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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A intervenção no Rio de Janeiro: crônica de um desastre anunciado?


Ainda é demasiado cedo para medir, em toda a sua extensão, os desdobramentos da intervenção federal na área de Segurança Pública no Rio de Janeiro, anunciada hoje (16) de manhã pelo presidente Michel Temer. Na prática, com a medida as polícias militar e civil, o Corpo de Bombeiros e o sistema carcerário cariocas deixam de estar sob o comando do governo estadual e ficam sob a responsabilidade do general do Exército Walter Braga Netto, indicado para ser o interventor federal.

Embora já em vigor, a intervenção precisa ainda passar pelo Congresso Nacional. Se aprovada – e é improvável que não seja –, dá ao governo federal plenos poderes sobre a segurança pública carioca até o dia 31 de dezembro. O objetivo, de acordo com o decreto, é “por termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”; mas em que pese a austeridade dos discursos oficiais, há razões para duvidar da eficiência e das promessas contidas no decreto.

Esboço aqui, rapidamente, algumas delas.

O exército já está nas ruas – Embora o decreto presidencial de hoje amplie e aprofunde a presença do exército, transferindo à instituição a administração de toda a estrutura e do aparato da segurança pública do Rio de Janeiro, na prática a atuação do exército nas ruas do estado, e especialmente da capital, não é inédita.

Em pelo menos duas ocasiões – a ocupação do Complexo do Alemão e da Maré, respectivamente em 2010 e 2014 –, as Forças Armadas foram solicitadas para dar suporte à segurança pública. Mas de forma mais “branda” (e as aspas aqui são importantes) e indireta, o emprego do exército para lidar com o problema vem sendo prática recorrente há anos, sem nenhuma melhoria aparente.

Os entusiastas da intervenção alegam que com plenos poderes, os resultados aparecerão, mas isso tampouco é certo – antes pelo contrário. Entre outras razões, porque soldados e oficiais militares não são treinados nem estão habituados a lidar com a violência urbana. E quem o diz, entre outros, é o próprio Comandante do Exército, o General Vilas Boas, que já declarou mais de uma vez que a função do exército não é policiar as ruas, além de ver com preocupação o uso crescente de tropas militares para lidar com o problema.

E isso leva a outra questão, não menos importante. Em entrevista hoje cedo no Palácio do Planalto, o governador do Rio, Fernando Pezão, afirmou que o estado tem “urgência” porque somente com as polícias estaduais, o estado não está “conseguindo deter a guerra entre facções”. Ninguém em sã consciência duvida que, hoje, o crime organizado exerce um poder que alguns afirmam paralelo ao do Estado, e não apenas dentro das prisões.

Por outro lado, uma intervenção militar pode ser um tiro no pé e agravar ainda mais um quadro já delicado, e por pelo menos duas razões. A primeira delas é a derrota, flagrante, do Estado na chamada “guerra às drogas”, visível nos resultados diametralmente opostos obtidos com os vultosos investimentos públicos em políticas repressivas.

Nem o suposto endurecimento no combate ao tráfico, com a Lei de Drogas sancionada em 2006 por Lula, nem o encarceramento em massa – o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos –, reverteram ou mesmo estabilizaram o índice crescente de violência urbana nem, tampouco, o poder exercido pelas facções criminosas que Pezão e Temer pretendem combater com a intervenção do Exército.

Além disso, a presença do exército não apenas nas ruas, mas no comando efetivo das forças policiais, pode tensionar ainda mais as já frágeis relações de força entre as facções e as autoridades públicas, elas próprias desprestigiadas com a medida. Isso poderia resultar em novos e mais violentos confrontos entre traficantes, policiais e exército, com as comunidades, e especialmente as mais pobres, pagando um preço ainda mais alto do que já vêm pagando há décadas pelo descaso dos poderes públicos.

Na ausência de políticas, uma medida política – Um último comentário, antes de encerrar esse texto. A intervenção federal cumpre também diferentes funções políticas, não menos significativas. Uma, mais imediata, é tentar contornar a votação da Reforma da Previdência. Embora Temer tenha dito que, se necessário, suspende temporariamente a intervenção, à boca pequena circulam rumores de que o decreto presidencial permite ao governo empurrar para a frente a votação, bastante controversa especialmente em ano eleitoral, sem precisar assumir publicamente a derrota.

