quinta-feira, 11 de julho de 2013

A solução é mandar para a rua!

POR CLÓVIS GRUNER


Em janeiro deste ano, o então recém-empossado prefeito Udo Döhler visitou o loteamento Juquiá, no bairro Ulysses Guimarães, e prometeu “dar atenção para estas áreas carentes”, e aos moradores a “dignidade de, pelo menos, terem um endereço”. Estamos em julho, e eis a solução: desde o último final de semana, as cerca de 50 famílias – aproximadamente 150 pessoas – que vivem no Juquiá tem até 30 dias para o deixarem. A notícia chegou aos moradores na sexta-feira, quando uma comitiva formada por representantes das secretarias de Habitação e Infraestrutura do Município, do Ministério Publico Estadual, da Fundema e da Polícia Ambiental esteve no loteamento.

Impossível não se perguntar qual destas entidades esteve no local nos últimos quatro anos e quantas vezes, tentando mediar o problema e oferecer aos moradores outras soluções que não a saída de suas casas? Cínicos, secretários e demais autoridades justificam a medida apelando a razões ambientais, como se não fosse um problema ambiental, além de social e humano, mais 50 famílias desabrigadas. Em matéria publicada no Notícias do Dia, o representante da Fundema destacou que as pessoas vivem em uma situação frágil, sugerindo que o despejo não interessa apenas aos órgãos públicos, mas aos próprios moradores. Ninguém duvida das condições precárias em um loteamento irregular, nascido de uma ocupação. Por outro lado, e até onde li, ficou por responder uma questão a meu ver central: por que estes senhores acham que o desespero de não ter ou saber para onde ir, é melhor que morar no Juquiá? Permitam-me refazer a pergunta: se o loteamento está irregular desde 2009, quando os primeiros moradores chegaram, por que foram necessários quatro anos para se encontrar uma solução e por que a solução, quando chegou, veio na forma do despejo?

UM PROBLEMA CRÔNICO – O déficit habitacional não é um problema exclusivamente local, e tampouco é novo. Em algum momento entre 1990 e 91, quando era repórter do jornal A Notícia, lembro de ter coberto uma ação de despejo executada pela Polícia Militar em um terreno ocupado, acho que na Zona Sul. Na ocasião, uma das poucas entidades – se não a única – a prestar assistência às famílias era o Centro de Direitos Humanos, ainda sob a liderança da irmã Maria da Graça Bráz. Juntos, fizemos para o jornal uma pequena série de reportagens sobre o processo de favelização de Joinville, que eu acreditava à época, ser fenômeno novo. Estava enganado.

Anos depois, fuçando nos documentos do Arquivo Histórico para minha pesquisa de mestrado, descobri que se trata de um problema que se arrasta desde mais ou menos os anos de 1960, e que principalmente nas décadas de 1970 e 80 tomou proporções dramáticas e incontroláveis. Hoje, segundo números oficiais da PMJ, o déficit habitacional é de aproximadamente 14 mil moradias, um número alarmante para uma cidade que tem mais ou menos 500 mil habitantes. Por outro lado, de acordo com o Censo de 2010, cerca de 12 mil domicílios da cidade estão vazios, em uma flagrante contradição que revela dimensões mais profundas e complexas da questão habitacional.

Há alguns anos a Frente de Luta pela Moradia Joinville vem não apenas denunciando o processo de espoliação urbana que grassa na cidade, mas reivindicando o desenvolvimento e a implementação de uma política de moradia efetiva, capaz de responder a uma situação que só faz agravar-se. Em outras palavras, defende que o poder público eleja o problema habitacional uma de suas prioridades, e alerta que a contrarresposta ao descaso crônico tem sido, nas últimas décadas, a sistemática ocupação de terras, prática que remonta pelo menos aos anos 70 e é responsável, entre outras coisas, por drásticas mudanças ambientais, tais como a quase total destruição dos mangues.

NECESSIDADES PÚBLICAS, INTERESSES PRIVADOS – Sabe-se, no entanto, que tal política precisa confrontar interesses privados, para quem o bem estar público pouco ou nada interessa. A especulação imobiliária tem sido, historicamente, um dos principais entraves para uma política pública efetiva voltada à democratização da moradia. Se se trata o solo como mercadoria, sujeitando-o às leis do mercado, privatiza-se o direito a morar, tornando principalmente as camadas mais pobres reféns de imobiliárias e grandes concentradores de terras, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Também historicamente, e não apenas em Joinville, o poder público tem sido não apenas conivente, mas um parceiro efetivo dos especuladores: ao investir em terras desocupadas, valorizando-as comercialmente, corrobora com o processo que dificulta ainda mais a quebra dos mecanismos de mercado, o que poderia tornar a habitação de fato um direito a ser usufruído pela maioria.

