
cada vez mais, e com o estímulo estratégico dos grandes meios de comunicação e de uma verdadeira "indústria do medo",
reféns de uma política de segurança baseada, fundamentalmente, no aparato
policial repressivo e na sua crescente necessidade de produzir sempre mais e mais inimigos. Historicamente, este inimigo foi personificado na
figura do pobre, quase sempre negro. Um roteiro típico, em que se nomeia o outro a partir de certos atributos principalmente de classe e etnia – um processo definido por um
sociólogo carioca, já nos anos de 1970, de marginalização
da criminalidade e criminalização da
marginalidade –, permitiu principalmente às camadas médias urbanas uma
indiferença crônica sempre que o assunto era a violência policial. Especialmente
se ela recaía sobre territórios e grupos não apenas periféricos – as favelas e
os favelados, por exemplo –, mas considerados marginais e desviantes, como os oito
menores assassinados na Candelária, os 111 presos massacrados no Carandiru ou as dez vítimas na chacina da Maré.
Nas últimas semanas, no
entanto, algo mudou. A repressão policial recaiu também sobre jovens de classe
média e jornalistas; profissionais foram ameaçados, virtual ou presencialmente,
e pelo menos um sociólogo foi sequestrado por soldados depois de uma entrevista
onde criticava as ações da PM carioca; nas mídias sociais pipocaram denúncias
de infiltração de policiais à paisana nas manifestações, com o propósito de
incitar a violência e justificar a repressão e prisão de manifestantes – tática, aliás, que remonta aos
anos de exceção. Descobrimos, enfim, que o
inimigo nem sempre precisa ser pobre e negro – embora ele continue sendo
preferencialmente pobre e negro.
A polícia militar brasileira é uma das instituições
onde se percebe mais claramente os resquícios da ditadura e o profundo
descompasso entre as políticas de segurança pública e o processo de democratização iniciado há quase três décadas. Discutir seu
papel, sua estrutura e o lugar que deve ocupar na sociedade é uma tarefa
urgente, porque não é tolerável a um país que pretende consolidar sua
democracia conviver com a truculência institucionalizada. Precisamos de uma
política de segurança que não se limite a investimentos vultosos e eleitoreiros
no aparato militar e prisional – duas faces da mesma moeda –, e de uma polícia
que não aja como se estivesse em uma guerra permanente. A rua não é um front e
cidadãos não são inimigos a serem combatidos, independente da idade, posição
social, etnia ou de seus antecedentes.
A desmilitarização da polícia, assunto para um próximo texto, é uma
discussão não apenas necessária como urgente. Mas, neste momento, ainda mais
urgente é saber onde está Amarildo. Embora, desconfie, todos nós saibamos a
resposta.
Um adendo.
ResponderExcluirChama-se “Preto”, “Negro” é eufemismo de “Preto”.
As cores dos cidadãos são “Preto”, “Branco”, “Amarelo” e “Indígena” e a fusão de duas cores é chamado de “Pardo”. Se quiser usar o termo “Raça” (já institucionalizada pelo Governo Federal) antes das cores, também é correto.
09:11, preto é cor, negro é etnia. Ambos estão corretos, é verdade, mas se os negros consideram 'preto' pejorativo, eu, que sou branco, prefiro respeitar e usar o segundo termo.
ExcluirQuanto à questão raça: o termo é complicado. As chamadas ciências sociais, em especial a antropologia, vem há tempo afirmando que não existe "raça negra" ou "branca" ou o que quer que seja, mas sim etnias - negro, branco, índio, etc...
Eu também concordo. Mas, por outro lado, o uso do termo 'raça' está tão difundido que é difícil nos livrarmos dele, mesmo quando o empregamos como equivalente à etnia, como é o caso, me parece, de seu uso institucionalizado pelo governo - você imagina a dificuldade que seria falar em "cotas étnicas" para a maioria da população acostumada a pensar em termos de "raças"?
a genética acabou com o conceito de raça faz um bom tempo...
ResponderExcluirDiga isso ao PT!
ExcluirA genética pode ter acabado com o conceito, já as pessoas, infelizmente não...