Uma segunda é o espetáculo proporcionado com o anúncio da medida e o seu impacto principalmente midiático, e que pode – pelo menos é o que esperam Temer e seus cúmplices – melhorar a imagem mais que desgastada do presidente. Não é difícil supor a razão: amedrontados que estamos pelos altos índices de violência, somado ao medo nossa crescente tolerância para com a violência institucional, a intervenção federal no Rio de Janeiro tende a ser lida, por uma parcela não desprezível da população, como uma medida bem vinda, inflando os miseráveis índices de aprovação do atual governo.

Mas o caráter politico, e populista, da intervenção, serve principalmente para encobrir a ausência de uma política efetiva de segurança pública, uma falta, é forçoso reconhecer, que não é responsabilidade exclusiva do governo Temer. A situação do Rio de Janeiro, embora talvez mais grave, não é única; em maior ou menor grau, principalmente as grandes cidades pagam o alto custo da execução de políticas públicas de segurança no mínimo equivocadas, ou simplesmente inexistentes.

Nas últimas décadas, principalmente, assistimos a uma completa degradação da força policial. Cada vez mais militarizadas, as polícias em praticamente todos os estados sofrem com salários defasados e, em alguns casos, também atrasados; péssimas condições de trabalho; quase nenhum treinamento; diminuição do efetivo, etc... –, um quadro que não é diferente, à óbvia exceção da militarização, para as polícias civis. As estatísticas são preocupantes: apenas no Rio de Janeiro, 134 PMs foram assassinados no ano passado.

Apesar do fracasso das políticas implantadas até aqui, todos os governos, um após o outro, insistem em manter tudo como está, indiferentes ao fato de que políticas de segurança pública serão mais efetivas e bem sucedidas se não se limitarem ao aumento do aparato repressivo. Além de melhorar as condições de trabalho dos policiais e demais agentes de segurança, é preciso pensá-la a partir de sua integração com outras esferas e políticas governamentais, promovendo ações que minimizem, por exemplo, os índices escandalosos de desigualdade social, certamente não a única, mas uma das principais responsáveis pela crescente violência.

Além disso, é preciso rever urgentemente a condução da política antidrogas, assumir a derrota das medidas de “guerra” e pensar em maneiras mais eficientes de estrangular o tráfico. A melhoria dos serviços públicos é uma alternativa, na medida em que o acesso à educação e saúde, por exemplo, pode diminuir a influência de grupos criminosos, que em muitas comunidades carentes preenchem a falta de equipamentos públicos de qualidade, responsabilidade dos governos. Não menos importante, é preciso discutir a sério a legalização e regulamentação do consumo de drogas; uma discussão difícil, sem dúvida, mas cada vez mais urgente e necessária.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Segurança em Joinville: para que serve o vice-prefeito?


POR JORDI CASTAN

E o vice-prefeito? Um dia sim e outro também surge esta pergunta. E muitas outras. Afinal, ele faz o quê? Não era o nome para assumir a segurança? Se o prefeito sair mesmo candidato a governador, não é o vice quem assume? São perguntas que os  joinvilense fazem e que são difíceis de responder. Há ainda quem faça a seguinte pergunta: se o vice-prefeito é quem entende de segurança, por que não é ele o secretario responsável pela pasta? Indo um pouco mais além, há os que queiram entender se Joinville tem uma Guarda Municipal, porque a segurança nunca esteve tão mal.

Quanto mais perguntas, menos respostas. Aliás, a ausência de respostas faz com que, sistematicamente, as pessoas façam menos perguntas. Ninguém gosta de ficar falando sozinho. É o mesmo manter diálogos com portas, sem entender que portas não dialogam. O máximo que pode acontecer é que algumas portas acabem sendo conhecidas pelos longos solilóquios que iniciam com elas mesmas. Por que a segurança pública tem se convertido num problema tão grave e aparentemente insolúvel? E por que Joinville perdeu a batalha e tem poucas chances de ganhar a guerra?

Primeiro porque a segurança pública vai muito além da repressão. Segundo porque vai também muito além da inteligência, a investigação e a perícia. Terceiro porque a única abordagem que parece dar certo, nos países e nas sociedades em que o tema não é um problema, é uma abordagem holística, integrando todos os atores sociais. Na sociedade sambaquiana, quem tem carro blindado, cerca elétrica, câmaras de segurança e guarda em casa acredita que resolveu o problema. Mas na realidade o que fez foi agravá-lo.

