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quinta-feira, 5 de julho de 2018

O PCC agradece

POR CLÓVIS GRUNER
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em junho, o Projeto de Lei 580/2015, do senador Waldemir Moka (MDB/MS). O texto, que agora segue para o plenário, altera a Lei de Execução Penal e obriga presos a ressarcir o Estado pela sua manutenção no sistema prisional. Para o senador Moka, a principal razão da crise que assola o sistema penitenciário brasileiro é a “falta de recursos para mantê-lo. Se as despesas com a assistência material fossem suportadas pelo preso, sobrariam recursos que poderiam ser aplicados em saúde, educação, em infraestrutura etc.”.

A justificativa é hipócrita, além de mentirosa. Ela surfa no sentimento algo generalizado de insegurança, medo e indignação, na percepção de que estamos fragilizados frente à violência. Afinal, a posição de um energúmeno truculento como Jair Bolsonaro nas pesquisas, serve como prova de que, em um ano eleitoral, a aposta em mais uma medida populista, a sugerir pela enésima vez que a solução para o problema da criminalidade é o recrudescimento de políticas repressivas, pode render um punhado de votos.

Mas no caso do PL 580/15, a hipocrisia é reforçada com o recurso à mentira. Não são os custos com as prisões que impedem investimentos em “saúde, educação, em infraestrutura etc.”. Quem conhece minimamente a realidade de uma instituição penal, sabe que o custo para mantê-las não chega perto dos alegados R$ 2,4 mil mensais por preso. Nas delegacias, muitas delas utilizadas como cárceres provisórios, a situação é ainda mais degradante. E mesmo esse valor mentiroso, é significativamente menor que os R$ 2 milhões anuais que custam aos cofres públicos um único senador, por exemplo.

A utilidade da falência – Costuma-se dizer que as prisões fracassaram. Mas há utilidade nessa suposta falência, entre outras, a de manter segregados os excluídos de sempre. E como as condições prisionais não recuperam nem ressocializam, as prisões funcionam como verdadeiras fábricas de produção e reprodução da delinquência e da criminalidade O custo social desse ciclo vicioso é altíssimo. Ele reforça nosso apartheid social e racial, produzindo inimigos a serem temidos e ameaças a serem contidas por um Estado que, mínimo onde necessário, deve ser forte no exercício de uma violência institucional nem sempre apenas simbólica.

Determinar que presos indenizem o Estado por meio da espoliação de sua força de trabalho – e o acesso ao trabalho é um direito previsto em mais uma lei que o Estado não cumpre –, é outra medida perversa com o selo de qualidade do nosso “liberalismo conservador”: não apenas apela à memória da escravidão, mas vulnerabiliza ainda mais indivíduos já expostos e vulneráveis. Nos últimos anos, essa vulnerabilidade tem sido matizada pela ação de grupos criminosos que disputam, com os governos, o controle das prisões, distribuindo privilégios, impondo a identidade e mantendo, à força, a fidelidade de e entre seus integrantes.

A violência estatal coopera para o fortalecimento das facções, pois na “sociedade dos cativos” elas representam uma forma de “proteção” contra medidas consideradas abusivas. Como, por exemplo, determinar que presos indenizem o Estado pelos custos de seu aprisionamento expropriando  seus bens ou o seu trabalho. Enquete promovida pelo Senado apurou que quase 45 mil eleitores são favoráveis ao projeto, contra ralos 1380 votantes que o desaprovam. Com esses números, não é de espantar que ele seja aprovado no Senado e na Câmara, para gáudio dos parlamentares da bancada BBB. O PCC agradece.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Até quando cabeças vão rolar por falta de prioridade para cultura, educação e lazer?














POR SALVADOR NETO


J
oinville ficou horrorizada esta semana com a decapitação de um jovem de 16 anos no bairro Jardim Paraíso, comunidade já estigmatizada como lugar de alta violência e tráfico de drogas. Afinal, a polícia ainda não sabe quem cometeu a barbárie, não sabe onde está o corpo, e tampouco se o jovem foi realmente assassinado no bairro. E mais: em que pese o comando do governo Colombo trocar comandantes da polícia civil ou militar, o que não muda é a essência, ou seja, a falta de efetividade na investigação. Se a polícia sabe de gangues, etc, porque não coíbe e prende? Mistérios para um Sherlock Holmes provinciano desvendar!

