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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Até quando cabeças vão rolar por falta de prioridade para cultura, educação e lazer?














POR SALVADOR NETO


J
oinville ficou horrorizada esta semana com a decapitação de um jovem de 16 anos no bairro Jardim Paraíso, comunidade já estigmatizada como lugar de alta violência e tráfico de drogas. Afinal, a polícia ainda não sabe quem cometeu a barbárie, não sabe onde está o corpo, e tampouco se o jovem foi realmente assassinado no bairro. E mais: em que pese o comando do governo Colombo trocar comandantes da polícia civil ou militar, o que não muda é a essência, ou seja, a falta de efetividade na investigação. Se a polícia sabe de gangues, etc, porque não coíbe e prende? Mistérios para um Sherlock Holmes provinciano desvendar!

Mas, para além da alta criminalidade que não vem de hoje na maior cidade catarinense, há aspectos que a elite empresarial, social e política joinvilense não gosta de tocar. Nossa juventude está à mercê dos chefes do crime por pura falta de oportunidades culturais, de lazer, de esportes, de inclusão no mercado de trabalho que lhes garantam uma vida digna, saudável e longe do mundo das drogas, do tráfico, das ruas que engolem esses adolescentes para o dinheiro fácil. A Prefeitura de Joinville – governo Udo Döhler do PMDB cortou recursos para a única festa popular, o carnaval. Preferiu gastar na festa alemã Bierfest, que não deu em nada.

Enquanto a cultura, a educação integral, o lazer e os esportes não forem prioridades para os governantes, a grana gasta em segurança com câmeras, mais soldados, viaturas – e é sempre bom lembrar que é o nosso dinheiro suado que paga tudo – servirão apenas para agradar a elite assustada que mora em áreas centrais, longe da periferia que assiste essas barbáries em frente às suas casas, causar “sensação” de segurança e fonte para imagens para lindos vídeos de propaganda dos “governos” atuantes que temos (??). 

Em mais um lance que exemplifica o que digo, que mais lazer, cultura, educação não são prioridades, o governo Udo Döhler desistiu da construção de um Ponto de Cultura com recursos já garantidos pelo Governo Federal da ordem de R$ 1,2 milhão, que seria construído no bairro Vila Nova, zona oeste da cidade. Irônico é que no mesmo ano de 2015 o vice de Udo, o advogado Rodrigo Coelho que também preside a Fundação Cultural de Joinville, anunciou que a obra era uma “prioridade” do governo do PMDB. Nota-se. E a população também nota. Afinal, prioridade é palavra forte, bonita, mas só da boca para fora.

É lastimável que as lideranças políticas que se sucedem no comanda da cidade continuem a usar as mesmas práticas retóricas, discursos bonitos, e práticas iguais a seus antecessores. Este governo atual se consagra no quesito abandono da cidade, pois carros, ônibus e bicicletas afundam nos buracos das ruas; as praças e parques que ainda existiam razoavelmente cuidados, hoje estão largados ao relento e esquecimento; mobilidade urbana é miragem e outra peça de ficção na propaganda oficial, e paro por aqui, pois faltaria espaço para elencar o atraso em que nos encontramos.

Por tudo isso é que, contrariando os puxa-sacos oficiais e os mal informados, continuo a denunciar – e isso vale não só para Joinville – que ou a sociedade definitivamente muda seu modo de agir na fiscalização, acompanhamento e cobranças de suas lideranças políticas e empresariais (sim, está na hora de deixarem os pobres subirem os degraus na escala social, pagando melhores salários e distribuindo lucros), exigindo investimentos em cultura, esporte e lazer de fato, ou continuaremos a ver cabeças rolando em sacolas, corpos em malas jogados em rios, mortos perfurados com dezenas de tiros em frente às casas.

A violência se combate com educação, cultura e lazer. Sem isso, a barbárie chegará também nas casas da elite, e aí pode ser tarde demais para quem se horroriza pela tv, jornais e rádios. Nossa juventude está literalmente perdendo a cabeça no crime, como vemos em grandes centros, e nós estamos passivos observando o que virá adiante. Que rolem cabeças no poder político via uso do voto popular e participação efetiva do povo na fiscalização, não mais nas ruas da cidade que elegemos para morar, viver e criar filhos e netos.