Em todas as esferas de poder, segurança é um problema social, de saúde pública, de educação, de desigualdade, de formação, de falta de espaços de lazer, de falta de oportunidades, de uma legislação caolha e de uma sociedade cega. O problema vai muito além do estatuto do desarmamento, mas é compreensível que cada vez uma parcela maior da sociedade queira andar armada. O estado falhou também em dar segurança aos seus cidadãos. Nada do que o estado faz parece dar certo, salvo o aumento dos impostos e a pertinaz inépcia para resolver os problemas que ele próprio cria.

Mas em Joinville, a pergunta agora faz ainda mais sentido: e o vice?

Em tempo: há um forte movimento para, aproveitando as férias de verão, acabar também com a Casa da Cultura. Como a sociedade não se manifestou ativamente quando foi extinta a Fundação Cultural, há gente dentro do governo que não entende nada de nada e acha que cultura é custo, que arte é perda de tempo e que tudo isso deve ser erradicado, extinto e extirpado de uma cidade ordeira e pacata.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Segurança pública: soluções simples diminuem ambiente de guerra


POR JORDI CASTAN

O tema que proponho é segurança.
No Brasil, a média é de 32,4 assassinatos por 100 mil habitantes. A ONU considera que o índice de normalidade seria de 10 a cada 100 mil. Santa Catarina apresenta uma média percentual de 7.5 mortes a cada 100 mil habitantes. Entre os números divulgados, destaque para Joinville que, com uma taxa de 7,7 por 100 mil habitantes, é a campeã do Estado. E nem tivemos maior repercussão desta noticia, que nós deixa tão malparados e apreensivos.

Destaque também para a vizinha Jaraguá do Sul, com a menor taxa de homicídios entre os municípios de maior porte, com 1.2 a cada 100 mil habitantes. A diferença entre os dois valores é tão significativa que não há nada a acrescentar. É importante destacar que os dados não se referem ao total de homicídios. Neste caso, a liderança de Joinville seria o resultado lógico de ser a cidade mais numerosa do estado. Como os dados se referem a mortes por cada 100 mil habitantes, é possível comparar alhos com alhos e bugalhos com bugalhos.

O tema da segurança - ou melhor dizendo, a falta dela - é grave. E com frequência é o principal motivo pelo qual os turistas desistem ou desconsideram o Brasil como destino turístico. A pergunta que me fizeram nestes dias, de passagem pela Colômbia: como vocês fazem? Essa pergunta vindo de um colombiano, que viveu durante mais de 50 anos uma guerra cívil no seu pais, não deixa de ser irônica.

O aumento descontrolado da violência é resultado de uma longa série de elementos e listá-los aqui não é o objetivo deste texto. Mas interessa citar exemplos que têm dado bons resultados no sentido de reduzir ou conter a violência. Exemplos simples, econômicos e que funcionam.

No Equador, todos os taxis estão equipados com duas câmaras de vídeo internas e dois botões de pânico, um para o passageiro e outro para o motorista. Como resultado, os assaltos a motoristas de táxi reduziram sensivelmente. O ultimo homicídio de um taxista em Quito foi resolvido em menos de 72 horas e os culpados presos. Tanto os taxistas como os usuários se sentem seguros e aprovam o sistema. As câmaras pertencem à municipalidade, que as instala em todos os táxis. As câmaras transmitem constantemente imagens para a central de segurança unificada. 





A ideia de unificar as policias é outro tema tabu aqui por estes lados. As imagens são projetadas na central do 911, o número da polícia no país. Se houver uma emergência, tanto o motorista como o passageiro podem acionar o botão de pânico, que dispara o alarme na central. O táxi, localizado por um sistema de GPS, a mesma tecnologia que utiliza o UBER e outros aplicativos semelhantes, informa a posição de cada carro em cada momento e permite que a polícia possa intervir.

Simples e efetivo. Aliás, vendo este exemplo lembrei de quando a Conurb administrava a rodoviária e propusemos instalar câmaras de monitoramento na área de embarque dos táxis. O objetivo evidente era o de aumentar a segurança dos taxistas. Pouco tempo antes um taxista tinha sido brutalmente assassinado. Estações rodoviárias são pontos vulneráveis de segurança. Há movimentação de passageiros honestos e também de outros passageiros que tem outros interesses e objetivos. O curioso foi a oposição dos taxistas a instalação das câmaras, na época fiquei pensando por que motivo seriam contrários a instalação de sistemas de segurança pensados para melhorar a sua e a dos passageiros.  

