quarta-feira, 24 de julho de 2013

Afinal, por que tantas garantias aos criminosos?


Fonte foto - CB Notícias.
POR ANA CAROLINE TEIXEIRA

Estamos vivendo em uma época em que parece haver um excesso de direitos às "pessoas do mal em detrimento das "pessoas do bem" (pessoas do bem x pessoas do mal: dicotomia fictícia, mas que serve para ilustrar).
Os questionamentos são muitos: foi condenado, mas por que recorrer em liberdade? Foi pego em flagrante, por que foi solto? Confessou, por que ainda se falar em produção de provas?
A resposta é simples: porque ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória! É o artigo 5º, LVII, da Constituição da República. Parece balela, mas não é.
É justo o anseio da população (dentro da qual me enquadro) para que a justiça seja feita rapidamente, para garantir que aquele que matou friamente alguém não esteja solto por aí, podendo a qualquer hora matar outra pessoa. Também é justa a revolta com a quantidade de crimes brutais que a cada dia parecem aumentar.
Mas não podemos esquecer que vivemos em uma sociedade em que se tem uma polícia deficitária, mal preparada, sem estrutura, e mesmo havendo boa vontade, é muito difícil fazer um bom trabalho.
Que temos uma mídia sensacionalista e irresponsável que publica matérias condenando pessoas sem mesmo ter havido o mínimo de investigação. Mostram seus nomes, seus rostos, marcas essas que mesmo com uma futura absolvição nunca serão apagadas.
Temos uma Defensoria Pública que caminha a passos de tartaruga. Em Santa Catarina,os primeiros defensores tomaram posse esse ano. No Paraná já houve concurso, mas o senhor governador ainda não nomeou defensores (ele diz que não tem dinheiro, mas um levantamento aponta que o número de cargos comissionado aumentou em 10% em sua gestão).
O resultado de tudo isso – e muito mais – sem as garantias citadas é: injustiça (não que com garantias haja sempre justiça).

Estamos vivenciando um caso muito simbólico aqui no Paraná.
No dia 28 de junho foi encontrado na cidade de Colombo (região metropolitana de Curitiba) o corpo da Tayná, jovem de 14 anos que estava desaparecida há três dias. A família obteve a informação de que os responsáveis pelo delito eram três funcionários do parque de diversões da redondeza. A câmera de segurança do parque mostrou que ela havia passado ali pela frente no dia que sumiu. Revoltada (de fato foi terrível o crime: estupro e homicídio), a população local incendiou o parque de diversões. Saiu na Veja: “Adolescente é estuprada e morta por funcionários de parque de diversões no PR”. Os três suspeitos confessaram o delito. Ou seja, caso praticamente solucionado. Cadeia neles! Pena de Morte! Castração química!

No entanto, dias depois, descobre-se que o sêmen encontrado na garota não era dos acusados. A OAB foi averiguar e descobriu que um dos “acusados” estava com suspeita de perfuração intestinal e com a costela quebrada; outro está com ossos à mostra de tantos ferimentos e está surdo, pois teve o tímpano rompido; o outro não tinha ferimentos aparentes. Eles então afirmaram que não cometeram o delito e que confessaram sob tortura. A polícia admite um possível erro.

E agora? O que mudou? Será que não teria que se ter aguardado a perícia antes da mídia estampar nos jornais o nome e os rostos dos garotos? Será que as pessoas não teriam que ter aguardado a investigação criminal antes de atear fogo no parque? Antes disso ainda, será que a polícia não deveria ter investigado ao invés de torturar três pessoas para dar uma “solução” ao crime? Mas vale a pena torturar, Jack Bauer salvou muitos americanos assim.
Não estou dizendo que esses jovens não mataram a garota, pode ser que tenham matado. Mas isso só vai se descobrir ouvindo testemunhas; fazendo perícia; colhendo demais provas. Não se faz em um dia, em uma hora.