Uma das moradoras que teve seu destino selado na sexta-feira última, Catarina da Cruz, está há anos inscrita em um programa habitacional da Prefeitura, sem sucesso. Ou seja, passou pelo final de um governo – o do tucano Marco Tebaldi – e pelos quatro anos de seu sucessor – o petista Carlito Merss –, sem solução. Não me surpreende que a tenha encontrado agora, em um governo de direita e que tem à frente um prefeito conhecido pela sua pouca sensibilidade social e pelo excessivo pragmatismo. Empresário de sucesso, homem de resultados, Udo Döhler talvez resolva um drama de quatro anos, o do loteamento Juquiá. E junto com este, resolve também a situação de quem está há ainda mais tempo vivendo um cotidiano marcado pela extrema fragilidade. O problema é que o vislumbre de futuro é ainda mais incerto e precário que as incertezas e as precariedades do presente. 

Em menos de 30 dias, Catarina, suas três filhas e vizinhos não terão para onde ir depois de serem expulsos para fora de suas casas, provavelmente com a truculência característica das autoridades brasileiras quando lidam com miseráveis. Como o prefeito Udo Döhler prometeu em janeiro, eles terão enfim um endereço: a rua ou algum abrigo improvisado. E se é isso que ele entende por "atenção", temo pela sorte dos demais desassistidos da cidade pelos próximos quatro anos.

15 comentários:

  1. Cercar o Juquiá, fonte: (Noticias do Dia);

    Transformar a Águas de Joinville em uma nova Seinfra da Burocracia e lentidão de aprovação de projetos e exigências, obrigando pequenos investidores a ficarem na fila mais 90 dias para conseguir a aprovação de um projeto de 06 apartamentos ou maior que 600m², gastando no mínimo mais 500 reais (fonte: A notícia);

    Cobrar IPTU no cartório via SPC/SERASA sem ter banco de dados confiável (vários carnes de IPTU de 2008 constam parcelas em aberto, quando na verdade estão pagas e por simples coincidência o secretario da fazenda da época é o mesmo de hoje: Nelson Corona),(Fonte: Engenheiro Amigo meu provou para mim a situação com documentos);

    Coibir construções populares, via LOT, restringindo a frente mínima de pequenos empreendimentos que seriam financiados pelo minha casa minha vida em 5 metros, beneficiando grandes construtores que terão menos concorrência para enfrentar. (Fonte: LOT, Site do IPPUJ);

    Fechar postos de saúde: (Fonte, Jornal a Notícia);

    Recusar a construção de 02 Unidades de Pronto Atendimento oferecidas pelo governo federal (UPAS), uma no Vila Nova e outra na Zona Sul porque seriam "muito caras para manter" (paga em ouro pô), (Fonte: jornal a notícia);

    Prometer que em 06 meses o problema da saúde estaria resolvido (fonte: A Noticia);

    ...

    Vou parar por aqui para não vomitar...

    E vocês, do chuva ácida ajudaram a eleger um fascista destes...

    NelsonJoi@bol.com.br

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    1. Esse negócio de ajuda é complicado, teve tanta ajuda estranha nessa eleição, a galera do Chuva ajudou mesmo.
      Na comunicação...

      José António Baço será o novo diretor-executivo da Secretaria de Comunicação de Joinville. publicitário está se desligando de seu trabalho em Portugal para assumir como número 2 da pasta. Ele foi convidado por Marco Aurélio Braga. Só não acertará no cargo caso não consiga validar seu visto de trabalho.
      http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3982051.xml&template=4191.dwt&edition=21003&section=941
      Acabou não dando certo, mas teve um coordenador e um gerente que saíram daqui.

      Mas não foi só o Chuva Ácida que ajudou a eleger ele... Teve um partido que ajudou também:
      http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/politica/eleicoes-2012/noticia/2012/08/psdc-diz-que-recebeu-dinheiro-em-negociacoes-para-apoio-na-eleicao-de-joinville-3845629.html

      Fora o apoio do Senador.

      Todos ajudaram a criar essa Joinville de novo melhor.