Segurança é um tema complicado no Brasil, em que cada vez temos menos claro quem está de que lado. É possível melhorar. Sim.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Querem posar de leões, não passam de carneiros

POR JORDI CASTAN


"Não tenho medo de um exército de leões comandado por um carneiro. Tenho medo de um exército de carneiros comandado por um leão".  Alexandre, o Grande

Joinville nunca esteve tão apequenada ou acovardada. Somos leões governados por cordeiros. Difícil olhar para algum lado e encontrar algo que funcione. O único quesito em que somos destaque é em achar escusas para não fazer. A insegurança tem alcançado níveis alarmantes. Nas últimas semanas, pareceu que as entidades empresariais iriam subir o tom das suas reclamações. No final das contas nada houve e as supostas ameaças de partir para ações mais efetivas ficaram em nada.

Alguém acredita que o problema da segurança em Joinville vai se resolver com as soluções apresentadas pelo governador? Alguém acha mesmo que Joinville precisava de dois batalhões da Policia Militar ou o que precisava era de mais meios e mais efetivo? Até agora o que temos é mais oficiais, mais custo e basicamente o mesmo efetivo. Alguma ação para trabalhar a prevenção além da repressão? E os nossos deputados, que de concreto tem feito por Joinville? Estão tão preocupados com os seus projetos políticos e pessoais que não têm tempo para atender os pleitos de Joinville.

Tanto o Governo do Estado, como o próprio governo municipal, tem muito bem tomada a medida das nossas lideranças: são carneiros. Só carneirinhos que se deixam convencer com uns tapinhas nas costas, uns agrados e promessas que dificilmente serão cumpridas. O importante é fazer de conta. Rugir como leão afônico para o público da vila e depois aplaudir e correr a render homenagem aos espelhinhos e bugigangas com que iludem a “colonada”. Joinville ainda é a maior cidade de Santa Catarina, mas deixou de ter peso politico. Não assusta mais, não impõe, não exige aquilo a quem direito e lhe é devido.

Nem as nossas autoridades, nem as chamadas forças vivas nos defendem e representam, como já o fizeram outras no passado. De nada servem os abraços em público, as audiências na Capital ou os ofícios formais escritos num vocabulário rebuscado. Joinville pede pouco e pede mal. O resultado é este que vemos cada dia. Desistimos de esperar qualquer coisa do governo municipal, só se escuta a ladainha de sempre: “Não há dinheiro”, quando se faz alguma coisa, se faz mal e precisa ser refeito.

Lembremos o caso do Abel Schulz ou essa vergonha humilhante em que tem se convertido a obra da Santos Dumont a que só os néscios chamam de duplicação. A lista de prédios públicos abandonados pelo Estado é quilométrica. O patrimônio público se deteriora a olhos vistos. Não serve para o que deveria servir e apodrece frente o olhar impávido das nossas autoridades que nada fazem e olham para o outro lado. O máximo que fazem é dizer que é responsabilidade do Estado e lavam as mãos.

Joinville amargará no mínimo outros quatro anos de passividade, de retrocesso. Nenhum dos dois candidatos tem capacidade, valentia, determinação e nem a ousadia de fazer o que precisa ser feito neste momento. E, menos ainda, o peso político para voltar a colocar Joinville no papel de protagonista que merece. Um já mostrou que no máximo é um administrador medíocre, o outro está mais interessado em atender pleitos paroquiais. Dois carneiros, quando precisaríamos de leões. 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Até quando cabeças vão rolar por falta de prioridade para cultura, educação e lazer?














POR SALVADOR NETO


J
oinville ficou horrorizada esta semana com a decapitação de um jovem de 16 anos no bairro Jardim Paraíso, comunidade já estigmatizada como lugar de alta violência e tráfico de drogas. Afinal, a polícia ainda não sabe quem cometeu a barbárie, não sabe onde está o corpo, e tampouco se o jovem foi realmente assassinado no bairro. E mais: em que pese o comando do governo Colombo trocar comandantes da polícia civil ou militar, o que não muda é a essência, ou seja, a falta de efetividade na investigação. Se a polícia sabe de gangues, etc, porque não coíbe e prende? Mistérios para um Sherlock Holmes provinciano desvendar!