É assim nas teias do poder...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já somos México

POR CLÓVIS GRUNER

“Vivos se los llevaron, vivos los queremos”. Há alguns anos, na Argentina e no Chile principalmente, estas foram as palavras de ordem com que parentes de militantes políticos exigiam o retorno de seus entes desaparecidos. Nos últimos dias, elas voltaram a ecoar, no México, feito um desabafo, antes de serem confirmadas as mortes dos 43 estudantes desaparecidos desde o final de setembro. Além da violência brutal a aproximar estes assassinatos daqueles perpetrados pelas ditaduras corruptas que vicejaram em nosso continente, os gritos de ontem e hoje tem algo mais em comum: no passado e no presente, os que pediram a volta de seus filhos como eles foram levados, vivos, sabiam que isso já não era mais possível. Por paradoxal que pareça, reivindicava-se a vida apesar da certeza da morte.    

O roteiro que culminou com a tragédia é conhecido. No dia 26 de setembro, um grupo de estudantes foi detido pela Polícia Municipal de Iguala. Entregues pelos próprios policiais ao cartel Guerreros Unidos, que controla a cidade, foram conduzidos, depois de espancados, até um lixão na cidade vizinha de Cocula. Lá, foram mortos e seus corpos incinerados em uma imensa fogueira. A ordem de sequestrá-los partiu do chefe da Polícia Municipal, Francisco Salgado Valladares; a de matá-los, do chefão local do crime organizado, conhecido por “El Chuky”. O prefeito, José Luis Abrange, não foi apenas conivente, mas participante ativo do assassinato. Ele e sua mulher estão presos.

A HISTÓRIA DE UM FRACASSO – A morte dos estudantes não é um caso isolado, mas mais um capítulo na narrativa de um fracasso. Em junho deste ano, 22 pessoas foram executadas por soldados do exército em Tlatlaya; em uma tentativa de acobertar a execução, as autoridades estatais divulgaram inicialmente, a informação de que as mortes ocorreram durante o enfrentamento entre as tropas militares e as vítimas, ligadas aos cartéis. Há cerca de dois anos, jornalistas que investigavam crimes ligados ao tráfico foram decapitados; mais ou menos à mesma época, os restos de 18 corpos decapitados e desmembrados foram encontrados em Guadalajara, segunda maior cidade mexicana. Em 2010, em Ciudad Juárez, um comando armado invadiu uma festa e iniciou disparos indiscriminados, matando 15 dos jovens que lá estavam.

A violência, uma constante no país há muitos anos, aumentou significativamente desde que o ex-presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis da droga. Apenas nos últimos quatro anos, cerca de 22 mil pessoas morreram e os resultados restam infrutíferos: o crime organizado continua forte; os cartéis sobrevivem às investidas militares; muitas instituições e agentes públicos foram irremediavelmente corrompidos e mantém ligações estreitas com o narcotráfico – a começar pelas polícias e os policiais. Em suma, o objetivo inicial, vencer a violência com o recurso à violência, conseguiu produzir... mais violência. A recente revolta popular é plenamente justificada: o México deixou de ser, nas palavras de um de seus principais escritores, Juan Pablo Villalobos, “essa coisa exótica de que o estrangeiro tanto gostava”, para tornar-se “um relato triste, sórdido, escuro” de si mesmo.

O MÉXICO É AQUI – Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi reivindica um maior envolvimento do governo federal nas políticas de segurança pública, “antes que sejamos México”. Reitera, assim, a necessidade de uma política de combate à criminalidade – e notadamente do crime organizado e do tráfico de drogas – sustentada principalmente em ações unificadas, repressivas e de cunho militar, mais ou menos o que defenderam, no segundo turno, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Basicamente, a continuidade de uma política que é, justamente, uma das principais responsáveis pelos altos índices de violência criminal de que o Brasil dá hoje testemunho: somente em 2013, foram mais de 50 mil homicídios registrados. Além disso, temos uma das polícias mais letais do mundo, responsável nos últimos cinco anos pela morte de cerca de 11 mil pessoas. Os números também são desfavoráveis se mudamos a perspectiva: no mesmo período, cerca de 500 policiais foram assassinados, a maioria a mando dos chefes do tráfico ou de lideranças ligadas aos comandos criminosos. 

As experiências de militarização da segurança pública, à exemplo das UPPs, aprofundaram e ampliaram um problema já crônico. Elas facilitaram o fortalecimento dos grupos criminosos, hoje mais fortemente armados; forçaram o deslocamento para o interior de parte dos aparatos policial e criminoso antes presentes quase que exclusivamente nas grandes cidades; contribuíram para corromper ainda mais parte da polícia, hoje a serviço do tráfico e do crime organizado; criaram um ambiente de insegurança e violência em comunidades já historicamente carentes; e insuflaram, particularmente entre os setores mais conservadores das camadas médias urbanas, um discurso de justificação da violência institucional. E, claro, produziram cadáveres, muitos, a maioria de jovens pobres e negros. Porque nesta guerra, como em todas as guerras, as vítimas se contam principalmente entre os mais vulneráveis.   

domingo, 12 de agosto de 2012

Os verdadeiros garotos perdidos


POR ELIANE COSTA

Houve um tempo em que os Garotos Perdidos eram apenas personagens das Histórias de Peter Pan.