Enfim, esse é um caso emblemático para exemplificar o quão importante é não se ter um julgamento imaturo. Nem pela polícia, nem pelo judiciário, nem pela mídia, nem pela população. Casos iguais a esse existem diversos por aí.
Isso não nos tira o direito de nos indignar com a maldade humana, nem de cobrar que se apurem os delitos com agilidade, pelo contrário, devemos cobrar o governo para que ele estruture a polícia, devemos cobrar do judiciário que os casos sejam julgados.

Mas nunca se devem suprimir as garantias processuais, até mesmo porque qualquer dia pode ser nossa vez na fila dos condenados, por estar no lugar errado, na hora errada.

*Ana Caroline Teixeira é advogada, formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com especialização na Fundação Escola do Ministério Público.

10 comentários:

  1. Triste o caso descrito.
    Meu comentário fica por conta do termo "polícia deficitária". Não acho que a quantidade ou qualidade da policia brasileira seja das melhores, mas penso que se todos os capturados por ela fossem realmente e mais rapidamente julgados, cumprissem suas penas e fossem reeducados, mesmo com o efetivo atual da polícia, a situação estaria muito melhor do que está.

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    1. Com certeza... em verdade, se qualquer uma das instituições atuassem com mais qualidade, mesmo que isoladamente, a situação melhoraria.
      Mas acredito que para se ter um bom processo de verdade, é necessária uma mudança estrutural de tudo, pois a atuação de todas essas instituições citadas (e muitas outras) são interligadas.
      Por exemplo, muitas vezes o Poder Judiciário não consegue atuar porque a polícia não fez um bom procedimento prévio, não tendo ouvido todos que deveria, não tendo colhido todas as provas necessárias, não tendo feito as perícias devidas.
      Por isso quando me refiro à "polícia deficitária", não me refiro apenas ao efetivo dela, mas a toda estrutura, pois tem delegacia de polícia que mal tem viatura para ir até o local do crime.
      E quanto à reeducação, vixe, para isso acontecer no nosso sistema penitenciário, muita coisa precisa mudar.
      Ana Caroline

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  2. Também atribuo mais culpa ao judiciário (e o legislativo) do que à polícia. De que adianta a polícia caçar e prender um delinquente que atirou a queima roupa num cidadão em um estacionamento do McDonald’s, se a juíza entende que o atirador pode responder em liberdade porque “não oferece perigo à sociedade”?

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  3. Em parte, querida, em parte.

    O caso do circo é emblemático, mas a moral da história é de que não podemos fazer a justiça com as próprias mãos, e só.

    Não tem nada a ver com transito em julgado e etc.

    O que nos deixa enojados é a infinidade de recursos e embagos que fazem com que qualquer um que possa gastar um pouquinho postergue a condenação de qualquer julgamento, desde que não haja flagrante.

    Isso é que está em questão.

    Ninguém é contra a pessoa, desde que não tenha sido presa em flagrante, aguardar em liberdade o primeiro julgamento.

    O que não é plausível é que após uma condenação, mesmo que em primeira instancia, o cara possa aguardar um recurso, ou até mesmo um outro julgamento, em liberdade.

    Condenou na primeira instancia: cadeia!

    Quer recorrer?! Sem problemas. Recorra preso.

    Ai sim, pode ter quantas instancias quiser.

    O que não se pode é fazer justiça com as próprias mãos, isso sim é uma burrice sem tamanho.

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    1. De fato nossos Tribunais estão lotados de recursos de todas as espécies para serem julgados, o que posterga o trânsito em julgado e a prisão.

      Mas isso não acontece gratuitamente, mas sim por temos uma insegurança jurídica muito grande quanto às decisões. Isso porque muitas vezes (e muitas vezes mesmo) os juízes decidem casos praticamente iguais de modo completamente diferentes e de modo completamente diferente do que os Tribunais de Justiças e do STJ e STF. Por isso o advogado recorre.

      Por exemplo, no site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina há um levantamento bem interessante sobre os recursos interpostos.

      No ano de 2012, 38% das decisões dos juízes de primeiro grau foram modificadas pelo Tribunal de Justiça de SC. No ano de 2011, 49% das decisões do Tribunal de Justiça de SC foram reformadas pelo STJ e 35% foram reformadas pelo STF!