Mas, para além da alta criminalidade que não vem de hoje na maior cidade catarinense, há aspectos que a elite empresarial, social e política joinvilense não gosta de tocar. Nossa juventude está à mercê dos chefes do crime por pura falta de oportunidades culturais, de lazer, de esportes, de inclusão no mercado de trabalho que lhes garantam uma vida digna, saudável e longe do mundo das drogas, do tráfico, das ruas que engolem esses adolescentes para o dinheiro fácil. A Prefeitura de Joinville – governo Udo Döhler do PMDB cortou recursos para a única festa popular, o carnaval. Preferiu gastar na festa alemã Bierfest, que não deu em nada.

Enquanto a cultura, a educação integral, o lazer e os esportes não forem prioridades para os governantes, a grana gasta em segurança com câmeras, mais soldados, viaturas – e é sempre bom lembrar que é o nosso dinheiro suado que paga tudo – servirão apenas para agradar a elite assustada que mora em áreas centrais, longe da periferia que assiste essas barbáries em frente às suas casas, causar “sensação” de segurança e fonte para imagens para lindos vídeos de propaganda dos “governos” atuantes que temos (??). 

Em mais um lance que exemplifica o que digo, que mais lazer, cultura, educação não são prioridades, o governo Udo Döhler desistiu da construção de um Ponto de Cultura com recursos já garantidos pelo Governo Federal da ordem de R$ 1,2 milhão, que seria construído no bairro Vila Nova, zona oeste da cidade. Irônico é que no mesmo ano de 2015 o vice de Udo, o advogado Rodrigo Coelho que também preside a Fundação Cultural de Joinville, anunciou que a obra era uma “prioridade” do governo do PMDB. Nota-se. E a população também nota. Afinal, prioridade é palavra forte, bonita, mas só da boca para fora.

É lastimável que as lideranças políticas que se sucedem no comanda da cidade continuem a usar as mesmas práticas retóricas, discursos bonitos, e práticas iguais a seus antecessores. Este governo atual se consagra no quesito abandono da cidade, pois carros, ônibus e bicicletas afundam nos buracos das ruas; as praças e parques que ainda existiam razoavelmente cuidados, hoje estão largados ao relento e esquecimento; mobilidade urbana é miragem e outra peça de ficção na propaganda oficial, e paro por aqui, pois faltaria espaço para elencar o atraso em que nos encontramos.

Por tudo isso é que, contrariando os puxa-sacos oficiais e os mal informados, continuo a denunciar – e isso vale não só para Joinville – que ou a sociedade definitivamente muda seu modo de agir na fiscalização, acompanhamento e cobranças de suas lideranças políticas e empresariais (sim, está na hora de deixarem os pobres subirem os degraus na escala social, pagando melhores salários e distribuindo lucros), exigindo investimentos em cultura, esporte e lazer de fato, ou continuaremos a ver cabeças rolando em sacolas, corpos em malas jogados em rios, mortos perfurados com dezenas de tiros em frente às casas.

A violência se combate com educação, cultura e lazer. Sem isso, a barbárie chegará também nas casas da elite, e aí pode ser tarde demais para quem se horroriza pela tv, jornais e rádios. Nossa juventude está literalmente perdendo a cabeça no crime, como vemos em grandes centros, e nós estamos passivos observando o que virá adiante. Que rolem cabeças no poder político via uso do voto popular e participação efetiva do povo na fiscalização, não mais nas ruas da cidade que elegemos para morar, viver e criar filhos e netos.


É assim nas teias do poder...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A LOT, o Fritz, a polícia e o futuro

POR JORDI CASTAN




         LOT E AS MEIAS RESPOSTAS - A LOT - Lei de Ordenamento Territorial segue parecendo mais uma interminável novela mexicana do que uma proposta concreta para uma Joinville melhor. Decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública considerou cumprida pelo IPPUJ a exigência de apresentação de documentos sobre o projeto da LOT.

A mesma decisão, porém, reconhece que há pontos não esclarecidos nos documentos e estudos apresentados pelo IPPUJ. Os documentos não permitem identificar quais as regiões de Joinville terão maior volume de tráfego de veículos quando a lei for aprovada e entrar em vigor. Outro ponto sem resposta é se a mudança de zoneamento terá impacto no sistema de coleta de esgoto.

A decisão é um caso típico de "nim": sim... porém não. Assim a LOT avança para ser aprovada sem que haja respostas às questões levantadas desde o início do debate e sem que sejam apresentadas provas convincentes e estudos definitivos que permitam avaliar impacto que a LOT terá sobre a cidade. É estranha, para não dizer estranhíssima, a resposta do juiz que, por um lado, garante que o IPPUJ cumpriu a determinação, mas, pelo outro identifica os pontos que não foram respondidos. Reconhece que há dúvidas e perguntas sem ser respondidas mas aceita as meias respostas do IPPUJ.