Inocentes garotos vivendo na Terra do Nunca, ilustrando o imaginário de crianças e adultos.

Naquela história o único vilão era o Capitão Gancho. Um homenzinho sem escrúpulos, maquiavélico e desajeitado que perseguia incessantemente aqueles pobres garotos.

Diferente daquela história os garotos perdidos da atualidade não estão mais concentrados na Terra do Nunca; eles vivem atualmente espalhados pelas ruas de nossa Joinville. Franzinos, altos, curvados, porte de menino, porém aparência de velho. Trajados quase sempre com bermudas, chinelos, camisetas surradas e moletom vivem a vagar com o olhar distante.

A nossa cracolândia joinvilense, assim como a paulista, foi desativada. O que era antes uma praça cheia de palmeiras com raízes à amostra deu lugar a um espaço mais moderno; acho que é esse o objetivo daquelas grandes bolas de cimento dispostas na entrada da praça.

Porém onde foram parar os garotos perdidos?

Continuam vagando, nas ruas que circundam o terminal de ônibus central e também na periferia.

Mudá-los de lugar não resolveu o problema.

A sociedade infelizmente não enxerga dependência química como uma doença, existe muito preconceito e aos olhos da maioria o dependente químico não passa de um vagabundo mau caráter.

Não, não estou dizendo aqui que devemos passar “a mão na cabeça” dos dependentes químicos, mas sim encarar esse problema como uma doença e tratá-lo como tal.

Bater, xingar, discriminar ou jogar a culpa de todos os furtos que ocorrem em nossa cidade nas costas dos dependentes químicos não é a solução. Se for assim teremos que fazer o mesmo com os fumantes e alcoólatras.

Se livrar de um vício não é nada fácil. Dependendo do estágio a situação se complica cada vez mais. É preciso muito apoio, compreensão, atenção e carinho de familiares e pessoas próximas. Depois um bom tratamento, e, é nessa etapa que o “bicho pega”.

Mas não dá para cobrar muito, de uma cidade, onde a população sofre quando necessita de um atendimento médico convencional nos hospitais públicos?

Fica a dica para as “autoridades locais” não basta mudar o dependente químico de lugar, é preciso tratá-lo.

De nada adianta embelezar a Rua das Palmeiras, se toda a sua feiúra foi varrida para outros pontos da cidade.

sábado, 29 de outubro de 2011

A droga da criminalização

MARIA ELISA MÁXIMO

Em 2008, orientei um TCC em Jornalismo sobre os Mutantes. Sim, aquele grupo musical dos anos 60/70, que teve Rita Lee como uma das suas integrantes e que misturava ao rock e ao som estridente das guitarras uma série de outras referencias musicais, sob forte influência do Tropicalismo. Como todos sabem, os Mutantes faziam um som psicodélico, "inspirados", talvez, pelo consumo significativo de LSD.

A orientação deste trabalho perfaz uma das lembranças mais marcantes da minha carreira docente, pois lembro do quanto "briguei" com a visão conservadora do aluno a respeito das drogas e do seu uso. Para analisar o consumo de LSD pelos Mutantes, o aluno recorria a discursos oficiais da polícia, por exemplo, para chegar à conclusão de que teriam sido as drogas as responsáveis pelo fim do grupo. Do outro lado, eu insistia na possibilidade de pensarmos o uso de drogas, em especial do LSD, como o motor criativo do grupo e, mais do que isso, como uma forma de resistência. Afinal, estávamos falando de um dos períodos políticos mais complexos que o país vivia. Os Mutantes integravam, nesse sentido, a contracultura brasileira, e o uso de drogas, pra mim, não deixava de ser um caminho de se colocar na contra-mão do sistema conservador que minava, principalmente, a liberdade de expressão e de ação das pessoas.

A despeito de minha insistência em promover uma visão mais crítica do aluno, ele manteve seu ponto de vista. O trabalho foi entregue e encaminhado à banca e, como eu já esperava, foi fortemente contestado. Entre outros aspectos frágeis do texto e da análise, um dos pontos bastante criticado foi a maneira como o aluno pensava o papel das drogas na produção artística do grupo. Mas, mesmo diante das críticas, o aluno não apenas se manteve em sua posição, como a reforçou. Foi reprovado em banca, pelo conjunto de problemas que o trabalho apresentava.

