sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O povo está oficialmente fora do Conselho da Cidade

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O que acontece em Joinville nos últimos anos, principalmente quando falamos sobre planejamento urbano, vem em uma corrente totalmente contrária ao que acontece de mais moderno pelo mundo todo. Enquanto muitos lugares avançam, nós regredimos. E regredimos muito, inclusive em aspectos básicos de nossa democracia.

Quando em 2013 se questionou a Conferência da Cidade, momento em que somente cidadãos com CNPJ ou estatuto social poderiam se candidatar a delegados para o Conselho da Cidade, percebemos que algo não estava de acordo com os preceitos legais e teóricos sobre o assunto. Só se elegeu para o Conselho da Cidade quem fazia parte de alguma entidade, associação ou OSCIP. Foi privado de seu direito todo o qualquer cidadão residente na cidade, rasgando o que diz o Estatuto da Cidade:

Art 1, II - gestão democrática por meio da participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;


Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população E de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. (Grifos nossos)

O Conselho da Cidade foi, então, questionado, mas mantido através de decisão judicial. De acordo com algumas inobservâncias do Estatuto nas decisões judiciais, alguns recursos foram proferidos pela sociedade civil, com algumas respostas positivas (principalmente através de recursos em Florianópolis) e outras frustrantes. Uma das mais mais contrárias à participação popular aconteceu nesta semana.

Quando a ação popular questionou o fato da não-participação da sociedade civil nas reuniões do Conselho da Cidade, o Juiz Roberto Lepper, da 2a. Vara da Fazenda Pública de Joinville, sentenciou que a população "comum" não deve ter acesso às reuniões do Conselho da Cidade, já que ela não tem direito a voz e nem a voto. Segundo a decisão:

não há porque determinar-se aos réus que garantam que as reuniões do Conselho da Cidade e de seus órgãos fracionários sejam abertas ao público e a qualquer do povo, com direito a voz etc, cumprindo- lhes apenas a observância das regras previstas no Regimento Interno. (Grifo nosso)

Todavia, há algumas considerações a se fazer:

a) Os conselheiros eleitos, mesmo que com o CNPJ, tiveram votos da população "comum", após a garantia deste via ação popular pós-Conferência da Cidade em 2013 (se dependesse da prefeitura de Joinville nem isto teria acontecido);

b) Como há uma representação não só das associações representativas dos segmentos, mas também da sociedade civil num geral, nada mais justo que a abertura das reuniões para a população aconteça como forma de fiscalização social e acompanhamento dos trabalhos dos representantes eleitos (mesmo que, ao nosso ver, de forma antidemocrática pela obrigatoriedade de uma representação associativa) na gestão democrática da cidade de Joinville. É assim que funciona com qualquer órgão representativo: Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, etc.;

c) O Regimento Interno diz que todas as manifestações são registradas em ata e isto, para o magistrado, já vale como instrumento de observação do que acontece nas reuniões do Conselho da Cidade. Como proceder em casos como o do ex-conselheiro Juarez Vieira, onde suas manifestações contrárias ao modelo de análise da nova Lei de Ordenamento Territorial foram omitidas das atas oficiais, mesmo com a sua ênfase para que constasse o registro por escrito?

Está muito evidente que algumas situações estão indo contra aos preceitos mais modernos de participação popular e gestão democrática da cidade. A população deve, sim, ter acesso a todas as ações públicas, especialmente quando estas forem tomadas em Conselhos e demais canais participativos. Cercear a participação popular nestes órgãos é, em minha visão, ceifar anos de construção popular em torno do planejamento urbano participativo, além de declarar abertamente que existe medo em torno da pressão popular que pode existir nestas reuniões, mesmo somente com sua presença física, sem direito a voz e nem a voto. Ou seria aceitar, de forma implícita, que há algo para ser escondido e que a população não deve saber?

É por estas e outras que a justiça se torna um agente determinante na construção das cidades, e o foco sob sua atuação deve ser aumentado, evitando, ao longo dos anos, que casos como este apresentado tornem-se menos comuns como atualmente. A flexibilização da lei não deve acontecer a favor de ninguém, muito menos aos grupos dominantes do cenário político-financeiro e aos grupos do capital imobiliário-construtivo.

Obs: a íntegra da decisão pode ser obtida em www.tjsc.jus.br, autos número 0803258-37.2014.8.24.038.

3 comentários:

  1. Gostaria de uma materia sobre Paulo Bauer ter recebido verba da empresa que deu calote no estado. Quem essa empresa queria prejudicar? http://cangarubim.blogspot.com.br/2014/09/samba-do-alemao-doido.html Olha os tucanos em SC

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  2. Sei não, hein!
    O lobo mau não é tão ruim ... e nem chapeuzinho vermelho é uma santa.
    Todo raciocínio linear é pobre e limitado. A vida é orgânica ... coisas e pessoas são diferentes, mas a busca por um equilíbrio implica na existência de um convívio com o antagônico.
    “ganhamos tudo” ou “perdemos tudo”
    “Nós do bem” ou “eles do mau”
    “espraiar toda a cidade” ou “verticalizar toda a cidade”
    Ao contrario dos corpos técnicos dos defensores do capital, regiamente remunerados, e com tempo para aprofundamentos .... os movimentos populares são voluntários, ou seja, deixam seus afazeres, seu lazer, sua família e doam seu tempo e atenção ao que deve ser debatido (e eventuais despesas de deslocamento).
    “... a população "comum" não deve ter acesso às reuniões do Conselho da Cidade ....”
    A menos que eu esteja acometido de avançado grau de Alzheimer, as reuniões nunca foram fechadas ao público. Só não pode ser à kacete – “Estamos discutindo estatuto e adentra querendo falar de transporte”. E ocasião oportuna, eu estava presente e assisti um cidadão defender os interesses da bicicleta, os caçambeiros explanarem suas dificuldades e o convite feito ao “passe livre” que selecionasse uns dez integrantes para se manifestarem .... que infelizmente não aceitaram pois queriam entrar com todo o grupo (umas 150 pessoas) .... no plenarinho da câmara?!!!!!
    Já levei três vizinhos meus para acompanhar debates. Já levei representante de organização ambiental. Já levei uma mestranda em sambaquis ... sem falar nas vezes que chamo os colegas do Observatório Social para me ajudar a entender os jogos de interesses.
    Lamento muito a saída do Juarez. Não por ser um combatente dos frascos e dos comprimidos .... mas porque ele estava lá, estudava, comparecia, explanava e defendia suas opiniões.
    E, por respeitar a sua opinião, Charles, repito o que sempre disse ao Juarez ..... não desperdice munição com argumentos que podem ser entendidos como factoides e facilmente contestados.
    Este tipo de tática acaba virando motivo de piada. Esta semana mesmo, na quinta feira, uma coluna publicou uma nota do que havia acontecido na noite anterior na reunião do conselho com uma observação sobre os geminados ----?!?!?!?!? Isso não foi comentado nem no café. Ou seja .... ouviu a banda tocar mas não entendeu aonde, né ---- factoide. Notícia plantada?
    Quem ganha com isso?
    Em tempo, convido vc e teus leitores a acompanharem as reuniões.
    Mantidas as premissas de respeito e ordem .... se a palavra não lhe for dada ou o acesso negado, eu me levanto em protesto e me retiro contigo.
    Cordiais saudações
    sergio duprat

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  3. Parabéns por trazer o tema para ser discutido. Minhas principais observações foram bem abordadas pelo Sérgio

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