O resultado é uma pá de cal, ao reconhecer que os estudos foram apresentados, e outra pá de areia, ao identificar quais pontos não foram atendidos. Daí que alguém possa achar que o tema da LOT envolve poderosos interesses econômicos ou os interesses econômicos de poderosos e que o tema deve ser tratado politicamente, quando deveria ser tratado juridicamente.

A decisão do juiz não responde a pergunta: foram ou não apresentados todos os estudos técnicos e as informações necessárias para que a população, em primeiro lugar, e a Câmara de Vereadores, posteriormente, possam se manifestar e votar com convicção e conhecimento, tendo em mãos todos os elementos? A decisão do juiz abre espaço para novas ações na justiça e acaba suscitando ainda mais dúvidas.

A MORTE DE FRITZ - Joinville perde mais um personagem ilustre. Símbolo da luta por um Rio Cachoeira limpo e despoluído, a morte, na semana passada, do seu habitante mais famoso é uma perda para quem acreditava que o rio algum dia voltaria a ser limpo. Quem tem oportunidade de viajar pela Europa não deixa de se surpreender com a transparência e a qualidade da agua dos seus grandes rios, seja o Reno em Colônia, o Sena em Paris, o Tamisa a sua passagem por Londres ou o Tejo em Lisboa. Aqui imaginar que um dia o Rio Cachoeira possa voltar a ser um rio limpo e se converter, um dia, numa opção de lazer ou no eixo de um parque linear que sirva para o lazer de todos é um sonho cada vez mais distante.

SEGURANÇA INSEGURA - Dados divulgados esta semana revelam que o número de policiais em Joinville, em relação ao índice de habitantes por policial, passou de 585 habitantes/policial em 2001, para os atuais 721 habitantes/policial. Não sei se fico mais incomodado com o descaso do Governo do Estado com Joinville ou com o silêncio das entidades empresariais, com a ACIJ à frente.

O resultado é que Joinville é hoje uma cidade muito mais insegura. Os assaltos têm aumentado e a sensação de que a impunidade campeia à vontade não se restringe aos bairros mais distantes ou as áreas tradicionalmente mais inseguras. Hoje não há quem não tenha uma historia de violência urbana, de insegurança vivida pessoalmente ou por alguém muito próximo. O prefeito deve achar que a Guarda Municipal vai mudar esse quadro e por isso faz pouco para se esforçar em trazer para Joinville os 179 policiais militares que Joinville precisa para voltar aos índices de 2001.

CELERIDADE - Depois de cinco anos sem uso, o prédio que abrigou a CASAN primeiro e a Gerência de Educação mais recentemente, o Governo do Estado está pedindo autorização para colocar o imóvel à venda. Foram cinco anos. Ainda há quem ache que foi rápido. Se compararmos com outros exemplos locais, pode ser que sim, que este processo ande rápido. O joinvilense é campeão no quesito esperar sem reclamar, e a gente que se aproveita desse jeito pacato de ser.

- E assim vamos, cada dia dando um passo mais avançando na direção a Joinville do futuro.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já somos México

POR CLÓVIS GRUNER

“Vivos se los llevaron, vivos los queremos”. Há alguns anos, na Argentina e no Chile principalmente, estas foram as palavras de ordem com que parentes de militantes políticos exigiam o retorno de seus entes desaparecidos. Nos últimos dias, elas voltaram a ecoar, no México, feito um desabafo, antes de serem confirmadas as mortes dos 43 estudantes desaparecidos desde o final de setembro. Além da violência brutal a aproximar estes assassinatos daqueles perpetrados pelas ditaduras corruptas que vicejaram em nosso continente, os gritos de ontem e hoje tem algo mais em comum: no passado e no presente, os que pediram a volta de seus filhos como eles foram levados, vivos, sabiam que isso já não era mais possível. Por paradoxal que pareça, reivindicava-se a vida apesar da certeza da morte.    

O roteiro que culminou com a tragédia é conhecido. No dia 26 de setembro, um grupo de estudantes foi detido pela Polícia Municipal de Iguala. Entregues pelos próprios policiais ao cartel Guerreros Unidos, que controla a cidade, foram conduzidos, depois de espancados, até um lixão na cidade vizinha de Cocula. Lá, foram mortos e seus corpos incinerados em uma imensa fogueira. A ordem de sequestrá-los partiu do chefe da Polícia Municipal, Francisco Salgado Valladares; a de matá-los, do chefão local do crime organizado, conhecido por “El Chuky”. O prefeito, José Luis Abrange, não foi apenas conivente, mas participante ativo do assassinato. Ele e sua mulher estão presos.