Trago este fato à tona porque creio que ele seja ilustrativo do senso-comum que existe sobre o uso de drogas atualmente, inclusive nas gerações mais jovens, universitárias, que são frequentemente expostas a pontos de vista mais diversificados e alternativos a respeito de assuntos polêmicos. Em geral, as pessoas fincam raízes no caminho mais fácil: droga é uma droga, e ponto. Esta semana recebi a visita de um rapaz que pedia ajuda a uma casa de recuperação de dependentes químicos aqui de Joinville. Ele pedia R$10 por um kit com saco de lixo, esponja, grampos de roupa e um adesivo da entidade. No adesivo, o slogan: Diga não às drogas! Crime nem pensar. Verdadeiramente não compensa! Mais uma vez me surpreendeu o fato de que até mesmo aqueles que são vítimas do sistema punitivo, usam o discurso desse sistema para passar sua mensagem: usando drogas, você será um criminoso e isso "verdadeiramente não compensa". Estranho, não?

Vale pensarmos um pouco sobre a serventia desse sistema punitivo, que tudo criminaliza (o que retoma, em parte, nosso debate sobre o aborto, iniciado aqui no Chuva Ácida). Um texto interessante do Ilanud (Instituto latino americano das nações unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente), publicado no Promenino, levanta algumas questões sobre o impacto da criminalização das drogas sobre os índices de delinquência juvenil. E, dentre outras coisas, o texto procura mostrar como os mecanismos de controle e de repressão são seletivos, servindo à manutenção das desigualdades sociais: enquanto jovens das classes sociais mais favorecidas, flagrados como consumidores de drogas, dificilmente chegam às portas da justiça, jovens pobres são facilmente criminalizados pela via do tráfico de entorpecentes, como traficantes ou auxiliares do tráfico, e raramente como apenas consumidores. Esta diferença no tratamento de jovens "ricos" e "pobres" ou, mais especificamente, entre brancos e negros, no âmbito do consumo de drogas, é exaustivamente discutida por Vera Malaguti Batista, no livro Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no RJ (Editora Revan, 2003). A obra é recomendadíssima para quem deseja aprofundar-se na reflexão crítica sobre o tema.

À criminalização somam-se outras medidas radicais, que implicam em reclusão, como a internação compulsória, em prática no Rio de Janeiro desde maio deste ano como parte das políticas de "combate ao crack". Sobre esse assunto, a revista Caros Amigos deste mês trouxe uma entrevista com o psiquiátra Dartiu Xavier, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad). Nesta entrevista, Xavier nos presenteia com um contraponto não apenas à criminalização, mas também ao próprio uso, sugerindo outras maneiras de ser ver a droga e seu uso, sobretudo ao falar da perspectiva da "redução de danos". Criticando severamente a prática da internação compulsória, Xavier alerta para a perversidade deste tipo de política, que recorre ao modelo carcerário, dos grandes hospícios, e acaba sendo ineficaz em termos terapêuticos. No final das contas, acaba servindo a propósitos higienistas, de "limpeza" urbana. Segundo ele,
existe uma lógica muito perversa da internação compulsória que atribui a situação de miséria e de rua à droga, quando, na realidade, a droga não é causa daquilo, ela é consequência. Acredito que o trabalho feito nas ruas, nas cracolândias e com crianças de rua deveria ser no sentido de resgate de cidadania, moradia, educação, saúde (XAVIER, 2011, p. 16).

Xavier relativiza a relação entre o consumo de drogas e a dependência química, afirmando que, para o alcool e a maconha, por exemplo, menos de 10% dos usuários se tornam dependentes, enquanto que para o crack a porcentagem de dependência é de 20% a 25% dentre os consumidores. Os demais permanecem no padrão do consumo "recracional"; são pessoas que trabalham, são produtivas, têm família. E, nesse sentido, ele tenta desconstruir a associação entre uso de drogas e perda da noção de realidade (associação esta que, muitas vezes, justifica a internação forçada). Enfim, não se trata de querer minimizar o problema das drogas, mas de vê-lo sob outros ângulos que não o do senso-comum, do caminho mais fácil e, principalmente, da criminalização e da repressão. Até mesmo porque não se pode excluir os próprios consumidores como informantes privilegiados na elaboração de políticas públicas relativas à prevenção, ao tratamento, desintoxicação, ressocialização, etc. Eu não tenho dúvidas de que a criminalização não é o caminho e acho importantes os movimentos que emergem, atualmente, contra isso. É claro que a descriminalização do uso deverá, num futuro ideal, vir acompanhada de políticas sócioeducativas e de formas de controle da comercialização, mas este é ponto pra outro debate.