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    2. 14:05, o apoio de alguns dos membros do blog durante as eleições ficou claro. À época não era colaborador fixo, mas leitor e comentador assíduo, e foi nesta condição que acompanhei o debate.

      Acho que a tomada de posição é um direito que compete a qualquer um. No Chuva, a maioria dos integrantes, mas não todos, preferiu o Udo ao Kennedy. Eles tinham as razões e motivos deles. Mas não acredito que ela tenha sido "estranha", até porque ela não foi nem consensual e nem tampouco feitas às escondidas.

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  2. Nelson, por este pecado pelo menos não serei condenado à danação eterna. Como eu disse à época da eleição, quando ainda comentarista: não voto mais no "menos pior". Anulo.

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  3. Tô com tigo meu bruxo!!!

    NelsonJoi@bol.com.br

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  4. Eu defendo a questão social apontada, agora também quero ver preservado os remanescentes de mangues, parques, margens de rios e áreas públicas, todas cobiçadas por invasões. Se há 4 anos atrás tivessem impedido a primeira invasão, provavelmente não teríamos esta situação, pelo menos nestas proporções. A fiscalização do poder público é zero.
    E também tem os casos de pessoas que venderam o apartamento no Trentino e que estão nesta área de invasão do Juquiá, são casos pontuais, mas que mancham o real propósito destas ocupações.

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    1. Josué, me permita um reparo: o problema das ocupações não é novo e tem bem mais que quatro anos. Não sei se você nasceu ou vive em Jville. há muito tempo. Mas lembro claramente dos mangues ocupados já nos anos de 1970. Aliás, bairros inteiros - como o Comasa do Boa Vista, por ex. - surgiram a partir de ocupações.

      Você tem razão: falta a presença do poder público. Mas não acho que se trate apenas de fiscalizar, mas de desenvolver uma política efetiva de habitação, o que Jville. e a maioria das cidades brasileiras não tem.

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    2. Clóvis, os 4 anos referem-se à invasão mais recente no Juquiá, e não do processo de ocupação de Joinville.

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    3. Certo, Josué. Eu não havia entendido.

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  5. Devemos pensar no outro lado quando falamos em investir em terras. Não tenho dinheiro para isto, mas se tivesse investiria sim em terras e imóveis, e não gostaria que fossem invadidos.
    É difícil ter boa rentabilidade nos negócios e outros investimentos e este é um ramo que até agora se mostra bem lucrativo.
    A casa onde moro foi construída em um terreno comprado, não invadido, e com muito suor. Todos os impostos são pagos.
    Seria bom achar um terreno na cidade que eu achar melhor, cercar, construir sem nenhuma licença, bancar o pedreiro e não ter impostos a pagar.
    Claro, todos devem ter direito a moradia e acho que este é um problema difícil de resolver, se for pensar nos números citados no texto. O governo deve dar o suporte o auxilio e transformar essas pessoas em trabalhadores que consigam pagar seus impostos e comprar sua casa.
    Afinal, correto ou não, este e o sistema que vivemos.

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    1. 14:32, esta lógica do "investimento rentável" em terras e imóveis tem um nome: especulação imobiliária. Principalmente se praticada em larga escala, ela é uma das responsáveis pelo déficit habitacional e pelas ocupações irregulares.

      E não confunda "direita à moradia" com "morar de graça". Particularmente, não tenho notícias de ocupações que, regularizadas, saíram de graça para quem ocupou. Não se trata de dar terra e casa, mas de desenvolver e implementar políticas públicas que facilitem o acesso à moradia.

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  6. Sobre este processo de ocupação de áreas é interessante ler a dissertação de mestrado do Geografo Naum Alves de Santana, que fala de um Hiato de aprovação de loteamentos na década de 1970. Simplesmente na época o poder público fechou os olhos para os loteamentos irregulares.
    Quem pode conter a especulação imobiliária é o poder público, e depois da estatuto das cidades seria mais "fácil" mas falta vontade politica.

    Desapropriar o Juquiá é fácil, difícil é ir contra o interesse dos amigos.

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    1. André, você tem a referência completa desta dissertação? Me interessaria lê-la.

      Quanto a contraria o interesse dos amigos... Bom, a melhor coisa que encontrei para dizer foi: bingo!

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  7. https://www.facebook.com/naumalvesde.santana?fref=ts
    esse é o link do Facebook dele
    ele deve ter alguma versão online para te passar

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