A HISTÓRIA DE UM FRACASSO – A morte dos estudantes não é um caso isolado, mas mais um capítulo na narrativa de um fracasso. Em junho deste ano, 22 pessoas foram executadas por soldados do exército em Tlatlaya; em uma tentativa de acobertar a execução, as autoridades estatais divulgaram inicialmente, a informação de que as mortes ocorreram durante o enfrentamento entre as tropas militares e as vítimas, ligadas aos cartéis. Há cerca de dois anos, jornalistas que investigavam crimes ligados ao tráfico foram decapitados; mais ou menos à mesma época, os restos de 18 corpos decapitados e desmembrados foram encontrados em Guadalajara, segunda maior cidade mexicana. Em 2010, em Ciudad Juárez, um comando armado invadiu uma festa e iniciou disparos indiscriminados, matando 15 dos jovens que lá estavam.

A violência, uma constante no país há muitos anos, aumentou significativamente desde que o ex-presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis da droga. Apenas nos últimos quatro anos, cerca de 22 mil pessoas morreram e os resultados restam infrutíferos: o crime organizado continua forte; os cartéis sobrevivem às investidas militares; muitas instituições e agentes públicos foram irremediavelmente corrompidos e mantém ligações estreitas com o narcotráfico – a começar pelas polícias e os policiais. Em suma, o objetivo inicial, vencer a violência com o recurso à violência, conseguiu produzir... mais violência. A recente revolta popular é plenamente justificada: o México deixou de ser, nas palavras de um de seus principais escritores, Juan Pablo Villalobos, “essa coisa exótica de que o estrangeiro tanto gostava”, para tornar-se “um relato triste, sórdido, escuro” de si mesmo.

O MÉXICO É AQUI – Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi reivindica um maior envolvimento do governo federal nas políticas de segurança pública, “antes que sejamos México”. Reitera, assim, a necessidade de uma política de combate à criminalidade – e notadamente do crime organizado e do tráfico de drogas – sustentada principalmente em ações unificadas, repressivas e de cunho militar, mais ou menos o que defenderam, no segundo turno, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Basicamente, a continuidade de uma política que é, justamente, uma das principais responsáveis pelos altos índices de violência criminal de que o Brasil dá hoje testemunho: somente em 2013, foram mais de 50 mil homicídios registrados. Além disso, temos uma das polícias mais letais do mundo, responsável nos últimos cinco anos pela morte de cerca de 11 mil pessoas. Os números também são desfavoráveis se mudamos a perspectiva: no mesmo período, cerca de 500 policiais foram assassinados, a maioria a mando dos chefes do tráfico ou de lideranças ligadas aos comandos criminosos. 

As experiências de militarização da segurança pública, à exemplo das UPPs, aprofundaram e ampliaram um problema já crônico. Elas facilitaram o fortalecimento dos grupos criminosos, hoje mais fortemente armados; forçaram o deslocamento para o interior de parte dos aparatos policial e criminoso antes presentes quase que exclusivamente nas grandes cidades; contribuíram para corromper ainda mais parte da polícia, hoje a serviço do tráfico e do crime organizado; criaram um ambiente de insegurança e violência em comunidades já historicamente carentes; e insuflaram, particularmente entre os setores mais conservadores das camadas médias urbanas, um discurso de justificação da violência institucional. E, claro, produziram cadáveres, muitos, a maioria de jovens pobres e negros. Porque nesta guerra, como em todas as guerras, as vítimas se contam principalmente entre os mais vulneráveis.   

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Desmilitarizar a polícia e a política



POR CLÓVIS GRUNER

Na mesma semana em que as imagens da polícia carioca reprimindo violentamente professores em greve correram o país, confirma-se que Amarildo foi torturado e assassinado por policiais da UPP da Rocinha, onde morava. Ambas as notícias reforçam a sensação de desacerto entre uma polícia militarizada e violenta e uma sociedade que se pretende democrática. Como já disse em outro texto, as instituições prisionais e policiais funcionam como imensos reservatórios da arbitrariedade e da violência cultivadas durante a ditadura civil militar. O gradual desmonte do aparato repressivo não alcançou o interior das penitenciárias, presídios, delegacias e quarteis de polícia, sinalizando o antagonismo entre as políticas de segurança pública e os esforços pela consolidação da democracia iniciado há quase três décadas.