Mas, para além da alta criminalidade que não vem de hoje na maior cidade catarinense, há aspectos que a elite empresarial, social e política joinvilense não gosta de tocar. Nossa juventude está à mercê dos chefes do crime por pura falta de oportunidades culturais, de lazer, de esportes, de inclusão no mercado de trabalho que lhes garantam uma vida digna, saudável e longe do mundo das drogas, do tráfico, das ruas que engolem esses adolescentes para o dinheiro fácil. A Prefeitura de Joinville – governo Udo Döhler do PMDB cortou recursos para a única festa popular, o carnaval. Preferiu gastar na festa alemã Bierfest, que não deu em nada.

Enquanto a cultura, a educação integral, o lazer e os esportes não forem prioridades para os governantes, a grana gasta em segurança com câmeras, mais soldados, viaturas – e é sempre bom lembrar que é o nosso dinheiro suado que paga tudo – servirão apenas para agradar a elite assustada que mora em áreas centrais, longe da periferia que assiste essas barbáries em frente às suas casas, causar “sensação” de segurança e fonte para imagens para lindos vídeos de propaganda dos “governos” atuantes que temos (??). 

Em mais um lance que exemplifica o que digo, que mais lazer, cultura, educação não são prioridades, o governo Udo Döhler desistiu da construção de um Ponto de Cultura com recursos já garantidos pelo Governo Federal da ordem de R$ 1,2 milhão, que seria construído no bairro Vila Nova, zona oeste da cidade. Irônico é que no mesmo ano de 2015 o vice de Udo, o advogado Rodrigo Coelho que também preside a Fundação Cultural de Joinville, anunciou que a obra era uma “prioridade” do governo do PMDB. Nota-se. E a população também nota. Afinal, prioridade é palavra forte, bonita, mas só da boca para fora.

É lastimável que as lideranças políticas que se sucedem no comanda da cidade continuem a usar as mesmas práticas retóricas, discursos bonitos, e práticas iguais a seus antecessores. Este governo atual se consagra no quesito abandono da cidade, pois carros, ônibus e bicicletas afundam nos buracos das ruas; as praças e parques que ainda existiam razoavelmente cuidados, hoje estão largados ao relento e esquecimento; mobilidade urbana é miragem e outra peça de ficção na propaganda oficial, e paro por aqui, pois faltaria espaço para elencar o atraso em que nos encontramos.

Por tudo isso é que, contrariando os puxa-sacos oficiais e os mal informados, continuo a denunciar – e isso vale não só para Joinville – que ou a sociedade definitivamente muda seu modo de agir na fiscalização, acompanhamento e cobranças de suas lideranças políticas e empresariais (sim, está na hora de deixarem os pobres subirem os degraus na escala social, pagando melhores salários e distribuindo lucros), exigindo investimentos em cultura, esporte e lazer de fato, ou continuaremos a ver cabeças rolando em sacolas, corpos em malas jogados em rios, mortos perfurados com dezenas de tiros em frente às casas.

A violência se combate com educação, cultura e lazer. Sem isso, a barbárie chegará também nas casas da elite, e aí pode ser tarde demais para quem se horroriza pela tv, jornais e rádios. Nossa juventude está literalmente perdendo a cabeça no crime, como vemos em grandes centros, e nós estamos passivos observando o que virá adiante. Que rolem cabeças no poder político via uso do voto popular e participação efetiva do povo na fiscalização, não mais nas ruas da cidade que elegemos para morar, viver e criar filhos e netos.


É assim nas teias do poder...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já somos México

POR CLÓVIS GRUNER

“Vivos se los llevaron, vivos los queremos”. Há alguns anos, na Argentina e no Chile principalmente, estas foram as palavras de ordem com que parentes de militantes políticos exigiam o retorno de seus entes desaparecidos. Nos últimos dias, elas voltaram a ecoar, no México, feito um desabafo, antes de serem confirmadas as mortes dos 43 estudantes desaparecidos desde o final de setembro. Além da violência brutal a aproximar estes assassinatos daqueles perpetrados pelas ditaduras corruptas que vicejaram em nosso continente, os gritos de ontem e hoje tem algo mais em comum: no passado e no presente, os que pediram a volta de seus filhos como eles foram levados, vivos, sabiam que isso já não era mais possível. Por paradoxal que pareça, reivindicava-se a vida apesar da certeza da morte.    