      Isso é muito significativo, o que gera esse dever dos advogados de recorrerem, pois a possibilidade de reforma é muito grande. Consequentemente, sobrecarrega os Tribunais.

      Assim, a fim de se “resolver o problema” da morosidade em prender alguém, deve-se resolver o problema da morosidade, não suprimir a garantia de se recorrer em liberdade em um país em que quase 50% das decisões de um Tribunal são reformadas pelos Tribunais Superiores.

      Afinal, se os recursos fossem julgados rapidamente, não haveria problema de se aguardar em liberdade. Mesmo porque não há nada na nossa legislação que proíba que se prenda um réu enquanto ele recorre, basta que exista um fundamento para tanto, só não é mais automático.

      Agora, não quero fazer um discurso corporativista. Com certeza existem casos em que se enrola através de recursos e recursos, mas a realidade não é bem essa.

      Ana Caroline

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    2. Por não ser advogado, tenho uma resposta bem simples ao seu argumento para defender o meu ponto de vista:

      Um erro não justifica outro!

      NeslonJoi@bol.com.br

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  4. Conceito 1
    Direitos humanos devem estar vinculados a DEVERES humanos.
    Conceito 2
    Direitos humanos são para humanos.
    Conceito 3
    Se a acão for aberrante à condicão humana, não se aplicam direitos.
    Conceito 3
    o suspeito usara tornozeleira eletronica até transito em julgado
    Conceito 4
    Não havendo predisposicão moral para condenação à pena de morte, aplicar-se-á o banimento criogenico ... congela o boneco e manda pro polo sul até que a humanidade tenha discernimento de julgá-lo
    Conceito 5
    ..... definhar com a qualidade de vida de um povo é crime?
    eiiiitcha!! e agora, meu?

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    1. E os policiais que prenderam e torturaram os suspeitos de sempre no caso narrado acima; e os policiais que "desapareceram" com o favelado Amarildo; e os militares do BOPE que chacinaram 10 na Favela da Maré.

      Na sua opinião, eles são humanos e suas ações, aberrantes à condição humana? Ou nestes casos a coisa toda se justifica por que eles estavam no cumprimento do dever e, afinal, se o cara não quer ser suspeito, quem mandou nascer pobre e preto e morar na favela?

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    2. Caro Clovis
      Decerto que esses animais não agiram em armonia com a condição humana .....
      O problema é esse. Vivemos uma metastase da "não humanidade", da corrupção nas mais básicas funções de nossa sociedade, da impunidade institucionalizada e da judicialização dos interesses do capital.

      Ou seja .... fudeu tudo. O câncer tomou conta. Agora não da mais para usar aspirina ... Tem que ser na quimioterapia. E quem já teve a infelicidade de acompanhar um tratamento desse, sabe que vai ter muita celula boa que vai padecer. A saúde correra risco.

      Não tenho a pretenção da solução. Se a tivesse, seria imbativel no Nobél. Porém não tapo o sol com peneira. O trem saiu dos trilhos e vai ser foda coloca-lo na linha novamente.
      Mas .... se nada for feito .... aí é que descarrilha de vez.
      Cidadania é um conceito que esta sempre em construção. Ontem, hoje e daqui a cem anos. Será sempre construida, sedimentada, aperfeiçoada ... e em constante evolução.
      Mas é um conceito parecido com o da TV sem controle remoto: "se o interessado não tirar a bunda do sofá, não vai acontecer nada"

      Em tempo - qualquer manifestação é justíssima e legítima .... porém se o malandro esconde a cara pra quebrar vidraça o povo não deve esperar a polícia, não. Tem que descer a porrada no puto que esta distorcendo a defesa da cidadania.

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  5. Fiquei com medo quando começou o texto, mas foi um bom texto, rsrs
    Não sou da área, mas sei que isso acontece muito mais do que pensamos e os anti-direitos humanos vivem dando suporte para atrocidades cometidas muitas vezes contra inocentes

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