Tal contradição é estrutural e consagrada pela Constituição de 1988, que prevê em seu artigo 144 a divisão de tarefas entre as polícias Militar (a quem cabe realizar o policiamento ostensivo) e Civil (responsável pela investigação policial). Trata-se de uma verdadeira distorção dos modelos que, supostamente, inspiraram a organização da polícia brasileira. Ainda que muitos países europeus possuam forças militares com funções de polícia – como são os casos da Gendarmerie Nationale, na França; dos Carabinieri, na Itália; da Guardia Civil, na Espanha; ou da Guarda Nacional Republicana, em Portugal –, sua estrutura e funcionamento são diferentes da nossa Polícia Militar, a começar pelo fato de serem nacionais, e não estaduais. Além disso, as atribuições de policiamento destas forças se restringem prioritariamente às áreas rurais; os policiamentos ostensivos e investigativos nas áreas urbanas são de responsabilidade das polícias civis. As gendarmarias europeias são, ainda, de ciclo completo, no que se assemelham às polícias americanas e inglesas. Nestes dois países, aliás, as polícias são exclusivamente civis.

REPENSAR E REESTRUTURAR A POLÍCIA – No Brasil, o treinamento militarizado é um dos responsáveis pela criação de uma das mais violentas polícias do mundo. Os números são assustadores. Em São Paulo, cerca de 2.200 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a PM entre 2006 e 2010. No Rio de Janeiro, foram mais de 10 mil mortes entre 2001 e 2011. A atuação dos policiais nas manifestações iniciadas em junho evidencia uma cultura de confronto que está arraigada na PM e é velha conhecida dos moradores das periferias, historicamente os mais sujeitados à violência policial – e é sintomática a declaração do ex-membro do BOPE, Rodrigo Pimentel, ao ver um policial descarregar uma metralhadora para o alto durante um dos confrontos: “Isso é desastroso, uma arma de guerra, uma arma de operação policial em favelas, não é uma arma pra ser usada no ambiente urbano…” [os grifos são meus].

O recrudescimento da violência e o aumento de sua percepção (coisas próximas, mas ainda assim distintas) por um público mais amplo – o que se deve em parte à mobilização virtual nas redes sociais –, tirou das margens da agenda política o debate sobre a desmilitarização da polícia. No âmbito mais estritamente institucional, no começo desta semana um passo importante foi finalmente dado, com a apresentação da PEC 51, já batizada de PEC da Desmilitarização (clique no ícone "Texto inicial"). O projeto é extenso e não cabe aqui comentá-lo step by step. Mas há alguns pontos centrais que merecem ser destacados. 

GARANTIR DIREITOS – O primeiro é a definição e a função da polícia como instituição cujo propósito não é garantir a segurança do Estado, nem fazer a guerra contra suspeitos ou criminalizar movimentos sociais, mas promover e garantir os direitos dos cidadãos. Com a desmilitarização, a PM (hoje, força de reserva do Exército, “formada, treinada e organizada para combater o inimigo”) deixa de existir e cria-se uma polícia unificada e com carreira única. Além disso, toda polícia deve realizar o ciclo completo, exercendo o trabalho preventivo, ostensivo e investigativo e colocando fim ao fracionamento hoje característico da atividade policial. São os estados que definem o formato a ser adotado por suas polícias, bem como o grau de responsabilidade dos municípios na manutenção da segurança pública. Na prática, rompe-se com o modelo centralizado hoje previsto na Constituição e confere-se maior autoridade e autonomia aos estados e municípios na implementação de políticas de segurança pública. Não menos importante, aumentam os mecanismos de controle social, com a extinção, por exemplo, da Justiça Militar, e a criação de Ouvidorias externas.

Não apenas o trâmite da PEC será certamente demorado como, provavelmente, ela enfrentará a oposição de setores corporativos e de conservadores em geral, para quem pouco importa uma polícia democratizada e menos violenta e uma política de segurança realmente pública. Ciente desta e de outras dificuldades, o próprio texto prevê uma “implementação cuidadosa”, caso aprovado. Sua efetivação depende agora da mobilização daqueles realmente interessados em romper o ciclo de violência de nosso passado autoritário tão recente e hoje ainda presente nas instituições militares. Pessoalmente, acredito que poucas causas merecem tanto nosso engajamento.