O roteiro que culminou com a tragédia é conhecido. No dia 26 de setembro, um grupo de estudantes foi detido pela Polícia Municipal de Iguala. Entregues pelos próprios policiais ao cartel Guerreros Unidos, que controla a cidade, foram conduzidos, depois de espancados, até um lixão na cidade vizinha de Cocula. Lá, foram mortos e seus corpos incinerados em uma imensa fogueira. A ordem de sequestrá-los partiu do chefe da Polícia Municipal, Francisco Salgado Valladares; a de matá-los, do chefão local do crime organizado, conhecido por “El Chuky”. O prefeito, José Luis Abrange, não foi apenas conivente, mas participante ativo do assassinato. Ele e sua mulher estão presos.

A HISTÓRIA DE UM FRACASSO – A morte dos estudantes não é um caso isolado, mas mais um capítulo na narrativa de um fracasso. Em junho deste ano, 22 pessoas foram executadas por soldados do exército em Tlatlaya; em uma tentativa de acobertar a execução, as autoridades estatais divulgaram inicialmente, a informação de que as mortes ocorreram durante o enfrentamento entre as tropas militares e as vítimas, ligadas aos cartéis. Há cerca de dois anos, jornalistas que investigavam crimes ligados ao tráfico foram decapitados; mais ou menos à mesma época, os restos de 18 corpos decapitados e desmembrados foram encontrados em Guadalajara, segunda maior cidade mexicana. Em 2010, em Ciudad Juárez, um comando armado invadiu uma festa e iniciou disparos indiscriminados, matando 15 dos jovens que lá estavam.

A violência, uma constante no país há muitos anos, aumentou significativamente desde que o ex-presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis da droga. Apenas nos últimos quatro anos, cerca de 22 mil pessoas morreram e os resultados restam infrutíferos: o crime organizado continua forte; os cartéis sobrevivem às investidas militares; muitas instituições e agentes públicos foram irremediavelmente corrompidos e mantém ligações estreitas com o narcotráfico – a começar pelas polícias e os policiais. Em suma, o objetivo inicial, vencer a violência com o recurso à violência, conseguiu produzir... mais violência. A recente revolta popular é plenamente justificada: o México deixou de ser, nas palavras de um de seus principais escritores, Juan Pablo Villalobos, “essa coisa exótica de que o estrangeiro tanto gostava”, para tornar-se “um relato triste, sórdido, escuro” de si mesmo.

O MÉXICO É AQUI – Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi reivindica um maior envolvimento do governo federal nas políticas de segurança pública, “antes que sejamos México”. Reitera, assim, a necessidade de uma política de combate à criminalidade – e notadamente do crime organizado e do tráfico de drogas – sustentada principalmente em ações unificadas, repressivas e de cunho militar, mais ou menos o que defenderam, no segundo turno, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Basicamente, a continuidade de uma política que é, justamente, uma das principais responsáveis pelos altos índices de violência criminal de que o Brasil dá hoje testemunho: somente em 2013, foram mais de 50 mil homicídios registrados. Além disso, temos uma das polícias mais letais do mundo, responsável nos últimos cinco anos pela morte de cerca de 11 mil pessoas. Os números também são desfavoráveis se mudamos a perspectiva: no mesmo período, cerca de 500 policiais foram assassinados, a maioria a mando dos chefes do tráfico ou de lideranças ligadas aos comandos criminosos. 

As experiências de militarização da segurança pública, à exemplo das UPPs, aprofundaram e ampliaram um problema já crônico. Elas facilitaram o fortalecimento dos grupos criminosos, hoje mais fortemente armados; forçaram o deslocamento para o interior de parte dos aparatos policial e criminoso antes presentes quase que exclusivamente nas grandes cidades; contribuíram para corromper ainda mais parte da polícia, hoje a serviço do tráfico e do crime organizado; criaram um ambiente de insegurança e violência em comunidades já historicamente carentes; e insuflaram, particularmente entre os setores mais conservadores das camadas médias urbanas, um discurso de justificação da violência institucional. E, claro, produziram cadáveres, muitos, a maioria de jovens pobres e negros. Porque nesta guerra, como em todas as guerras, as vítimas se contam principalmente entre os mais vulneráveis.   

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.