segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Dar uma espiada em Arapongaville

POR JORDI CASTAN

Era uma vez na sambaquiana capital do reino dos manguezais. O burgomestre andava fascinado com a segurança, ao ponto de criar uma secretaria de segurança sui generis. Sonhava ver os seus agentes uniformizados desfilando garbosos e armados - e bem armados. Acreditava que aí sim a segurança de Arapongaville estaria resolvida. Roubos, assaltos e outros crimes diminuiriam porque a sua pomposa guarda municipal traria a tranquilidade para os arapongavillenses, coisa que nem a Policia Civil, nem a Policia Militar tinham conseguido garantir.

Mas enquanto a sua guarda local não começava o seu patrulhamento ostensivo - e enquanto a segurança de fato não melhorava - o burgomestre decidiu dedicar-se a curtir o seu brinquedo mais novo: a belíssima “Central de Arapongagem da Estrela”. Um brinquedo lindo, equipado com o último grito na tecnologia da bisbilhotagem. Não havia telefone fixo nem celular que não pudesse ser grampeado. Não havia secretário que não tivesse a sua agenda esquadrinhada com atenção. Nada escapava ao olhar implacável da dita central.

Os relatórios seriam detalhados. Quem? Quando? Onde? Com quem? O que? A que hora? Quanto tempo? Lembravam os da Stassi (Ministerium für Staatssicherheit, MfS) da antiga Alemanha Oriental, a policia política do ex-presidente Erich Honecker, que acumulou toneladas de relatórios, dezenas de milhares de horas de gravações, milhares de terabites de informações inúteis. Informações que incluíam desde receitas de bolo a medidas da roupa interior dos amantes do regime, passando pelo número de colheres de açúcar que uma determinada pessoa colocava no cafezinho.

Só havia um problema. Havia quem dissesse que o velho general estaria usando os recursos públicos do orçamento municipal para bisbilhotar. Muitos diziam: se quisesse brincar de James Bond dos manguezais com o seu patrimônio, tudo não passaria de uma excentricidade de um velho gagá que nunca superou a sua fascinação pelas marchas militares prussianas e crente de que ordem é progresso. Mas dedicar recursos públicos, tempo dos funcionários e o próprio tempo que seria destinado a resolver os problemas de Arapongaville preocupava e entristecia os arapongavilenses. Porque o velho general não percebia o ridículo da imagem de um coscuvilheiro de pijama e pantufas lendo mexericos da vida alheia, como quem acompanha, sem perder detalhe, o enredo a novela das oito. 


Mas esta história, como uma novela das oito, é ficção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O comentário não representa a opinião do blog; a responsabilidade é do autor da mensagem