Excluirentão é melhor que comecemos a divulgar isso, todos: RAÇA NÃO EXISTE.
Excluirinclusive o governo e o articulista...
13:29, reproduzo a resposta que dei a outro comentário:
Excluir"09:11, preto é cor, negro é etnia. Ambos estão corretos, é verdade, mas se os negros consideram 'preto' pejorativo, eu, que sou branco, prefiro respeitar e usar o segundo termo.
Quanto à questão raça: o termo é complicado. As chamadas ciências sociais, em especial a antropologia, vem há tempo afirmando que não existe "raça negra" ou "branca" ou o que quer que seja, mas sim etnias - negro, branco, índio, etc...
Eu também concordo. Mas, por outro lado, o uso do termo 'raça' está tão difundido que é difícil nos livrarmos dele, mesmo quando o empregamos como equivalente à etnia, como é o caso, me parece, de seu uso institucionalizado pelo governo - você imagina a dificuldade que seria falar em "cotas étnicas" para a maioria da população acostumada a pensar em termos de "raças"?"
Se ainda tiver dificuldades para entender, me avisa que eu peço ao meu filho de cinco anos que desenhe.
cara, eu ia continuar a discussão, mas depois dessa bobagem de "peço pro meu filho desenhar" deixa prá lá. se toca que tu tá chamando teu filho de burro. e sendo preconceituoso com desenho
ExcluirObrigado pela sua participação e disposição ao debate.
ExcluirEu não acho que todo preto seja pobre e muito menos que assim deva ser ou parecer.
ResponderExcluirOnde você leu que todo negro é pobre?
ExcluirClóvis, esta semana estava vendo um programa de esportes com a presença dos dois jogadores do Galo mineiro que fizeram os gols na conquista da Libertadores: Jô e Leonardo Silva. Ambos negros, magros e altos, super-humildes apesar do estrelato. Fiquei pensando, aquelas fisionomias são as que vemos diariamente nas páginas policiais de procurados ou mortos. E se não andassem de Audi ou BMW, poderiam muito bem estar nas nossas páginas policiais no dia-a-dia. Seria preconceito meu? Acho que não, acredito ser a pura realidade que o nosso esporte maior e o poderoso comércio que gira em seu redor proporcionam. Afinal ainda vale a pérola de que negro em carro chique ou é jogador ou ladrão. E ainda perguntam o porquê de cotas e aplaudem a meritocracia...
ResponderExcluirManoel, sem comentários ao seu comentário. Assino embaixo. Preconceito é também um fenômeno sócio-cultural e, como tal, cria percepções e generalizações a partir de onde definimos uma imagem e o lugar do outro.
ExcluirMedidas afirmativas não vão mudar a percepção dos demais sobre esses grupos, pelo contrário, trará mais desconfiança e preconceito. Investimentos em educação de base com salários decentes para professores e acesso irrestrito as escolas com estruturas bem equipadas a TODOS os brasileiros é que vão fazer diferença. Os frutos desses investimentos colhem-se em uma década ou duas, quando todos (brancos, negros, amarelos e ocres) terão capacidade de competir por vagas no ensino superior. Se não existe meritocracia não existe objetivo, não existe empenho, o resultado é furtivo.
ExcluirO texto não é sobre medidas afirmativas. Mas claro, eu posso estar enganado.
ExcluirNao li essa m**** toda que publicaste, mas acho que,olhando por cima, esqueceste de falar de HITLER para dar um toque todo especial...
ResponderExcluir18:20, saber que no Brasil acontecem coisas como o desaparecimento de Amarildo, já é suficientemente angustiante para me permitir dar crédito a um imbecil que tripudia do sofrimento alheio, respondendo-o. Passar bem.
ExcluirApós os exames de DNA que estão por fazer, se comprovado for que o sangue dentro da viatura é do Amarildo, o Estado que pague pensão à viúva.
ResponderExcluirAfinal, já sustentamos tantas filhas, netas, bisnetas e o cacete dos militares do exército (que nem casam para não perder o direito) nada mais justo amparar uma viúva que perdeu seu marido, por erro ou truculência da polícia.